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Crítica

Ouvimos: Doja Cat, “Scarlet”

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Ouvimos: Doja Cat, "Scarlet"
  • Scarlet é o quarto disco da rapper e cantora californiana Amala Ratna Zandile Dlamini, mais conhecida como Doja Cat. O disco está sendo considerado como um afastamento do projeto pop que Doja vinha construindo em discos como Planet her (2021).
  • O disco veio após uma controvérsia em que Doja foi indicada ao Prêmio BET de Melhor Artista Feminina de Hip Hop, em 2021. Fãs e não-fãs reclamaram que ela não era uma rapper e tinha uma sonoridade pop demais para ser indicada ao prêmio. “Qualquer um que diga que não sou um rapper está em negação. Eles não sabem do que estão falando”, disse à Rolling Stone.
  • Doja também contou que estava mudando de estilo para algo mais “punk” e experimental, influenciado por imagens ocultistas. O disco quase se chamou Hellmouth e First of all antes do novo título.
  • O álbum tem participações de quase 30 produtores, com Doja na produção executiva. Entre os samples usados no disco, estão os de Walk on by (Dionne Warwick) em Paint the town red, e o de I’m not in love (10cc) em Shutcho.

Scarlet está bem (mas bem) longe de ser um disco campeão em termos de envolvimento com o ouvinte. Se volta e meia aparece algum artista dizendo coisas como “ah, meu disco é para ser ouvido com atenção, como se fosse um livro”, o quarto álbum de Doja Cat está mais para aquele tipo de disco para ser escutado em momentos de distração, com uma ou outra faixa que ajuda a dar uma acordada no meio de audição – e um mar de raps e canções repetitivas. No quesito de canções para ouvir de novo, tem o rap sinuoso e o bom refrão de Agora Hills, o soul de Can’t wait e Skull and bones, a provocação de Wet vagina, Go off e Fuck the girls (FTG).

Soando na maioria das vezes como um mergulho naquela cultura de bumbo-e-caixa que já construiu carreiras e álbuns no hip hop (mas que aqui ressurge marcada pela pouca variedade em beats), Scarlet tem também passagens de psicodelia e sons “derretendo”, como em Love life, um rap de agradecimento que passa pelo sexo, pelo amor, pelo relacionamento com os fãs, pelas cagadas da vida (“eu entendo a selva em que estamos/agora deixe-me terminar/todos nós vamos cometer erros”).

Scarlet consegue transformar de verdade a carreira de Doja numa “coisa” não-pop, com alguns momentos perturbadores – mas nada aterrorizante, embora tenha gente já falando em “rap de horror”, “horrorcore”, etc. E Doja, vale dizer, se sai melhor do que muita gente que tenta imitar o imaginário e o design sonoro dos discos dela, ainda mais aqui no Brasil. Não é só gravar uma meia dúzia de canções dizendo “sou foda”: o “razoável” de um disco dela ainda soa bem mais focado e exato, em especial no aproveitamento de samples e referências, do que no caso de muita gente que tenta fazer o mesmo.

Inclusive o melhor de Scarlet é que tem muita história e vivência ali, e Doja Cat é o tipo de artista que constrói uma história com a própria vida, e não apenas uma mídia publicitária com a própria vida. Já é coisa pra caramba nos dias de hoje. Mas são os lados legais de um disco no qual falta mais variedade musical.

Gravadora: Kemosabe/RCA
Nota: 6,5

Foto: Reprodução de capa de álbum

 

Crítica

Ouvimos: Skunk Anansie – “The painful truth”

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Ouvimos: Skunk Anansie, "The painful truth"

RESENHA: Skunk Anansie encara o caos, o etarismo e a dor em The painful truth, disco intenso que mistura punk, grunge, no wave e neo soul.

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“Uma artista é uma artista / e ela não para de ser uma artista / porque ela é velha, sabe? / ela não arregaça as mangas / pega seu porta-retratos e vai embora / larga a caneta e coloca o chapéu / por causa da menopausa (…) / uma artista é uma artista / até que a morte nos faça partir”.

Poucas letras atuais falam mais profundamente a respeito de questões vitais no dia a dia do showbusiness (etarismo, machismo, expectativas da crítica, do mercado e do público) do que An artist is an artist, punk-rap que abre The painful truth, disco novo do Skunk Anansie, destacando os vocais ágeis e carismáticos da vocalista Skin. Trata-se de uma banda britânica dos anos 1990, com som mais associável ao pós-grunge e ao metal alternativo, que sempre foi meio desgarrada em relação a seus pares britânicos – volta e meia era incluída num saco de gatos chamado britrock, em oposição à turma mais viável comercialmente do britpop.

Leia também:

  • No nosso podcast, Oasis da pré-história ao começo da oasismania.
  • Blur entre 1993 e 1997 na volta do nosso podcast.
  • Ouvimos: Blur – Live at Wembley Stadium.
  • O som de 1994: descubra agora!

Lançado após tempos difíceis nas internas do grupo (o baterista Mark Richardson recupera-se de um câncer. e o baixista Richard “Cass” Lewis está em quimioterapia), The painful truth, sétimo álbum do Skunk Anansie, traz a banda encarando na maior parte do tempo questões de vida ou morte. O repertório fala de autocontrole (This is not your life), dores pessoais (Shame, dos versos dolorosos “eu recebi o amor da minha mãe / eu recebi a dor do meu pai / eu recebi a culpa do meu irmão”), caos pessoal (Lost and found), altos e baixos (My greatest moment) e desespero (Meltdown, dos versos “agora que tudo se resume / a quem você reza e quão alto”).

