Crítica
Ouvimos: Mateus Fazeno Rock, “Jesus ñ voltará”

- Mateus Henrique Ferreira do Nascimento, o Mateus Fazeno Rock, tem 29 anos e veio de Sapiranga, bairro de Fortaleza (CE). Jesus ñ voltará é seu segundo álbum, que foi puxado pelos singles Pose de malandro/Me querem morto e Melô de Aparecida. O disco tem participações de Jup do Bairro, Caiô, Nego Célio, Mumutante e outros nomes.
- Aqui no Pop Fantasma ele já foi o artista nacional indicado em uma edição do nosso podcast Pop Fantasma Documento (sobre Titãs).
- No dia 11 de agosto, Mateus vem ao Rio abrir o show da Nação Zumbi no Circo Voador. No dia 3 de dezembro, toca na versão nacional do festival Primavera Sound, em São Paulo.
- Sobre o nome “rock de favela”, que ele diz ser seu estilo, ele falou numa entrevista ao site Scream & Yell: “O som tem vários outros atravessamentos que eu não consigo colocar lado a lado com uma produção de rock que já existe é pré-estabelecida, sobretudo no Brasil: de um rock branco, de um rock feito no condomínio. Enfim, tenho outras vivências, outra realidade”.
Para quem nunca ouviu: o “rock de favela” do cearense Mateus Fazeno Rock está bem longe de ser apenas uma transportação de guitarra-baixo-bateria para o dia a dia de quem luta (muito) para sobreviver. O trabalho do cantor e compositor de Fortaleza faz sentido se colocado ao lado do som de gente que passou por momentos de incompreensão diante das “caixinhas” e rótulos do mercado: Planet Hemp, Chico Science & Nação Zumbi, Pavilhão 9, Os Paralamas do Sucesso da fase Selvagem?, Luiz Melodia. É rock com traços de rap, blues e sons de terreiro, e punk de alma.
O som de Mateus é para viajar no enorme universo de referências (no disco de estreia, Rolé nas ruínas, havia até uma Melô do Djavan) e, em especial, prestar bastante atenção na crueza e na sinceridade das letras. Nome de anjo, uma balada blues sobre violência, morte e falta de perspectivas separando amigos, dá um nó na garganta. Me querem morto, colada a Pose de malandro, tem os versos “já tentei de tudo, eles me querem morto/mudei minha postura, eles me querem morto”. O dia a dia da população preta e/ou favelada, de quem é obrigado a caber numa narrativa cruel e triste, que põe fim a vidas e encerra oportunidades – é o que passa por todo o álbum, em meio a uma sonoridade bem mais elaborada e variada que a da estreia.
Mateus não fala apenas da violência, do racismo, do preconceito social. Ele fala das marcas psicológicas, da sobrevivência num dia a dia de guerra, de como a época dos tiros pode passar, mas os buracos de bala ficam na alma, num tom que muitas vezes lembra o de Kurt Cobain. Como no verso “a autodestruição começa quando descobrimos quem somos/e principalmente quem somos não aonde estamos” da quase grunge faixa-título, ou no “não nasci pra ser assim/mas a vida quis que eu fosse”, de Pode ser easy.
Musicalmente, é na união de estilos que Mateus mais se encontra, em faixas como Só suor e lágrima, Melô de Margarida, Indigno love e no funk levado por coral e palmas Da noite, que encerra o álbum com algumas notas de esperança: “Uma noite tranquila vira um thriller/então vive tua vida preciosa/colorindo os dias com mistérios sutis”. Um disco para saber da realidade, mas manter a fé em dias melhores, e em pessoas melhores.
Gravadora: Independente
Nota: 9
Foto: Reprodução da capa do disco
Crítica
Ouvimos: Peter Doherty – “Felt better alive”

RESENHA: Peter Doherty renasce no country rock em Felt better alive, disco de histórias rurais, faroeste psicodélico e gratidão pós-caos.
- Apoie a gente e mantenha nosso trabalho (site, podcast e futuros projetos) funcionando diariamente.
Peter Doherty, o líder dos Libertines, é o sobrevivente mais jovem do rock. Enganou a morte por uma gota – e estamos falando de uma pessoa que costumava se divertir com ninguém menos que Amy Winehouse, e que no meio de uma rebordosa de drogas, simplesmente resolveu assaltar o apartamento de seu colega de banda Carl Barat.
Felt better alive, seu quinto disco solo, traz o som de alguém que se sente grato e feliz por ter conseguido escapar do pior – mas que se divertiu muito enquanto curtia os frutos proibidos da vida. Peter escolheu o country, estilo musical eternamente associado a contadores errantes de histórias, para balizar o disco – e o repertório associa-se também a seu atual estado de morador da área rural da Normandia, pai de três filhos (Billie Mae, a mais nova, é homenageada na doce e suingada Pot of gold, com emanações tanto de Bob Dylan quanto de Red Hot Chili Peppers), socialista, limpo e livre de vícios ilegais desde 2019.
- Fizemos resenha do disco mais recente dos Libertines, All quiet on the eastern esplanade.
Felt better alive é um disco, na real, de country rock, com cordas que dão um ar bonito e triste a faixas como Calvados, Out of tune balloon (na cola tanto de Bob Dylan quanto de Tom Waits) e a música-título (que tem uma baita cara de música de faroeste). A nata da malandragem ganha homenagem em Poca Mahoney’s, uma curiosa mistura de canção francesa com tema punk – que vira um curioso hardcore no fim.
Por sinal, sons do país onde Doherty está atualmente morando dão as caras também em Stade océan, quase um blend de Serge Gainsbourg e os álbuns solo de John Frusciante, e o faroeste não-estadunidense de Prêtre de la mer. E até David Bowie é convocado como referência em Fingee, som estiloso, acústico, blueseiro, com cara sonhadora e levemente psicodélica. Um disco de música e histórias, onde Peter arrisca-se a se tornar um menestrel punk-country, a seu estilo.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 9
Gravadora: Strap
Lançamento: 16 de maio de 2025.
Crítica
Ouvimos: TVOD – “Party time”

