Cultura Pop
Peraí, quem é Celso Zambel?

Recentemente, o cantor e compositor paulistano Celso Zambel foi informado por um amigo de que era ídolo no Japão. “Ele me falou: ‘Seu disco tá custando trezentos dólares lá. Os caras piram ouvindo seu disco!'”, espanta-se ele.

Em sua casa no bairro de Interlagos, ele tem guardadas duas cópias de seu primeiro álbum, Espírito da noite, lançado sem muita repercussão pela Som Livre em 1979. Uma delas, tinha sido dada de presente por ele na época à sua mãe, já falecida. Caso resolva vender ambas no Mercado Livre, vai concorrer com vendedores que pedem até R$ 800 pelo mesmo álbum – um preço que surpreende quem nunca tinha escutado falar do disco.

Espírito da noite também é um disco surpreendente – a começar por ter sido lançado pela poderosa Som Livre. Celso diz ter recebido um borderô da gravadora informando que 5 mil discos tinham sido vendidos. A contracapa traz a inscrição “também em cassete”, comum em LPs na época – o que já serviria para animar fãs novatos das fitinhas.
“Nunca nem vi fita desse disco”, diz o cantor. A capa, com uma foto de Celso em preto e branco, engana: dá a impressão de um disco lançado pelo selo indie britânico Factory em 1979/1980. Quem ouvir, vai conhecer um lançamento tardio da psicodelia nacional, que chegou às lojas quando os artistas que estourariam no pop dos anos 1980 já davam os primeiros passos.
Rei do lugar, uma das melhores músicas do álbum, dá a impressão de uma mescla de Lou Reed com Arnaldo Baptista. Se é que isso é possível.
Espírito da noite, meio sombria meio psicodélica, lembra um pouco o que aconteceria com o rock brasileiro nos anos 1980.
Por acaso, o disco termina com uma faixa chamada Mágica dos anos 60.
ANTES Espírito da noite surgiu numa época especialmente produtiva para Celso, que em 1979 já acumulava alguns anos de experiência (e certa fama, por vias tortas) no pop brasileiro. Desde o começo dos anos 1970, Celso sonhava em gravar discos próprios e mantinha uma banda chamada Mona, da qual havia participado uma multidão de músicos de São Paulo – entre eles, André Geraissati (guitarra) e Albino Infantozzi (bateria). André, por sinal, é o parceiro de Celso em todas as faixas de Espírito.
Se você leu a biografia A divina comédia dos Mutantes, de Carlos Calado, deve se lembrar que, no auge da fase virtuosística da banda, todos foram à Aclimação conferir o som de uma banda chamada Mescla. O livro conta que o grupo era liderado por um sujeito chamado Bartô, “o mais maluco da turma”, que “chegava a dissolver lascas de LSD direto nos olhos”.
“Eu toquei com o Bartô. Ele morreu ainda nos anos 70, era tecladista também. Ele era gênio e tocava muito, mas exagerou no LSD. Íamos a casa dele pra ensaiar e compor mas com o passar do tempo a coisa ficou pesada. Um dia fomos lá e ele tinha sido internado. Quando saiu da internação, toda vez que íamos a casa dele o pai, preocupado e com razão, nos seguia pela casa com medo que alguém desse algo pro filho dele”, conta Celso. “LSD era líquido e muita gente usava no colírio, porque era mais puro. A Mama Cass (The Mamas & The Papas) fazia isso. As drogas recreativas estavam na moda na época, mas não era a nossa. A gente preferia os enteógenos”, completa o cantor, hoje com 67 anos, “mas com aparência de 66”, brinca.
Em 1973, de contato em contato, Celso foi convidado por Arnaldo Baptista (“o Syd Barrett brasileiro”, classifica) para participar de um festival de novos artistas da Philips, que aconteceu no Estúdio Eldorado. “Era o verdadeiro Phono 73, com platéia convidada e com todos os novos artistas com potencial nacional e internacional de sucesso. Depois disso é que criaram o festival do Anhembi”, recorda o cantor (Armando Pittigliani e Roberto Menescal, que estavam por trás do Phono 73, foram procurados pelo POP FANTASMA mas dizem não terem lembranças desse evento inicial).
