Cinema
Cadê a Shelley Duvall?

O blog Messy Nessy Chic deu uma relembrada, a partir de fotos e textos, num dos rostos mais marcantes da história do cinema: nada menos que Shelley Duvall, a Wendy Torrance de O iluminado.
Costumeiramente lembrada por ter trabalhado num dos mais conhecidos filmes de terror de todos os tempos (e pelos perrengues que passou durante as filmagens), Shelley tem uma história que vai bem além disso. Antes de ser descoberta pelo diretor de cinema Robert Altman, que a dirigiria em filmes como Voar é com os pássaros (1970) e Oeste selvagem (1976), chegou a se formar em nutrição e estava com a ideia de se tornar uma cientista. Logo que apareceu, chamou a atenção não apenas pelo talento e pela espontaneidade, mas pelo tipo físico que fazia com quem fosse chamada de “Twiggy do Texas” (referência à modelo britânica).
https://www.instagram.com/p/B3sLczPHjdv/
https://www.instagram.com/p/B16yYaMHdMH/
https://www.instagram.com/p/B2XMHjDnO7T/
https://www.instagram.com/p/BtRqZKpANFd/
https://www.instagram.com/p/B-cr6PsFNkV/
https://www.instagram.com/p/B4nYjorHAnE/
Até aquele momento (foi em 1970, quando Altman estava na terra de Shelley filmando justamente Voar é com os pássaros, e sua equipe), ela não apenas nunca tinha pensado em ser atriz, como também nunca tinha saído do Texas. A equipe do diretor encantou-se com ela, que estava ali por perto, e insistiu por sua convocação para o elenco. Shelley acabou participando de filmes que pertencem não só à história do cinema, como à filmografia da cultura pop, como o musical Nashville (1975), no qual fez groupie Martha. Em 1977, fez o drama Três mulheres, também de Altman, e um papel pequeno em Noivo neurótico, noiva nervosa, de Woody Allen.
Nas filmagens de Noivo neurótico, Shelley conheceu ninguém menos que Paul Simon, com quem teve um relacionamento que marcou época – o casal vivia frequentando a Studio 54, boate da moda em Nova York, e chamava a atenção pelo carisma e pela beleza incomum de ambos. Durou pouco: Shelley apresentou a amiga Carrie Fisher a Simon e o ex-parceiro de Garfunkel se apaixonou pela atriz – com quem ficaria casado por apenas um ano.
Depois viria O iluminado (1980), filme pelo qual Shelley é mais conhecida, inclusive no Brasil. Uma experiência que significou muito para ela, pelo lado ruim e pelo lado bom, digamos assim. Em entrevistas, Shelley afirmou que aprendeu mais sobre seu trabalho no set de Stanley Kubrick do que em qualquer outro filme. Só que – como qualquer fã do filme sabe – as coisas ali não foram muito tranquilas para ela.
https://www.instagram.com/p/BsY_gNHAP26/
A atmosfera pesada de Wendy Torrance era construída a partir de um tratamento bem estranho dado a Shelley. A atriz não fazia suas refeições com o resto da equipe, era ignorada por colegas e destratada pelo diretor, que tinha decidido que ela precisava se sentir fragilizada para retratar bem o desespero da personagem. Não são apenas declarações dadas ao acaso: dá para ver um pouco disso no vídeo abaixo, que mostra o diretor orientando Shelley de maneira bem rude durante uma das cenas. Shelley, quando perguntada sobre isso, afirma que o clima de bateção de cabeça estava ajudando no trabalho.
Vale dizer que Kubrick não dava no saco apenas de Shelley: ele reescrevia tanto o roteiro que o próprio Jack Nicholson parou de ler os rascunhos. A cena do taco de beisebol, que ela dividia com Nicholson (Jack Torrance) , teve 127 takes. No fim do trabalho, a atriz chegou a presentear o diretor com vários tufos de cabelo que ela perdia, por causa da ansiedade.
