Cultura Pop
SRC, mais rock de garagem de Detroit: descubra!
Montes de bandas importantíssimas passaram pelo Grande Ballroom, célebre casa de shows em Detroit, Michigan, que existiu até 1972. O MC5 gravou um disco lá (a estreia “Kick out the jams”, de 1969) e fazia shows semanais – assim como os Stooges, igualmente minhocas da terra natal. Led Zeppelin, Janis Joplin, Pink Floyd, The Grateful Dead, Howlin’ Wolf, John Lee Hooker, Jeff Beck, Procol Harum, Cream e The Who pisaram naquele palco, igualmente. E outra banda local que sempre que podia, estava por lá, era o SRC.
O grupo não costuma ser tido como uma banda importante do rock de garagem de Detroit – fica meio perdido atrás do MC5 e de outras tantas. Mas vale dar uma ouvida naquele que é considerado o maior sucesso deles, “Black sheep”. Saiu em 1968 pela Capitol em single e depois no primeiro LP da banda, epônimo.
A versão do single era mono.
A do LP era estéreo, tinha diferenças básicas na mixagem e alterações nos solos de guitarra.
Aliás pega logo aí o primeiro disco deles inteiro. Dá para sentir bastante influência do tom meio barroco-psicodélico do Procol Harum em “Marionette”.
O grupo iniciou atividades quando o vocalista do Chosen Few, Scott Richardson, conheceu uma banda de Ann Arbor chamada The Fugitives. Após algumas mudanças de formação, o grupo ficou com três ex-Fugitives: os irmãos Gary (guitarra solo) e Glenn Quackenbush (órgão) e E.G. Clawson (bateria), mais Scott e Robin Dale (baixo e voz). Passaram a se chamar Scot Richard Case, nome depois mudado para SRC. Entre a psicodelia herdada do Procol Harum e o estilo garageiro vigente no Michigan na época, o grupo ficava mais próximo da primeira na sua fase inicial, lá por 1966/1967. Olha aí o primeiro single, ainda como Scot Richard Case, lançado em 1967.
Rolaram outras encarnações da rapaziada. No mesmo ano, saiu um single bem mais barulhento e garageiro, “Get the picture”, em que assinavam como The Old Exciting Scot Richard Case
Se você lê em inglês, toda a metamorfose sonora e conceitual do grupo desde a época do Scot Richard Case está contada por um fã e pesquisador bastante atento neste site aqui. Tem farta memorabília (como os pôsteres de lançamento do primeiro disco, focando bastante no lado psicodélico do grupo) e até as datas de shows da banda, incluindo grupos com quem dividiam o palco. O grupo chegou a participar de um Detroit Pop Fesitval, espécie de Woodstock local realizado em abril de 1969, ao lado de bandas como MC5, Amboy Dukes, Sweetwater e Savage Grace. Também estavam entre as bandas convidadas de um bizarro festival de música que uniria magia negra e rock no Halloween de 1969, o Black Arts Festival, mas acabaram não subindo ao palco (aliás, quase todas as bandas agendadas – tinha Pink Floyd, Alice Cooper, MC5, Bonzo Dog Band – cancelaram suas apresentações.
E a história do SRC não se esgotou no primeiro disco. A banda lançou o bom – bem mais pesado e mais bem resolvido – “Milestones” em 1969, também na Capitol (que, diz o site, não promoveu o LP em nada).
Em 1970, voltaram com uma cara meio progressiva no terceiro e último disco, “Traveller’s tale”.
O grupo foi tendo várias mudanças de formação e deixou singles gravados por outros selos (como o Rare Earth, divisão de rock psicodélico da Motown) até terminar de vez em 1973. Em 2011 e 2012, Scott chegou a se encontrar com os irmãos Quackenbush para alguns shows, mas o grupo está parado. Olha aí um trecho de uma dessas apresentações, em 2012, com o hit “Black sheep”. Scott, que virou um coroa barrigudo e de boa aparência, divide os vocais com duas cantoras.
Um outro lançamento interessante é “Lost masters”, que saiu em 1993, e já em CD, revelando o que poderia ter sido o quarto disco do grupo, gravado no próprio estúdio do SRC entre 1970 e 1972. Dá pra achar algumas músicas em separado no YouTube.
