Crítica
Ouvimos: Roger Waters, “The dark side of the moon redux”

- The dark side of the moon redux é a versão minimalista do álbum The dark side of the moon, do Pink Floyd (1973), feita pelo ex-integrante e principal compositor da banda, Roger Waters. Foi produzida por ele e Gus Seyffert.
- Sobre o disco, Waters diz: “Fiz uma versão diferente que não é para substituir o original, mas sim lembrar e dar um complemento como se fosse um progresso do disco original. Eu amo o original e o que Nick Mason, Rick Wright, David Gilmour e eu fizemos. A nova gravação eu acho que é mais reflexiva e indicativa. É uma reinterpretação e espero que possamos ganhar mais com ela do que em 1973, quando foi lançada. Porque faz parte das nossas vidas há 50 anos e ainda não respiramos o ar”, disse, fazendo uma brincadeira com a faixa Breathe.
- O baterista do Floyd, Nick Mason, apoiou a regravação e disse ter gostado quando ouviu alguns trechos, enviados pelo próprio Waters. “É absolutamente brilhante!”, afirmou.
Numa entrevista, Lulu Santos foi perguntado sobre o que achava de um determinado artista. Tascou lá a resposta: “Vi os clipes e ouvi a música, é válido”. O repórter perguntou o que ele queria dizer com aquilo. O cantor de Como uma onda limitou-se a dizer: “É válido que aquilo exista”. E encerrou o assunto, deixando a dúvida: é válido porque ninguém pode impedir um artista de fazer nada e tudo lhe é permitido, é válido porque emitir alguma opinião antipática pode criar inimizades, ou o quê?
O “válido” de Lulu faz todo sentido quando usado para definir a nova versão de The dark side of the moon, o disco mais famoso do Pink Floyd, na versão do “autor” Roger Waters – o criador do conceito e, nas palavras de Ron Geesin, ex-colaborador do Floyd, o único da banda com determinação o suficiente para pegar um troço absurdo e transformá-lo numa obra de arte. É um disco válido porque Roger tem todo o direito de dar uma nova leitura para o álbum passados 50 anos. É válido porque é um álbum feito nas juventudes de todos os envolvidos, relido por um homem de 80 anos.
Principalmente é válido porque Roger deu seu toque extremamente pessoal ao álbum de uma das bandas mais famosas do mundo (a sua ex-banda, diga-se), poucos anos após ter indisposições com roquistas conservadores no Brasil. Vale citar que o cantor substituiu as falas do original pela sua própria voz lendo textos variados, que vão desde trechos da letra de Free four, do disco Obscured by clouds, em Speak to me (“as memórias de um homem em sua velhice/são os feitos de um homem em seu auge”, diz) até cartas trocadas com um amigo que teve câncer, por intermédio de sua secretária, em The great gig in the sky.
Isso tudo dá o tal coeficiente de validade ao disco. Só que… você precisa ser muito, mais muito fã de Waters, do álbum original e da memória do Pink Floyd pra ter vontade de escutar várias vezes esse redux do The dark side of the moon, que mais do que fazer uma versão minimalista do original, faz uma versão sem muita graça do original, com um ou outro momento de tédio absoluto. Não foi apenas a exuberância que foi cortada: à exceção das boas releituras de Time e Us and them, músicas que você precisa ser quase um mau caráter pra conseguir estragar, tudo parece rascunhado demais – um rascunho que fica muito bem no ambiente indie, mas que não cabe aqui, e transformou The dark side of the moon num esqueleto que é complicado de ouvir.
É possível ver beleza, vale igualmente citar, na visão de um homem voltando 50 anos atrás e pegando seu destino com as mãos da maneira que é possível – em vez de se preocupar com o lado escuro da lua, Waters insere ruídos de pássaros que lembram, de alguma forma, o imaginário de Ummagumma (1969), encerra o disco com o comentário “não existe cachorro velho, né?”, lembra de mensagens que sempre estiveram por aí na nova versão de Time, pôs um “bem vindo ao inferno” em Money (que fica parecendo uma música cantada por Iggy Pop ou Leonard Cohen, mas nem por isso ganha uma releitura melhor ou mais bonita). Tudo isso fica como opção para quem passar pelo disco e, conceitualmente, quiser colocar as coisas em seus devidos lugares. Mas tem muita coisa aqui que faz falta.
Gravadora: SGB/Cooking Vinyl
Nota: 6,0
Foto: Reprodução da capa do álbum
Crítica
Ouvimos: Tame Impala – “Deadbeat”

RESENHA: Em Deadbeat, Kevin Parker tenta entrar na onda do charme do desleixo, mas entrega um Tame Impala irregular, entre boas ideias e faixas que precisavam de uma boa guaribada.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 6
Gravadora: Columbia
Lançamento: 17 de outubro de 2025.
