Crítica
Ouvimos: Cameron Winter, “Heavy metal”

- Heavy metal é o primeiro disco solo de Cameron Winter, cantor da banda norte-americana Geese. O cantor se diz inspirado em nomes como Leonard Cohen e Tom Waits e aproveitou para contar ao New Musical Express que “não estou nem aí para o que esperam ou querem de mim”.
- O disco foi produzido por Loren Humphrey. Inicialmente, Winter pensou que resolveria o projeto em poucos meses – durou um ano e meio.
- “Recebi muitos conselhos de que era muito cedo para ‘seguir carreira solo’, provavelmente porque a maioria das pessoas acha que ‘álbuns solo’ vêm quando a banda já está basicamente decadente e que geralmente são uma forma de ganhar dinheiro sem inspiração. Mas fique tranquilo: meu álbum solo é único, porque quase ninguém sabe qual é minha banda. Sou jovem e não tenho medo de morar com meus pais, e sou livre para perseguir as ideias que eu quiser”, disse.
Heavy metal, disco de estreia de Cameron Winter, cantor do Geese, é… é… Bom, a melhor definição é “disco maluco”, mesmo. Começando pelo mais amigável: o som da estreia solo do vocalista é recomendável para quem curte folk, blues rock, e até para quem curte a fase do começo dos anos 1970 dos Rolling Stones. Mas você tem que se preparar para a mais completa perversão de tudo isso aí.
Por sinal o álbum abre com uma música de ritmo impenetrável e melodia altamente setentista chamada… The Rolling Stones – só que várias músicas de Heavy metal soam como se o grupo mandasse Mick Jagger pastar e convidasse Arnaldo Baptista, Kevin Ayers ou Alexander “Skip” Spence para fazer os vocais. Muita coisa de Heavy metal também soa como se Neil Young cantasse com voz grave, tendendo à desafinação e ao despedaçamento vocal em várias passagens – nesse quesito, faixas como Nausicäa e The Rolling Stones chegam a dar nervoso. Drinking age soa como o lado mais esquisito de Todd Rundgren, com Winter praticamente murmurando.
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O disco de Winter não tem nada a ver com heavy metal, claro. O cantor encheu o disco de sons propositalmente irritantes. Faixas como Love takes miles abre com ruídos que lembram uma mosca em volta do microfone. We’re thinking the same thing é um bittersweet maníaco, ou um soft rock feito pelo Pavement (você escolhe). A infame ao extremo Cancer of the skull abre como folk e depois se torna algo parecido com uma canção de piratas ou de vikings. Try as I may ameaça um gospel estranhíssimo, encerrado com os versos “deus é real, não estou brincando dessa vez/acho que deus é realmente real, eu não brincaria com isso”. Parece que ele não está brincando, mas parece também que está.
Até aí, é perceptível que Winter é um contador de histórias pouco usuais e bem loucas. Já era uma coisa comum no Geese, mas Heavy metal parece um daqueles álbuns feitos para soarem como uma mensagem na garrafa, ou realizados após a audição de vários discos obscuros que só são descobertos por colecionadores malucos quando começam a custar R$ 3500 em sebos. Até mesmo os fãs de música estranha podem se sentir desafiados com um disco desses.
Nota: 7
Gravadora: Partisan/PIAS
Lançamento: 6 de dezembro de 2024.
Crítica
Ouvimos: Davido – “5ive”

RESENHA: Com clima de verão, 5ive mostra Davido misturando tendências do afropop em um disco ambicioso e cheio de possíveis hits – mas precisava mesmo fazer um feat com Chris Brown?
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Aquele clima de praia, azaração (ainda se diz isso?), gente bonita e você, portando um drinque com guarda-chuvinha e usando uma camisa de botão no estilo do Magnum. Provavelmente é o que vai ficar na sua mente enquanto você ouve 5ive, quinto disco do popstar norte-americano de ascendência nigeriana David Adedeji Adeleke, ou simplesmente Davido.
Com um número enorme de convidados e um passeio por uma gama de estilos que pode ser definida como afropop (mas abarca reggaeton, trap, kuduro, pop latino, o africano highlife, etc), Davido é um cara cascudo e autoconfiante – a ponto de abrir seu álbum novo com uma vinheta orquestrada e narrada na qual se compara ao Davi da batalha bíblica com o gigante Golias. O repertório de 5ive mistura gastação de onda típica do trap, vibes afrolatinas e, volta e meia, temas de amor, sexo e territórios dominados.
É o que rola em faixas como Anything, Offa me (com Victoria Monet), R&B (que une o estilo ao trap) e Awuke – essa última, uma parceria com YG Marley, o filho de Lauryn Hill e Rohan Marley, e neto de Bob Marley, e uma das músicas em que Davido mostra influências do amapiano, um combinado de estilos e misturas musicais vindo da África do Sul. Essas mesclas dominam também faixas como Lover boy (com os franceses Tayc e Dadju) e With you (com Omah Lay), duas músicas que surgem no finalzinho do disco, e que dariam bons hits no Brasil.
Isso porque algumas coisas de 5ive são, digamos, análogas a muita coisa já testada e aprovada por aqui – só que vêm com uma cara bem diferente. A ótima Lately poderia ser gravada pela Shakira, e Tek (com Becky G), ganha um ar de lambada, e é aberta por um riff de sax que parece um corte feito a gilete no saxofone de Careless whispers, de George Michael. Indica que Davido, provavelmente, em algum momento, pode acabar estourando por aqui. E esse número enorme de convidados, claro, já é um esforço para chegar nos fandoms mais variados, o que também indica que, em algum momento, pode rolar um feat com algum nome brasileiro (Ivete Sangalo, não, pelo amor de deus).
A vontade de variar os feats acabou fazendo alguém da produção de 5ive, talvez o próprio Davido, viajar feio na maionese. O canceladaço Chris Brown surge soltando (mal) a voz em Titanium, uma música nota 2 do disco, e faz vir à mente a pergunta: “quem pediu isso?”. Em compensação, no animado afropop Funds, Davido dá espaço a dois nomes do pop nigeriano, Odumodublvck e Chike, e ele mesmo acaba servindo de ponte para que o afropop surja no mercado norte-americano diretíssimo da fonte. Mesmo com a irregularidade típica dos enormes discos pop de hoje em dia, 5ive vem com cara de território dominado.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 7,5
Gravadora: DMW/Columbia
Lançamento: 18 de abril de 2025.
Crítica
Ouvimos: 43duo – “Sã verdade” (EP)

