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Cultura Pop

Várias coisas que você já sabia sobre Sticky Fingers, dos Rolling Stones

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Várias coisas que você já sabia sobre Sticky Fingers, dos Rolling Stones

Lançado em 23 de abril de 1971, Sticky fingers, nono disco de estúdio dos Rolling Stones, virou cinquentão sem perder a juventude e o charme. E sem perder o lado provocativo. Estressados com a mudança de gravadora, com brigas entre a banda e empresários, e com a mudança para o Sul da França (embora negassem que iriam para um “paraíso fiscal”), os Stones vinham de um período mais movimentado e estressante ainda. Em 1969, a banda tinha se apresentado no festival de Altamont, que terminou com briga generalizada, roubos, depredação e quatro mortes (uma delas, por esfaqueamento).

Os fantasmas da violência e da despedida em tons sombrios dos anos 1960 ainda rondavam as cabeças de Mick Jagger (voz), Keith Richards (guitarra), Mick Taylor (guitarra solo), Bill Wyman (baixo) e Charlie Watts (bateria) quando começaram a fazer o novo disco. Assim que Sticky fingers saiu, os fãs tiveram acesso a um universo que falava de aventuras sexuais (Brown sugar, Bitch), o ranço do dia a dia (Sway), drogas (Sister morphine), charme da decadência (Dead flowers). O disco ainda consolidava a presença de Mick Taylor, ex-John Mayall’s Bluesbreakers, na banda desde 1969.

Sticky fingers já teve diversos relançamentos, incluindo um em 2015 com faixas bônus. Hoje  chega aos 50 anos como um dos melhores e mais inspiradores discos da historia do rock. E tá aí nosso relatório sobre ele. Ouça lendo, leia ouvindo.

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ME EMPRESTA CINCO PAUS? Havia uma preocupação rondando as cabeças de Mick Jagger e Keith Richards na época de Sticky fingers: dinheiro. A banda, que saía da gravadora Decca/London, se julgava roubada pelo empresário Allen Klein, figurinha controversa, e dono da produtora Abkco. Keith Richards conta que o grupo descobriu que ele era o único proprietário de uma empresa nos EUA, feita só para lucrar com os Stones.

GRANA E MAIS GRANA. O banqueiro (e príncipe) Rupert Loewenstein, consultor financeiro dos Stones desde 1968, vivia falando o quanto eles estavam sendo roubados por Klein. E convenceu o grupo das vantagens fiscais de se mudarem para o Sul da França. Também persuadiu a banda a passar a ensaiar no Canadá, para diminuir os gastos, e conseguiu grandes patrocinadores para as turnês. Em contrapartida, os RS iniciavam enorme temporada de processos contra Klein, que se arrastaria por quase duas décadas.

ALIÁS E A PROPÓSITO, os Stones foram para a França para fugir do fisco da Inglaterra. Mas graças a uma reforma fiscal, hoje em dia o que mais tem é celebridade fugindo da França para pagar menos impostos.

MEUS QUERIDOS ROYALTIES. Nos anos 1960, havia ainda uma discussão sobre se contratos valiam para LPs ou músicas gravadas. Aliás, também sobre se tudo o que um artista houvesse gravado enquanto estava sob contrato era realmente de propriedade da gravadora, mesmo que fossem demos inacabadas. Klein seria o proprietário de tudo que o grupo gravasse para Sticky fingers, caso a banda não tivesse brigado, já que ele reclamava tudo que a banda gravasse até o fim de 1971. No fim, foram agregados ao antigo contrato da banda com a Abkco os singles de Wild horses e Brown sugar – que saíram até em coletâneas da banda, como a caixa The London years.

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E COMEÇOU A GRAVAÇÃO! Sticky fingers havia sido iniciado ainda em 1969, com gravações da banda no estúdio Muscle Shoals, no Alabama. You gotta move, Brown sugar e Wild horses vieram de lá. Sister morphine havia sido uma sobra de Let it bleed (1969) e deixada para outro lançamento. Mas a coisa pegou mesmo fogo quando a banda instalou uma unidade móvel numa van em Stargroves, casa de campo de Mick Jagger em Newbury, cidade no condado de Berkshire, na Inglaterra em março de 1970.