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A sempre implicante Pitchfork não quis nem saber e tascou logo um risível 4.8 no novo disco do Tame Impala, Deadbeat. Quem escreveu a resenha, aparentemente, não curte a ideia do ex-revisionista da psicodelia Kevin Parker, criador do grupo, ter se transformado num coach de música dançante, num músico com cara de “diretor criativo”, num cara que pôs sua assinatura em discos de música pop bem diferentes das expectativas roquistas dos seus fãs de primeira hora.
Mas vá lá: os erros apontados por Sam Goldner (autor do texto) em Deadbeat não são exatamente coisa de quem agarrou um ódio em Kevin apenas por causa da mudança de direcionamento de carreira. Na real, com outras palavras, apontam algo que já era perceptível em Currents (2015) e The slow rush (2020), marcados por um achegamento maior do músico em relação aos sons eletrônicos: o mais legal do Tame Impala era que Kevin até parecia ter dado uma olhada no manual da cópula rock + música eletrônica, mas não se entusiasmou muito e jogou o livrinho no lixo.
Traduzindo mais ou menos: músicas como Let it happen, Lost in yesterday e One more hour tinham sua dose enorme de coolzice, como aliás o próprio repertório inicial do grupo já tinha. Mas eram o som de alguém que estava experimentando, criando coisas e misturando referências. Por isso deu tão certo, e por isso Kevin ficou com uma baita fama de “grande criador do rock e da música eletrônica”. Ainda que, na prática, ele só estivesse dando uma cara dançante para seu som psicodélico e manipulando uma nuvem de referências que ia dos anos 1960 aos 2000, parando com folga nos anos 1980 para curtir a onda acid house, os desdobramentos do pós-punk e as invencionices do synthpop.
- Ouvimos: AFI – Silver bleeds the black sun…
Só essa combinação de três estilos aí já responde pelo clima hipnótico de Let it happen, pelo baixo estalado de The less I know the better (herdado igualmente de Love is a drug, do Roxy Music) e por mais duas faixas de Currents: a declaração de princípios Yes I’m changing e a climática The moment, duas músicas nas quais parecia que Kevin tinha desistindo de fuçar nas fontes em que todo mundo procura e decidiu mexer em discos empoeirados. Na primeira, parecia que ele tinha descoberto Angra dos Reis, da Legião Urbana – já a segunda parecia ter sido inspirada em alguma MPB synth dos anos 1980 (Gonzaguinha, Fagner, Vinicius Cantuária, Djavan, etc) só que combinada com mumunhas trance.
Corta pra Deadbeat, disco lançado sob bem mais do que expectativas cool: é o primeiro disco do Tame Impala em cinco anos, e foi lançado um mês após Kevin brotar no estúdio da rádio online de música eletrônica The Lot, e atuar como DJ convidado. Não é de jeito nenhum o disco horroroso que fez o resenhista da Pitchfork perder a paciência. Até porque discos ruins não abrem com uma pérola house como My old ways, com ótimo riff de piano e infusão dance-psicodélica, muito menos têm faixas como Dracula, dance music de terror na qual Kevin se torna o Bee Gees de uma pessoa só.
OK, são apenas duas faixas num universo de doze músicas e 56 minutos – você pode argumentar. Se tem um problema meio grave aqui é o fato de que, ao contrário de discos que são lo-fi e crus por opção e por estética, muita coisa em Deadbeat parece tosca e descuidada de propósito, como se Kevin tivesse resolvido por conta própria que os ensaios e as demos são melhores que o material finalizado, sem nem pensar direito. Ouvir o beat de chão de Ethereal connection equivale a escutar a gravação malfeita de um set de DJ de Kevin, e o mesmo se aplica aos sete minutos do single End of summer.
Provavelmente muita gente ouviu essas duas faixas achando que havia um certo desnível na equação da qualidade: ideias legais sustentadas por beats perdidos e mal arquitetados, e acabamento ruim. Mas a maionese desanda de verdade quando a música não funciona – o ritmo troncho de No reply, por exemplo, segue sem graça, até iniciar uma vinheta de piano que parece chupada da Gymnopédie, de Erik Satie. Piece of heaven é outra faixa na qual nada faz sentido e tudo parece colado à moda caralha: pop oitentista e outra vinhetinha de piano. See you on monday (You’re lost) soa como uma volta ao passado – tem algo de progressivo no som, mas tudo na base do já-ouvi-isso-antes.
O que é bom no disco acaba sofrendo com a opção pelo rascunho: a boazinha Loser traz Kevin aderindo à mania atual de yacht rock, Oblivion é um estranho raggamuffin psicodélico – o tipo da música que você vai pensar bastante se gostou ou não –, a desolada e hipnótica Not my world leva a dança ambient pro disco. Já a boa Obsolete é dance music gelada, refletindo o clima da letra (“me diga por que estou sem dormir / você quer meu amor ou sou obsoleto?”).
