Cinema
Terry Reid, o cara que poderia ter sido vocalista do Led Zeppelin

“Há somente três coisas que acontecem em Londres”, anunciou Tom Dowd, produtor de Aretha Franklin, em 1968. “The Beatles, The Rolling Stones e Terry Reid” (Uncut, em reportagem de junho de 2016).
Na semana passada, vários sites brasileiros reproduziram um tweet da revista Mojo, que trazia a imagem de uma lista escrita à mão pelo vocalista e guitarrista Alex Turner, da banda britânica Arctic Monkeys. Olha aí.
Alex Turner of @ArcticMonkeys wrote MOJO a list of the tunes that were buzzing in his head around the writing and recording of Tranquility Base Hotel & Casino. Here’s Sheet 1… https://t.co/KVABDIADHX pic.twitter.com/hh6AVoJeJ9
— MOJO Magazine (@MOJOmagazine) April 20, 2018
…And here’s Sheet 2. Rock on, in one way or another!… https://t.co/KVABDIADHX pic.twitter.com/qQNrrK5COn
— MOJO Magazine (@MOJOmagazine) April 20, 2018
A tal lista traz os sons que estavam rodando pela cabeça de Alex na hora de compor as canções do (aguardadíssimo, por sinal) próximo disco dos Monkeys, Tranquility Base Hotel & Casino, previsto para 11 de maio. E claro que no Brasil todo mundo ficou espantado com o fato de Turner listar como uma de suas canções de cabeceira Aos barões, do primeiro disco de Lô Borges (o “disco do tênis”, de 1972). O próprio Lô foi chamado para comentar e disse que está ansioso para conferir o resultado.
O que muita gente esqueceu de citar – ou não reparou – é que dentre as influências de Turner está ninguém menos que Superlungs, um dos maiores sucessos do cantor e compositor britânico Terry Reid. Sumido do mercado há alguns anos e vivendo na Califórnia, Reid gravou uma série de discos solo excelentes entre os anos 1960 e 1970. Um dos mais belos é River, lançado em 1973 pela Atlantic, um contemplativo mergulho na mescla de folk e blues. Essa é a música-título.
Entretanto, Reid é mais conhecido como o cara que recusou a oportunidade de ser vocalista do Led Zeppelin. Foi com esse aposto que Reid entrou para a história, após deixar de lado o convite do amigo Jimmy Page, e ainda indicar outro camarada, Robert Plant, para os vocais.
Se você está se perguntando como alguém pode recusar um convite desses, lá vai o choque: Reid também foi convidado para se juntar ao Deep Purple em substituição a Rod Evans. E foi sondado para ocupar a vaga de Steve Winwood no Spencer Davis Group. Em ambos os casos, não quis a vaga. Terry garante não ter nenhum arrependimento das três recusas. Na tal matéria da Uncut citada lá em cima, afirmou que sempre ouviu das pessoas que ele “poderia ter sido Robert Plant”. Mas não é bem assim que as coisas funcionam com ele. “Eu ainda teria sido Terry Reid. Sou cantor, toco violão, escrevo músicas do meu jeito”, contou. “Eu queria esculpir um nicho para mim”.
Diga-se de passagem: Reid, na real, tinha sido convidado por Plant para juntar-se à banda que deu origem ao Led Zeppelin, os New Yardbirds. Pode parecer estranho, mas isso não representava uma garantia de sucesso. Page tinha sobrado por acaso na última formação dos Yardbirds e resolvera acrescentar um “new” no nome, só para cumprir contratos de shows. O que mais aparecia era gente dizendo a Page que a marca “Yardbirds” era desgastada e não tinha futuro. Mas não havia nem sequer o nome “Led Zeppelin” quando Reid recebeu o convite.
https://www.youtube.com/watch?v=kNuQPTzuof4
Terry Reid tinha uma carreira solo que parecia promissora, com direito a abrir shows dos Rolling Stones. Mas após 1968, ano do início do Led Zeppelin encontrou alguns problemas pela frente. O principal deles: tretou com seu primeiro empresário, o poderoso Mickie Most, com quem tinha assinado um contrato no estilo até-o-fim-da-vida. O contrato de Reid, segundo o próprio cantor na tal matéria da Uncut, foi trancado numa gaveta, e ele ficou de 1969 a 1973 só fazendo shows, sem gravar. O outro problema foi sua própria vocação para viver isolado. Quando estava começando a gravar pela Atlantic, Reid foi morar numa propriedade em Malibu, mil pés acima do nível do Oceano Pacífico. Com o tempo, os contratos com gravadoras foram escasseando e ele passou a fazer shows e discos em escala cada vez menor.