Celso acabou contratado pela Philips, mas (como pedia o espírito da época) sugeriram que ele gravasse apenas repertório em inglês, como fariam também nomes como Fábio Jr, Jessé e Christian. Começava aí uma longa saga de cantor-brasileiro-disfarçado-de-gringo, que rendeu vários lançamentos e alguns hits. E, mesmo que seu trabalho como compositor ficasse obscurecido, rolavam algumas vantagens.
“A grana era fantástica. Pô, com 20 anos eu ganhava uma grana respeitável. Eram quatro compactos simples por mês”, recorda. Contratado por gravadoras como Tapecar (que lançava o selo Stax no Brasil), Philips e Som Livre, Celso usou nomes como Tim Andrews, Detroit Blues Band e o mais famoso deles, Paul Jones. Com esse nome, Celso estourou em 1976 com Those shadows, sucesso em toda a América Latina. E tema de abertura do Jornal Hoje por alguns anos na década de 1970.
Em 1977, mais um estouro: Try to feel good tocava direto na rádio paulistana Excelsior. Foi parar na novela Dona Xepa. Como a trama não ganhou trilha internacional, a música saiu em compactos da Som Livre e no LP Excelsior – A máquina do som vol. 6. A novidade é que a música aparecia nos rótulos dos discos creditada a Paul Jones e Andrew Geraissat. Celso Zambel e André Geraissati, enfim.
O PORTAL E O PORTÃO. A origem de Espírito da noite está na paixão de Celso por assuntos místicos. “Eu sempre gostei de discos que funcionam como portais. É uma coisa mais espiritualista, você acha que é só um disco, mas ele te abre as portas para outra dimensão. Parece papo de maluco, mas isso acontece. O Axis: Bold as love, do Jimi Hendrix Experience, é um portal. Uma ou outra faixa dos Beatles, também. O POP FANTASMA fez uma matéria sobre o A wizard, a true star, do Todd Rundgren, não fez? Esse disco também é um portal”, conta Celso.
“Na época, uma grande parte da juventude brasileira achava esse tipo de assunto interessante. A ideia conceitual do disco foi toda do Celso, as letras são dele. Eu sou um músico até superior a ele, mas naquele disco eu estava subordinado ao Celso. Trabalhar com ele era um grande prazer”, lembra André Geraissati, na época já tocando (e gravando discos) com o grupo D’Alma.
Entre 1978 e 1979, época da elaboração de Espírito da noite, Celso fazia jingles com o Mona. “Pediam à gente: ‘Ah, faz uma música aí que misture música de cowboy com discoteca’. A gente pensava: ‘Putz, que bosta’, mas fazia. Dava grana”, recorda. Também acumulava trabalhos em edição de imagens, já que tinha moviola em casa desde criança. Acabou trabalhando numa empresa dirigida por ninguém menos que Goulart de Andrade, que editava programas como o Globo Repórter, para a Globo. “Trabalhei até no Comando da madrugada, anos depois”, recorda.

Entre um trabalho e outro, em 1978, Celso montou uma banda – com integrantes do Mona e agregados – para trabalhar na trilha de uma peça chamada Portão dourado, escrita por Jurandyr Pereira com textos dele e de Hilda Hilst e Renato Haudy. O roteiro, datilografado, dava conta de que a peça era um “tragi-rock”, com a banda finalizada por Celso (cujo nome era Borgo Ni). Entre sombras e velas acesas no palco, Celso cantaria músicas com letras como “eu sei de uma nova maneira de viver/só me tocando de uma lança no meio do som/saca, é uma vida nova/vê se você se liga agora”.

“Era um musical feito para encaixar essas músicas. Entramos em estúdio para fazer um disco que seria lançado juntamente com a peça”, conta. O disco do Borgo Ni, no entanto, acabou sendo abortado por uma razão bizarra: algum funcionário do estúdio apagou a fita. Celso não sabe até hoje direito o que aconteceu, mas o acontecimento foi crucial para que ele chamasse Geraissati num canto e começasse a elaborar um novo projeto.