Falando nas letras, Kevin volta preferindo falar com os sofredores e desencantados da vida. Deadbeat fala de gente que pode até levar uma vida normal, mas segue agendas meio estranhas – como o rapaz apaixonado de Oblivion, que avisa à amada que “se eu não tiver você, meu amor / escolho o esquecimento”. Fala também de quem dá muita cabeçada na vida por causa das demandas tóxicas do mundo (Not my world) e das almas perdedoras (Loser). Se o Tame Impala volta buscando o charme do desleixo (e erra a mão para mais), o dia a dia dos personagens de Deadbeat não é nada cool.
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Crítica
Ouvimos: Anvil FX – “Celebração da aberração” (EP)

RESENHA: Anvil FX volta com o EP Celebração da aberração, três faixas que misturam pós-punk, eletrônica e crítica aos tempos digitais.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8,5
Gravadora: Palatável Records
Lançamento: 24 de outubro de 2025
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Criado nos anos 1990 pelo músico Paulo Beto e radicado em São Paulo, o Anvil FX sempre foi um projeto de criação musical e de pesquisa musical. Dá pra ver pelo blog O Estranho Mundo de PB, que Paulo manteve até 2012, e no qual era possível entrar num mundo de descobertas na música eletrônica, no experimentalismo, no pós-punk, na MPB marginal e todos os estilos possíveis.
Mas dá também para ver pelo som do Anvil, que volta com Beto (sintetizadores, programações), Bibiana Graeff (vocal principal, efeitos eletrônicos), Apolônia Alexandrina (vocais, percussão eletrônica, sintetizadores), Tatiana Meyer (vocais, sintetizadores), Silvia Tape (vocais, guitarra) e Mari Crestani (baixo, sax alto). Celebração da aberração, estreia da nova turma do Anvil, tem alma pós-punk e estética que passa pelos teclados e beats minimalistas, pelo eletropunk kraftwerkiano e até pela memória do pop mais desencanado.
- Ouvimos: YMA – Sentimental palace
São apenas três faixas num EP que fala do clima de destruição/construção dos dias de hoje. AI IA é uma poesia concreta bem breve sobre merdificação patrocinada pela inteligência artificial (a letra da faixa se resume ao título). Celebração da aberração, com baixo forte e beats intermitentes – soa como uma mistura de Gang Of Four e Kraftwerk – põe a recusa aos padrões em versos diretos e duros. A surpresa é A minha voz na sua cabeça, que abre em clima de oração krautpop e vira disco music psicodélica, com citação de um lado-Z de Rita Lee & Tutti-Frutti, Círculo vicioso.
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Crítica
Ouvimos: Citric Dummies – “Split with turnstile”

RESENHA: Zoação punk de alto nível: no novo Split with turnstile, o Citric Dummies mistura humor, raiva e hardcore em 20 minutos de caos divertido.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 9
Gravadora: Feel It Records
Lançamento: 17 de outubro de 2025
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Apesar do nome, o novo disco dessa banda punk de Minneapolis não tem (ahã, sei) nada a ver com o sucesso recente que o Turnstile anda fazendo, com sua mescla de emo, synthpop, yacht rock e estranhamento progressivo. O vocalista/baixista do Citric Dummies, o inacreditável David Lunch (!), jura que o nome surgiu de uma história contada pelo baterista do grupo, DV Tinner, que certa vez se machucou seriamente pulando uma catraca (“turnstile”, em inglês).
Seja como for, os Citric Dummies são da zoeira: Lunch, Tinner e o guitarrista David Cronutburger fizeram uma paródia da capa e do título Zen arcade, álbum histórico do Hüsker Dü, em seu álbum anterior, Zen and the arcade of beating your ass (2023) – um disco no qual a voz de Lunch insiste em soar como uma versão hardcore de Glenn Danzig (!). Die nasty, disco de 2020, tem faixas como Pitchfork 10 albums, Nirvana Killing Joke e Peel Sessions download. Dois anos antes, foi a vez do álbum The kids are alt-right, cuja faixa título descrevia um paraíso ao contrário em que cantores de alt-folk pulavam pelas ruas e as pessoas liam a pensadora burguesa-liberal Ayn Rand.
Split with turnstile, quinto álbum do CD, é zoação punk que, se você mexe um pouco, ganha ares de hardcore – em faixas como I don’t like anything, Bill’s garden (I wanna live in), I am your napkin e quase todas as outras. A nuvem de tags do grupo inclui referências de D.R.I. e GBH (em Bozo brain e Dropped out of punk), Motörhead (I can’t relate), muita coisa feita na cola de Dead Kennedys e The Damned do começo (Cruisin’ for the dead, por exemplo) e um punk pop com cara de Wire (I can’t stand the weekend). Doze músicas em inacreditáveis 20 minutos, com cara de ataque surpresa.
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