Uma novidade para quem ainda não conhece Reid direito é que tá pra sair já há alguns anos um documentário sobre ele, chamado justamente Superlungs, dirigido por Richard Frias. O filme está sendo feito por crowdfunding e tem o próprio Reid como um dos produtores, além de uma série de entrevistados famosos. Robert Plant, do Led Zeppelin, topou dar depoimento e elogiou bastante Reid. Há também Graham Nash, James Gadson (baterista da Motown), Rick Rosas (baixista de Neil Young e Joe Walsh) e ninguém menos que… Gilberto Gil. Olha o trailer aí.
Se você está se perguntando o que é que o autor de Aquele abraço tem a ver com Reid, lá vai: Gil conviveu bastante com Reid durante o exílio em Londres. Chegou a morar na casa do britânico, indicado por amigos. Terry, que era fã de Tom Jobim e João Gilberto, sabia por amigos comuns que Gil estava exilado e resolveu ajudá-lo. “Ele mal falava uma palavra de inglês. Sua palavra favorita era ‘di-o-bolical’. Mas não era claro para ele o que significava. Ele dizia: ‘Oh, olha, isso é di-bolical’. Eu falava: ‘Não Gil, não é isso o que significa!’. Depois de um ano, ele estava fluente”, afirmou Reid em outro papo, com a Wax Poetics.
No mesmo papo com a Wax Poetics, Reid contou que certa vez recebeu a visita de um amigo de Gil que se apresentou como Carlos. Pediu ao visitante que fosse pegar lenha para a lareira e ainda resmungou quando Carlos voltou com apenas dois troncos. Logo que Gil chegou, Terry tomou um susto: o tal visitante era um de seus maiores ídolos, Tom Jobim. “Precisei andar até a cozinha para tomar fôlego”, lembrou o cantor.
(Terry apareceu também num documentário chamado Groupies, que já apareceu aqui no POP FANTASMA – confira aqui)
Cinema
Urgente!: Cinema pop – “Onda nova” de volta, Milton na telona

Por muito tempo, Onda nova (1983), filme dirigido por Ícaro Martins e José Antonio Garcia – e censurado pelo governo militar –, foi jogado no balaio das pornochanchadas e produções de sacanagem.
Fácil entender o motivo: recheado de cenas de sexo e nudez, o longa funciona como uma espécie de Malhação Múltipla Escolha subversivo, acompanhando o dia a dia de uma turma jovem e nada comportada – o Gayvotas Futebol Clube, time de futebol formado só por garotas, e que promovia eventos bem avançadinhos, como o jogo entre mulheres e homens vestidos de mulher. Por acaso, Onda nova foi financiado por uma produtora da Boca do Lixo (meca da pornochanchada paulistana) e acabou atropelado pela nova onda (sem trocadilho) de filmes extremamente explícitos.
O elenco é um espetáculo à parte. Além de Carla Camuratti, Tânia Alves, Vera Zimmermann e Regina Casé, aparecem figuras como Osmar Santos, Casagrande e até Caetano Veloso – que protagoniza uma cena soft porn tão bizarra quanto hilária. Durante anos, o filme sobreviveu em sessões televisivas da madrugada, mas agora ressurge restaurado e remasterizado em 4K, estreando pela primeira vez no circuito comercial brasileiro nesta quinta-feira (27).
Meu conselho? Esqueça tudo o que você já ouviu sobre Onda nova (ou qualquer lembrança de sessões anteriores). Entre de cabeça nessa comédia pop carregada de referências roqueiras da época, um cruzamento entre provocação punk e ressaca hippie. O filme abre com Carla Camuratti e Vera Zimmermann empunhando sprays de tinta para pixar os créditos, mostra Tânia Alves cantando na noite com visual sadomasoquista, segue com momentos dignos de um musical glam – cortesia da cantora Cida Moreyra, que brilha em várias cenas – e trata com surpreendente modernidade temas como maconha, cultura queer, relacionamentos sáficos, mulheres no poder, amores fluidos e, claro, futebol feminino.
