Cultura Pop
Peraí, quem é Celso Zambel?

Recentemente, o cantor e compositor paulistano Celso Zambel foi informado por um amigo de que era ídolo no Japão. “Ele me falou: ‘Seu disco tá custando trezentos dólares lá. Os caras piram ouvindo seu disco!'”, espanta-se ele.

Em sua casa no bairro de Interlagos, ele tem guardadas duas cópias de seu primeiro álbum, Espírito da noite, lançado sem muita repercussão pela Som Livre em 1979. Uma delas, tinha sido dada de presente por ele na época à sua mãe, já falecida. Caso resolva vender ambas no Mercado Livre, vai concorrer com vendedores que pedem até R$ 800 pelo mesmo álbum – um preço que surpreende quem nunca tinha escutado falar do disco.

Espírito da noite também é um disco surpreendente – a começar por ter sido lançado pela poderosa Som Livre. Celso diz ter recebido um borderô da gravadora informando que 5 mil discos tinham sido vendidos. A contracapa traz a inscrição “também em cassete”, comum em LPs na época – o que já serviria para animar fãs novatos das fitinhas.
“Nunca nem vi fita desse disco”, diz o cantor. A capa, com uma foto de Celso em preto e branco, engana: dá a impressão de um disco lançado pelo selo indie britânico Factory em 1979/1980. Quem ouvir, vai conhecer um lançamento tardio da psicodelia nacional, que chegou às lojas quando os artistas que estourariam no pop dos anos 1980 já davam os primeiros passos.
Rei do lugar, uma das melhores músicas do álbum, dá a impressão de uma mescla de Lou Reed com Arnaldo Baptista. Se é que isso é possível.
Espírito da noite, meio sombria meio psicodélica, lembra um pouco o que aconteceria com o rock brasileiro nos anos 1980.
Por acaso, o disco termina com uma faixa chamada Mágica dos anos 60.
ANTES Espírito da noite surgiu numa época especialmente produtiva para Celso, que em 1979 já acumulava alguns anos de experiência (e certa fama, por vias tortas) no pop brasileiro. Desde o começo dos anos 1970, Celso sonhava em gravar discos próprios e mantinha uma banda chamada Mona, da qual havia participado uma multidão de músicos de São Paulo – entre eles, André Geraissati (guitarra) e Albino Infantozzi (bateria). André, por sinal, é o parceiro de Celso em todas as faixas de Espírito.
Se você leu a biografia A divina comédia dos Mutantes, de Carlos Calado, deve se lembrar que, no auge da fase virtuosística da banda, todos foram à Aclimação conferir o som de uma banda chamada Mescla. O livro conta que o grupo era liderado por um sujeito chamado Bartô, “o mais maluco da turma”, que “chegava a dissolver lascas de LSD direto nos olhos”.
“Eu toquei com o Bartô. Ele morreu ainda nos anos 70, era tecladista também. Ele era gênio e tocava muito, mas exagerou no LSD. Íamos a casa dele pra ensaiar e compor mas com o passar do tempo a coisa ficou pesada. Um dia fomos lá e ele tinha sido internado. Quando saiu da internação, toda vez que íamos a casa dele o pai, preocupado e com razão, nos seguia pela casa com medo que alguém desse algo pro filho dele”, conta Celso. “LSD era líquido e muita gente usava no colírio, porque era mais puro. A Mama Cass (The Mamas & The Papas) fazia isso. As drogas recreativas estavam na moda na época, mas não era a nossa. A gente preferia os enteógenos”, completa o cantor, hoje com 67 anos, “mas com aparência de 66”, brinca.