CASARÃO. Com a entrada de grana na vida dos Stones, os músicos começaram a comprar casas, embora passassem a maior parte do tempo na estrada. Stargroves havia custado a Jagger a bagatela de 37 mil libras em dezembro de 1967, e o cantor ainda despejou uma carreta de grana na reforma do imóvel, que estava em ruínas. Mick gostava de ir para lá junto com Marianne Faithfull porque podia fazer o que quisesse sem ser incomodado, desde ir a lojas locais tomar sorvete com Nicholas, filho de quatro anos da namorada, até usar drogas sem riscos (já que o local estava fora do radar do esquadrão de drogas).

POBREMAS. Durante as gravações, uma coisa precisava ser resolvida pela banda, em especial pela dupla de compositores: como mostrar que os Stones estavam atualizados com o que acontecia no mundo do rock? Jagger parecia atualizado com a nascente onda do hard rock, Keith parecia imerso em seu próprio mundo e estava cada vez mais drogado (com direito ao que chamava de “tempo para se drogar”, que atrasava gravações e o levava a faltar a sessões importantes). Bill Wyman chegou a afirmar que Mick queria sucessos, mas Keith “não estava nem aí”.

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ESTÚDIO MÓVEL. O nome “Rolling Stones mobile studios” virou sinônimo de tecnologia. A primeira versão funcional do estúdio, com oito canais, foi usada por bandas como The Who, Led Zeppelin e Deep Purple. Volta e meia era cedido também para o Festival de Montreux. Aliás, num incêndio durante um show de Frank Zappa no evento, o estúdio quase pegou fogo enquanto o Deep Purple gravava o disco Machine head. O sucesso Smoke on the water é sobre isso, se você não sabia.

POR SINAL, o tal incêndio não foi só um foguinho. Um maluco disparara um sinalizador para o teto do Cassino Montreux e começou tudo. Frank Zappa avisara à plateia durante seu show sobre o incêndio, pedindo calma. Houve uma evacuação 100% controlada – apesar de um grupo ter ficado preso no porão do local e sido resgatado pelo próprio dono da casa, Claude Nobs. O prédio ficou em chamas e precisou ser reconstruído. O Deep Purple gravava bem perto e viu tudo.

ALIÁS E A PROPÓSITO, mesmo com a produção de Jimmy Miller, músicos convidados como o saxofonista Bobby Keys e o pianista Jim Price gravavam quase tudo sozinhos.

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O GRUPO foi retrabalhando algumas canções, ainda que aos pedaços. Mick Taylor foi indelicadamente retirado de Moonlight mile (cujo nome “de trabalho” era Japanese thing), com Richards lhe dizendo que ele “tocava alto demais”. Já Can’t you hear me knocking, por causa da parte final em clima de jazz latino, reuniu todo mundo no estúdio. O álbum ainda teve gravações feitas em dois estúdios londrinos, Trident e Olympic.

FANTASMA DO PASSADO. Querendo sair da Decca, os Stones mexeram nas fitas de shows que tinham dado em Nova York e Baltimore em novembro de 1969. A ideia era fechar o contrato com a gravadora da maneira mais tranquila possível (disco ao vivo, enfim) e responder à crescente onda dos discos piratas. Get yer ya-ya’s out saiu em 4 de setembro de 1970, com Sticky fingers em andamento.

SÓ QUE ainda assim a banda descobriu que devia um single para a Decca. Mick compôs e gravou (no Stargroves, durante os dias de Sticky fingers) Schoolboy blues, conhecida como Cocksucker blues. A letra falava de sexo oral, anal e prostituição masculina e assustaria qualquer dono de gravadora. A Decca não fez por menos: engavetou a canção e, como retaliação à malandragem dos Stones, soltou a coletânea Stone age, que se tornaria popular o suficiente para amedrontar a banda, já que estavam lançando disco novo.

