Crítica
Ouvimos: Guided By Voices, “Welshpool frillies”

- Welshpool frillies é o 38º disco da banda norte-americana Guided By Voices. O grupo está completando 40 anos, veio de Dayton, Ohio, e eternamente é um projeto liderado pelo cantor e compositor Robert Pollard, com variações nas formações. E, sim, lança uma média considerável de álbuns por ano – este é o segundo lançado em 2023.
- O grupo pulou de uma sonoridade lo-fi inicial, para um som mais pesado, herdado do punk e do hard rock setentista, que vem marcando lançamentos mais recentes. Com uma longa carreira em selos indies (e dois anos na gravadora TVT), o grupo desde 2018 lança álbuns pelo próprio selo, Guided By Voices Inc.
- O disco foi produzido por Travis Harrison, que trabalha com o GBV desde o começo da década passada, e já foi chamado de “o George Martin” do grupo.
Esqueça qualquer possibilidade de reclamar que o Guided By Voices não para de lançar discos – aliás, só desde 2017, foram 15 álbuns. O GBV faz discos em que mesmo a repetição de uma ou outra fórmula não soa entediante, e consegue dar uma cara própria a cada álbum, oscilando entre glam rock, power pop, punk e toques de folk e blues. Em alguns momentos, soa como se o Who parasse de lançar um disco a cada milênio e gravasse compulsivamente – como em Rust belt boogie, uma das melhores do disco novo, com várias partes diferentes.
Robert Pollard segue cantando choques violentos entre sonho e realidade, em músicas até certo ponto bastante violentas, como Don’t blow your dream job (apesar do trocadilho impublicável no título, é “não destrua o seu emprego dos sonhos”), relato da busca de conforto psicológico em meio a um dia-a-dia destrutivo (“onde estão as palavras que você deveria dizer/em busca de compor um gesto/onde nada pode te destruir?”), Romeo surgeon (“na farmácia/Tracy teve que deslizar do branco para o azul”) e Mother mirth (“na manhã do rescaldo/nosso objetivo era manter tudo”, como as sobras de um incêndio ou desabamento). Better odds confunde pessoas e produtos, batendo na tecla de que tudo pode ser vendido, negociado ou perdido para sempre.
A redenção vem em faixas como a luminosa Seedling (“com um doce mundo de palavras/semeie bons mundos, continue a crescer”) e na música-título, que encerra o disco como se desse uma dica para o próximo álbum – algo comum na discografia do GBV. O Guided By Voices continua falando sobre mundos violentos e imperfeitos, diante dos quais é impossível não sentir alguma identificação.
Gravadora: Guided By Voices, Inc
Nota: 9
Foto: reprodução do bandcamp do GBV
Crítica
Ouvimos: Earl Sweatshirt – “Live laugh love”

RESENHA: Em Live laugh love, Earl Sweatshirt faz um rap psicodélico e fragmentado, cheio de colagens sonoras, humor estranho e momentos de introspecção.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 9
Gravadora: Tan Cressida / Warner
Lançamento: 22 de agosto de 2025
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Earl Sweatshirt é costumeiramente o nome menos lembrado do coletivo de rap Odd Future – Tyler The Creator e Frank Ocean têm fama de rappers revolucionários e grandes estetas pop, a ponto do coletivo nem sequer mais ser citado quando se fala deles. Já Earl é outro papo: volta e meia alguém tem que lembrar do OF quando sai um disco dele, para garantir “autoridade” ao lançamento. Mesmo que, trabalhando discretamente, ele tenha criado uma noção absolutamente psicodélica e dreamy de rap, em que quase sempre o ouvinte fica com a impressão de ter achado numa gaveta uma fita K7 com colagens sonoras de origem desconhecida.
Live laugh love, seu quinto álbum, é bem curto (são apenas 24 minutos!) e basicamente soa como um único fluxo de consciência, em que sons, beats, gravações caseiras, samples e vozes emaconhadas são disparados na cara do/da ouvinte, sem que inicialmente haja noção total do que está acontecendo. GSW vs SAC, na abertura, tem diálogos, vocal sorridente – como se algo ou alguma substância estivesse deixando Earl soltinho no estúdio – e dá o clima de desorientação que o ouvinte vai encontrar em todo o disco.
- Ouvimos: Tyler The Creator – Don’t tap the glass
Forge, por exemplo, parece um dub bem maluco que virou rap. Infatuation e Gamma (need the<3) soam como se Earl estivesse ouvindo rádio com amigos e começasse a improvisar um rap em cima de uma música que está tocando agora. Well done! tem estilhaços de samples de soul – a música circula como se o ouvinte estivesse com vertigem. A curiosidade no disco é a vinheta “Brasil!!” narrada por Edmo Zarife surgindo duas vezes ao longo da audição. A primeira, no rap lisérgico e extratexturizado de Live; a segunda, na bizarra Heavy metal aka ejecto seato!, cujo som chega a parecer uma transmissão de rádio com antena defeituosa.
Live laugh love tem um certo jeito de private joke em alguns momentos – mais pela maneira como as músicas são construídas do que necessariamente por causa das letras. Vale dizer que, entre uma vertigem sonora e outra, Earl montou o disco como uma homenagem à sua vida atual de pai de família, mas essa vida “tranquila” convive com bastante intranquilidade. Em Crisco, ele recorda um passado de brigas em família (“papai era meio desajeitado / o substituto dele me superou, me deixou violento, odiava brigar /eu sei que não posso aceitar nenhuma perda, minha raiva está engarrafada”).
Já Tourmaline, a melhor música do disco – tão psicodélica que chega a dar vertigem – fala olho no olho com companheiros de luta: “montamos um posto fora do assentamento com tudo que os negros pudessem querer / informações de ouro, é difícil saber tudo (…) /lição do vestíbulo, pré-requisito para entrar pela porta / é nunca deixar que eles te subestimem”. Exhaust, no final, é um soul docinho que ganha um rap, mas a letra soa como uma carta para si próprio: “no fim do dia, é só você e você mesmo / estou enviando força por via aérea”.
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Crítica
Ouvimos: Azul Azul – “Azul Azul”