Em 1973, de contato em contato, Celso foi convidado por Arnaldo Baptista (“o Syd Barrett brasileiro”, classifica) para participar de um festival de novos artistas da Philips, que aconteceu no Estúdio Eldorado. “Era o verdadeiro Phono 73, com platéia convidada e com todos os novos artistas com potencial nacional e internacional de sucesso. Depois disso é que criaram o festival do Anhembi”, recorda o cantor (Armando Pittigliani e Roberto Menescal, que estavam por trás do Phono 73, foram procurados pelo POP FANTASMA mas dizem não terem lembranças desse evento inicial).
Celso acabou contratado pela Philips, mas (como pedia o espírito da época) sugeriram que ele gravasse apenas repertório em inglês, como fariam também nomes como Fábio Jr, Jessé e Christian. Começava aí uma longa saga de cantor-brasileiro-disfarçado-de-gringo, que rendeu vários lançamentos e alguns hits. E, mesmo que seu trabalho como compositor ficasse obscurecido, rolavam algumas vantagens.
“A grana era fantástica. Pô, com 20 anos eu ganhava uma grana respeitável. Eram quatro compactos simples por mês”, recorda. Contratado por gravadoras como Tapecar (que lançava o selo Stax no Brasil), Philips e Som Livre, Celso usou nomes como Tim Andrews, Detroit Blues Band e o mais famoso deles, Paul Jones. Com esse nome, Celso estourou em 1976 com Those shadows, sucesso em toda a América Latina. E tema de abertura do Jornal Hoje por alguns anos na década de 1970.
Em 1977, mais um estouro: Try to feel good tocava direto na rádio paulistana Excelsior. Foi parar na novela Dona Xepa. Como a trama não ganhou trilha internacional, a música saiu em compactos da Som Livre e no LP Excelsior – A máquina do som vol. 6. A novidade é que a música aparecia nos rótulos dos discos creditada a Paul Jones e Andrew Geraissat. Celso Zambel e André Geraissati, enfim.
O PORTAL E O PORTÃO. A origem de Espírito da noite está na paixão de Celso por assuntos místicos. “Eu sempre gostei de discos que funcionam como portais. É uma coisa mais espiritualista, você acha que é só um disco, mas ele te abre as portas para outra dimensão. Parece papo de maluco, mas isso acontece. O Axis: Bold as love, do Jimi Hendrix Experience, é um portal. Uma ou outra faixa dos Beatles, também. O POP FANTASMA fez uma matéria sobre o A wizard, a true star, do Todd Rundgren, não fez? Esse disco também é um portal”, conta Celso.
“Na época, uma grande parte da juventude brasileira achava esse tipo de assunto interessante. A ideia conceitual do disco foi toda do Celso, as letras são dele. Eu sou um músico até superior a ele, mas naquele disco eu estava subordinado ao Celso. Trabalhar com ele era um grande prazer”, lembra André Geraissati, na época já tocando (e gravando discos) com o grupo D’Alma.
Entre 1978 e 1979, época da elaboração de Espírito da noite, Celso fazia jingles com o Mona. “Pediam à gente: ‘Ah, faz uma música aí que misture música de cowboy com discoteca’. A gente pensava: ‘Putz, que bosta’, mas fazia. Dava grana”, recorda. Também acumulava trabalhos em edição de imagens, já que tinha moviola em casa desde criança. Acabou trabalhando numa empresa dirigida por ninguém menos que Goulart de Andrade, que editava programas como o Globo Repórter, para a Globo. “Trabalhei até no Comando da madrugada, anos depois”, recorda.