“Terminamos uma sessão de gravação numa quinta-feira, às 3h da manhã, e quando voltamos na segunda, a fita tinha apagado. Não rolou, mas aí eu iria arrumar o parceiro que eu quisesse, fazer o disco que eu quisesse. Não aguentava mais esse negócio de Paul Jones”, conta, rindo. “Eu gostava de ir no Chacrinha, dava pra me divertir. Mas o resto era um pé no saco”.

SOM LIVRE. Espírito da noite surgiu por uma negociação com a Som Livre: Celso poderia gravar o que bem entendesse, desde que depois voltasse a gravar como Paul Jones e abastecer as trilhas de novelas.
“Quando o disco ficou pronto, ouvi de alguém da gravadora algo como: ‘E aí, quando vai rolar um ‘pauljonesinho’?”, diz Celso, que se recorda de ter assinado contrato com a Som Livre por intermédio de nomes como João Araújo (presidente da gravadora), Toninho Paladino (diretor de repertório internacional) e Otávio Augusto (produtor da gravadora, também cantor sob o pseudônimo de Pete Dunaway). No bate-bola com a gravadora, Celso se deu até bem demais: conseguiu até horas de estúdio para regravar, com a mesma equipe, o tal disco perdido do Borgo Ni.
O disco começou a ser gravado por ele e André em julho de 1978, no mitológico estúdio Vapor, no Jardim Paulista. “O Vapor parecia uma nave espacial. Tinha 16 canais, era concorrente direto do Level (estúdio da Som Livre). Em termos de equipamento, de sintetizadores, não havia nada igual”, lembra Celso. O Vapor era um desmembramento do estúdio Prova, montado por José Scatena, criador do estúdio Scatena, onde álbuns de artistas como Ronnie Von, Gilberto Gil e Mutantes tinham sido gravados.
“A Prova foi nos anos 70 a maior e melhor produtora de filmes, trilhas, jingles e spots do meio publicitário brasileiro, fornecedora de criação para as grandes agências de propaganda. As madrugadas livres eram ocupadas com a gravação de discos, com a locação do estúdio”, conta José Pedro Scatena, filho do velho Scatena, e sócio do Vapor ao lado de César Castanho, Ricardo Corte-Real, Rodolpho Grani e Manoel Barenbein. “Do Espírito da noite, lembro até hoje do diferencial da produção com uma equipe mínima e ao ineditismo da produção independente em um mercado de feras multinacionais. E do grande prazer que esse trabalho me proporcionou. Me senti um revolucionário. Até hoje tenho lampejos daquela produção em meus sonhos”, completa Scatena.
EM ESTÚDIO. Na elaboração de Espírito da noite, André ficou com guitarras, violões e alguns teclados – o cantor tocou sintetizadores, bateria e percussão. Apenas os dois músicos no estúdio. “O Celso chegava, fazia os sons com a boca. Às vezes falava: ‘Não, André, não é isso, você não pegou o barato’. Eu via o Celso tocando através do vidro do estúdio. Quando a gente atingia o ‘barato’, via a cara dele mudando. Era muito legal. Foi tudo feito sem compromisso”, recorda Geraissati. Celso lembra que as músicas iam sendo criadas lá mesmo.

“Entramos sem nada composto. As músicas que a gente tocava com a banda não daria para a gente fazer. Lembro que o André falou: ‘Vamos nos aprofundar na história do ‘portal’, vamos fazer um negócio diferente. Começamos a fazer e saia um troço completamente diferente. Não dava nem para explicar muito, se explicar a gente vai pirar na batatinha. Nem eu nem ele esperávamos”, diz. A censura do governo militar, na lembrança de Celso, deixou a dupla compor em paz quase todo o tempo. “Só que em Notícia pra você eu precisei voltar no estúdio para regravar um verso que censuraram, era algo como ‘segura no gostoso’. E o disco já estava até prensado. Esse verso aparece nas primeiras edições”, recorda.
