Crítica
Ouvimos: Luiza Brina, “Prece”

- Prece é o quarto álbum de estúdio da cantora mineira Luiza Brina, gravado ao lado de 19 instrumentistas mulheres – integrantes das Orquestra Filarmônica de Minas Gerais, Orquestra Sinfônica de Minas Gerais e Orquestra Ouro Preto. O disco tem também processamentos eletrônicos conduzidos por Charles Tixier. Os arranjos foram todos escritos por Luiza.
- O disco tem parcerias com Iara Rennó, Julia Branco, Luizga, Sérgio Pererê, Thiago Amud e Vovô Bebê, além das participações vocais de Iara, Pererê, Silvana Estrada, LvRod e Maurício Tizumba.
- Luiza conta que o disco começou a surgir numa época em que tinha crises de pânico, e sentindo falta de conexão com algo que pudesse ajudá-la naquele momento, descobriu que não sabia rezar. Foi aí que ela começou a compor suas próprias Orações. Algumas delas já estavam no disco Tão tá (2017), creditado a Luiza Brina & O Liquidificador.
Luiza Brina gravou o álbum Prece com 19 mulheres, musicistas de orquestras de Minas Gerais. O resultado é um disco essencialmente feminino, e repleto de mistérios e histórias. A abertura, com o instrumental Oração 1, serve como um prefácio do álbum: uma música curta, orquestral, que destaca a percussão e o tom marítimo da melodia e do arranjo. E indica que Prece é uma aventura pessoal e interna, e um trabalho de tapeçaria musical.
A viagem continua com a Oração 2, uma canção na qual é possível descobrir danças e ritmos particulares. É a primeira faixa na qual se ouve a voz de Luiza, cantando ao lado da mexicana Silvana Estrada – as duas soando como instrumentos musicais ao longo da melodia, cantando como se levassem a público seus universos particulares, em versos como “santo forte carrega em mim/que algum nome próprio conduza/sem pressa uma crença aqui/meditar algo pra querer”.
Um desafio que Prece acaba tendo, mesmo sem querer, é o de fazer sentido como disco não-religioso – ainda que o subtexto seja bastante espiritualista. As orações do disco são ligadas a coisas da natureza, do dia a dia, dos encontros, dos sonhos. Esses temas surgem ao longo do álbum, em especial em faixas como Oração 18 (Pra viver junto) e Oração 3 (dos versos “pra ser sincera eu acho que vou dormir/e o tempo vai parar”). E também no final, com a Oração 10 (Oração ao porto), um canção de despedidas e recomeços.
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No álbum, em todo caso, há um lado religioso forte, que vem da fé afro-brasileira – surgida por uma ligação às ancestralidades, à musicalidade negra e aos elementos da natureza. Rios, cachoeiras, águas, correntes e povos são imagens de faixas como Oração 13 (Coração candongueiro), Oração 19 (Oração pra Oxum) e Oração 15 (Oração à Cobra Grande) – com participações de Sergio Pererê, Iara Rennó e Mauricio Tizumba, respectivamente.
No fim da Oração 15, aparece um trecho instrumental de tom mágico, que serve como ponte para a Oração 17 (Risco) – a melhor música do álbum, que põe na letra várias questões e pensamentos de Luiza na elaboração de Prece (“a deusa de todas as direções/acaba de arrancar do céu/as coisas que eu esperava/lembrei da certeza de nada”). São os momentos em que Prece se dá melhor, mais até do que na faceta mais percussiva e latina de faixas como Oração 16 (diós/adiós). Mas tudo contribui para o universo quase onírico do álbum.
Nota: 8,5
Gravadora: Dobra Discos.