RESENHA: Azul Azul estreia com um disco psicodélico e melódico, misturando dream pop, pós-punk e influências brasileiras e britânicas com charme e invenção.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8,5
Gravadora: Independente
Lançamento: 30 de setembro de 2025
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Com referências autoconfessas que misturam bandas nacionais e de lá de fora – Terno Rei, Lupe de Lupe, Boogarins, Pavement e Smashing Pumpkins – a banda alagoana Azul Azul equilibra-se entre estilos como dream pop e pós-punk em seu álbum epônimo de estreia. Só que ambos os gêneros surgem filtrados em (muita) psicodelia, quase como se o “azul” do nome da banda fosse algo que desse para colocar na mão.
MCV, logo no começo, une climas que lembram Pepeu Gomes, Gilberto Gil e Pink Floyd, com efeitos de guitarra derretidos e letra sobre luzes, cores, cheiros, sensações. Ba sing se voa entre Mutantes e Echo and The Bunnymen, entre rock mineiro/nordestino e britânico. Valet para menino Marcelo tem som de impacto, oscilando entre Mutantes e Psychedelic Furs.
Já Clifford, o cão vermelho abre o canal do shoegaze no som do grupo, com paredes consideráveis de guitarra, num guitar rock melódico e sonhador – enquanto Um parque de diversões da cabeça ganha ares de valsa dream pop, algo entre Lô Borges e Cocteau Twins. O Azul Azul ainda une seu dream pop a vibes brasileiras na bossa psicodélica Cavalos marinhos e na balada sonhadora Qualquer coisa fields forever, que remete a Roberto e Erasmo Carlos.
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Crítica
Ouvimos: Beige Walls And No Roof – “Dual liquid hands”

RESENHA: Shoegaze psicodélico e melódico dos australianos Beige Walls And No Roof cria paisagens líquidas e lisérgicas em Dual liquid hands.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 9
Gravadora: Shore Dive Records
Lançamento: 3 de outubro de 2025.
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A banda australiana Beige Walls And No Roof faz um shoegaze derretido, do tipo que dá a impressão de estar no meio de uma viagem de LSD em que o céu se torna líquido – as guitarras voadoras e cheias de efeitos tocadas pelos irmãos Ethan e Jeremy Clark são nessa onda. As canções do álbum Dual liquid hands são bastante melódicas e acessíveis, nada feito para assustar quem não curte guitarras emparedadas. Cocoon, a faixa de abertura, tem algo que evoca as linhas melódicas de Aerial, do System Of A Down (!) – é uma referência estranha que vai surgindo lá de longe e não responde pelo todo da música, ou do disco.
- Ouvimos: Algernon Cadwallader – Trying not to have a thought
Seguindo no álbum, faixas como I know you’re the master, o instrumental Vellichor e a ensolarada e quase progressiva Frosty viscosity dão uma sensação quase uterina, como se quem ouve estivesse submerso nas guitarras. Climas dream pop aparecem em Realisations e Walking to the museum. I am not here ameaça um prog de FM oitentista na abertura, até que as guitarras ganham peso, e sensação de afunilamento.
Essa mescla de guitarras em nuvens, senso melódico apurado e psicodelia é a marca de Dual liquid hands, seguindo em faixas como The same days e a extensa Pushing through. Outra marca são as faixas curtas e instrumentais que praticamente dividem cada música do álbum, e que levam a lisergia do disco para um universo de sonhos e vertigens: rola na já citada Vellichor, em Freak junk accident, e em Frigid ensemble.
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