Crítica
Ouvimos: The Weather Station, “Humanhood”

- Humanhood é o sétimo álbum do grupo folk canadense Weather Station, liderado pela cantora, compositora e guitarrista Tamara Lindeman. A produção foi feita por ela e por Marco Paquin, e o disco teve duas dezenas de músicos convidados.
- O novo álbum está sendo tido como mais pessoal, ao contrário de outros registros mais politizados do projeto. “Não é que tenha se tornado menos relevante ou menos importante para mim. É que não consigo controlar o que escrevo. Eu queria poder , mas naquele momento, eu estava passando por muita coisa pessoalmente para controlar o que estava saindo nas músicas. Eu tive que ter uma pequena conversa comigo mesmo onde percebi que o álbum era exatamente o que era, e eu não podia mudar isso”, contou ao The Creative Independent.+
- “Mas não acho que não seja um disco atual. udo o que se escreve tem uma ressonância pessoal e coletiva. As coisas estão no inconsciente coletivo, e elas aparecem nas músicas, e você nem sempre tem certeza de onde elas vieram”, continua.
Aparentemente, Joni Mitchell foi, é e sempre será uma enorme influência para cantoras que pretendem fazer música introvertida baseada no violão e no piano. O lado jazzístico de Joni, que contou com músicos como Larry Carlton e Jaco Pastorius em seus discos, paira sobre Humanhood, novo disco do Weather Station, banda canadense comandada pela cantora, produtora e guitarrista Tamara Lindeman.
Como autora de todas as composições e “rosto” do Weather Station, Tamara constrói um som que é puro design musical, pura fotografia das sessões – soando em alguns momentos como um disco de jazz-folk produzido por Steve Albini, já que o saudoso produtor norte-americano espalhava microfones pelo estúdio, o que ajudava a capturar uma espécie de “alma” sonora. Em outros momentos, Humanhood ganha um aspecto progressivo, como na levemente dançante Neon signs, uma bela composição de rock com piano, violino e flauta, dotada de clima bruxuleante e dolorido. O mesmo acontece em Lonely, balada quase fantasmagórica, com a voz de Tamara quase despedaçando, num tom sussurrado, de recado dado no ouvido.
- Apoie a gente e mantenha nosso trabalho (site, podcast e futuros projetos) funcionando diariamente.
O clima de Humanhood é um tanto pesado, abordando temas como dissociação, traumas e medos. Tamara diz coisas como “minha mente falhando/tendo pensamentos sombrios ultimamente/e talvez eu devesse admitir para alguém/que tenho me sentido isolada ultimamente” (na faixa-título) e dá voz à depressão e aos caos (em faixas como Neon signs e Sewing). Musicalmente, cantora e banda unem, em vários momentos, climas contemplativos a um subtexto pop. A faixa Mirror, por exemplo, lembra uma espécie de r&b folk, como se fosse um pop que poderia ser sintetizado, mas não é – e com um piano jazzístico hipnotizante.
Seguindo, Window é uma música contemplativa, mas quase dançante, feita com base especialmente em baixo, piano e bateria. Body moves tem som quase mágico, com instrumentos soando como ruídos à distância, ou o sol aparecendo pelas frestas da cortina – é um soul jazz com gravação e design musical fantásticos, e uma bateria soando como se estivesse sendo tocada na sua frente. Ribbon, com piano quase clássico na abertura, ganha ritmos incomuns que vão se transformando em algo próximo de uma balada anos 1970, só que com ritmos quebradiços. Nessa faixa, mais uma vez a bateria, além dos diálogos entre piano, percussão e voz, dão uma impressão de som vivo, feito na frente do ouvinte – o tipo de som que muita gente, nos anos 1980/1990, iria pegar CD e LP para comparar um com o outro.
Uma outra curiosidade em Humanhood é Irreversible damage, uma vinheta tamanho-família creditada à psicoterapeuta Erin Orsztynova – que fez também os vocais da faixa – tem voz, programação e ritmo meio incomuns, evocando Laurie Anderson e o Talking Heads da faixa Once in a lifetime. Dando um fecho art rock no álbum, Sewing é uma balada soul quase slienciosa, sussurrada, desembocando numa parte 2 cinematográfica e angelical. Uma nota de piano e alguns segundos de silêncio anunciam o fim da faixa, e do álbum. E esticam só um pouco a magia de Humanhood.
Nota: 9
Gravadora: Fat Possum Records
Lançamento: 17 de janeiro de 2025
Crítica
Ouvimos: The Cure – “Mixes of a lost world”

RESENHA: O novo disco de remixes do The Cure, Mixes of a lost world, tem ótimos momentos e surpresas, mas com 2h30 de duração, exige paciência e fôlego.
- Apoie a gente e mantenha nosso trabalho (site, podcast e futuros projetos) funcionando diariamente.