Cultura Pop
No nosso podcast, a época em que o Killing Joke revolucionou o pós-punk
Drogas, caos, peso, ocultismo, iluminação espiritual e paixão pela violência e pelo proibido marcaram a carreira do Killing Joke – e marcam até hoje, já que a banda ainda existe. Do começo até meados dos anos 1980, Jaz Coleman, Youth (e depois Paul Raven), Paul Ferguson e o recém-falecido Geordie inseriram mais e mais perigo num estilo musical, o pós-punk, marcado pela insinuação e pela exploração de demônios interiores.
No nosso podcast, o Pop Fantasma Documento, o assunto de hoje é a melhor fase do Killing Joke, uma das bandas mais misteriosas da história do rock, responsável por aproximar estilos como pós-punk, gótico e heavy metal. Terminamos no disco Brighter than a thousand suns (1986), mas a história do grupo ainda inclui muitos outros discos – ouça tudo.
Século 21 no podcast: Girls In Synthesis e Plastique Noir.
Estamos no Castbox, no Mixcloud, no Spotify e no Deezer .
Edição, roteiro, narração, pesquisa: Ricardo Schott. Identidade visual: Aline Haluch (foto: reprodução internet). Trilha sonora: Leandro Souto Maior. Vinheta de abertura: Renato Vilarouca. Estamos aqui de quinze em quinze dias, às sextas! Apoie a gente em apoia.se/popfantasma.
Crítica
Ouvimos: Ramones, “Halfway to sanity” (relançamento)
Que ironia: um disco nota 6 dos Ramones causa crises de saudades e revisionismo histórico e… pelo menos aqui no Pop Fantasma, aumenta de cotação. Halfway to sanity (1987) volta agora às lojas brasileiras (as online e as que resistem), e no formato CD. Foi o último disco gravado com Richie Ramone na bateria, pouco antes do grupo fazer uma tentativa de colocar o ex-Blondie Clem Burke para substituí-lo.
Dizer que “o disco tal dos Ramones foi marcado por brigas durante a gravação” é chover no molhado, ainda mais em se tratando de uma banda que tinha o intransigente Johnny Ramone como guitarrista. Halfway, décimo álbum da banda, lançado originalmente em 15 de setembro de 1987, por sua vez, é um caso à parte: a porrada comeu antes, durante e depois. Para começar, em janeiro daquele ano, o grupo baixou em São Paulo para três shows – o primeiro deles terminou em briga generalizada provocada por skinheads.
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- Temos episódios do nosso podcast sobre Ramones e Blondie.
No meio das gravações, Joey e Johnny Ramone, inimigos íntimos, não se entendiam. O produtor Daniel Rey tinha problemas de comunicação com boa parte da banda. Dee Dee Ramone (ainda no baixo do grupo), passava boa parte do tempo doidão, não conseguia se comunicar com ninguém e – dizem – teve suas partes de baixo tocadas por Rey. Pessoas que lidavam com os Ramones de perto dizem que a banda já estava de saco cheio de trabalhar feito louca, gravar um disco por ano e não ser reconhecida, com direito a amigos da onça perguntando a eles “quando a banda iria estourar”.
E aí que Halfway soa insano, embora sob controle. Curtíssimo (12 músicas em 30 minutos e uns quebrados), o álbum traz os Ramones fazendo algumas incursões pelo hard rock e pelo hardcore, com direito a vocais berradíssimos de Joey Ramone em faixas como I know better now, a agitada Weasel face (na qual a voz do cantor chega a lembrar a de Alice Cooper) e o skate punk legítimo I’m not Jesus. O grupo chega perto do pós-punk gótico em Garden of serenity, adere ao som tribal na onda do Public Image Ltd em Worm man, e soa revivalista na balada Bye bye baby (com cara de canção de girl group, e escrita, claro, por Joey) e no rock vintage Go lil Camaro go, marcado por uma apagada participação de Debbie Harry.