Entre um trabalho e outro, em 1978, Celso montou uma banda – com integrantes do Mona e agregados – para trabalhar na trilha de uma peça chamada Portão dourado, escrita por Jurandyr Pereira com textos dele e de Hilda Hilst e Renato Haudy. O roteiro, datilografado, dava conta de que a peça era um “tragi-rock”, com a banda finalizada por Celso (cujo nome era Borgo Ni). Entre sombras e velas acesas no palco, Celso cantaria músicas com letras como “eu sei de uma nova maneira de viver/só me tocando de uma lança no meio do som/saca, é uma vida nova/vê se você se liga agora”.

“Era um musical feito para encaixar essas músicas. Entramos em estúdio para fazer um disco que seria lançado juntamente com a peça”, conta. O disco do Borgo Ni, no entanto, acabou sendo abortado por uma razão bizarra: algum funcionário do estúdio apagou a fita. Celso não sabe até hoje direito o que aconteceu, mas o acontecimento foi crucial para que ele chamasse Geraissati num canto e começasse a elaborar um novo projeto.

“Terminamos uma sessão de gravação numa quinta-feira, às 3h da manhã, e quando voltamos na segunda, a fita tinha apagado. Não rolou, mas aí eu iria arrumar o parceiro que eu quisesse, fazer o disco que eu quisesse. Não aguentava mais esse negócio de Paul Jones”, conta, rindo. “Eu gostava de ir no Chacrinha, dava pra me divertir. Mas o resto era um pé no saco”.

SOM LIVRE. Espírito da noite surgiu por uma negociação com a Som Livre: Celso poderia gravar o que bem entendesse, desde que depois voltasse a gravar como Paul Jones e abastecer as trilhas de novelas.
“Quando o disco ficou pronto, ouvi de alguém da gravadora algo como: ‘E aí, quando vai rolar um ‘pauljonesinho’?”, diz Celso, que se recorda de ter assinado contrato com a Som Livre por intermédio de nomes como João Araújo (presidente da gravadora), Toninho Paladino (diretor de repertório internacional) e Otávio Augusto (produtor da gravadora, também cantor sob o pseudônimo de Pete Dunaway). No bate-bola com a gravadora, Celso se deu até bem demais: conseguiu até horas de estúdio para regravar, com a mesma equipe, o tal disco perdido do Borgo Ni.
O disco começou a ser gravado por ele e André em julho de 1978, no mitológico estúdio Vapor, no Jardim Paulista. “O Vapor parecia uma nave espacial. Tinha 16 canais, era concorrente direto do Level (estúdio da Som Livre). Em termos de equipamento, de sintetizadores, não havia nada igual”, lembra Celso. O Vapor era um desmembramento do estúdio Prova, montado por José Scatena, criador do estúdio Scatena, onde álbuns de artistas como Ronnie Von, Gilberto Gil e Mutantes tinham sido gravados.
“A Prova foi nos anos 70 a maior e melhor produtora de filmes, trilhas, jingles e spots do meio publicitário brasileiro, fornecedora de criação para as grandes agências de propaganda. As madrugadas livres eram ocupadas com a gravação de discos, com a locação do estúdio”, conta José Pedro Scatena, filho do velho Scatena, e sócio do Vapor ao lado de César Castanho, Ricardo Corte-Real, Rodolpho Grani e Manoel Barenbein. “Do Espírito da noite, lembro até hoje do diferencial da produção com uma equipe mínima e ao ineditismo da produção independente em um mercado de feras multinacionais. E do grande prazer que esse trabalho me proporcionou. Me senti um revolucionário. Até hoje tenho lampejos daquela produção em meus sonhos”, completa Scatena.
EM ESTÚDIO. Na elaboração de Espírito da noite, André ficou com guitarras, violões e alguns teclados – o cantor tocou sintetizadores, bateria e percussão. Apenas os dois músicos no estúdio. “O Celso chegava, fazia os sons com a boca. Às vezes falava: ‘Não, André, não é isso, você não pegou o barato’. Eu via o Celso tocando através do vidro do estúdio. Quando a gente atingia o ‘barato’, via a cara dele mudando. Era muito legal. Foi tudo feito sem compromisso”, recorda Geraissati. Celso lembra que as músicas iam sendo criadas lá mesmo.

“Entramos sem nada composto. As músicas que a gente tocava com a banda não daria para a gente fazer. Lembro que o André falou: ‘Vamos nos aprofundar na história do ‘portal’, vamos fazer um negócio diferente. Começamos a fazer e saia um troço completamente diferente. Não dava nem para explicar muito, se explicar a gente vai pirar na batatinha. Nem eu nem ele esperávamos”, diz. A censura do governo militar, na lembrança de Celso, deixou a dupla compor em paz quase todo o tempo. “Só que em Notícia pra você eu precisei voltar no estúdio para regravar um verso que censuraram, era algo como ‘segura no gostoso’. E o disco já estava até prensado. Esse verso aparece nas primeiras edições”, recorda.
As encucações esotéricas da dupla entraram em canções psicodélicas como Divino Espírito Santo, Parada dos livres, o quase instrumental (cheio de vozes distorcidas no teclado) O mágico e a tensa Abmas. “O nome é samba ao contrário, a música tem um andamento de samba ao inverso”, conta Celso. “Quando entreguei o disco, ninguém na Som Livre entendeu nada”.
O tal projeto de “você grava o que quiser, desde que faça um disco em inglês” acabou não rolando. “Depois a gravadora conseguiu uma maneira de trazer fonogramas internacionais mais baratos para o Brasil e não fiz o disco como Paul Jones. Mas surpreendentemente fiz o Borgo Ni e a Som Livre me deu os direitos, além da fita”, conta Celso, surpreso até hoje com o que conseguiu.

