Cultura Pop
Várias coisas que você já sabia sobre Blonde On Blonde, de Bob Dylan

No começo de 1966, ano em que os Beatles se preparavam para dar uma guinada mais significativa com Revolver, o nome do meio de Bob Dylan era trabalho. Já devidamente convertido à música elétrica após as vaias no Festival Folk de Newport, o cantor estava em uma estafante turnê montada por seu empresário Albert Grossman, na qual era acompanhado pela banda canadense The Hawks – que depois passaria a se chamar simplesmente The Band. Também arrumava tempo para encarar o estúdio e gravar seu sétimo disco, que seria duplo. E se chamaria Blonde on blonde.
Blonde on blonde representava a virada definitiva de Dylan para o universo pop como ele era conhecido na segunda metade dos anos 1960, época em que Beatles e Rolling Stones disputavam a atenção dos jovens. E começava a haver, no universo do rock, maior demanda por uma música política – se não nas letras, pelo menos na atitude, na poética escolhida. O temperamental Dylan parecia obcecado em dar continuidade à sua carreira combinando ironia, elaboração, poesia, romantismo e sonoridades energéticas. Mas mesmo com as mudanças sonoras, havia um ar de encontro com as raízes no disco novo: lá pelas tantas, Dylan não ficou satisfeito com as sessões iniciais em Nova York e se transferiu para a capital do country, Nashville.
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Entre crises criativas, soluções de mestre, uma certa ajuda dos amigos (Al Kooper, o tecladista, em especial), Blonde on blonde saiu, revelando músicas como Rainy day women nº 12 & 35, I want you, Just like a woman e outras. O disco representou também uma vírgula na carreira de Dylan, já que o cantor sofreria um misteriosíssimo acidente de moto quase um mês após seu lançamento, interrompendo turnês e demais compromissos. A qualidade das canções, o mistério e a capa enigmática (apenas uma foto desfocada, sem nome do artista ou do disco) ajudaram na mística.
E segue aí nosso relatório sobre Blonde on blonde. Ouça lendo, leia ouvindo, essas coisas.
PRIMEIRO DISCO DUPLO? De jeito nenhum: quando Blonde on blonde saiu, o formato de LPs duplos, triplos e até caixas com 4 ou 5 LPs já era largamente utilizado no jazz e na música clássica – especialmente na hora de colocar óperas em vinil. Blonde on blonde é considerado o primeiro LP duplo da história do rock, e por pouco não perdeu o posto. Isso porque Frank Zappa e seus Mothers Of Invention já estavam gravando a estreia Freak out!, e o disco deles saiu uma semana depois do de Dylan.
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ALIÁS E A PROPÓSITO, a Playboy, em abril de 1993, perguntou a Zappa o que ele achava de Dylan, Jimi Hendrix e Rolling Stones. O bigodudo soltou um veneninho justamente para cima de qual disco? “Highway 61 revisited foi muito bom. Então pegamos Blonde on blonde e o som começou a soar como música de cowboy, e você sabe o que eu acho de música de cowboy”, desabou.
TAVA DANDO MERDA. Dylan, lá pelo comecinho de 1966, estava começando a querer ficar livre de seu empresário, o poderoso Albert Grossman, sujeito importantíssimo na consolidação do folk-rock enquanto música “jovem”, e que depois cuidaria da carreira de Janis Joplin. Grossman havia criado com Dylan uma editora chamada Dwarf Music, para publicar as canções de Bob. O cantor, totalmente cabeça-de-vento no que dizia respeito a contratos, nem sequer leu nada que assinou. Depois descobriu que o empresário teria direito a 50% de tudo que ele fizesse em dez anos.
SEMPRE NA ESTRADA. A partir de meados de 1965, Dylan consolidaria sua faceta de drop-out estradeiro, partindo para uma turnê estafante. Grossman agendara a turnê pelos próximos nove meses, para aproveitar a excelente maré de sucesso do cantor, que encontraria datas por todos os EUA. Dylan tinha companhia no novo giro: uma banda canadense chamada The Hawks, composta pelos músicos Levon Helm (bateria), Robbie Robertson (guitarra), Rick Danko (baixo), Richard Manuel (piano, órgão) e Garth Hudson (sax, teclados).