RESENHA: O 43duo mistura pós-punk e psicodelia com naturalidade no EP Sã verdade, unindo grooves, ecos 60s/80s e letras poéticas e instintivas.
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O 43duo é uma dupla-banda de Paranavaí (PR) que toca de maneira bem peculiar: enquanto Hugo Ubaldo faz guitarras circulares, assemelhadas a loops de fita, Luana Santana toca teclados – inclusive synth bass – e bateria ao mesmo tempo (haja coordenação motora!). E os dois dividem os vocais. Com influências assumidas de Tame Impala, Boogarins, The White Stripes e Pink Floyd, mostram no EP Sã verdade uma mescla quase natural de pós-punk e psicodelia, buscando climas e timbres que aludam tanto a The Who, Kinks e Beatles quanto a Echo and The Bunnymen.
A faixa-título abre com um ataque de guitarra e bateria bastante sessentista, mas que logo vai buscando lugar no lado mais garageiro e profundo do rock britânico oitentista – com psicodelia vaporosa e delicada, algum peso, uma guitarra meio The Edge, meio blues-rock e final viajante. Sal e sina tem base forte, som que ocupa espaços e união de sons cavalares e brasilidades. Navio de sonhos une mod rock e vibrações sombrias num espaço repleto de eco e trevas – muito embora as letras do 43duo sejam poéticas e até naturalistas.
Essa sonoridade ganha contornos mágicos na voadora Guabiruba pt. II, um dream pop sobre as mutações do mundo e a força da natureza, unindo punk garageiro e ritmos nacionais. A balançada Cabeça vazia (Chuva cinza) lembra uma versão groovada dos Mutantes e do Som Imaginário. Concreto, aberta por clima desértico, soa quase stoner, lascada, lisérgica no arranjo, punk na execução, enquanto Lispector é um pós-punk com discreta cara beatle.
Uma das principais características do 43duo é que o som deles não parece vir de uma enorme esquentação de mufa. A sonoridade e o clima das letras parecem vir de uma mistura natural, e de uma voz pessoal como compositores e músicos adquirida em ensaios e reuniões de criação. Sã verdade – uma brincadeira poética com a “pós-verdade”, como se fosse o oposto dela – consegue parecer confortável e desafiador ao mesmo tempo, e conquista os ouvidos por causa disso.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 9
Gravadora: Independente
Lançamento: 12 de junho de 2025
Crítica
Ouvimos: Beto – “Matriz infinita do sonho”

RESENHA: Em Matriz infinita do sonho, Beto cria uma MPB psicodélica e cinematográfica, misturando rock, ritmos afro-brasileiros e espiritualidade vivida.
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Beto, músico e cantor pernambucano, impressiona pelas texturas e pelo clima quase cinematográfico que imprime às faixas de Matriz infinita do sonho – sempre apontando para os lados da negritude, da espiritualidade e dos conhecimentos que só aparecem com a vivência pessoal. Coração preto, na abertura, é um rock abolerado com metais, guitarra com várias distorções no solo, e melodia com certo ar beatle – uma MPB com clima de rock que evoca Lanny Gordin. Pedra verde traz cordas rangendo, dando um som mágico e forte a uma música cujo violão tem emanações de Gilberto Gil.
Beto também apresenta em Matriz canções marítimas (Never die, Yara do mar), pequenos ritos musicados (Peixa), um tema jazzístico, experimental e percussivo (Marx Mellow, com Vitor Araújo no piano) e um reggae com células rítmicas alteradas pelo piano, que vai se aproximando de um dub (Brinquedo). Dandara é som com cara de Gal Costa e João Donato, e Valsinha, surpresa no disco, é uma valsa selvagem, com bastante percussão no começo e psicodelia injetada pela guitarra.
Texto: Ricardo Schott.
Nota: 8
Gravadora: YB Music
Lançamento: 6 de junho de 2025.
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