PELADOS NA BOLHA. Se Espírito da noite fosse lançado de acordo com a concepção original de Celso e André, das duas uma: ou a censura embarreiraria o disco, ou provocaria um barulho dos diabos nas lojas. A ideia original era que Celso e André aparecessem na capa numa foto em dupla exposição, dentro de uma bolha de plástico, pelados – alcançando em 1979 um efeito mais aproximado das cabriolas psicodélicas do Flaming Lips, que só surgiria na década seguinte. A foto chegou a ser produzida.
“A Som Livre censurou, claro. Dava para ver tudo”, brinca Celso. O disco deveria ter sido assinado em dupla por Celso e André – que, na contracapa, aparece usando uma camiseta do São Paulo Jazz Festival, em que tocaria com o D’Alma em 1980. O lançamento em dupla acabou não acontecendo e o LP virou solo, com a tal foto em preto e branco na capa, além de imagens de André e Celso na contracapa. “A Hilda Hilst me disse que não me reconheceu na capa, ‘não é você ali'”, conta Celso.
“Lembro que essas fotos da bolha foram tiradas numa casa no Brooklyn. O Celso é um puta editor de vídeo, a Leila (mulher de Celso) também. Ele arrumou essa bolha, daquelas que as crianças brincam dentro. Minha lembrança é que a bolha furou, talvez tenha ficado meio feio…”, recorda André. “Mas devia dar para ver tudo dentro”.
Mais complexo ainda: o encarte deveria trazer uma “bula” para ouvir o disco, que incluía alusões sutis a drogas. Celso mandou fazer um modelo do encarte, que submeteu ao amigo Toninho Paladino, na Som Livre. “Não era tão explícito, mas a Som Livre não gostou”, lembra. O disco se tornou quase um lançamento independente dentro da Som Livre, sem propaganda na Rede Globo, clipe no Fantástico (honraria que até bandas como Mutantes e Casa das Máquinas tiveram) ou música incluída em novelas.
DUPLA. Espírito da noite mal teve show de lançamento. Celso lembra que André propôs a ele que montassem uma “dupla sertaneja de rock” tocando pelo Brasil, mas que não curtiu a ideia. “Acho que ele ficou até chateado comigo porque não eu quis fazer. O André falou: ‘Eu toco muito e você arranha, você canta e eu não canto nada. Vamos montar uma dupla sertaneja-pop-psicodélica e sair pelo Brasil'”, brinca Celso, explicando que o conceito era bastante ousado para 1979: os dois comprariam um gravador de 4 canais e levariam as bases das músicas gravadas para os palcos. Detalhe: na época, mal existia sampler. “Ele não se interessou muito. Mas sabe que até hoje eu penso nisso? Se no Brasil tivessem pego o country americano…”, recorda André.
E DEPOIS? André passou a gravar e tocar com o trio D’Alma e, no fim dos anos 1980, lançou uma série de discos de violão solo pela Warner. Celso, por sua vez, tomou outros caminhos, fazendo edição de vídeo para emissoras de TV como Record e SBT, além de comerciais. Continuou tocando e voltou a gravar em 2015, lançando um EP caseiro, Nu, cru e malpassado.
Espírito da noite nunca saiu em CD ou qualquer outro formato mais recente, e não chegou nem sequer a se tornar um disco cult – caminho que álbuns de nomes como Ronnie Von e Arthur Verocai tomaram. Eduardo Lemos, da loja paranaense Melômano Discos, acredita que o disco esteja sendo hoje “supervalorizado” por certos lojistas, embora recentemente tenha vendido uma cópia por R$ 100. Ele recorda que já viu uma meia dúzia de cópias na loja.
“Acho que circulou bastante em distribuição de rádio. Não é um disco raro. O disco é muito bom, é uma obra muito boa, lembra um pouco de Walter Franco, psicodelia, guitarra fuzz… Acho que ele sairia por uns R$ 200, de repente. Mas ele custar quase mil reais é só especulação. Tem muito comerciante que trabalha assim”, conta o lojista.
O POP FANTASMA conheceu Espírito da noite por causa de um post do colecionador campista Gustavo Landim Soffiati. Que conseguiu o álbum por um preço insignificante, embora tenha visto um amigo vendendo o LP por R$ 450. “O disco parece ter tido uma tiragem abaixo das normais do selo. Não sei bem o que justifica o preço”, afirma.
Celso, enquanto acompanha uma pequena onda de interesse por seu disco de 1979, faz planos para outro lançamento. “Vou lançar o disco do Borgo Ni ainda esse ano, e em vinil”, explica o músico. “A qualidade é excelente e temos músicos legendários ali: tem o Fábio Gasparini (guitarrista do Magazine, de Kid Vinil), Paulo Soveral (baixo) e a cozinha dos irmãos Pedro e Albino Infantozzi. Além de mim e do André”, conta. É esperar.