As encucações esotéricas da dupla entraram em canções psicodélicas como Divino Espírito Santo, Parada dos livres, o quase instrumental (cheio de vozes distorcidas no teclado) O mágico e a tensa Abmas. “O nome é samba ao contrário, a música tem um andamento de samba ao inverso”, conta Celso. “Quando entreguei o disco, ninguém na Som Livre entendeu nada”.
O tal projeto de “você grava o que quiser, desde que faça um disco em inglês” acabou não rolando. “Depois a gravadora conseguiu uma maneira de trazer fonogramas internacionais mais baratos para o Brasil e não fiz o disco como Paul Jones. Mas surpreendentemente fiz o Borgo Ni e a Som Livre me deu os direitos, além da fita”, conta Celso, surpreso até hoje com o que conseguiu.

PELADOS NA BOLHA. Se Espírito da noite fosse lançado de acordo com a concepção original de Celso e André, das duas uma: ou a censura embarreiraria o disco, ou provocaria um barulho dos diabos nas lojas. A ideia original era que Celso e André aparecessem na capa numa foto em dupla exposição, dentro de uma bolha de plástico, pelados – alcançando em 1979 um efeito mais aproximado das cabriolas psicodélicas do Flaming Lips, que só surgiria na década seguinte. A foto chegou a ser produzida.
“A Som Livre censurou, claro. Dava para ver tudo”, brinca Celso. O disco deveria ter sido assinado em dupla por Celso e André – que, na contracapa, aparece usando uma camiseta do São Paulo Jazz Festival, em que tocaria com o D’Alma em 1980. O lançamento em dupla acabou não acontecendo e o LP virou solo, com a tal foto em preto e branco na capa, além de imagens de André e Celso na contracapa. “A Hilda Hilst me disse que não me reconheceu na capa, ‘não é você ali'”, conta Celso.
“Lembro que essas fotos da bolha foram tiradas numa casa no Brooklyn. O Celso é um puta editor de vídeo, a Leila (mulher de Celso) também. Ele arrumou essa bolha, daquelas que as crianças brincam dentro. Minha lembrança é que a bolha furou, talvez tenha ficado meio feio…”, recorda André. “Mas devia dar para ver tudo dentro”.
Mais complexo ainda: o encarte deveria trazer uma “bula” para ouvir o disco, que incluía alusões sutis a drogas. Celso mandou fazer um modelo do encarte, que submeteu ao amigo Toninho Paladino, na Som Livre. “Não era tão explícito, mas a Som Livre não gostou”, lembra. O disco se tornou quase um lançamento independente dentro da Som Livre, sem propaganda na Rede Globo, clipe no Fantástico (honraria que até bandas como Mutantes e Casa das Máquinas tiveram) ou música incluída em novelas.
DUPLA. Espírito da noite mal teve show de lançamento. Celso lembra que André propôs a ele que montassem uma “dupla sertaneja de rock” tocando pelo Brasil, mas que não curtiu a ideia. “Acho que ele ficou até chateado comigo porque não eu quis fazer. O André falou: ‘Eu toco muito e você arranha, você canta e eu não canto nada. Vamos montar uma dupla sertaneja-pop-psicodélica e sair pelo Brasil'”, brinca Celso, explicando que o conceito era bastante ousado para 1979: os dois comprariam um gravador de 4 canais e levariam as bases das músicas gravadas para os palcos. Detalhe: na época, mal existia sampler. “Ele não se interessou muito. Mas sabe que até hoje eu penso nisso? Se no Brasil tivessem pego o country americano…”, recorda André.
E DEPOIS? André passou a gravar e tocar com o trio D’Alma e, no fim dos anos 1980, lançou uma série de discos de violão solo pela Warner. Celso, por sua vez, tomou outros caminhos, fazendo edição de vídeo para emissoras de TV como Record e SBT, além de comerciais. Continuou tocando e voltou a gravar em 2015, lançando um EP caseiro, Nu, cru e malpassado.
Espírito da noite nunca saiu em CD ou qualquer outro formato mais recente, e não chegou nem sequer a se tornar um disco cult – caminho que álbuns de nomes como Ronnie Von e Arthur Verocai tomaram. Eduardo Lemos, da loja paranaense Melômano Discos, acredita que o disco esteja sendo hoje “supervalorizado” por certos lojistas, embora recentemente tenha vendido uma cópia por R$ 100. Ele recorda que já viu uma meia dúzia de cópias na loja.
