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Cultura Pop

O disco que deixou Tony Bennett doente

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O disco que deixou Tony Bennett doente

Não existe “fase psicodélica” na carreira de Tony Bennett, claro – o veterano e já saudoso cantor de jazz e de pop clássico sempre foi um cantor para “a família” e um entertainer de altíssimo calibre, o que já o colocaria fora do radar dos discos mais “jovens” e menos conservadores. Numa época, Bennett chegou a reconhecer que sua carreira não tinha nada a ver com as últimas modas e com o que as gravadoras passaram a querer depois de algumas décadas.

A redescoberta dele por um público mais jovem só poderia ter acontecido mesmo nos misturados e enlouquecidos anos 1990, com direito a aparições nos late shows televisivos, à gravação de um bem sucedido Unplugged MTV e a shows de Tony em festivais de rádios alternativas. Nomes como Elvis Costello, mais reconhecíveis para as novas gerações, também faziam sentido se postos ao lado de Bennett, que era o tipo de cantor que os pais de artistas como os Red Hot Chili Peppers ouviam.

Bem antes disso, a aproximação mais próxima que Bennett havia tido de um público mais jovem tinha rolado em 1970 com um disco que ele detestou fazer, e que é considerado por muita gente como seu ponto baixo. Numa fase em que seus discos não vendiam mais como antigamente, Clive Davis, então o chefão da Columbia, convenceu o cantor a fazer um álbum “moderno”, com músicas de compositores mais contemporâneos. Nasceu Tony sings the great hits of today!, lançado em 7 de janeiro de 1970.

Ouve aí. Tá longe de ser um disco ruim, embora Tony tivesse execrado o álbum por muito tempo.

O repertório não era, digamos assim, psicodélico (apesar da ilustração da capa) nem parecia tão deslocado. Havia quatro faixas dos Beatles, entre elas Something, de George Harrison, e Eleanor Rigby, de Lennon & McCartney. Mas tinha também uma música de um contemporâneo dele (Here, de Gene Lees), uma música da dupla Burt Bacharach e Hal David (The look of love) e até um hit de Stevie Wonder (My cherie amour) em versão bacana.

Ainda assim, Bennett considerava o disco uma concessão a Clive, que o perturbou por meses tentando convencê-lo. Bem pior que isso: o cantor ficou doente (de verdade) por causa do álbum. “Até Clive reconheceu em seu livro que eu tive tanta náusea antes da primeira sessão de gravação que eu literalmente vomitei”, recordou Tony na autobiografia The good life. Wally Gold, notável da Columbia Records, sofreu na mão do cantor, já que era a ponte entre ele e a gravadora. “Essas canções não eram meu estilo. A única coisa boa foi que contratamos o maestro Peter Matz, perfeito para o trabalho”, contou.

O inferno para Tony é que Tony sings the greatest hits of today! vendeu bem (segundo Clive disse a ele) e a gravadora queria outro disco igual. Ele resolveu o problema gravando um disco no mesmo estilo, mas com um material que não o deixaria doente. Something (outubro de 1970) tinha a mesma Something (de Harrison) do disco anterior, outra dos Beatles (The long and winding road) e um repertório que incluía Tom Jobim, Norman Ginbel/Francis Lai e até Everybody’s talkin, de Fred Neil (aquela mesma, que o Harry Nilsson gravou). Deu mais certo, pelo menos no sentido de deixar o cantor mais calmo.

Crítica

Ouvimos: Chico Chico, “Estopim”

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Ouvimos: Chico Chico, "Estopim"
  • Estopim é o segundo álbum solo de Chico Chico, produzido por Pedro Fonseca e Rafael Ramos. É o segundo lançamento do cantor pela Deck – em 2023 saiu o EP Espelho. Nomes já conhecidos dos álbuns dele, como Julia Vargas, Tui Lana e João Mantuano, participam do álbum.
  • Pedro, que vem trabalhando com o cantor desde 2023, “entendeu bem essa dualidade das composições, tanto das imagens rurais quanto das urbanas que permeiam meu trabalho e se fazem presente neste álbum”, diz Chico.
  • Nomes como Marlon Sette (trombone), Walter Villaça (guitarra e violão de aço), Thiago da Serrinha (percussão) e Jorge Continentino (sax barítono, flauta e pife) estão na lista de músicos.