Shelley ainda teria uma longa carreira após O iluminado. Trabalhou no infantil Popeye (1981), mais um filme de Robert Altman, no qual interpretou a Olívia Palito (Robin Williams, você deve saber, fez o papel-título). Durante boa parte dos anos 1980 ganhou poucos papéis no cinema e acabou virando idealizadora e produtora de um programa infantil, Fairy tale theatre, exibido entre 1981 e 1986 na TV americana. Em 1991, chegou a gravar dois singles com canções de Natal. Era uma nova fase de carreira.
Shelley encerrou a carreira em 2002, aposentando-se precocemente sem apresentar muitas razões. Os rumores sobre o que está rolando com ela só crescem, ainda mais depois de algumas aparições recentes dela na televisão. Em 2016, ela apareceu na rede CBS, na atração apresentada pelo psicólogo Phil McGraw, famoso por suas aparições no programa de Oprah Winfrey. A atriz disse que estava doente, que precisava de ajuda e que seu amigo Robin Williams, morto em 2014, estava vivo (“ele está mudando de forma”, acrescentou).
A atriz de O iluminado mobiliza até hoje muitos fãs – como os responsáveis pela conta do Instagram @soshelleyduvall, que geraram as fotos que você vê nesse texto. A aparição no programa de Phil foi considerada um abuso por muita gente, já que Shelley não parecia estar muito certa do que fazia ali e estava alternando lucidez com momentos em que parecia mesmo fora do ar. Mas foi o suficiente para muitos admiradores lembrarem do carisma e do talento dela. E de uma época em que rostos incomuns davam novas métricas de beleza para a tela grande.
Cinema
Ouvimos: Raveonettes – “PE’AHI II”

RESENHA: Os Raveonettes mergulham de vez no lo-fi e shoegaze em PE’AHI II, disco que soa mais próximo de uma transição do que de uma realização.
- Apoie a gente e mantenha nosso trabalho (site, podcast e futuros projetos) funcionando diariamente.
Raveonettes, aquela dupla que misturava distorções a la Jesus and Mary Chain, clima melodioso herdado dos anos 1950 e estética do filme Juventude transviada, lembra? Pois bem, eles guiaram o timão de vez para gêneros como shoegaze e lo-fi. Não é algo estranho ao som deles, vale falar. Climas “serra elétrica” sempre tiveram lugar nos discos de Sune Rose Wagner e Sharin Foo. PE’AHI II, novo disco, é a continuação de PE’AHI, disco de 2014 que já promovia suas invasões nessas áreas. Sem falar que 2016 atomized – disco anterior de inéditas da banda, 2017 – surfava essa onda.
Só que o Raveonettes de 2025 chega a soar experimental, mesmo quando abre o novo disco com uma balada nostálgica e melancólica, Strange. E na sequência, o ruído programado de Blackest soa como uma curiosa mescla de blackgaze e pop de câmara. Já Killer é uma nuvem de microfonias que lembra bandas como Drop Nineteens, só que com mais cuidado na melodia.
Entre as outras curiosidades do disco, estão o noise rock programado de Dissonant, a viagem sonora e distorcida de Sunday school e a onda sonora de microfonia (alternada com toques dream pop) de Ulrikke. O resultado final deixa um ar de EP, de mixtape, mais do que de um álbum completo e realizado dos Raveonettes. Ainda que PE’AHI II tenha momentos ótimos, soa mais como uma transição para o que vem por aí.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 7,5
Gravadora: Beat Dies Records
Lançamento: 25 de abril de 2025
- Ouvimos: The Raveonettes – Sing…
- Ouvimos: Drop Nineteens – 1991
- Ouvimos: Drop Nineteens – Hard light
Cinema
Urgente!: Cinema pop – “Onda nova” de volta, Milton na telona

Por muito tempo, Onda nova (1983), filme dirigido por Ícaro Martins e José Antonio Garcia – e censurado pelo governo militar –, foi jogado no balaio das pornochanchadas e produções de sacanagem.