SELINHO. Sem a Decca e com Allen Klein afastado do universo dos Stones (ainda que volta e meia aparecesse para reclamar direitos sobre músicas supostamente compostas sob sua gestão e lançadas depois), os Stones realizaram um sonho e puseram na rua sua própria gravadora. A Rolling Stones Records era “do grupo”, mas era chefiada por Marshall Chess, filho do fundador da Chess Records, Leonard Chess.

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HÁ QUEM COMENTE que a gravadora era só uma fachada para disfarçar o fato de que a banda estava sem gravadora e entrara em leilão. Mas por fim, quem levaria a melhor seria o Kinney Group, definido pelo biógrafo dos Stones, Christopher Sandford, como “uma empresa fraudulenta, que supostamente envolvia a máfia, com uma divisão de estacionamentos e uma divisão mortuária”. Acontece que a Kinney era dona da Atlantic Records na época, e a banda ganhou um contrato de distribuição mundial de 5,7 milhões de dólares.

ALIÁS E A PROPÓSITO, os Stones, em dada altura, foram cortejados pela RCA, gravadora de Elvis Presley, e futura casa de David Bowie, Lou Reed e Iggy Pop. Quase aceitaram.

SÓ PARA ELES. A ideia original da Rolling Stones Records não era lançar novos artistas, apesar de “lançamentos de novos talentos” constar do release inicial do selo. A gravadora servia para dar aos Stones mais controle sobre seus discos, além de espaço para gravações solo de seus integrantes. O baixista Bill Wyman lançou dois (bons) solo nos anos 1970, mas que passaram despercebidos porque a gravadora já estava ocupada demais com os lançamentos da banda. Mas o primeiro lançamento da Rolling Stones Records foi o seminal Brian Jones presents the Pipes of Pan at Joujouka, gravado no Marrocos pelo falecido Brian Jones em 1969, e guardado até 1971.

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SÓ QUE a gravadora chegou a lançar outros nomes ocasionalmente. Lançaram o Cracker, um grupo cubano-americano que soltou discos lá a partir de 1973. E ninguém menos que Peter Tosh, reggaeman que conseguiu sucesso com o disco Bush doctor, em 1981, mas acabou deixando o selo após desentendimentos com Keith Richards (em cuja casa se hospedou, e da qual não queria mais sair). O vocalista do The Mamas & The Papas, John Phillips, fez contrato solo com a gravadora, deixou lá umas canções prontas – nas quais era acompanhado por quase todos os stones – mas o material só saiu em 2001 sob o título Pay, pack and follow.

OS STONES, diga-se, estavam seguindo uma tendência famosa entre bandas que vendiam bem, tinham público certo e desejavam mais liberdade criativa. O Deep Purple soltou a Purple Records, o Jefferson Airplane, a Grunt, e o Led Zeppelin, só em 1976, pôs para rodar a Swan Song Records. A Apple, dos Beatles, era modelo para essa turma toda, tanto do que fazer quanto do que não fazer (ou seja: contratar um monte de gente ao mesmo tempo, investir em negócios sem sentido e deixar correr uma sangria de dinheiro). Mas vale citar que até Paul McCartney e George Harrison, já em carreira solo, lançaram seus selos (MPL e Dark Horse, respectivamente).

ALIÁS E A PROPÓSITO, Jagger decidiu que os discos dos Stones em seu selo teriam número de série iniciado com as letras COC (uma piada com “cock”, termo chulo para o órgão sexual masculino). A partir de 1978, substituiria as três letras por CUN (redução de “cunt”, o mesmo para o órgão sexual feminino). Sticky fingers era o COC-59 100.

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A HISTÓRIA DE QUE os Stones estavam tentando desfrutar da vida em exílios fiscais já começava a chegar aos ouvidos de alguns críticos. Em 4 de março de 1971, a banda começava a rodar com uma turnê britânica e o Daily Telegraph queixou-se de que a “vantagem tributária pessoal” era a única prioridade para o grupo. Em 6 de abril de 1971, pouco antes de Sticky fingers sair, os Stones fizeram um cruzeiro num navio com seu logotipo, seguindo até Cannes para assinar contrato com a Kinney-Atlantic.