1987 foi um ano de três bateristas para os Ramones: com Halfway em curso, Richie saiu brigado da banda, e deu lugar para Clem Burke – jornalistas lançaram a piada de que ele adotaria o nome Clemmy Ramone, mas ficou mesmo como Elvis Ramone. Não deu certo e após dois shows confusos, Marky Ramone, que estava afastado da banda desde 1983, retornou. Hoje, vale a redescoberta.
Nota: 7,5
Gravadora: ForMusic (no Brasil)
Crítica
Ouvimos: Nick Lowe e Los Straitjackets, “Indoor safari”
- Indoor safari é o novo disco do cantor, compositor e produtor britânico Nick Lowe. Um artista cuja carreira vem desde meados dos anos 1960, mas que se notabilizou a partir dos anos 1970, primeiro como integrante das bandas Brinsley Schwarz e Rockpile, depois como artista solo lançado por gravadoras como a indie Stiff e a indie-major Radar.
- O disco é uma compilação de gravações feitas ao longo de dez anos por Lowe com a banda retrô-lounge-surf Los Straitjackets, que sempre se apresenta disfarçada por máscaras de wrestling. O cantor e o grupo já haviam lançado um álbum ao vivo em 2016.
- Indoor safari sai pelo selo Yep Roc, iniciado em 1997 e cujo elenco já teve de Fountain Of Wayne a Bob Mould e Gang Of Four.
Figurinha indispensável dos anos 1970, brilhante como cantor, compositor e produtor, rei da transição entre pub rock, punk e new wave (seu som passa pelos três estilos)… Nick Lowe é aquele cara que provavelmente, no Brasil, muita gente conhece sem conhecer. Volta e meia ele é citado por aí como nomão influente, artistas como Elvis Costello já trabalharam com ele, e sua discografia, além de já ser bem extensa, inclui músicas que volta e meia rolam no rádio até mesmo no Brasil, como So it goes, Crackin up e Cruel to be kind.
Drogas e problemas pessoais deixaram a história de Nick mais conturbada, mas ele nunca parou. De qualquer jeito, a carreira discográfica de Lowe meio que ficou no para-e-anda depois de 2013, quando ele lançou Quality street, disco de Natal. Em compensação, ele saiu em turnê para divulgar o álbum ao lado de uma banda chamada Los Straitjackets, uma banda da mesma gravadora que ele (Yep Roc), dedicada a rock extremamente vintage – surf music, rockabilly e coisas próximas do bubblegum – com cada integrante usando uma máscara de wrestling.
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Isso aí era Lowe, que já foi visto como um revisionista futurista, voltando-se para um som clássico de rock, ao lado de uma galera bastante animada. Tão animada que o enrosco com a banda rendeu turnê e alguns singles. E agora rende uma espécie de coletânea expandida, Indoor safari, com os compactinhos que ele vem gravando ao lado dos Straitjackets, mais três músicas inéditas. Uma das novas canções, a surfística Went to a party, surge na abertura soando como o Who ou os Kinks dando vida nova a uma canção dos anos 1950 – ou alguma música perdida de bandas como Kingsmen ou Rivingstones.
Indoor safari não é um disco “novo”, mas isso não o torna menos valoroso. Os Straitjackets e Lowe fazem um disco de rock quase 100% autoral que poderia ter saído em 1961 ou 1962, com músicas que, se tivessem sido feitas naquela época, estariam no set list do show dos Beatles em Hamburgo, ou entre as releituras dos primeiros discos deles. De qualquer jeito, há dois covers, A quiet place, de um grupo chamado Garnett Mimms & The Enchanters, original de 1964; e Raincoat in the river, gravada originalmente por Ricky Nelson.
O clima lounge prometido pela foto da capa surge amplificado em músicas como Love starvation, a tristezinha rocker de Crying inside, a maravilha meio Motown meio Beatles Jet pac boomerang (encerrada com uma citação de Please please me, dos quatro de Liverpool), a selvageria rocker de Tokyo bay e a bateção irresistível de violão e guitarra de Trombone. Cada riff de guitarra soa como anúncio de duelo, numa onda meio surf rock de faroeste. Ouça no volume máximo.
Nota: 9
Gravadora: Yep Roc
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