“Acho que circulou bastante em distribuição de rádio. Não é um disco raro. O disco é muito bom, é uma obra muito boa, lembra um pouco de Walter Franco, psicodelia, guitarra fuzz… Acho que ele sairia por uns R$ 200, de repente. Mas ele custar quase mil reais é só especulação. Tem muito comerciante que trabalha assim”, conta o lojista.
O POP FANTASMA conheceu Espírito da noite por causa de um post do colecionador campista Gustavo Landim Soffiati. Que conseguiu o álbum por um preço insignificante, embora tenha visto um amigo vendendo o LP por R$ 450. “O disco parece ter tido uma tiragem abaixo das normais do selo. Não sei bem o que justifica o preço”, afirma.
Celso, enquanto acompanha uma pequena onda de interesse por seu disco de 1979, faz planos para outro lançamento. “Vou lançar o disco do Borgo Ni ainda esse ano, e em vinil”, explica o músico. “A qualidade é excelente e temos músicos legendários ali: tem o Fábio Gasparini (guitarrista do Magazine, de Kid Vinil), Paulo Soveral (baixo) e a cozinha dos irmãos Pedro e Albino Infantozzi. Além de mim e do André”, conta. É esperar.

Agradecimentos: Fernando Carneiro de Campos, Silvio Atanes, João Pedro de Souza e Celso Zambel.
Cultura Pop
Urgente!: E agora sem o Ozzy?

Todo mundo que um dia se sentiu meio estranho e ouviu Ozzy Osbourne na hora certa, foi levado para um universo bem melhor, e para sempre. Tudo começou com uma banda, o Black Sabbath, que já era um verdadeiro errado que deu certo – um ET musical que fazia som pesado quando mal havia o termo “heavy metal” e que falava de terror na ressaca do sonho hippie. E prosseguiu com a lenda de um sujeito que gravou álbuns clássicos como Blizzard of Ozz (1980), Diary of a madman (1981) e No more tears (1991) – eram quase como filmes.
Ozzy pode ser definido como um cara de sorte – e também como um cara que abusou MUITO da sorte, mas pula essa parte. A depender daqueles progressivos anos 1970, não havia muito o que explicasse o futuro de Ozzy Osbourne na música. Em várias entrevistas, Ozzy já disse que não sabia tocar nenhum instrumento quando começou – na verdade nunca nem chegou a aprender a tocar nada. Tinha a seu favor uma baita voz (mesmo não ganhando reconhecimento algum da crítica por isso, Ozzy sempre foi um grande cantor), um baita carisma, ouvido musical e a disposição para encarnar o estranho e o inesperado no palco em todos os shows que fazia.
Imortalizada em livros como a autobiografia Eu sou Ozzy, a história de Ozzy Osbourne é um daqueles momentos em que a realidade pode ser mais desafiadora que a ficção. Afinal, quem poderia imaginar que um garoto da classe trabalhadora britânica se tornaria o que se tornou? Talvez tenha sido até por causa das dificuldades, que também moveram vários futuros rockstars ingleses da época – ou pelo fato de que o rock e a música pop do fim dos anos 1960 ainda eram quase mato, universos a serem desbravados, com poucos parâmetros. Seja como for, se hoje há artistas de rock que se dedicam a discos e a projetos que parecem ter saído da cabeça de algum roteirista bastante criativo, Ozzy teve muita culpa nisso.
Fora as vezes que o vi no palco, estive frente a frente com Ozzy apenas uma vez, numa coletiva de imprensa do Black Sabbath – da qual Tony Iommi não participou, por estar se recuperando de uma cirurgia (havia tido um câncer). Seja lá o que Ozzy pensasse da vida ou de si próprio, me chamou a atenção o clima de quase aconchego da sala de entrevistas (acho que era no hotel Fasano): um lugar pequeno, com ele e Geezer Butler (baixista) bem próximos dos repórteres. Que por sinal não eram inúmeros.