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THE HAWKS. Essa formação, que depois mudaria de nome para The Band, tinha esse nome por uma razão básica: havia sido criada para acompanhar o roqueiro americano Ronnie Hawkins. Ronnie era tão pioneiro do rock quanto Jerry Lee Lewis, Chuck Berry e Carl Perkins, mas havia se mudado para o Canadá no começo da carreira e estabelecera-se por lá. Em 1975, foi convocado por Dylan para interpretar o próprio cantor de Blowin’ in the wind no filme Renaldo and Clara.
LÁ EM NOVA YORK. Num intervalinho de turnê, no fim de 1965, Dylan foi visitar ninguém menos que Andy Warhol. Concordou em fazer um dos famosos screen tests do esteta pop mas, depois, dando um passeio pelo multi-ateliê de Warhol, deparou com um dos retratos de Elvis Presley feitos por Warhol. Bob insistiu tanto que acabou ganhando uma das serigrafias.
MAS, curiosamente, Dylan zoava a imagem na frente de todo mundo que o visitava em sua mansão em Woodstock, e acabou dando a pintura para a família Grossman. Warhol detestou descobrir isso, mas seria vingado com o tempo: Sally Grossman, mulher de Albert, vendeu o quadro num leilão por 720 mil dólares em 1988.
E OLHA AÍ o teste de Dylan.
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DEMOROU PARA ABALAR. Ainda que o segundo disco de Dylan, The freewheelin’ Bob Dylan (1963) tenha sido feito em várias etapas e com produtores diferentes – um pouco pelas indecisões do artista, um pouco pelos embates entre Grossman e a equipe – Blonde on blonde é tido como o primeiro disco do cantor a ser marcado por regravações, trocas de músicos, mudanças de rota, rasga-rasga de músicas e abandono de originais quando as coisas começavam a não andar.
DEMOROU MESMO. Dylan começou, com produção de Bob Johnston, a gravar Blonde on blonde em outubro de 1965 no estúdio da Columbia em Nova York. Só que as primeiras gravações com The Hawks deixaram o cantor insatisfeito. Após ouvir uma sugestão do produtor, Dylan decidiu fazer as gravações do disco no estúdio da gravadora em Nashville, contra a vontade de Grossman (que ameaçou Johnston com o olho da rua por causa disso).
DYLAN levou apenas Al Kooper (teclados) e Robbie Robertson (guitarra) para a gravação em Nashville. A turma que gravou com ele por lá era liderada pelo experiente guitarrista e gaitista Charlie McCoy. Ele recordou que Dylan queria gravar com músicos de country que não fossem da velha guarda e conhecessem rock.
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O ESTÚDIO em Nashville era um daqueles espaços antigos, amplos, cheios de divisórias. Dylan queria todo mundo junto na sala de gravação, como se fosse um palco. Johnston conta que mandou um dos zeladores arrancar todos os biombos que separavam os músicos “e tacar fogo”.
O QUEBRA-QUEBRA de divisórias no estúdio era, vá lá, uma demonstração de que Dylan tinha poder na Columbia e que a gravadora iria apoiá-lo para que ele fizesse o disco que bem entendesse. Numa época em que qualquer firma grande contava moedas e tentava conseguir mais por menos, a Columbia liberou um disco duplo, e pagou um time de músicos de estúdio para que acompanhasse Dylan até que Blonde on blonde ficasse pronto.
ALIÁS E A PROPÓSITO, Dylan abusou da paciência da Columbia e dos músicos o quanto pôde: chegou no estúdio sem ter músicas prontas e precisou pedir a eles que circulassem pelo local enquanto ele terminava de escrever. Todos haviam sido convocados para ir lá na madrugada, lutavam contra o sono e foram chamados de volta à sala para aprender uma canção nova de Dylan. Era a quilométrica Sad-eyed lady of the lowlands, de onze minutos, que fez Charlie McCoy e seus colegas, todos exaustos, entrarem em estado de aflição.