Lançamento: 30 de abril de 2024
Crítica
Ouvimos: Guided By Voices, “Universe room”

Comandado há décadas pelo cantor e compositor Robert Pollard, o Guided By Voices vem trabalhando há alguns anos em esquema de incontinência criativa. O grupo chega a lançar até três discos por ano, e Robert, como comandante do projeto, faz com que cada álbum seja envolvente — mesmo quando a sonoridade não varia tanto entre eles. A fórmula do Guided By Voices se resume a uma energia crua que mescla a intensidade do grunge com a pegada melódica do heartland rock (aquele rock simples, pesado e apegado a raízes country e folk, mesmo tendo guitarras em profusão), mas com mumunhas de experimentação musical que geram, às vezes, várias partes e segmentos até em canções curtas.
Universe room, mesmo não sendo tão brilhante quanto os discos imediatamente anteriores, traz algumas mudanças no cenário. São 17 músicas em trinta e nove minutos, e boa parte das faixas viaja em duas, três partes diferentes, quase transformando o álbum numa melancólica ópera-rock. Um outro detalhe é que Pollard faz com que o álbum soe lo-fi em vários momentos, e seu vocal parece bem mais angustiado que o normal (cabendo desafinações às vezes).
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- Mais Guided By Voices no Pop Fantasma aqui.
Driving time, na abertura, traz voz e violão gravados como se viessem de uma fita K7, com ruídos de fundo como se tudo tivesse sido gravado numa oficina ou fábrica – na sequência, vai se tornando um rock entre o industrial e o psicodélico, com uma letra repleta de imagens pra lá de cruas: “vamos carregar flechas envenenadas/estou suando lençóis de chuva (…)/deixe-o andar na ponta dos pés no sangue/e eles não poderiam voltar”. O uso de gravações “de campo” retorna no instrumental The well known soldier e, no desfecho do álbum, Everybody’s a star brinca com o formato das antigas transmissões de rádio. A faixa traz uma guitarra solitária, evocando a imagem de um artista isolado no palco—ou diante de um estádio lotado.
De grudar no ouvido, tem The great man, que abre com cordas evocando a trilha do filme Psicose, de Alfred Hitchcock, e prossegue em meio a uma argamassa grunge, de guitarras pesadas. Destaque também para Clearly aware, com guitarra e bateria dividindo-se em canais diferentes, como num estéreo “sujo” – a melodia lembra The Who, que parece ser uma das maiores referências do GBV desde sempre. E para Fly religion, música de ritmo e andamento constantes, um power pop que lembra uma cruza de Pixies e Badfinger. Já bandas como Pink Floyd, Neil Young & Crazy Horse, Beatles e R.E.M. parecem ter sido referências em momentos de faixas como I couldn’t see the light, Independent animal, I will be a monk e a suíte de bolso 19th man to fly an airplane – aberta com ruídos de avião e levada adiante com andamento idêntico ao de The Jean Genie, de David Bowie.
O excesso de faixas em Universe room resulta no problema clássico de discos longos: algumas ideias poderiam ter sido mais bem desenvolvidas. Isso acontece, por exemplo, na hendrixiana Hers purple e na apocalíptica Play shadows, o que acaba ofuscando momentos mais inventivos, como Aesop dreamed of lions, perdida no meio do caminho entre uma enormidade de faixas. Ainda assim, se o Guided By Voices voltou disposto a explorar novas possibilidades em um mercado musical tão estranho, parabéns para eles.
Nota: 7,5
Gravadora: Guided By Voices Inc
Lançamento: 7 de fevereiro de 2025.
Crítica
Ouvimos: Drop Nineteens, “1991”

A espera foi longa, mas 1991 finalmente veio à tona. O álbum traz, pela primeira vez de forma oficial, as demos que o Drop Nineteens gravou em (adivinhe só) 1991 para enviar a gravadoras. Porém, ao conceberem o debute Delaware (1992), a banda optou por compor material inédito, deixando essas gravações de lado – o que acabou alimentando o mercado de bootlegs por anos. Esse material chegou a circular com o nome de Mayfield.