DROGAS E ROCK’N ROLL. Sticky fingers talvez seja o disco de rock que mais dispara referências a drogas. As letras falam em “olhos de cocaína” (em Can’t you hear me knocking), “dança de viciado em anfetamina” (na mesma música), “cabeça cheia de neve” (em Moonlight mile, outra referência à coca) e ainda havia Sister morphine, relato do dia a dia de um viciado em heroína, com letra de Marianne Faithfull, surrupiada por Jagger e Richards. A cantora e ex-mulher de Jagger passou anos amargando a puxada de tapete, mas em 1994 entrou na justiça. Keith Richards admitiu a chupada em sua autobiografia Vida.

DORGAS, MANO. Keith Richards refletiu sobre o excesso de drogas em sua vida nessa época, no livro Vida, e questionou como foi possível fazer tanta música sob o signo de uma das drogas mais pesadas do mundo. Keith diz que não recomenda heroína a ninguém, mas garante que a droga tem pontos positivos. “Em muitos casos ela é um grande nivelador. Depois que você começa a tomá-la, é capaz de enfrentar tudo que surgir na sua frente”, conta ele, que estava extremamente estressado com a mudança para o Sul da França.

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DE VOLTA AO COMEÇO. Apesar de haver arranjos de cordas e metais aqui e ali, Sticky fingers foi recebido pela maioria dos críticos musicais como uma volta ao básico – ainda que os Stones não tivessem condições de soar tão “básicos” quanto soavam quase dez anos antes. A Rolling Stone via em Brown sugar uma das introduções clássicas de guitarra da banda, por exemplo. Mas Jon Landau, que resenhou o disco para a revista, ressaltava que a banda parecia desinteressada em alguns momentos do disco. Lester Bangs, no entanto, classificou-o como “o disco do ano” na pesquisa entre críticos do Village Voice.

VENDEU, AFINAL? Bastante. Em maio de 1971, Sticky fingers foi direto para o primeiro lugar da parada britânica, e passou 69 semanas na Billboard 200. Até hoje, foram mais de nove milhões e trezentas cópias vendidas.

E A CAPA? Passou para a história que o ator Joe Dallessandro, da trupe de Andy Warhol, tinha sido o modelo da capa de Sticky fingers, mas há controvérsias. Warhol fez o design e Billy Name fez a foto, e foram vários os clicados. Há quem diga que Jed Johnson, amante do designer na época, era o garoto da capa. Dallessandro costuma afirmar que ele tinha sido fotografado. O zíper, também ideia do designer, teve que ser cuidadosamente posicionado no lugar do selo do LP, já que alguns lojistas reclamaram que ele arranhava o vinil após os empilhamentos para a distribuição. O trabalho gráfico clássico do disco rendeu a Andy Warhol o equivalente hoje a uns US$ 200 mil, uma soma bem grande de dinheiro para 1971.

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ALIÁS E A PROPÓSITO, mesmo levando o nome de Warhol, a capa acabou sendo feita quase que totalmente por um dos maiores colaboradores do artista, Craig Braun.

BLÉ. Craig também fez os últimos ajustes no logotipo da nova gravadora dos Stones, dando a ele o tom de vermelho que tornou a ideia famosa. Jagger sugerira a John Pasche, um estudante de artes recrutado na Royal College of Art (e que desenhara um pôster para uma turnê da banda) que copiasse a língua da deusa hindu Kali. Pasche fez os primeiros desenhos, mandou para Craig e este ajustou os tons de vermelho com duas listras brancas. No fim das contas, o estudante ganhou só 50 libras (e mais 200 em 1972).

REGATA? Antes de decidir por Warhol, o grupo chegou a chamar Pete Webb, designer inglês conhecido na época, para fazer a capa. Webb teria assustado a banda com uma terrível viagem na maionese. Ele quis fotografar o grupo usando chapéus de palha e blazers listrados, e teve a ideia de clicar a banda numa “montagem surreal da regata de Henley”. O grupo achou melhor que ele fizesse só as fotos internas.