Já havia feito entrevistas internacionais antes mas nunca imaginei estar tão perto de uma lenda do rock que eu ouvia desde os doze anos. Fiz uma pergunta, ele respondeu, e eu, que sempre fiquei nervoso em entrevistas (imagina numa coletiva com o Black Sabbath!) voltei pra casa como se tivesse ido cobrir um buraco que apareceu numa rua no Centro. Não que não tenha me dedicado à pauta, mas era o Ozzy e eu estava… numa tranquilidade inimaginável.
Ozzy também já me deu uma entrevista por e-mail, em 2008, em que reafirmou sua adoração por Max Cavalera, disse que não tinha ideia se a série The Osbournes havia levado seu nome a um novo público, e reclamou da MTV, “que virou uma versão adulta da Nickelodeon”. Também disse que nunca diria nunca a seus então ex-companheiros do Black Sabbath (“nos falamos por telefone e quando as agendas permitem, nos encontramos”).
Nesse papo, Ozzy só se irritou quando fiz uma pergunta que envolvia o Iron Maiden, que tinha passado recentemente pelo Brasil, ou estaria vindo – não lembro mais. “Bom, não sei te responder, pergunta pro Iron Maiden!”, disse, em letras garrafais (todas as respostas foram em caixa alta). Lembro que ri sozinho e fui bater a matéria.
Até hoje só acredito que isso tudo aí aconteceu (e não é nada perto do que uns colegas viveram com Ozzy e o Black Sabbath) porque vi as matérias impressas. Mas acho que antes de tudo, consegui humanizar na minha mente um cara que eu ouvia desde criança. Ozzy era de carne e osso, respondia perguntas, tinha lá seus momentos de irritação e, enfim, mesmo tendo o fim que todo mundo vai ter, viveu bem mais do que muita gente. E mudou vidas.
Texto: Ricardo Schott – Foto: Divulgação
Crítica
Ouvimos: Justin Bieber – “Swag”

RESENHA: Swag, novo disco-surpresa de Justin Bieber, mistura lo-fi, trap e synth pop com vibe indie e desleixo calculado. Musicalmente rico, mas com letras rasas.
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Justin Bieber opera hoje num universo de, vamos dizer assim, venda fácil e compreensão difícil. Ser um cantor branco de r&b significa basicamente que você vai ter que fazer shows, gravar discos e existir no show business, de modo geral, no limite da polêmica. Afinal, tanto r&b quanto rap são áreas de artistas negros, ligadas a um histórico que se estende ao soul, e a vivências pessoais – e o mundo mudou o suficiente para que o mercado quase entenda o peso de certas coisas.
Por quase entenda, leia-se que, na maioria dos casos, tudo pode ser resolvido por uns posts nas redes sociais e uma tour pelos lugares certos, com as pessoas corretas. Mas pra piorar um pouco, nos últimos tempos, Justin andava brotando mais no noticiário de fofoca do que nos cadernos de cultura. As notícias eram sobre cancelamentos de shows, brigas com a mulher Hailey, relacionamentos supostamente mais do que íntimos com o rapper P. Diddy e supostos abusos de substâncias.
E, bom, o que faz um astro como Justin Bieber numa hora dessas? Para calar a boca de uma renca de gente durante um bom tempo, ele simplesmente lança um disco novo do mais absoluto nada – e este disco é Swag, uma epopéia de quase uma hora, com 21 faixas. E antes de mais nada, Swag consegue colocar de vez Justin numa espécie de “espírito do tempo” pop no qual artistas como Taylor Swift, Rihanna, Beyoncé e Miley Cyrus já se encontram há um bom tempo.
Esse tal (hum) zeitgeist significa que tais artistas – seguindo uma linhagem que inclui de Beatles a Marvin Gaye – decidiram se libertar de amarras para fazerem o que bem entendem. Ou seja: discos de protesto, álbuns com design musical troncho, feats que os fãs vão estranhar, projetos com produtores pino-solto, singles com referências que o fã-clube vai ter que buscar no Google, lançamentos com fotos de divulgação distorcidas – ou capas no estilo meu-sobrinho-fez.