Segundo álbum individual de uma carreira bastante voltada a registros em dupla ou grupo, Estopim é o disco mais sistemático (vamos dizer assim) que Chico Chico conseguiu fazer até o momento. E ele conseguiu isso numa gravadora de porte – a Deck -, sem abdicar da identidade própria que havia em todos os lançamentos anteriores. No novo álbum, a voz dele, mais até do que lembrar a da mãe Cássia Eller, soa como vários anos de história da MPB pós-tropicalismo condensados numa pessoa só – numa onda musical que abarca Elis Regina, Luiz Melodia, Gilberto Gil e até Oswaldo Montenegro.

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Nem parece, mas a carreira discográfica de Chico Chico já está prestes a completar dez anos – sua estreia 2×0 Vargem Alta, que era na verdade a estreia epônima de uma banda (formada por ele e vários amigos), saiu em outubro de 2015. A sonoridade quase blues e predominantemente acústica do disco ainda dá as caras em Estopim mas foi sendo acrescida de outros elementos, cabendo o soul forte de Parado no vento (na qual o registro vocal do cantor lembra o de Cazuza), o rock nordestino à moda de Alceu Valença e Raul Seixas em Toada, um som mais pop e suingado em Terra à vista (que por sinal foi o primeiro single do álbum) e uma MPB bem próxima da sonoridade pop setentista em Vai. Além do frevo de Moda do chapéu e do pop com sonoridades arábicas de Acorda Zé.

Quem curtiu músicas folk e brasileiras de Chico como Ribanceira (cujo potencial levou-a à trilha do remake da novela Pantanal) vai ficar feliz com o forró folk ágil de Altiva, gravada com Juliana Linhares, e com a interiorana Urminino, com participação (infelizmente pouco audível) de Julia Vargas. De novidade, tem a experimental Abismo, uma canção cujo arranjo é composto de várias vozes sobrepostas.

Nota: 8,5
Gravadora: Deck.

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Cultura Pop

No nosso podcast, Talking Heads e a época de “Stop making sense”

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No nosso podcast, Talking Heads e a época de "Stop making sense"

David Byrne, Jerry Harrison, Tina Weymouth e Chris Frantz, os quatro integrantes dos Talking Heads, pareciam “artísticos” e diferentões demais para serem uma banda do mainstream – e mesmo na turma que girava em torno do CBGB’s, boteco roqueiro de Nova York, tinha gente que olhava torto pra eles. No entanto, se bobear você conhece pelo menos uma dezena de músicas deles. E sua rádio rock favorita toca pelo menos Psycho killer, And she was e Wild wild life todos os dias. E a última festa rocker que você foi botou geral pra soltar a voz no quase-hit The road to nowhere, ou no batidão Burning down the house.

Naturalmente, um projeto tão aberto a influências e novidades tinha que chegar nas telonas, e lá foram os Talking Heads dar aquela revolucionada no universo dos filmes de shows de rock e lançar Stop making sense (1984), que está de volta aos cinemas, remasterizado. E o Pop Fantasma Documento, podcast do site Pop Fantasma, dá hoje aquele sobrevoo no antes, durante e depois do filme, focando no período que vai do excelente disco Speaking in tongues (1983) ao magistral Little creatures (1985). Ouça, e depois ouça tudo dos Talking Heads.

Século 21 no podcast: Master Peace e Exclusive Os Cabides.

Estamos no Castbox, no Mixcloud, no Spotify e no Deezer .

Edição, roteiro, narração, pesquisa: Ricardo Schott. Identidade visual: Aline Haluch (foto: reprodução internet). Trilha sonora: Leandro Souto Maior. Vinheta de abertura: Renato Vilarouca. Estamos aqui de quinze em quinze dias, às sextas! Apoie a gente em apoia.se/popfantasma.