Se fosse um disco, Onda nova seria daqueles para ouvir no volume máximo, prestando atenção em cada detalhe e referência. A trilha sonora passeia entre o boogie oitentista e o synthpop, com faixas de Michael Jackson e Rita Lee brotando em alguns momentos. E o que já era provocação nos anos 1980 agora ressurge como registro de uma juventude que chutava o balde sem medo. Vá assistir correndo.
*****
Já Milton Bituca Nascimento, de Flavia Moraes, que estreou na última semana, segue outro caminho: o da reverência, mesmo que seja um filme documental. Durante dois anos, Flavia seguiu Milton de perto e produziu um retrato que, mais do que um relato biográfico, é uma celebração. E uma hagiografia, aquela coisa das produções que parecem falar de santos encarnados.
A narração de Fernanda Montenegro dá um tom solene – e, enfim, logo no começo, fica a impressão de um enorme comercial narrado por ela, como os daquele famoso banco que não patrocina o Pop Fantasma. Aos poucos, vemos cenas da última turnê, reações de fãs, amigos contando histórias. Marcio Borges lê matérias do New York Times sobre Milton, para ele. Wagner Tiso chora. Quincy Jones sorri ao falar dele. Mano Brown solta uma pérola: Milton o ensinou a escutar. E Chico Buarque assiste ao famigerado momento do programa Chico & Caetano em que se emociona ao vê-lo cantar O que será – um vídeo que virou meme recentemente.
Isso tudo é bastante emocionante, assim como as cenas em que a letra da canção Morro velho é recitada por Djavan, Criolo e Mano Brown – reforçando a carga revolucionária da música, que usava a imagem das antigas fazendas mineiras para falar de racismo e capitalismo. Mas, no fim, o que fica de Milton Bituca Nascimento é a certeza de que Milton precisava ser menos mitificado e mais contado em detalhes. Vale ver, e a música dele é mito por si só, mas a sensação é a de que faltou algo.
Por acaso, recentemente, Luiz Melodia – No coração do Brasil, de Alessandra Dorgan, investiu fundo em imagens raras do cantor, em que a história é contada através da música, sem nenhum detalhe do tipo “quem produziu o disco tal”. Mas o homem Luiz Melodia está ali, exposto em entrevistas, músicas, escolhas pessoais e atitudes no palco e fora dele. Quem não viu, veja correndo – caso ainda esteja em cartaz.
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Cinema
Urgente!: Filme “Máquina do tempo” leva a música de Bowie e Dylan para a Segunda Guerra

Descobertas de antigos rolos de filme, assim como cartas nunca enviadas e jamais lidas, costumam render bons filmes e livros — ou, pelo menos, são um ótimo ponto de partida. É essa premissa que guia Máquina do tempo (Lola, no título original), estreia do irlandês Andrew Legge na direção. A ficção científica, ambientada em 1941, acompanha as irmãs órfãs Martha (Stefanie Martini) e Thomasina (Emma Appleton), e chega aos cinemas brasileiros nesta quinta-feira (13), dois anos após sua realização.
As duas criam uma máquina do tempo — a Lola do título original, batizada em homenagem à mãe — capaz de interceptar imagens do futuro. O material que elas conseguem captar é todo registrado em 16mm por uma câmera Bolex, dando origem aos tais rolos de filme.
E, bom, rolo mesmo (no sentido mais problemático da palavra) começa quando o exército britânico, em plena Segunda Guerra Mundial, descobre a invenção e passa a usá-la contra as tropas alemãs. A princípio, a estratégia funciona, mas logo começa a sair do controle. As manipulações temporais geram consequências inesperadas, enquanto as personalidades das irmãs vão se revelando e causando conflitos.
Com apenas 80 minutos de duração e filmado em 16 mm (com lentes originais dos anos 1930!), Máquina do tempo pode soar confuso em algumas passagens. Não apenas pelas idas e vindas temporais, mas também pelo visual em preto e branco, valorizando sombras e vozes que quase se tornam personagens da história. Em alguns momentos, é um filme que exige atenção.
O longa também tem apelo para quem gosta de cruzar cultura pop com história. Martha e Thomasina ficam fascinadas ao ver David Bowie cantando Space oddity (o clipe brota na máquina delas), tornam-se fãs de Bob Dylan, adiantam a subcultura mod em alguns anos (visualmente, inclusive) e coadjuvam um arranjo de big band para o futuro hit You really got me, dos Kinks, que elas também conseguem “ouvir” na máquina. Um detalhe curioso: a própria Emma Appleton operou a câmera em cenas em que sua personagem Thomasina se filma (“para deixar as linhas dos olhos perfeitas”, segundo revelou o diretor ao site Hotpress).