Agradecimentos: Fernando Carneiro de Campos, Silvio Atanes, João Pedro de Souza e Celso Zambel.
Cultura Pop
Urgente!: O silêncio que Bruce Springsteen não quebrou

Tá aí o que muita gente queria: Bruce Springsteen vai lançar uma caixa com sete álbuns “perdidos”, nunca lançados oficialmente. O box vai se chamar Tracks II: The lost albums (é a continuidade de Tracks, caixa de 4 CDs lançada em 1998) e nasceu de uma limpeza que Bruce fez nos seus arquivos durante a pandemia. Pelo que se sabe até agora, o material inclui sobras das sessões de Born in the USA (1984) e gravações da fase eletrônica dele, no comecinho dos anos 1990 – inclusive um disco inteiro desse período, que nunca viu a luz do dia.
Essa notícia caiu nos sites na semana passada e trouxe de volta um detalhe que os fãs de Bruce já conhecem bem: ele tem muito material inédito guardado – e material bom. Em uma entrevista à Variety em 2017, ele mesmo comentou que sabia ter feito mais discos do que os que lançou, mas que havia motivos sérios para manter alguns deles nas gavetas.
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“Por que não lançamos esses discos? Não achei que fossem essenciais. Posso ter achado que eram bons, posso ter me divertido fazendo, e lançamos muitas dessas músicas em coleções de arquivo ao longo dos anos. Mas, durante toda a minha vida profissional, senti que liberava o que era essencial naquele momento. E, em troca, recebi uma definição muito precisa de quem eu era, o que eu queria fazer, sobre o que estava cantando”, disse na época (o link do papo tá aqui – é uma entrevista longa e bem legal).
Com o tempo, vários desses registros acabaram saindo em boxes e coletâneas. Um deles foi The ties that bind, um disco de pegada punk-power pop que seria lançado no Natal de 1979 – e que acabou virando uma espécie de esboço inicial do disco duplo The river, de 1980. Pelo menos saiu uma caixa em 2015 chamada The ties that bind: The River collection, com todo o material dessa época, inclusive o tal disco descartado (além de um material que formava quase um suposto disco de punk + power pop que teria sido abandonado).
Um texto publicado na newsletter do músico Giancarlo Rufatto recorda que Bruce infelizmente deixou de fora do novo box alguns álbuns que realmente mereciam ver a luz do dia. Um deles é um álbum solo (sem a E Street Band, enfim), com uma sonoridade country ’n soul, que foi gravado em 1981. Esse disco teria sido abandonado durante um período de depressão, que resultou em isolamento e na elaboração do disco cru Nebraska (1982), feito em casa com um gravador de quatro canais, só voz e violão.
Bruce até parece fazer referência a esse álbum perdido na entrevista da Variety. “Esse disco é influenciado pela música pop da Califórnia dos anos 70”, contou. “Glen Campbell, Jimmy Webb, Burt Bacharach, esse tipo de som. Não sei se as pessoas vão ouvir essas influências, mas era isso que eu tinha em mente. Isso me deu uma base pra criar, uma inspiração pra escrever. E também é um disco de cantor e compositor. Ele se conecta aos meus discos solo em termos de composição, mais Tunnel of love e Devils and dust, mas não é como eles. São apenas personagens diferentes vivendo suas vidas.”
Outro material bastante esperado pelos fãs – e que também não está na caixa – é o Electric Nebraska, a tentativa de Bruce de gravar com a E Street Band as músicas que acabaram no Nebraska. Nem ele, nem o empresário Jon Landau, nem os co-produtores Steven Van Zandt e Chuck Plotkin gostaram do resultado, e as gravações foram trancadas a sete chaves. Nem em bootlegs esse material apareceu até hoje. Pra você ter ideia, Glory days, que só sairia no Born in the USA (1984), chegou a ser ensaiada e gravada junto.
Quase todo mundo próximo a Bruce acredita que ele nunca vai lançar oficialmente essas gravações elétricas do Nebraska. Max Weinberg, baterista da E Street Band desde 1974 (com algumas pausas), confirmou a existência desse material em 2010, numa entrevista à Rolling Stone, e disse que adoraria ver tudo lançado.
“A E Street Band realmente gravou todo o Nebraska, e foi matador. Era tudo muito pesado. Por melhor que fosse, não era o que Bruce queria lançar. Existe um álbum completo do Nebraska, todas essas músicas estão prontas em algum lugar”, revelou. Bruce pode até guardar discos inteiros na gaveta, mas esse é um daqueles casos em que o silêncio guarda várias histórias – que podem render surpresas bem legais.
E ese aí é o lyric video de Rain in the river, uma das faixas programadas para Tracks II (a faixa sai num disco montado durante a elaboração do box, Perfect world).
Cultura Pop
Urgente!: Supergrass, Spielberg e um atalho recusado