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Crítica

Ouvimos: Laurie Anderson, “Amelia”

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Ouvimos: Laurie Anderson, "Amelia"
  • Amelia é o décimo-terceiro álbum* da musicista de vanguarda Laurie Anderson, cujo tema é o voo solo ao redor do mundo feito pela aviadora norte-americana Amelia Earhart (1897-1937). Pioneira na defesa dos direitos das mulheres e detentora de vários recordes de aviação, Amelia, durante o voo, acabou desaparecendo no Oceano Pacífico, perto da Ilha Howland.
  • Além de Laurie (voz, viola, teclados e eletrônicos) participam do disco a orquestra checa Filharmonie Brno, os norte-americanos do Trimbach Trio, a cantora Anohni (dos Johnsons) e um grupo que inclui músicos como Marc Ribot (percussão) e Martha Mooke (viola).
  • “Amelia estava fazendo uma coisa realmente perigosa. Ela era muito prática, diferente de Charles Lindbergh, que era um piloto de luvas brancas em muitos aspectos. Ela realmente estava trabalhando com os caras sob o capô”, contou Laurie (segundo a Billboard), lamentando que quase cem anos depois do desaparecimento de Amelia, “as meninas ainda não sejam realmente encorajadas a fazer engenharia”.
  • No Grammy 2024, Laurie ganhou uma estatueta pelo conjunto da obra. “Fico feliz do Grammy ter visto o que faço como música, porque eles geralmente ignoram coisas experimentais”, afirmou.

Quem curte sonoridades experimentais e art pop vai se sentir tentado/tentada a dar uma olhadinha no disco novo de Laurie Anderson só de ver a lista de faixas. Amelia tem uma formatação bastante curiosa: são 22 faixas em 34 minutos de duração, divididas na maior parte do tempo em canções de pouco mais de um minuto – há micromúsicas de trinta segundos e algumas (poucas) com duração mais extensa. O recheio também é instigante: Laurie voltou a uma peça musical sua que já tinha sido levada ao palco há 25 anos, sobre a história de Amelia Earhart, uma mulher norte-americana que em 1937 ousou ser a primeira aviadora a dar uma volta solo ao redor do mundo, passando inclusive pelo Brasil – e morreu durante a jornada, após faltar combustível e o contato via rádio desaparecer.

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Amelia faz uma jornada conceitual pela história do voo solo, unindo sons orquestrados, efeitos de som e vocais falados/cantados, além das intervenções de Anohni em seis faixas. A partir de To circle the world, na abertura, fica claro que o foco está nas lembranças póstumas de Amelia (“é o som do motor/o que eu mais me lembro”, recita Laurie) e seu roteiro de viagem – chegando nas tentativas frustradas de comunicação em Radio, tema orquestral e climático que serve como um portal para a personagem, e é seguida pelo encerramento com os ruídos marítimos de Lucky dime. Os problemas enfrentados durante a viagem são musicados e transformados num diário da aviadora – a faixa Brazil, por exemplo, fala em estática no rádio e céu carregado, mas traz uma nota de otimismo: “o céu tem muitas avenidas e ruas/mas você tem que saber como encontrá-las”.

De modo geral, Amelia deve ser entendida como um espetáculo que pode ganhar uma contrapartida multimídia – em filme, peça, inteligência artificial, ou o que o valha – e que, em disco, instiga bastante a imaginação de quem ouve. O vocal de Laurie, sempre firme e relaxante, alivia a tristeza da história de Amelia. Laurie, impactada pelo pioneirismo da aviadora, incluiu também notas de feminismo na história, em The word for woman here e em This modern world, que inclui um pequeno trecho narrado pela própria Amelia (afirmando que “este mundo moderno de ciência e invenção é de interesse particular para as mulheres, pois as vidas das mulheres foram mais afetadas por seus novos horizontes”).

Nota: 8
Gravadora: Nonesuch

* Obrigado a Johann Heyss pela correção – tínhamos escrito que era o oitavo disco

 

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