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CENSURA NA ESPANHA. O país vivia a ditadura do general Francisco Franco desde 1936 (permaneceria sob as botas dos milicos até 1975). Não houve jeito: Sticky fingers chegou às lojas por lá pela EMI-Odeon local, mas a gravadora teve que mudar a capa, considerada obscena. O solícito John Pasche foi chamado para conceber o novo visual. Mas teve a ajuda de Phil Jude, o cara que faria em 1973 a foto da sopa de cabeça de bode do disco Goat’s head soup. A censura e a realização dessa capa de Sticky fingers atrasaram em alguns meses o lançamento por lá (na Inglaterra foi em abril, na Espanha só em junho). Mas o engraçado é que o novo design era mais lascivo e tinha realmente “dedos grudentos” (leia mais aqui).

MAIS CENSURA NA ESPANHA. Sister morphine saiu do repertório do disco por lá. Entrou no lugar uma versão ao vivo de Let it rock, de Chuck Berry, gravada ao vivo em Leeds, em 1971.

ALIÁS E A PROPÓSITO, Sticky fingers saiu no Brasil em 1971 pela Philips numa edição bacaninha que tinha até o zíper na capa. Mas Sister morphine também foi tirada das primeiras edições. Só que não foi substituída por nada e o disco chegou aqui com nove músicas. Pouco depois, foi reeditado com a música.

>>> Veja também no POP FANTASMA: Tiraram o som do clipe de Dancing in the street, de Mick Jagger e David Bowie, e você nunca mais vai ver o vídeo original sem rir

E DEPOIS? As gravações do disco subsequente dos Stones, Exile on Main St (1972), começaram logo na época de Sticky fingers. E estenderam-se enquanto a banda se instalava na França. Os Stones haviam virado uma usina de força cheia de tensão, que sugava quem deles se aproximasse. Mas que rendia grandes músicas e discos tão caóticos quanto clássicos. Como acontecia com Sticky fingers, Exile era mais um disco para tocar em último volume. Mas isso é outra história.

 

Cultura Pop

Urgente!: Supergrass, Spielberg e um atalho recusado

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Coisas que você descobre por acaso: numa conversa de WhatsApp com o amigo DJ Renato Lima, fiquei sabendo que, nos anos 1990, Steven Spielberg teve uma ideia bem louca. Ele queria reviver o espírito dos Monkees – não com uma nova versão da banda, como uma turma havia tentado sem sucesso nos anos 1980, mas com uma nova série de TV inspirada neles. E os escolhidos para isso? O Supergrass.

O trio britânico, que fez sucesso a reboque do britpop, estava em alta em 1995, quando lançou seu primeiro álbum, I should coco. Hits como Alright grudavam na mente, os vídeos eram cheios de energia, e Gaz Coombes, o vocalista, tinha cara de quem poderia muito bem ser um monkee da sua geração. Spielberg ouviu a banda por intermédio dos filhos, gostou e fez o convite.

Os ingleses foram até a Universal Studios para uma reunião com o diretor – com direito a recepção no rancho dele e papo sobre fase bem antigas da série televisiva Além da imaginação. O papo sobre a série, diz Coombes, foi proposital, porque a banda sacou logo onde aquilo poderia dar. “Talvez eu estivesse tentando antecipar a abordagem cafona que seria sugerida, tipo a banda morando junta como os Monkees”, contou Coombes à Louder, que publicou um texto sobre o assunto.

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A proposta era tentadora. Mas eles disseram não. “Foi lisonjeiro e muito legal, mas ficou óbvio para nós que não queríamos pegar esse atalho”, explicou o vocalista, afirmando ter pensado que aquilo poderia significar o fim do grupo. “Você pode acabar morrendo em um quarto de hotel ou algo assim, ou então a produção quer apenas um de nós para a próxima temporada. Foi muito engraçado, respeitosamente muito engraçado”.

O tempo passou. E agora, em 2025, I should coco completa 30 anos (mas já?). O Supergrass, que se separou no fim dos anos 2000, voltou para tocar o disco na íntegra e alguns hits em festivais como Glastonbury e Ilha de Wight.

Aqui, o trio no Glastonbury de 2022.