Ainda que a cultura pop esteja presente, Máquina do tempo é, acima de tudo, um exercício de futurologia convincente, explorando uma futura escalada do fascismo na Inglaterra — que, no filme, chega até mesmo à música, com a criação de um popstar fascista.
A ideia faz sentido e nem é muito distante do que aconteceu de verdade: punks e pré-punks usavam suásticas para chocar os outros, Adolf Hitler quase figurou na capa de Sgt. Pepper’s, dos Beatles, Mick Jagger não se importou de ser fotografado pela “cineasta de Hitler” Leni Riefenstahl, artistas como Lou Reed e Iggy Pop registraram observações racistas em suas letras, e o próprio Bowie teve um flerte pra lá de mal explicado com a estética nazista. Mas o que rola em Máquina do tempo é bem na linha do “se vocês soubessem o que vai acontecer, ficariam enojados”. Pode se preparar.
Cinema
Ouvimos: Lady Gaga, “Harlequin”

- Harlequin é um disco de “pop vintage”, voltado para peças musicais antigas ligadas ao jazz, lançado por Lady Gaga. É um disco que serve como complemento ao filme Coringa: Loucura a dois, no qual ela interpreta a personagem Harley Quinn.
- Para a cantora, fazer o disco foi um sinal de que ela não havia terminado seu relacionamento com a personagem. “Quando terminamos o filme, eu não tinha terminado com ela. Porque eu não terminei com ela, eu fiz Harlequin”, disse. Por acaso, é o primeiro disco ligado ao jazz feito por ela sem a presença do cantor Tony Bennett (1926-2023), mas ela afirmou que o sentiu próximo durante toda a gravação.
Lady Gaga é o nome recente da música pop que conseguiu mais pontos na prova para “artista completo” (aquela coisa do dança, canta, compõe, sapateia, atua etc). E ainda fez isso mostrando para todo mundo que realmente sabe cantar, já que sua concepção de jazz, voltada para a magia das big bands, rendeu discos com Tony Bennett, vários shows, uma temporada em Las Vegas. Nos últimos tempos, ainda que Chromatica, seu último disco pop (2020) tenha rendido hits, quem não é 100% seguidor de Gaga tem tido até mais encontros com esse lado “adulto” da cantora.
A Gaga de Harlequin é a Stefani Joanne Germanotta (nome verdadeiro dela, você deve saber) que estudou piano e atuação na adolescência. E a cantora preparada para agradar ouvintes de jazz interessados em grandes canções, e que dispensam misturas com outros estilos. Uma turminha bem específica e, vá lá, potencialmente mais velha que a turma que é fã de hits como Poker face, ou das saladas rítmicas e sonoras que o jazz tem se tornado nos últimos anos.
O disco funciona como um complemento a ao filme Coringa: Loucura a dois da mesma forma que I’m breathless, álbum de Madonna de 1990, complementava o filme Dick Tracy. Mas é incrível que com sua aventura jazzística, Gaga soe com mais cara de “tá vendo? Mais um território conquistado!” do que acontecia no caso de Madonna.
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O repertório de Harlequin, mesmo extremamente bem cantado, soa mais como um souvenir do filme do que como um álbum original de Gaga, já que boa parte do repertório é de covers, e não necessariamente de músicas pouco conhecidas: Smile, Happy, World on a string, (They long to be) Close to you e If my friends could see me now já foram mais do que regravadas ao longo de vários anos e estão lá.
De inéditas, tem Folie à deux e Happy mistake, que inacreditavelmente soam como covers diante do restante. Vale dizer que Gaga e seu arranjador Michael Polansky deram uma de Carlos Imperial e ganharam créditos de co-autores pelo retrabalho em quatro das treze faixas – até mesmo no tradicional When the saints go marching in.
Michael Cragg, no periódico The Guardian, foi bem mais maldoso com o álbum do que ele merece, dizendo que “há um cheiro forte de banda de big band do The X Factor que é difícil mudar”. Mas é por aí. Tá longe de ser um disco ruim, mas ao mesmo tempo é mais uma brincadeirinha feita por uma cantora profissional do que um caminho a ser seguido.
Nota: 7
Gravadora: Interscope.
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