Só avisando, de início: o novo disco de remixes do The Cure, Mixes of a lost world – que remexe no sorumbático e meditabundo Songs of a lost world, lançado pela banda no ano passado – é uma audição que vai tomar duas horas e meia do seu dia. “Tudo bem, eu ouço treinando, lavando cuecas, passando roupa ou dando um trato na louça”, você pode me responder.
Não é a melhor maneira de ouvir um disco, enfim. Mas lançar um compilado de remixes é o modo mais, digamos, “familiar” que Robert Smith encontrou para esticar a vida útil de Songs, um álbum que fez sucesso quando saiu – e já havia ganhado uma edição deluxe com disco ao vivo. Afinal, o Cure já havia se saído muitíssimo bem com Mixed up, de 1990, que trouxe novos públicos para o grupo (tem ainda Torn down, de 2018, segundo disco de remixes, feito para o Record Store Day e pouco lembrado).
- Quando Jimmy Page e Robert Plant cantaram The Cure.
- Ué, e o Dinosaur Jr, que gravou The Cure e Peter Frampton?
- E o aniversário de Standing on a beach, do The Cure?
- Vocês têm noção de que o tema do Roda Viva de 1985 a 1994 era… The Cure?
A pergunta é: faz sentido repetir a dose com um disco em que Robert Smith basicamente anuncia o fim iminente do mundo e de si mesmo? Sim e não. Sim, porque mais de um milhão de ouvintes no Spotify já correram para os ótimos remixes lançados previamente, como o retrabalho do Four Tet em Alone e a versão de Chino Moreno (Deftones) para Warsong.
E não, porque são duas horas e meia de som – e é remix demais. Muitos deles confundem experimentação com chatice, como All I ever am, com Meera. Quem não ouviu o disco original talvez nem se anime a procurar. A boa notícia é que há surpresas: o remix desértico de Omid 16B em Warsong, o brilho inesperado de Cosmodelica em Nothing is forever e a reconstrução post-rock de Endsong pelo Mogwai.
Mais: o Joycute extrai algo do The Cure de Disintegration (1989) de Drone: nodrone e Daniel Avery esculpe quase um nu-metal na mesma faixa – que já era bem pesada e eletrônica no original. No fim das contas, Mixes of a lost world é um disco que recompensa quem insiste. Mas cansa, viu?
Texto: Ricardo Schott
Nota: 6
Gravadora: Fiction/Polydor
Lançamento: 13 de junho de 2025
Crítica
Ouvimos: King Gizzard & The Lizard Wizard – “Phantom Island”

RESENHA: Misturando Electric Light Orchestra, Roy Wood solo e progressivo de FM, Phantom Island, novo álbum de King Gizzard & The Lizard Wizard, divide opiniões – mas traz faixas criativas e grooves que merecem ser descobertos.
- Apoie a gente e mantenha nosso trabalho (site, podcast e futuros projetos) funcionando diariamente.
O King Gizzard & The Lizard Wizard, que acaba de lançar Phantom Island, é uma banda cuja situação é a mesma do Ty Segall (cujo disco mais recente, Possession, resenhamos aqui): tem sua história marcada por discos a rodo e mudanças rápidas de direção.
No fundo – e faltou observar isso quando falamos do Ty – esse modus operandi é herdeiro da maneira como Neil Young sempre encarou sua carreira. Ou seja: os discos reproduzem meu momento, faço o que tenho vontade, fã que é fã entende minhas mudanças, quero ir para todos os lados que eu quiser, e é isso aí. Dá certo em alguns casos: Neil tem mais discos ótimos em sua discografia do que momentos entediantes, Ty idem, e o King Gizzard une discos excelentes a outros que beiram o tédio.
A julgar pelas resenhas que andam saindo de Phantom Island, o 27º (!) disco do KGLW agradou pouco. A Pitchfork falou que as faixas costumam ser “frustrantes e exageradas, mas incluem ocasionais faíscas de magia”. O brasuca Popload não se animou igualmente, lembrando que Phantom Island foi gravado nas mesmas sessões do anterior, Flight b741 (2024), e que é composto pelas músicas menos empolgantes da leva.
Olha, sei lá: Phantom Island tem mais músicas ótimas do que desperdícios de tempo, e é um disco recomendadíssimo para quem curte Electric Light Orchestra, por exemplo. Aliás, o disco se parece até mais com The Move (embrião da ELO), porque Phantom Island super tem a cara do Roy Wood, que era o geninho da banda nos primeiros tempos.
