Crítica
Ouvimos: Charli XCX, “Brat”

- Brat, que a essa altura dispensa maiores explicações (visto que até marcas conhecidas adotaram o visual da capa do álbum) é o sexto disco da cantora britânica Charli XCX. É o primeiro lançamento após a renegociação do contrato dela com a Atlantic Records.
- A cantora explicou que se trata de seu disco “mais agressivo e cheio de conflitos” – o que dá para perceber, de verdade, pelas letras. O clipe da faixa 360 traz participações de várias it girls (lançadoras de tendências) como Chloë Sevigny e Julia Fox.
- Charli é tida como a rainha de um gênero do pop chamado hyperpop – definido como um metapop, repleto de informação e autorreferências, e que mira tanto a vanguarda quanto as paradas de sucesso. De modo geral, o estilo de XCX é definido como sendo algo mais experimental e menos afoito em relação ao mainstream.
Se você estranhou que, há algumas semanas, várias contas de redes sociais tenham se vestido de Brat (adotando a mesma fonte de letras simplificadíssima e a cor verde), vale dizer que faz sentido tanta adesão ao disco de Charli XCX. Uma adesão que, por sinal, faz lembrar quando rolou um meme com a capa de The next day, álbum de 2013 de David Bowie (um buraco branco na capa do disco Heroes, lembra?). Muito embora o álbum de Bowie faça parte da classe operária do pop se comparado ao novo lançamento da britânica.
Não que Brat seja o disco mais maravilhoso do ano, ou um álbum pop tão redefinidor quanto já foram os discos de Madonna, por exemplo. Mas vale lembrar que não se faz música pop (nenhuma música pop) sem uma boa dose de futurismo, e de visão sobre o que deverá estar acontecendo lááá na frente – ou pelo menos do que você julga que deveria estar acontecendo, mesmo que pareça uma afronta daquelas.
Essa noção pop foi algo estabelecido pelo próprio Bowie, por sinal. E na linha do tempo de Charli XCX, o pop é direto, provocativo, noturno, ensimesmado e expansivo simultaneamente, enamorado do mainstream sem estar desesperado por ele. Principalmente, parece que a visão de marketing envolvida no lançamento (e que deu super certo) parece ter vindo da própria Charli, e não dos comportamentos geralmente engessados das gravadoras – este artigo, em inglês, nota bem isso.
Em Brat, Charli explora uma fonte inesgotável de assuntos para falar: ela própria, com suas inseguranças, suas memórias musicais, suas dúvidas e certezas. E seus relatos sobre a turma com a qual quer falar: a turma da noite, as garotas que muita gente considera como “más” – e pessoas que, em geral, não querem fazer parte de padrão algum. O som cai dentro das recordações da dance music dos anos 1990/2000, com batidas típicas dos discos saudosos do auge da house, e tudo equilibra a musicalidade de discos anteriores. Se você achava que os álbuns de Charli tinham momentos de chatice e pura pentelhação, em que ninguém parecia saber o que estava fazendo, em Brat tem bem pouco disso.
O momento mais romântico do disco é uma canção de amor e amizade – So I é um tributo à DJ e produtora inglesa Sophie, parceira de Charli, morta em 2021 (“quando eu faço músicas, lembro das coisas que você sugeria/’acelere mais’/será que você gostaria dessa música?”). 360 cai dentro do universo das influenciadoras digitais e oferece a despojada Charli como um universo novo e paralelo. A balada I might say something stupid vai no esquema oposto, com a cantora misturando mito e realidade (a girl party que não sabe se consegue desempenhar o papel comum, ou garantir aceitação a todo momento).
Já Von Dutch brinca com o lado cult e art pop de Charli. Girl so confusing fala sobre uma amizade enrolada de Charli com alguma outra estrela pop, e divide vulnerabilidades da artista com seu público. O batidão Club classics investe no lado clubber da cantora, enturmada com criadores do autorrefencial hyperpop (Sophie é novamente citada na letra, inclusive).
Rewind, por sua vez, traz de volta a Charli que queimava CDs com suas músicas preferidas e “não ficava analisando demais o formato do meu rosto”. Um discurso compreensível para quem vive o bombardeio proporcionado pelas redes sociais e o excesso de informação das plataformas de música. Uma verdade pop contada como se fosse uma história comum – o que quase sempre é um gol musical.
O conceito de Brat é o da pura molecagem, das máscaras da fama e da vida noturna, da vontade de ficar chapada (a dançante e pesada 365 encerra o disco com versos como “devemos tomar ketamina/ou cheirar uma carreirinha?”). Mas tudo rola com a vida em perspectiva, com o personagem analisado de longe, como num fluxo de consciência pop. E como num bom disco pop, tem verdade ali. Ou pelo menos dá pra dizer que Brat foi montado para parecer ter muita verdade. Já é coisa pra caramba, ainda mais acompanhado de beats que funcionam e que, na maior parte do tempo, quase todo mundo vai querer ouvir de novo.
Nota: 8,5
Gravadora: Atlantic.
Crítica
Ouvimos: Model/Actriz – “Pirouette”

