Cultura Pop
Motörhead: vai sair edição comemorativa do disco “Another perfect day”
Um dos discos mais eternamente zoados por seus próprios autores, quem diria, vai ganhar edição comemorativa. Another perfect day, disco do Motörhead lançado em 4 de junho de 1983, sai em 3 de novembro em novas edições deluxe, para comemorar os 40 anos do álbum. Uma boa chance para redescobrir um disco que Lemmy Kilmister, líder da banda, já considerou “o ponto mais baixo” do Motörhead, por razões muitas vezes extra-musicais.
Another perfect day, que era o quarto álbum da banda britânica de rock pauleira, tem muitas qualidades. A começar pela capa altamente psicodélica, feita pelo capista usual da banda, Joe Petagno, numa época em que, para se livrar da cocaína, o desenhista viajou com a mulher e com a filha para um lugar que nem tinha telefone. Lemmy Kilmister achou Joe, mandou um telegrama encomendando o desenho (feito por ele em oito dias) e elogiou o resultado (“os fãs vão gostar de tomar LSD vendo isso”, disse). Mas é também o disco de Dancing on your grave (música que, segundo Max Cavalera, inspirou o nome do Sepultura), One track mind, Die you bastard, I got mine, Shine e outras. Tudo isso vale (muito) a pena ouvir.
Só que… o disco esconde histórias meio sórdidas. A começar pelo fato de ser o único álbum da banda gravado com Brian Robertson, um ex-guitarrista do Thin Lizzy, no instrumento. Brian era um grande músico, era aparentemente “profissional” se comparado com Lemmy Kilmister (baixo e voz) e Phil “Philty Animal” Taylor (bateria), e havia tocado numa banda que tinha fama de exigir bastante dos músicos. Parecia aquele velho conto do supermúsico que chega para dar um jeito numa banda iletrada.
Era isso, mas não era bem isso: Robertson, por exemplo, era tão beberrão quanto os dois outros integrantes do Motörhead e Lemmy costumava reclamar que, ao contrário dele e de Phil, o novato não segurava a onda alcoólica nos shows. A entrada dele no grupo havia rolado na pressa: o guitarrista “Fast” Eddie Clarke deixara a banda pouco antes da primeira turnê do trio pelos Estados Unidos como atração principal, em 1982, e Phil e Lemmy saíram ligando desesperadamente para todo mundo que pudesse ocupar a vaga. Brian topou (“tudo em nome da diversão”, disse). Ganhou várias fitas da banda, e o desafio de aprender todo o repertório de palco do Motörhead em dezesseis horas para fazer um show já no dia seguinte. Não havia alguém para ajudá-lo nas guitarras: ele deveria fazer bases e solos.
No começo, parecia que daria certo – embora, vale citar, Brian tenha assinado contrato para gravar apenas um disco e nada mais. Mas no estúdio, gravando Another, a banda ficou estressada com ele. Rápidos ao extremo, Lemmy e Taylor tinham que lidar com um guitarrista que demorava “dezessete horas para fazer uma parte de guitarra” (reclamava o baixista).
Mas o que deixou a banda irritada mesmo foi que Lemmy e Taylor tinham que dividir o palco com um guitarrista que usava calções de cetim (costumeiramente usados para ir à academia malhar) e sapatos durante os shows. E que, na prática, tinha um visual bem mais inofensivo que os outros dois. De fato: as imagens de divulgação do Motörhead nessa época parecem mais um rolê aleatório (ou uma montagem feita com IA) em que Cazuza, com o visual que usava no Barão Vermelho, faz farra com metaleiros cabeludos. Ou um momento esquecido em que um personal trainer havia tentado botar na linha os beberrões da banda.
“Isso era só para encher meu saco”, vociferou Lemmy certa vez. “Ou para deixar claro que ele não havia assumido sua posição na banda e era só um convidado especial, fazendo um favor do alto da sua fama como guitarrista do Thin Lizzy”. Bom, nessa entrevista aqui, Robertson diz que ao entrar no grupo, deixou claro que não poderia tocar certas coisas da banda, porque “aquilo não era ele”. E diz que, de início, Lemmy concordou com isso, mas as coisas desandaram.