Na era do Rapidshare (lembra?), essas demos ressurgiram e uma renca de fãs e curiosos saiu baixando tudo. Agora, transformadas em álbum, oferecem um retrato fascinante da gênese do grupo. No início dos anos 1990, o Drop Nineteens soava mais como uma banda neopsicodélica, mas com um fascínio particular por paredes de guitarras e microfonias. Daymom, que abre o disco, até lembra os Cocteau Twins, só que em preto e branco, ganhando uma aura fantasmagórica do meio para o fim. Song for JJ é dream pop glacial, feito mais para contemplar do que para sonhar, e seus vocais soterrados na mixagem tornam quase impossível distinguir em que idioma a banda canta. A bateria, ao fundo, não dita o ritmo, mas cria um ambiente etéreo e envolvente.
A diversidade de 1991 é um dos seus trunfos: há muralhas de guitarras e distorções em Back in our old bed, Shannon waves e na tribal e misteriosa Snowbird. Por sua vez, Mayfield traz instrumentos socados e quase irreconhecíveis, enquanto Soapland flerta com um som robótico, que lembra um loop de voz e percussão. Kissing the sea começa com guitarras psicodélicas e vocais nebulosos antes de se transformar em um pós-punk marcial. Já Another summer encerra a seleção com guitarras palhetadas que evocam um The Smiths invernal, encerrando o disco com uma melancolia fria e elegante.
1991 não é apenas um registro de raridades, mas um vislumbre cru e fascinante de uma banda ainda tateando sua identidade – e soando bem mais intrigante do que em discos posteriores.
Nota: 8
Gravadora: Wharf Cat Records
Lançamento: 7 de fevereiro de 2025.
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Crítica
Ouvimos: The Hausplants, “Into equilibrium” (EP)

- Into equilibrium é o segundo EP da banda canadense The Hausplants. O trio é formado por Amir (guitarra e produção), Sondor (bateria) e Zel (baixo e vocais).
- O disco novo foi gravado pelo trio em uma despensa, “um espaço peculiar e aconchegante que reflete o espírito brincalhão e engenhoso da banda”.
- A banda afirma também que o disco é “uma dedicação ao momento, encontrando espaço para viver em um tempo cada vez mais sombrio. Simultaneamente, o EP destaca nosso crescimento como banda, e o impacto que a cena de Vancouver teve em nossa música. Ao criar essas músicas, abrimos espaço para explorar sons mais experimentais, explorar nossos backgrounds sonoros e também nossas identidades individuais dentro e fora da música”.
De onde vem esse som? O trio canadense The Hausplants pega emprestado ecos de Velvet Underground, The Sundays, The Smiths e chamber pop, misturando tudo com ritmos ciganos e hispânicos em Into equilibrium. Um EP que parece um pequeno universo próprio, graças à variedade das canções, e à voz de Zel, cantora do grupo: o timbre lembra, e muito, Mariska Veres, a enigmática vocalista do Shocking Blue (aquela banda do hit psicodélico Love buzz, regravado até pelo Nirvana, e de outro hit de enormes proporções, Venus).
Com seis faixas gravadas em uma despensa, o grupo abre o EP com October, canção com tom sonhador, como se esperaria de uma faixa calma do Velvet Underground – tem clima de música de girl group, com pandeirola e tudo. Dreams of falling tem certo ar de Motown, com guitarra simples, vocal quase jazz e baixo costurando a faixa. Hypocrite (faixa que, conta a banda, “explora a dissonância cognitiva da nossa geração”) é o pós-punk mais prototípico do disco, mas ainda assim os vocais e os metais funcionam em clima cigano-hispânico.
Normalcy e Too close to the sun exploram um lado solar do EP, com timbres lembrando Pretenders e as já citadas The Sundays e The Smiths. Duas músicas que ajudam a tomar fôlego para a beleza arábica da faixa-título, com escalas peculiares nos vocais e na guitarra, e ótimo arranjo de metais. Uma banda para adotar e dar o play repetidas vezes.
Nota: 10
Gravadora: Independente.
Lançamento: 7 de fevereiro de 2025.
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