Foro: Keira Vallejo/Wikipedia

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Crítica

Ouvimos: Lady Gaga, “Mayhem”

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Ouvimos: Lady Gaga, “Mayhem”

Tudo que é mais difícil de explicar, é mais complicado de entender – mesmo que as intenções sejam as melhores possíveis e haja um verniz cultural-intelectual robusto por trás. Isso vale até para desfiles de escolas de samba, quando a agremiação mais armada de referências bacanas e pesquisas exaustivas não vence, e ninguém entende o que aconteceu.

Carnaval, injustiças e polêmicas à parte, o novo Mayhem foi prometido desde o início como um retorno à fase “grêmio recreativo” de Lady Gaga. E sim, ele entrega o que promete: Gaga revisita sua era inicial, piscando para os fãs das antigas, trazendo clima de sortilégio no refrão do single Abracadabra (que remete ao começo do icônico hit Bad romance), e mergulhando de cabeça em synthpop, house music, boogie, ítalo-disco, pós-disco, rock, punk (por que não?) e outros estilos. Todas essas coisas juntas formam a Lady Gaga de 2025.

Algo vinha se perdendo ou sendo deixado de lado na carreira de Lady Gaga há algum tempo, e algo que sempre foi essencial nela: a capacidade de usar sua música e sua persona para comentar o próprio pop. David Bowie fazia isso o tempo todo – e ele, que praticamente paira como um santo padroeiro sobre Mayhem, é uma influência evidente em Vanish into you, uma das faixas que melhor representam o disco. Aqui, Gaga entrega dance music com alma roqueira, um baixo irresistível e um batidão que evoca tanto a fase noventista de Bowie quanto o synthpop dos anos 1980.

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Mais coisas foram sendo deixadas de lado na carreira dela que… Bom, sao coisas quase tão difíceis de explicar quanto as razões que levaram Gaga a criar um álbum considerado “difícil” como Artpop (2013), enquanto simultaneamente mergulhava no jazz com Tony Bennett e preparava-se para abraçar o soft rock no formidável Joanne (2016), um disco autorreferente que talvez tenha deixado os fãs da primeira fase perdidos. Em outro tempo, Madonna parecia autorizada a mudar como quisesse, mas quando Gaga fazia o mesmo, deixava no ar notas de desencontro e confusionismo. O pop mudou, as décadas passaram, o público mudou – e todas as certezas evaporaram.

É nesse cenário que Mayhem equilibra as coisas, entregando um pop dançante, consciente e orgulhoso de sua essência, mas ao mesmo tempo sombrio e marginal. Há momentos de caos organizado, como em Disease e Perfect celebrity – esta última começa soando como Nine Inch Nails, mas, se você mexer daqui e dali, pode até enxergar um nu-metal na estrutura. Killah traz uma eletrônica suja, um refrão meio soul, meio rock que caberia num disco do Aerosmith, enquanto Zombieboy aposta no pós-disco punk, evocando terror e êxtase na pista (por acaso, Gaga chegou a dizer que o disco tem influências de Radiohead, e confirmou o NiN como referência).

Na reta final, o álbum se aventura por outros terrenos: How bad do U want me e Don’t call tonight flertam com o pop dinamarquês dos anos 90 (e são, por sinal, as únicas faixas pouco inspiradas do disco); The beast tem cara de trilha sonora de comercial de cerveja; e Lovedrug mergulha na indefectível tendência soft rock que surge hoje em dia em dez entre dez discos pop. Essa faixa soa como um híbrido entre Fleetwood Mac e Roxette – como se Gaga  estivesse pensando também na programação das rádios adultas de 2035.

O desfecho de Mayhem chega como um presente para o ouvinte: Blade of grass é uma balada melancólica de violão e piano, que ecoa tanto a tristeza folk dos anos 70 quanto a melancolia do ABBA, crescendo em inquietação à medida que avança. E então, como quem perde um pouco o tom, o álbum termina com… Die with a smile, a já conhecida balada country-soul gravada em parceria com Bruno Mars, lançada há tempos como single. Dentro do contexto do disco, ela soa mais como um apêndice do que como um encerramento – uma nota de rodapé onde se esperava um ponto final. Nada que chegue a atrapalhar a certeza de que Lady Gaga conseguiu, mais do que retornar ao passado, unir quase todos os seus fãs em Mayhem.