RESENHA: Model/Actriz lança Pirouette, disco intenso que mistura dance-punk, metal e hi-NRG para narrar memórias queer com poesia crua e som percussivo.
O baixista Aaron Shapiro deu uma ótima definição para o som da banda novaiorquina Model/Actriz: “Tudo é uma bateria”. De fato, nas músicas do grupo, tudo soa como se estivesse sendo tocado de maneira percussiva. E quase sempre a sonoridade ganha ares de música eletrônica tocada como se fosse heavy metal.
Em Pirouette, segundo álbum do Model/Actriz, essa variação sonora se espalha por faixas como Departures e Doves, que apontam para um hi-NRG distorcido, com guitarras ocupando o espaço que normalmente seria dos sintetizadores. Já Audience soa como se o Helmet fosse produzido por Giorgio Moroder.
O grupo escapa das fórmulas batidas de fusão entre som industrial e metal, mesmo lembrando às vezes o Therapy? e o Nine Inch Nails (Cinderella é exemplo). Em Vespers, há ecos de um New Order primitivo — mas sem o baixo característico de Peter Hook. A energia dance-punk do álbum leva a um Lou Reed em versão tecno em Poppy, a momentos quase post-rock em Acid rain e Baton, e até ao metalcore em Ring road.
Nas letras, Pirouette é um mergulho nas memórias e vivências queer do vocalista Colen Haden. Inspirado por divas pop como Kylie Minogue e Miley Cyrus, ele fala de infância, traumas, amor e solidão. Em Baton, relembra um diálogo com a irmã. Em Cinderella e Headlights, revisita a infância como menino gay. Vespers trata de mudanças pessoais (“vésperas acabaram / agora desça daquela torre”). E Diva, da vida de solteiro na estrada. Já Poppy traz poesia crua a moda de Kurt Cobain: “leve-me para onde minhas lágrimas retornam como papoulas em um campo”.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8,5
Gravadora: True Panther
Lançamento: 2 de maio de 2025
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Crítica
Ouvimos: Partido da Classe Perigosa – “Práxis”

RESENHA: Partido da Classe Perigosa lança Práxis, disco de protesto explosivo que mistura punk, rap e funk com crítica feroz ao sistema e à indústria.
O Partido da Classe Perigosa não manda recado, manda logo a real: “Se tá escutando no streaming, já tá escutando errado, que streaming só serve pra roubar artista”, alertam em tom grave no interlúdio de 62MORTE, faixa de encerramento. O papo quebra a quarta parede: “Pede pra gente que a gente manda o arquivo, ou escuta no Bandcamp de graça”.
Práxis, primeiro álbum do grupo carioca, já chega com voadora na capa — literalmente. A imagem faz referência à lendária bicuda que o francês Eric Cantona, então jogador do Manchester United, aplicou num torcedor que o ofendia com insultos xenófobos. É esse espírito de confronto que guia o disco do começo ao fim.
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Repleto de referências e climas carregados, o álbum abre com o samba-punk eletrônico e gutural de (Sem querer mas) playboy também morre. Em seguida, mergulha no punk-funk gótico da inacreditável Apocalipse segundo E. Macedo e aterrissa num baile funk do mal onde só dançam nepobabies, em Baile do branco rico — “o meu sucesso foi papai que pagou”, escancara a letra.
O prazer do sistema em humilhar os de baixo aparece na sombria 10trap, que se conecta ao drum’n’bass porradeiro e distorcido de El topo. Ali, o protesto caminha junto com os gêneros musicais (um dos versos: “o rap me ensinou ‘foda-se a polícia’ / e o punk me ensinou ‘foda-se o patrão’). A ira sonora segue em Belleza e Verme de praia, e encontra novos tons no rap sombrio de Teoria do crime — entre afrobeat e funk, com versos que cheiram a cadáveres escondidos, policiais suspeitos, mortes pra lá de encomendadas, e a um sistema que desabou atirando: “uma mão lava a outra e as duas passam pano”.
A desesperança se espalha por 62MORTE e Nova ordem mundial — essa última com estética de videogame, programação vintage e um ritmo constante, nervoso, como um alarme que nunca desliga. Práxis é disco pra ouvir alto — e fazer os vizinhos ouvirem também.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 9
Gravadora: Independente.
Lançamento: 8 de janeiro de 2025
Crítica
Ouvimos: Sunday (1994) – “Devotion” (EP)

RESENHA: Sunday (1994) lança o EP Devotion, com dream pop suave, climas etéreos e ecos de Mazzy Star, The Cure e R.E.M. em seis faixas marcantes.
Vindo de Los Angeles, o Sunday (1994) é quase uma banda pop que usa a linguagem do dream pop para compor sucessos bem radiofônicos – desde o álbum de estreia, epônimo (2024), a vibe deles é de soft rock com vocais cintilando, violões/pianos dando maciez ao som, e clima enevoado, destacando os vocais e o carisma da cantora Paige Turner.
A estética do grupo flerta com nomes como The Cranberries – sem a carga emocional ou a diversidade sonora da banda de Dolores O’Riordan – e se aproxima da turma do pós-britpop. Em Devotion, novo EP, o Sunday (1994) leva essa fórmula para um território um pouco mais elaborado. A faixa-título, dramática e arrastada, remete diretamente ao Mazzy Star, enquanto Rain parece flertar com o universo do The Cure – seu início, inclusive, ameaça algo parecido com o Elbosco (lembra deles?), mas logo se encontra.
Mais até do que o álbum anterior, Devotion mostra o Sunday (1994) como um grupo voltado a paisagens sonoras oníricas e minimalistas. Doomsday traz ecos de R.E.M. em modo introspectivo, enquanto Silver ford soa como um Prefab Sprout suavizado pela estética lo-fi. Já Picking flowers e Still blue fundem o romantismo etéreo do The Cure com referências mais inesperadas: a última, em especial, parece um dream pop moldado por ouvidos que cresceram entre Linkin Park e Smashing Pumpkins. Um disco curto, mas cheio de atmosferas – vale a audição.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8
Gravadora: Arista/RCA
Lançamento: 9 de maio de 2025.
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