Coisas que você descobre por acaso: numa conversa de WhatsApp com o amigo DJ Renato Lima, fiquei sabendo que, nos anos 1990, Steven Spielberg teve uma ideia bem louca. Ele queria reviver o espírito dos Monkees – não com uma nova versão da banda, como uma turma havia tentado sem sucesso nos anos 1980, mas com uma nova série de TV inspirada neles. E os escolhidos para isso? O Supergrass.
O trio britânico, que fez sucesso a reboque do britpop, estava em alta em 1995, quando lançou seu primeiro álbum, I should coco. Hits como Alright grudavam na mente, os vídeos eram cheios de energia, e Gaz Coombes, o vocalista, tinha cara de quem poderia muito bem ser um monkee da sua geração. Spielberg ouviu a banda por intermédio dos filhos, gostou e fez o convite.
Os ingleses foram até a Universal Studios para uma reunião com o diretor – com direito a recepção no rancho dele e papo sobre fase bem antigas da série televisiva Além da imaginação. O papo sobre a série, diz Coombes, foi proposital, porque a banda sacou logo onde aquilo poderia dar. “Talvez eu estivesse tentando antecipar a abordagem cafona que seria sugerida, tipo a banda morando junta como os Monkees”, contou Coombes à Louder, que publicou um texto sobre o assunto.
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A proposta era tentadora. Mas eles disseram não. “Foi lisonjeiro e muito legal, mas ficou óbvio para nós que não queríamos pegar esse atalho”, explicou o vocalista, afirmando ter pensado que aquilo poderia significar o fim do grupo. “Você pode acabar morrendo em um quarto de hotel ou algo assim, ou então a produção quer apenas um de nós para a próxima temporada. Foi muito engraçado, respeitosamente muito engraçado”.
O tempo passou. E agora, em 2025, I should coco completa 30 anos (mas já?). O Supergrass, que se separou no fim dos anos 2000, voltou para tocar o disco na íntegra e alguns hits em festivais como Glastonbury e Ilha de Wight.
Aqui, o trio no Glastonbury de 2022.
Foro: Keira Vallejo/Wikipedia
Crítica
Ouvimos: Lady Gaga, “Mayhem”