Fácil entender o motivo: recheado de cenas de sexo e nudez, o longa funciona como uma espécie de Malhação Múltipla Escolha subversivo, acompanhando o dia a dia de uma turma jovem e nada comportada – o Gayvotas Futebol Clube, time de futebol formado só por garotas, e que promovia eventos bem avançadinhos, como o jogo entre mulheres e homens vestidos de mulher. Por acaso, Onda nova foi financiado por uma produtora da Boca do Lixo (meca da pornochanchada paulistana) e acabou atropelado pela nova onda (sem trocadilho) de filmes extremamente explícitos.
O elenco é um espetáculo à parte. Além de Carla Camuratti, Tânia Alves, Vera Zimmermann e Regina Casé, aparecem figuras como Osmar Santos, Casagrande e até Caetano Veloso – que protagoniza uma cena soft porn tão bizarra quanto hilária. Durante anos, o filme sobreviveu em sessões televisivas da madrugada, mas agora ressurge restaurado e remasterizado em 4K, estreando pela primeira vez no circuito comercial brasileiro nesta quinta-feira (27).
Meu conselho? Esqueça tudo o que você já ouviu sobre Onda nova (ou qualquer lembrança de sessões anteriores). Entre de cabeça nessa comédia pop carregada de referências roqueiras da época, um cruzamento entre provocação punk e ressaca hippie. O filme abre com Carla Camuratti e Vera Zimmermann empunhando sprays de tinta para pixar os créditos, mostra Tânia Alves cantando na noite com visual sadomasoquista, segue com momentos dignos de um musical glam – cortesia da cantora Cida Moreyra, que brilha em várias cenas – e trata com surpreendente modernidade temas como maconha, cultura queer, relacionamentos sáficos, mulheres no poder, amores fluidos e, claro, futebol feminino.
Se fosse um disco, Onda nova seria daqueles para ouvir no volume máximo, prestando atenção em cada detalhe e referência. A trilha sonora passeia entre o boogie oitentista e o synthpop, com faixas de Michael Jackson e Rita Lee brotando em alguns momentos. E o que já era provocação nos anos 1980 agora ressurge como registro de uma juventude que chutava o balde sem medo. Vá assistir correndo.
*****
Já Milton Bituca Nascimento, de Flavia Moraes, que estreou na última semana, segue outro caminho: o da reverência, mesmo que seja um filme documental. Durante dois anos, Flavia seguiu Milton de perto e produziu um retrato que, mais do que um relato biográfico, é uma celebração. E uma hagiografia, aquela coisa das produções que parecem falar de santos encarnados.
A narração de Fernanda Montenegro dá um tom solene – e, enfim, logo no começo, fica a impressão de um enorme comercial narrado por ela, como os daquele famoso banco que não patrocina o Pop Fantasma. Aos poucos, vemos cenas da última turnê, reações de fãs, amigos contando histórias. Marcio Borges lê matérias do New York Times sobre Milton, para ele. Wagner Tiso chora. Quincy Jones sorri ao falar dele. Mano Brown solta uma pérola: Milton o ensinou a escutar. E Chico Buarque assiste ao famigerado momento do programa Chico & Caetano em que se emociona ao vê-lo cantar O que será – um vídeo que virou meme recentemente.
Isso tudo é bastante emocionante, assim como as cenas em que a letra da canção Morro velho é recitada por Djavan, Criolo e Mano Brown – reforçando a carga revolucionária da música, que usava a imagem das antigas fazendas mineiras para falar de racismo e capitalismo. Mas, no fim, o que fica de Milton Bituca Nascimento é a certeza de que Milton precisava ser menos mitificado e mais contado em detalhes. Vale ver, e a música dele é mito por si só, mas a sensação é a de que faltou algo.
Por acaso, recentemente, Luiz Melodia – No coração do Brasil, de Alessandra Dorgan, investiu fundo em imagens raras do cantor, em que a história é contada através da música, sem nenhum detalhe do tipo “quem produziu o disco tal”. Mas o homem Luiz Melodia está ali, exposto em entrevistas, músicas, escolhas pessoais e atitudes no palco e fora dele. Quem não viu, veja correndo – caso ainda esteja em cartaz.
- Apoie a gente e mantenha nosso trabalho (site, podcast e futuros projetos) funcionando diariamente.