Another perfect day volta às lojas com embalagens em formato de livro capa dura, com dois CDs ou três LPs, incluindo remasterização do álbum original, demos inéditas e um show completo inédito gravado no Hull City Hall, na Inglaterra, em 22 de junho de 1983. As novas edições vão trazer também a história do disco e fotos inéditas. E tudo vale a redescoberta.
Cultura Pop
No nosso podcast, o recomeço de John Lennon entre 1969 e 1970
No começo de sua carreira solo, John Lennon era um artista brigão, politizado, dado a excessos, que estava de cara virada para seus ex-colegas de Beatles, e que havia encontrado um pouco de paz em seu relacionamento com a artista asiática Yoko Ono. Em meio a isso, alternava protestos, álbuns experimentais (ambos feitos com a nova esposa) e seus primeiros singles, com músicas guerrilheiras como Cold turkey e Instant karma!
Entre 1969 e 1970, parecia que acontecia de tudo na vida dos Beatles. E por tabela, na vida de John, que vivia um dia a dia de brigas, entrevistas malcriadas, gravações novas, ameaça de falência, problemas no novo casamento e um processo de autodescoberta que aconteceu depois que um certo livro apareceu na sua caixa de correio… A gente termina a temporada de 2024 do nosso podcast, o Pop Fantasma Documento, recordando tudo que andava rolando pelo caminho de Lennon nessa época. Termine de ouvir e ataque a super edição turbinada de John Lennon/Plastic Ono Band (1970) que chegou às plataformas em 2020. E, ei, não esqueça de escutar Yoko Ono/Plastic Ono Band, que saiu junto do disco de John.
Século 21 no podcast: Juanita Stein e Caxtrinho.
Estamos no Castbox, no Mixcloud, no Spotify e no Deezer .
Edição, roteiro, narração, pesquisa: Ricardo Schott. Identidade visual: Aline Haluch (foto: reprodução internet). Trilha sonora: Leandro Souto Maior. Vinheta de abertura: Renato Vilarouca. Estamos aqui de quinze em quinze dias, às sextas! Apoie a gente em apoia.se/popfantasma.
(temos dois episódios do Pop Fantasma Documento sobre Beatles aqui e aqui).
Crítica
Ouvimos: The Cure, “Songs of a lost world + Songs of a live world: Live Troxy London MMXIV” (ao vivo)
Sério que Songs of a lost world, álbum novo do The Cure, já ganhou rapidamente uma edição deluxe com um registro ao vivo de todas as faixas do álbum? Sim, ganhou essa edição acrescida do rabicho Songs of a live world: Live Troxy London MMXIV. Até porque se o disco já fez bastante sucesso, a noite de lançamento do álbum foi inesquecível – com um show da banda em 1º de novembro no Troxy London, tocando todo o repertório do começo ao fim, além de vários hits. E é justamente o repertório do disco executado nessa noite, ao vivo, que surge como “disco 2” do álbum.
O Cure, redescoberto por novas gerações e por uma turma que não necessariamente é fã deles, mas curte os hits e gosta de curtir uma fossa, meio que vai tentando dar uma de U2: além de oferecer mais um mimo para os fãs, a banda vai doar todos os royalties deste lançamento para a instituição de caridade War Child. Na loja online do grupo existe um hotsite (ainda se usa esse termo?) só para as diferentes versões de Songs of a live world e para duas edições diferentes em vinil vermelho de Songs of a lost world: uma deles apenas com o disco original, e outra em formato duplo, trazendo as músicas em versões instrumentais no disco 2 (reparem bem: Songs tem músicas em que o vocal começa quase no fim da faixa, e que já são quase instrumentais, mas aí vai quem quer).