Nota: 8,5
Gravadora: Interscope
Lançamento: 7 de março de 2025.

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4 discos

4 discos: Elvis Presley no final

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4 discos: Elvis Presley no final

Ainda que o mercado de álbuns estivesse bastante fortalecido desde o fim dos anos 1960, isso não chamava a atenção de Elvis Presley (1935-1977), e muito menos a de seu empresário, o Coronel Tom Parker (1909-1997). O cantor não parecia se interessar muito por LPs, apesar de ter tido grandes vendagens de álbuns desde o começo. Muitas vezes, Elvis apenas gravava o que tinha vontade, e deixava que a RCA, sua gravadora, escolhesse capas, repertório e (o principal) como e de que maneira cada gravação seria aproveitada.

Nos anos 1970, com Elvis enclausurado em sua mansão e cada vez mais descontrolado (no apetite, nas drogas, na violência etc), o cantor ficou também cada vez mais desinteressado em gravar regularmente. Seus álbuns começavam a se tornar compilações de gravações, quase sempre feitas em etapas diferentes. Não era nem preciso que as sessões passassem pelos mesmos esquemas de produção, embora os álbuns pós-1966 do cantor tivessem todos o mesmo produtor. Era o ex-cantor Felton Jarvis, que chegou a lançar em 1959 um single cujo lado B era um tributo chamado Don’t knock Elvis.

O álbum That’s the way it is (1970), por exemplo, foi feito a partir de oito faixas gravadas do estúdio da RCA em Nashville, mas também entraram quatro faixas gravadas ao vivo em Las Vegas. Por sua vez, o restante dessas sessões de Nashville foi lançado gradativamente em singles e rendeu também o álbum Elvis country, de 1971. Era como se os álbuns do cantor, com raras exceções, já fossem compilações de out takes. E o que não falta é crítico de rock apontando para esse clima “alhos com bugalhos” na parte final da discografia de Elvis.

Pois bem, resolvemos revisitar quatro álbuns dessa última década da carreira de Elvis Presley – que, você talvez saiba, teria completado 90 anos no dia 8 de janeiro. E pode crer: quem deixou esses discos para trás perdeu muita coisa. Mesmo os mais alheios à obra do cantor, que o conhecem apenas pelos grandes hits, podem encontrar surpresas agradáveis. Porque, sim, por trás daquela fachada de decadência, havia música pulsante. Se você nem sequer desconfiasse que a vida de Elvis andava uma zona daquelas, poderia acabar achando que ele já estava rico o suficiente e havia resolvido só gravar o que quisesse, para quem quisesse ouvir, e problema dele.

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  • Este texto foi inspirado por um outro texto, da newsletter do músico Giancalrlo Rufatto

“ELVIS NOW” (1972). O nome desse álbum de Elvis podia indicar que se tratava de um disco ao vivo, de uma coletânea, de um álbum de sobras, de um cata-corno musical – enfim, Elvis now, como título, não quer dizer lá muita coisa. De qualquer jeito, é um dos mais brilhantes lançamentos do cantor em sua última década. Numa época em que Elvis parecia ter entendido mais ou menos para que serviam os álbuns e estava adotando estilos musicais diferentes em cada lançamento (gospel, country, baladas, etc), seu décimo-sexto LP era o que mais se aproximava de um “programa de música” (digamos assim), cabendo vários estilos musicais de maneira equilibrada.

Para manter um hábito do cantor na época, Elvis now não era um disco de “agora”. Havia uma faixa gravada em 1969 (a versão dele para Hey Jude, dos Beatles, feita nas sessões que geraram o disco Elvis in Memphis, daquele ano) e gravações de 1970 e 1971. Ou seja: era basicamente um cozidão de sobras com material ainda sem destinação. De qualquer jeito, lá você ouve, além de Hey Jude, Elvis interpretando canções de Kris Kristofferson (Help me make it through the night), da ativista e cantora Buffy Sainte-Marie (a canção de amor classe-operária Until it’s time for you to go), de Gene McLellan (Put hand in the hand), Gordon Lightfoot (Early mornin’ rain) e até um clássico gospel tradicional que, poucos anos depois, Raul Seixas e Paulo Coelho fariam questão de chupar (I was born ten thousand years ago).