Por consequência, o disco igualmente pode interessar a fãs do Wizzard – a banda que Roy montou após sair do ELO, uma espécie de ABBA místico com músicos fantasiados de alquimistas glam, que estourou com o hit See my baby jive. E a fãs de álbuns solo de Roy como Mustard (1975). Admiradores das fases yacht rock de bandas como Gentle Giant e Grateful Dead – respectivamente os discos Giant for a day! e Shakedown Street, ambos de 1978 – também não vão se arrepender se derem uma escutadinha.
O King Gizzard larga de vez a psicodelia surrealista que marcou vários álbuns do grupo e invade a grande área do rock orquestral e do progressivo de FM. Phantom Island abre com o progressivo dançante da faixa-título, prossegue com a vibe Elton John/The Who de Deadstick, ganha batida funkeada e clima orquestral celestial em Lonely cosmos – esta, com cordas lembrando Marionette, sucesso do Mott The Hoople.
A boa tradição do prog de rádio é louvada com Eternal return, com o clima meio beatle, meio Alice Cooper de Aerodynamic e Sea of doubt, e com o balanço quase disco de Silent spirit – cujo início lembra a abertura de Sleepwalker, hit da fase norte-americana dos Kinks. Vale conferir também o groove de Panopsych, o tom Madchester de Spasesick e a vibe voadora de Grow wings and fly.
E enfim, eu se fosse você, ouvia Phantom Island correndo: poucas vezes o King Gizzard fez um disco com uma soma de referências e emanações tão bacana.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 9
Gravadora: p(doom) Records
Lançamento: 13 de junho de 2025
Crítica
Ouvimos: Billy Nomates – “Metalhorse”

RESENHA: Em Metalhorse, Billy Nomates transforma perdas e dor em um disco sombrio, intenso e visceral, entre o pós-punk, o glam e ecos dos Stranglers.
- Apoie a gente e mantenha nosso trabalho (site, podcast e futuros projetos) funcionando diariamente.
Tor Maries, que assina como Billy Nomates, descobriu recentemente ser portadora de esclerose múltipla – pouco depois de perder o pai, vítima de complicações causadas pelo Mal de Parkinson. Entre essas duas pancadas da vida, ela começou a gravar seu novo disco, Metalhorse: um álbum que oscila entre o pós-punk e o glam rock, com o peso maior do lado punk. Mas nada é tão direto: logo no início, a faixa-título surpreende, abrindo caminho para um clima de café-concerto, com pianos e vocais de presença.
Atravessado por temas como morte, doença e os perrengues da existência, Metalhorse tem momentos como o tecnopop sombrio de Nothing worth winnin (“este quarto é alugado / estou de olho nas horas / diga que estou louca / como se todos estivessem bem”) e o folk enigmático de Strange gift (“a morte é um presente estranho que você não queria / alguém te entrega isso”). A angústia noventista e os timbres oitentistas se cruzam em The test, no pós-punk seco de Override e no eletrônico nervoso de Gas, faixa que passeia entre o country e o hard rock com vocais cheios de veneno.
- Stranglers avacalhando uma dublagem do hit No more heroes na TV holandesa
- Ouvimos: Ty Segall – Possession
- Ouvimos: Raveonettes – PE’AHI II
Hugh Cornwell, ex-vocalista dos Stranglers, aparece na sombria Dark horse friend, selando de vez a influência do lado mais sinistro da clássica banda britânica no som de Billy Nomates – que nos primeiros discos flertava mis com o tecnopop, mas aqui mira em terrenos mais obscuros. O fantasma dos Stranglers também ronda Comedic timing, música sobre como o mundo muda quando a gente muda (e nem sempre para melhor), com ecos de ironia e mistério.
O título Metalhorse alude a forças estranhas e incontroláveis, e esse mesmo espírito atravessa Plans e Moon explodes, que ficam entre o punk e a new wave, além da vinheta Life’s unfair, que junta blues e jazz com atmosfera de fim de festa. Intenso, imprevisível e rasgado de dor, Metalhorse é o trabalho mais sombrio e poderoso da carreira de Billy Nomates – e também o mais visceral.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 9
Gravadora: Invada Records
Lançamento: 16 de maio de 2025
-
Cultura Pop5 anos ago
Lendas urbanas históricas 8: Setealém
-
Cultura Pop5 anos ago
Lendas urbanas históricas 2: Teletubbies
-
Notícias7 anos ago
Saiba como foi a Feira da Foda, em Portugal
-
Cinema8 anos ago
Will Reeve: o filho de Christopher Reeve é o super-herói de muita gente
-
Videos7 anos ago
Um médico tá ensinando como rejuvenescer dez anos
-
Cultura Pop8 anos ago
Barra pesada: treze fatos sobre Sid Vicious
-
Cultura Pop6 anos ago
Aquela vez em que Wagner Montes sofreu um acidente de triciclo e ganhou homenagem
-
Cultura Pop7 anos ago
Fórum da Ele Ela: afinal aquilo era verdade ou mentira?