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O show inteiro daquela noite possivelmente você já viu no YouTube (se não viu, veja lá embaixo deste texto). E possivelmente você ficou impressionado/a como o The Cure voltou disposto a se transformar num espetáculo. Só que sem as presepadas do Coldplay e sem os truques de mágica do U2: é só a banda, num cenário escuro e esfumaçado, com muito peso e imponência visual e auditiva. As músicas do álbum transportadas para o “ao vivo” soam um pouco mais humanizadas, especialmente no caso de canções que, no disco, eram torrentes de ruído, como Warsong e Alone.
And nothing is forever destaca a magia dos teclados que, rearranjados, poderiam estar até num disco do Péricles – esse lado popularzão sem deixar de ser “dark” sempre foi uma das grandes forças do Cure. A ambiência do Troxy deixou músicas como I can never say goodbye (feita por Robert com o pensamento na morte de seu irmão mais velho Richard) e Endsong bem menos robóticas e desprovidas de qualquer traço de frieza. Se o disco novo do Cure é triste, a contrapartida ao vivo é a prova de que o show é feito para fãs que curtem chorar baldes ouvindo música. E tá tudo bem.
Nota: 9
Gravadora: Fiction/Polydor
Crítica
Ouvimos: Dead Boys, “Live in San Francisco”
A Cleopatra Records, uma gravadora de Los Angeles que se dedica a lançar em edições oficiais-ou-quase antigos discos piratas (boa parte deles de punk rock, psicodelia e pedradas obscuras dos anos 1960) revisita agora o catálogo de bootlegs dos Dead Boys, com esse Live in San Francisco.
O show foi gravado em 2 de novembro de 1977, na época de lançamento da estreia do grupo, Young, loud and snotty (1977) e já esteve nas lojas com vários nomes: Live 1977, Live in Old Waldorf (local em San Francisco onde rolou o tal show), Down in flames, etc. Não muda o fato de que é um piratão legítimo, com qualidade de gravação de demo antiga (foi tirado na verdade de uma transmissão da emissora KSAN-FM) e sem muitos tratamentos. Mostra pelo menos o peso do grupo na época, além de uma seleção de faixas de Young, além de algumas que sairiam só no segundo álbum, We have come for your children (1978).
O material dos Dead Boys seria bastante influente em gerações posteriores do punk, do power pop e até do rock pauleira (Guns N’Roses, por exemplo). A abertura com Sonic reducer e All this and more mostra um estilo de punk rock herdadíssimo de artistas como Alice Cooper, Ramones, David Bowie, Rolling Stones, New York Dolls. Um som que, mesmo antes do vocalista Stiv Bators abrir a boca, já se impunha pela atitude, pelas microfonias e pelo clima descompromissado musicalmente – no nível da desafinação em alguns momentos, como em All this and more, a desbocada Caught with the meat in your mouth e outras, todas aplaudidas por uma plateia audivelmente pequena, mas animada.
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- Stiv Bators: o “outro nome” do punk em documentário
- Entrevista: Frank Secich fala sobre a pouco lembrada (e ótima) carreira solo de Stiv Bators
Flame thrower love, que sairia só no segundo disco, está no álbum ao vivo e já trazia uma diferença em relação ao material anterior: era uma canção punk basicamente construída em cima de um riff pesado, algo bem mais próprio do hard rock. A destrutiva Son of Sam, entre gritos de Stiv e viradas erradíssimas do baterista Johnny Blitz, era formada por uma estranha mescla de pós-punk deprê e acordes poderosos na linha do The Who. No final, a cacofonia de Down in flames, cantada por Bators quase sem voz, e a homenagem aos Stooges com a releitura de Search and destroy, com microfonias no fim.
Os Dead Boys não sobreviveriam, pelo menos inicialmente, ao excesso de drogas, às incompreensões do mercado e a seu próprio comportamento destrutivo. O grupo voltou em 2017 e recentemente anunciou um disco gravado por uma turma all-stars, liderada pelo guitarrista original Cheetah Chrome – disco esse que já causou polêmica porque o vocalista Jake Hout acusa a banda de querer usar a voz do falecido vocalista Stiv Bators em IA. Só vendo, mas o passado, com todos os seus defeitos e qualidades, tá aí.
Nota: 7,5
Gravadora: Cleopatra Records
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