“RAISED ON ROCK/FOR OL’ TIMES SAKE” (1973). Mais uma vez uma capa de Elvis traz uma foto praticamente idêntica dele (Elvis proibia que o fotografassem fora do palco), e o título lembra o de um álbum pirata ou coletânea caça-níqueis. Mas esse disco é tido como o último álbum de estúdio verdadeiramente rocker de Elvis, e tem quem o considere o melhor álbum dessa fase. O repertório veio de sessões no Stax Studios (Memphis, Tennessee), em julho de 1973, além de outras gravações feitas na casa de Presley em Palm Springs, Califórnia, em setembro de 1973.

Raised on rock tem esses dois títulos porque aproveitou os nomes dos lados A e B de um single de sucesso do cantor – o que dá a impressão também de “single expandido para álbum” e feito às pressas. Uma ouvida distraída revela pérolas como as próprias músicas-título, além de Three corn patches (da dupla Leiber e Stoller), Just a little bit (sucesso do cantor Rosco Gordon) e Find out what’s happenin’ (country gravado em 1968 por Bobby Bare). Muita gente implicou bastante com aquele papo de “criado no rock”, ate porque a canção fala de uma pessoa que foi criada ouvindo hits como Johnny B. Goode, de Chuck Berry, e nada menos que Hound dog, gravada pelo próprio Elvis (!) em 1956. Mas pula essa parte porque a gravação é ótima.

“ELVIS TODAY” (1975). A capa e o título não dizem muita coisa, mas Today é um dos discos mais saidinhos dessa fase final da carreira do cantor. O som une música pop e country, em vez de se concentrar apenas num estilo. E fica claro, pela escolha de repertório, que o álbum foi um esforço grande de Elvis em tentar entender o que estava acontecendo ao seu redor na música.

Havia o rock country de T-R-O-U-B-L-E, um dos últimos hits do cantor no estilo que o havia consagrado. Tinha uma regravação de Fairytale, das Pointer Sisters, indicando que a transição do soul à disco já tinha sido devidamente observada por Elvis e sua turma. E havia algumas regravações bem bacanas de faixas recentes, como I can help, de Blly Swan, e Pieces of my life, de Troy Seals – muito embora, justamente por causa disso, ficasse a impressão de que Today, mais do que resultado de uma gravação em estúdio, era o resultado de uma mexida em várias demos. Ainda assim, era uma mostra de que Elvis ainda se reinventava. Da maneira dele, mas rolava sim.

“FROM ELVIS PRESLEY BOULEVARD, MEMPHIS, TENNESSEE” (1976). O título desse disco lembra o de um álbum póstumo ou coletânea. É apenas o vigésimo-terceiro álbum de Elvis, feito numa época em que o cantor nem sequer queria sair de casa para gravar, e a RCA mandou instalar um estúdio na casa dele. Foi lançado pouco após a excelente coletânea The Sun sessions, e, diz o site oficial do cantor, trouxe músicas “comercializadas como se Elvis estivesse finalmente emitindo um convite aos seus fãs para entrarem pelos portões de Graceland”. Inclusive vendeu mais do que a coletânea, embora tenha custado mais aos cofres da RCA do que Sun sessions.

A capa informa que se trata de um “disco ao vivo”, mas a realidade é bem diferente: não há palmas, e basicamente o material foi feito “ao vivo” dentro da própria mansão de Elvis. O repertório é de uma força impressionante, com destaque para a balada blues Hurt, a romântica Never again e as baladas country Dany boy e Bitter they are, harder they fall, além da grandiosa The last farewell. From Elvis Presley Boulevard não é apenas um disco: é um retrato do Rei em um momento de fragilidade e reclusão, mas ainda capaz de emocionar como poucos.

 

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