Cinema
Urgente!: Filme “Máquina do tempo” leva a música de Bowie e Dylan para a Segunda Guerra

Descobertas de antigos rolos de filme, assim como cartas nunca enviadas e jamais lidas, costumam render bons filmes e livros — ou, pelo menos, são um ótimo ponto de partida. É essa premissa que guia Máquina do tempo (Lola, no título original), estreia do irlandês Andrew Legge na direção. A ficção científica, ambientada em 1941, acompanha as irmãs órfãs Martha (Stefanie Martini) e Thomasina (Emma Appleton), e chega aos cinemas brasileiros nesta quinta-feira (13), dois anos após sua realização.
As duas criam uma máquina do tempo — a Lola do título original, batizada em homenagem à mãe — capaz de interceptar imagens do futuro. O material que elas conseguem captar é todo registrado em 16mm por uma câmera Bolex, dando origem aos tais rolos de filme.
E, bom, rolo mesmo (no sentido mais problemático da palavra) começa quando o exército britânico, em plena Segunda Guerra Mundial, descobre a invenção e passa a usá-la contra as tropas alemãs. A princípio, a estratégia funciona, mas logo começa a sair do controle. As manipulações temporais geram consequências inesperadas, enquanto as personalidades das irmãs vão se revelando e causando conflitos.
Com apenas 80 minutos de duração e filmado em 16 mm (com lentes originais dos anos 1930!), Máquina do tempo pode soar confuso em algumas passagens. Não apenas pelas idas e vindas temporais, mas também pelo visual em preto e branco, valorizando sombras e vozes que quase se tornam personagens da história. Em alguns momentos, é um filme que exige atenção.
O longa também tem apelo para quem gosta de cruzar cultura pop com história. Martha e Thomasina ficam fascinadas ao ver David Bowie cantando Space oddity (o clipe brota na máquina delas), tornam-se fãs de Bob Dylan, adiantam a subcultura mod em alguns anos (visualmente, inclusive) e coadjuvam um arranjo de big band para o futuro hit You really got me, dos Kinks, que elas também conseguem “ouvir” na máquina. Um detalhe curioso: a própria Emma Appleton operou a câmera em cenas em que sua personagem Thomasina se filma (“para deixar as linhas dos olhos perfeitas”, segundo revelou o diretor ao site Hotpress).
Ainda que a cultura pop esteja presente, Máquina do tempo é, acima de tudo, um exercício de futurologia convincente, explorando uma futura escalada do fascismo na Inglaterra — que, no filme, chega até mesmo à música, com a criação de um popstar fascista.
A ideia faz sentido e nem é muito distante do que aconteceu de verdade: punks e pré-punks usavam suásticas para chocar os outros, Adolf Hitler quase figurou na capa de Sgt. Pepper’s, dos Beatles, Mick Jagger não se importou de ser fotografado pela “cineasta de Hitler” Leni Riefenstahl, artistas como Lou Reed e Iggy Pop registraram observações racistas em suas letras, e o próprio Bowie teve um flerte pra lá de mal explicado com a estética nazista. Mas o que rola em Máquina do tempo é bem na linha do “se vocês soubessem o que vai acontecer, ficariam enojados”. Pode se preparar.
-
Cultura Pop5 anos ago
Lendas urbanas históricas 8: Setealém
-
Cultura Pop5 anos ago
Lendas urbanas históricas 2: Teletubbies
-
Notícias7 anos ago
Saiba como foi a Feira da Foda, em Portugal
-
Cinema8 anos ago
Will Reeve: o filho de Christopher Reeve é o super-herói de muita gente
-
Videos8 anos ago
Um médico tá ensinando como rejuvenescer dez anos
-
Cultura Pop8 anos ago
Barra pesada: treze fatos sobre Sid Vicious
-
Cultura Pop6 anos ago
Aquela vez em que Wagner Montes sofreu um acidente de triciclo e ganhou homenagem
-
Cultura Pop7 anos ago
Fórum da Ele Ela: afinal aquilo era verdade ou mentira?