De modo geral, são artistas que podem se dar ao luxo de perder alguns fãs, em nome de verem seus álbuns se tornarem (vá lá) pretensos barômetros do nosso tempo, ou pelo menos crônicas pessoais-autoficcionais. Alguns exemplos: Brat, de Charli XCX, trouxe a zoeira da noite de volta. Hit me hard and soft, de Billie Eilish, foi importante na onda de música sáfica. GNX, de Kendick Lamar, explora misérias existenciais e brigas no showbusiness. Vai por aí. Fazer disco com “desencucação” virou, mais do que nunca, coisa de roqueiro – aposto que você se divertiu muito com Cartoon darkness, de Amyl and The Sniffers, e ficou assustado/assustada com as teorias geradas por Brat.
Se a essa altura do meu texto você já está prestes a desistir de ler, por eu ainda não ter dito se Swag vale seu tempo precioso, aqui vai: vale, e muito. Justin já vinha de uma tradição de álbuns ligadíssimos na atualidade – o melhor deles é Purpose, de 2015. Swag tem um subtexto de “libertação”, já que Bieber acaba de dar adeus a seu empresário de vários anos, Scooter Braun (um adeus que vai lhe custar mais de 30 milhões de dólares, por sinal). E traz o cantor investindo em climas lo-fi, sons texturizados, vibes derretidas e muita coisa que virou moda de uma hora para a outra.
O G1 disse que Swag é um disco chato. Eu discordo bastante, mas o The Guardian chegou perto da realidade ao dizer que as letras prejudicam o novo álbum – de fato, a poética de Swag tem a profundidade de um pires. Já musicalmente, a diversão é garantida até para quem nunca ouviu nada do cantor. Bieber e sua turma de produtores e parceiros transformam trap e sons lo-fi em pop adulto, em faixas muito bem feitas e bem acabadas, como All I can take, a estilingada Daisies, o bedroom pop Yukon e a viajante Go baby.
O design musical de Swag é minimalista, e boa parte das músicas têm aquele clima de desleixo estudado do indie pop atual. Things you do tem guitarras decalcadas do The Police e silêncios entre vozes e sons, Butterflies é uma gravação quase caseira que vai crescendo, e faixas como First place, Way it is, Sweet spot e Walking away unem synth pop, modernidades, sons derretidos e tentativas de emular Michael Jackson.
Já Dadz love, com o rapper Lil B, evoca Prince, com tecladeira dos anos 1980 e texturas de 2025. A vibe dos Rolling Stones, e das voltas do grupo britânico em torno do soul e do r&b, dáo as caras em Devotion e na vinheta Glory voice memo. Uma curiosidade é o trap da faixa-título, com participações de Cash Cobain e Eddie Benjamin, e um verso proscrito sobre cocaína (“seu corpo não precisa / de nenhuma linha prateada”) que aparentemente só o Spotify transcreveu.
Vale dizer que, tentando tomar de volta o controle da própria narrativa, Justin derrapa feíssimo ao decidir colocar em Swag três diálogos com o comediante negro norte-americano Druski. Num deles, o humorista diz a ele que “sua pele é branca, mas sua alma é negra, Justin” (o cantor só responde um “obrigado” desajeitado) – em outro, o assunto inclui paparazzi e redes sociais. No final, quem ouve o disco inteiro é “premiado” com a estranhíssima presença do cantor gospel Mavin Winans ocupando sozinho a última música – o cântico religioso Forgiveness.
Enfim, é Bieber buscando legitimidade para o autoperdão e para a própria carreira de cantor branco de r&b – e mandando recados de maneira tão desajeitada que Swag, um excelente disco, quase rola escada abaixo. Swag não resolve todas as questões em torno de Justin Bieber – mas quando acerta, lembra que, às vezes, é melhor fazer do que explicar.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8,5
Gravadora: Def Jam
Lançamento: 11 de julho de 2025
Cultura Pop
Urgente!: Nova do Hot Chip, “DVD” do Oasis em Cardiff, The Rapture de volta com turnê

RESUMO: Hot Chip (foto) anuncia coletânea e lança single e clipe. Fã produz vídeo do primeiro show do Oasis em Cardiff só com imagens feitas por fãs. The Rapture anuncia turnê pelos Estados Unidos e Canadá.