Musicalmente, é um disco que reúne partículas de no wave, grunge e até neo soul, dependendo do momento. This is now your life soa como um Depeche Mode afrotecnopunk, Shame invade a pequena área do nu metal, Cheers insere peso no punk pop e até toques de dub invadem Shoulda been you – uma mistura com a qual os fãs do grupo já estão acostumados. O rock eletrônico sombrio dá conta de Animal e até mesmo algo próximo dos climas robóticos do krautrock surge misturado em alguns momentos do álbum.

Ainda que não seja um álbum brilhante como Stoosh (o segundo, de 1995), A painful truth é um atestado de sobrevivência. E um disco que, mesmo falando alto, é cercado de silêncios nos arranjos e nos vocais.

Texto: Ricardo Schott

Nota: 8
Gravadora: FLG
Lançamento: 23 de maio de 2025.

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Crítica

Ouvimos: akaStefani e Elvi – “Acabou a humanidade”

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Ouvimos: akaStefani e Elvi, "Acabou a humanidade"

RESENHA: akaStefani e Elvi misturam funk, krautrock, screamo e eletrônica em um disco caótico e divertido sobre o fim do mundo e o absurdo do cotidiano.

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O pessoal ligado à banda Duo Chipa não consegue ficar sem produzir coisas. akaStefani é Audria Lucas, integrante e produtora do grupo, e em Acabou a humanidade, ela se une a Elvi, produtor e músico de Santo André (SP), para fazer um som que, nos momentos mais calmos, parece uma mistura insana de funk, screamo, Faust e Kraftwerk. Já a ficha técnica entrega elementos de Ciccone Youth (projeto pop-anti-pop do Sonic Youth, que gravou um disco em 1988) e de Mutantes em meio aos ruídos, vocais e sons eletrônicos.

Faixas como Paga meu salário (“chefe arrombado / paga meu salário”) e Roda punk, repleta de barulhos e loops, têm ar de música infantil destruidora, enquanto Maquiagem, com voz distorcida e zoada, unem rock experimental e batidão de funk. A zoeira volta numa espécie de paródia da ítalo house, Cupido arrombado (“flechou o lugar errado!”) e na house music texturizada de Porque eu tento.

No final, loucura na versão videogame de Panis et circenses, com sample do original dos Mutantes (Pani no circo), e na brilhante Sortudos no fim do mundo, que lembra uma vinheta de rádio, ou uma cantiga de roda pervertida, com versos como “nós somos sortudos / vamos ver o fim do mundo / acabou a humanidade / virus, bomba e armamento / pandemia é só o começo do fim”. Você acaba rindo, nem que seja de nervoso.

Texto: Ricardo Schott

Nota: 8,5
Gravadora: Independente
Lançamento: 30 de maio de 2025

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  • Ouvimos: Duo Chipa – Lugar distante
  • Ouvimos: Doce Creolina – Debaixo do chapéu de um cogumelo (EP)
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Ouvimos: Chime Oblivion – “Chime Oblivion”

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Ouvimos: Chime Oblivion - "Chime Oblivion"

RESENHA: Chime Oblivion estreia com supergrupo punk-experimental que mistura pós-punk, no wave, funk torto e maluquices à la Devo e Stooges.

Uma grande surpresa: o Chime Oblivion parece ter surgido do nada, soa como mais uma banda de moleques de 20 anos fanáticos por pós-punk e garage rock, mas é bem mais que isso. Trata-se de um supergrupo iniciado por dois veteranos, David Barbarossa (Adam & The Ants/Bow Wow Wow) e John Dwyer (Osees, The Oh Sees e outras nomenclaturas).

É também um grupo de três guitarras – Barbarossa, Dwyer e Weasel Walter, este dos barulhentos Flying Luttenbachers – que inclui ainda um sujeito tocando marimba (Tom Dolas, também do Osees), um saxofonista em clima free jazz punk (Brad Caulkins, da banda Bent Arcana) e vocais femininos charmosos e zoeiros em vibe punk (HL Nelly, do Naked Lights). Só gente acostumada com experimentações e maluquices de estúdio.

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  • Ouvimos: Osees – Sorcs 80
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No primeiro álbum, essa turma tem como principais emanações pós-punk na onda do Gang Of Four, punk a la Buzzcocks e no-wave. Entre vinhetas quase inaudíveis feitas com um sintetizador, evocam também X Ray Spex e Slits em Neighborhood dog, fazem pós-disco-rap-punk cru e ríspido (Kiss her or be her), pré-punk percussivo (The fiend, com um curioso batidão lembrando Nação Zumbi na abertura), funk torto (Heated horses), levam o idioma da no wave para os anos 1960 (The uninvited guest). Por aí.

Somando 15 faixas em menos de meia hora, o Chime Oblivion vai se tornando mais próximo de um pré-punk formal (formal?) conforme as faixas se sucedem – cabendo perversões via Devo e Stooges da batida de Bo Diddley em And again e The mythomaniac, punk garageiro e anfetamínico em Smoke ring e I’m not a mirror e sons tribais em Grass, Cold pulse e The catalogue – esta, depois, ganha cara dub. Uma música tão confortável que quase não parece ter sido feita para tirar o rock do conforto – mas foi, sim.

Texto: Ricardo Schott

Nota: 9
Gravadora: Deathgod Corp
Lançamento: 18 de abril de 2025.

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