Tudo que é mais difícil de explicar, é mais complicado de entender – mesmo que as intenções sejam as melhores possíveis e haja um verniz cultural-intelectual robusto por trás. Isso vale até para desfiles de escolas de samba, quando a agremiação mais armada de referências bacanas e pesquisas exaustivas não vence, e ninguém entende o que aconteceu.
Carnaval, injustiças e polêmicas à parte, o novo Mayhem foi prometido desde o início como um retorno à fase “grêmio recreativo” de Lady Gaga. E sim, ele entrega o que promete: Gaga revisita sua era inicial, piscando para os fãs das antigas, trazendo clima de sortilégio no refrão do single Abracadabra (que remete ao começo do icônico hit Bad romance), e mergulhando de cabeça em synthpop, house music, boogie, ítalo-disco, pós-disco, rock, punk (por que não?) e outros estilos. Todas essas coisas juntas formam a Lady Gaga de 2025.
Algo vinha se perdendo ou sendo deixado de lado na carreira de Lady Gaga há algum tempo, e algo que sempre foi essencial nela: a capacidade de usar sua música e sua persona para comentar o próprio pop. David Bowie fazia isso o tempo todo – e ele, que praticamente paira como um santo padroeiro sobre Mayhem, é uma influência evidente em Vanish into you, uma das faixas que melhor representam o disco. Aqui, Gaga entrega dance music com alma roqueira, um baixo irresistível e um batidão que evoca tanto a fase noventista de Bowie quanto o synthpop dos anos 1980.
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Mais coisas foram sendo deixadas de lado na carreira dela que… Bom, sao coisas quase tão difíceis de explicar quanto as razões que levaram Gaga a criar um álbum considerado “difícil” como Artpop (2013), enquanto simultaneamente mergulhava no jazz com Tony Bennett e preparava-se para abraçar o soft rock no formidável Joanne (2016), um disco autorreferente que talvez tenha deixado os fãs da primeira fase perdidos. Em outro tempo, Madonna parecia autorizada a mudar como quisesse, mas quando Gaga fazia o mesmo, deixava no ar notas de desencontro e confusionismo. O pop mudou, as décadas passaram, o público mudou – e todas as certezas evaporaram.
É nesse cenário que Mayhem equilibra as coisas, entregando um pop dançante, consciente e orgulhoso de sua essência, mas ao mesmo tempo sombrio e marginal. Há momentos de caos organizado, como em Disease e Perfect celebrity – esta última começa soando como Nine Inch Nails, mas, se você mexer daqui e dali, pode até enxergar um nu-metal na estrutura. Killah traz uma eletrônica suja, um refrão meio soul, meio rock que caberia num disco do Aerosmith, enquanto Zombieboy aposta no pós-disco punk, evocando terror e êxtase na pista (por acaso, Gaga chegou a dizer que o disco tem influências de Radiohead, e confirmou o NiN como referência).
Na reta final, o álbum se aventura por outros terrenos: How bad do U want me e Don’t call tonight flertam com o pop dinamarquês dos anos 90 (e são, por sinal, as únicas faixas pouco inspiradas do disco); The beast tem cara de trilha sonora de comercial de cerveja; e Lovedrug mergulha na indefectível tendência soft rock que surge hoje em dia em dez entre dez discos pop. Essa faixa soa como um híbrido entre Fleetwood Mac e Roxette – como se Gaga estivesse pensando também na programação das rádios adultas de 2035.
O desfecho de Mayhem chega como um presente para o ouvinte: Blade of grass é uma balada melancólica de violão e piano, que ecoa tanto a tristeza folk dos anos 70 quanto a melancolia do ABBA, crescendo em inquietação à medida que avança. E então, como quem perde um pouco o tom, o álbum termina com… Die with a smile, a já conhecida balada country-soul gravada em parceria com Bruno Mars, lançada há tempos como single. Dentro do contexto do disco, ela soa mais como um apêndice do que como um encerramento – uma nota de rodapé onde se esperava um ponto final. Nada que chegue a atrapalhar a certeza de que Lady Gaga conseguiu, mais do que retornar ao passado, unir quase todos os seus fãs em Mayhem.
Nota: 8,5
Gravadora: Interscope
Lançamento: 7 de março de 2025.
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