Texto: Ricardo Schott – Foto Hot Chip: Louise Mason/Divulgação
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Vai sair pela primeira vez uma coletânea do Hot Chip, Joy in repetition, prevista para 5 de setembro. Vale até a pergunta que muita gente já se fez: qual a importância de coletâneas nessa época de playlists e aplicativos de música com poucas infos? Bom, a importância de uma boa coletânea de hits é enorme, vale por uma setlist bem montada e pode contar uma história. E elas eram as playlist de duas décadas atrás.
No caso de Joy, ela traça o caminho do Hot Chip do tempo dos cachês baixos até a época em que jornais como The Guardian já estavam classificando Alexis Taylor, Joe Goddard, Owen Clarke, Al Doyle e Felix Martin como o maior grupo pop de seu tempo. E entre hits como Ready for the floor, I feel better e Look at where we are, ainda tem uma música nova de altíssimas proporções de grude: Devotion, já lançada em single, que é uma mescla de pop adulto, eletrônica psicodélica e futuro hit de pista, com clipe gravado no Japão.
Taylor rasga seda: Devotion é “uma celebração da devoção a este projeto coletivo”. E ele ainda faz um baita elogio ao colega Joe Goddard: “Penso no Joe como alguém parecido com o Brian Wilson, com uma dedicação enorme em descobrir como criar a música pop mais incrível possível”. Errado não está.
***
Alguém com (felizmente, não estamos julgando) muito tempo livre pegou varias imagens diferentes do primeiro show do Oasis em Cardiff, feitas por fãs da banda, e compilou um (digamos) DVD do show.
O registro tá o mais fiel possivel, apesar das imagens à distância e do som nem sempre maravilhoso – vale como um belo bootleg das antigas. Tem ate o som da fitinha de Fuckin in the bushes na abertura, e a voz do apresentador do show. Detalhe: quem botou o video no ar tentou se livrar de problemas avisando que o video nao é monetizado. Pode ser que não ganhe strike do YouTube. “É de um fã apenas para fãs”, avisa.
***
E ainda Oasis: vale ler o texto de Liv Brandão, fera do jornalismo musical brasileiro recente, sobre como a setlist do show do Oasis não foi apenas uma setlist. Foi uma aula de storytelling daquelas – como numa (olha aí) coletânea daquelas que vinham com textos contextualizando tudo.
“Muito se falou da escolha das canções, que privilegia os dois primeiros álbuns, como se só eles importassem (…). Mas tão especial quanto a seleção das 24 músicas que compõem o set, idêntico nos dois dias, é a ordem em que elas aparecem, montada para contar a história de quando o Oasis foi a maior banda do mundo – justamente na época desses discos – e tudo o que aconteceu desde então”. Leia o restante na newsletter dela
***
Banda importante do dance punk dos anos 2000, The Rapture voltou, mas não há ainda nenhuma novidade a respeito de disco novo – nem de shows no Brasil, já avisamos. Na real, esse grupo novaiorquino já está de volta desde 2019, com o cantor Luke Jenner como único membro fixo, mas não havia retornado de fato. Fizeram alguns shows, mas pararam as atividades por conta da pandemia, e foi só. Dessa vez, o grupo tem uma turnê de verdade pela frente, que começa dia 16 de setembro no mitológico First Avenue, em Minneapolis, e passa por várias cidades dos EUA e Canadá até novembro.
“Anos atrás, quando me afastei da banda, eu precisava de tempo e espaço para reconstruir minha vida”, conta Jenner sobre a volta, sem comentar diretamente sobre as brigas intermináveis que a banda tinha lá por 2014. “Eu precisava consertar meu casamento, estar presente para meu filho e, por fim, trabalhar em mim mesmo. Esta turnê marca um novo capítulo para mim, moldado por tudo o que vivi e aprendi ao longo do caminho. Conquistei tudo o que esperava alcançar através da música e agora posso usá-la para ajudar qualquer pessoa que talvez precise, como eu precisei naquela época”.
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