RESENHA: TVOD mistura punk e pós-punk em Party time, disco barulhento e introspectivo sobre solidão, abuso e amores fracassados.
- Apoie a gente e mantenha nosso trabalho (site, podcast e futuros projetos) funcionando diariamente.
O título Party time pode parecer convite para uma festa insana, mas o terceiro disco da banda nova-iorquina TVOD (“television overdose”) vai além do porre coletivo. Punk e pós-punk de boas guitarras, com clima espacial e um synth apitando para avisar que a festa ali é para quem dança na pista, mas também viaja sozinho pelos cantos.
Os temas abordados nas letras também estão bem longe do clima “festeiro”: quase sempre, Party time fala de abusos, acidentes, amores cagados, morte, solidão – embora a faixa-título fale de uma festa bêbada e nudista que vai até altas horas. De modo geral, Party time é um disco introspectivo com coração barulhento – como se a Gang of Four encontrasse os Buzzcocks numa pista meio vazia, cheia de luzes piscando.
Uniform abre os trabalhos com um riff bêbado de sintetizador. Já Car wreck surfa em guitarras com wah-wah e clima voador, com algo de Syd Barrett. Pool house cruza The Cars e Pixies no meio do caminho entre o punk e o pop sombrio. Em Empty boy, o som cresce em camadas psicodélicas, enquanto Super spy chega a lembrar o U2 em começo de carreira – só que ganhando vocais falados na cola do Sonic Youth. A viagem continua com Mud, que parece o B-52’s em órbita. Wells fargo mistura o cima ríspido e nervoso do The Fall com viradas sessentistas, sons rangendo e clima de garagem. Alcohol desacelera num clima sombrio que remete à fase atual dos Pixies.
No mais, Take it all away traz guitarra econômica e eficaz. Bend ganha batida quase cigana no início, e conclui levando a argamassa sonora dos Pixies para o espaço. E no final, tem a faixa-título, com clima herdado de The Cars, um theremin possuído, guitarras ruidosas e vocais falados lembrando Talking Heads. Um disco coeso, sujo e sentimental.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 9
Gravadora: Mothland
Lançamento: 9 de maio de 2025.
Crítica
Ouvimos: Cristian Dujmović, “Atisbo” (EP)

RESENHA: Cristian Dujmović mistura pós-punk, bossa e MPB setentista no inventivo EP Atisbo.
- Apoie a gente em apoia.se/popfantasma e mantenha nossos projetos e realizações sempre de pé, diários e saudáveis!
Cantor e compositor formado entre os sons da Argentina e da Espanha, Cristian Dujmović herdou muito da magia do rock argentino na construção de melodias e arranjos, voltando-se para um som ligado ao pós-punk e para algumas doses de experimentalismo musical.
Segundo lançamento após o álbum Desde acá (resenhado aqui), o EP Atisbo abre com as inseguranças e ansiedades de Shock, repleta de riffs simples e bem bolados, de climas entre o luminoso e o sombrio, e apresentando algo de bossa nova na melodia. A mesma vibe, por sinal, surge no jogo de acordes da sinuosa Sin cuerpo.
Já a bela Animal tem algo de rock gaúcho (Nenhum de Nós, Cidadão Quem), e simultaneamente, uma musicalidade que une anos 1990 e 1980. No final, a abolerada Destello ganha uma cara musical próxima da MPB setentista (Beto Guedes, Flávio Venturini), e Quemar tem tom ambient na abertura, emendando com um pós-punk vigoroso e levado adiante por baixo e bateria bem marcados.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8
Gravadora: Independente
Lançamento: 8 de maio de 2025.
-
Cultura Pop5 anos ago
Lendas urbanas históricas 8: Setealém
-
Cultura Pop5 anos ago
Lendas urbanas históricas 2: Teletubbies
-
Notícias7 anos ago
Saiba como foi a Feira da Foda, em Portugal
-
Cinema7 anos ago
Will Reeve: o filho de Christopher Reeve é o super-herói de muita gente
-
Videos7 anos ago
Um médico tá ensinando como rejuvenescer dez anos
-
Cultura Pop8 anos ago
Barra pesada: treze fatos sobre Sid Vicious
-
Cultura Pop6 anos ago
Aquela vez em que Wagner Montes sofreu um acidente de triciclo e ganhou homenagem
-
Cultura Pop7 anos ago
Fórum da Ele Ela: afinal aquilo era verdade ou mentira?