ESSA MÚSICA, que ocupou todo o quarto lado do disco, “acaba sendo um dos raros momentos de serenidade num álbum que respira a energia nervosa da anfetamina”, escreveu Ana Maria Bahiana num texto sobre Blonde on blonde publicado na Discoteca Básica da Bizz, em agosto de 1986. A musa da canção geralmente é tida como Sara, a esposa quase secreta do cantor – Dylan havia casado quase escondido de seus amigos e alguns deles mal sabiam do relacionamento, que já gerara um filho, Jesse.
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OUTRAS musas possíveis do álbum são a atriz da turma de Andy Warhol, Edie Sedgwick, que teria inspirado Just like a woman e Leopard-skin pill-box hat. E Joan Baez já disse acreditar que Visions of Johanna foi feita para ela. “Muitos veem tanto em “Sad-eyed lady… quanto em Visions of Johanna as primeiras manifestações de sentimento realmente religioso em Dylan, a busca de uma dimensão metafísica, espiritual, para a existência”, continua Ana Maria.
ALIÁS E A PROPÓSITO, Edie é tida como a loura inspiradora do nome do disco, Blonde on blonde. Mas é improvável: testemunhas dizem que os títulos das músicas e o nome do álbum foram dados quase que automaticamente por Dylan, e que alguns foram dados quando Johnston perguntou ao cantor “como você quer chamar essa música?”.
MAS Oliver Trager, que escreveu enciclopédias do cantor, acredita que o nome venha da peça Brecht on Brecht, espécie de retrato no palco do dramaturgo Bertolt Brecht.
DOIDEIRA. Rainy day women, que se tornaria uma das faixas mais queridas de Blonde on blonde, era a música do verso “todo mundo tem que ficar chapado”. Dylan se recusou a gravar a música com todo mundo “careta” e foi logo querendo saber o que é que todo mundo fazia ali pra ficar doidão. Um zelador do estúdio foi comprar coquetéis para a turma num bar e, estranhamente, voltou com a bebida dentro de embalagens longa-vida. Foi o que ajudou a dar o clima maluco da gravação, além de eventuais baseados.
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DYLAN queria dar um clima de charanga, de banda de inauguração de farmácia, para a música. Além da turma permanecer doidona na gravação, os músicos trocaram de instrumentos: Al Kooper foi para a percussão, por exemplo. Henry Strzelecki, originalmente guitarrista e baixista, ficou com os teclados. Existe uma discordância sobre a turma fumou maconha no estúdio ou não. Strzelecki e o tecladista Hargus “Pig” Robbins juram terem fumado bastante. Mas McCoy e Kooper dizem que Grossman não permitiria maconha ou bebidas no estúdio.
APARENTEMENTE, Dylan foi fazendo o disco sem se dar conta de que tinha um excedente de material, e só viu que aquilo tudo rendia um disco duplo na hora da mixagem. Por acaso, a equipe que trabalhava em Blonde on blonde preferiu dar mais atenção à versão mono do que à estéreo, na mixagem – a primeira demorou vários dias para ser concluída.
CABOU. Blonde on blonde foi gravado enquanto Dylan fazia show atrás de show, experimentava drogas (LSD, haxixe e bolinhas variadas) e se divertia, à sua maneira, com os Hawks, que estavam no ponto de assobiar e chupar cana por causa das substâncias lícitas e ilícitas. A heroína começava a fazer parte do dia a dia de Levon Helm, por exemplo. Dylan creditava ao uso de drogas o fato de se manter acordado e ativo em meio a uma bateria nervosa de shows, mas dizia que elas não inspiravam músicas. E por outro lado, Rainy day women 12 & 35 estava sendo banida de algumas rádios por causa das referências a “ficar chapado”.
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A CAPA. Desde o primeiro disco, uma coisa era certa em relação aos álbuns de Dylan: as fotos de capa precisavam ser sensacionais. O estilo de Dylan (boinas, jaquetas transadas, camisetas com estampas cool) era copiado pela juventude dos anos 1960, e as imagens de capa precisavam seguir essa linha. Na foto de Blonde on blonde, clicada em fevereiro de 1966, Dylan usou uma jaqueta de estimação (com a qual ele apareceria nas capas de John Wesley harding, de 1967, e Nashville skyline, de 1969) e posou para o fotógrafo Jerry Schatzberg, que colaborava com revistas como Vogue e Esquire.
PRÉDIO DE TIJOLINHOS. Dylan e Schatzberg, que estavam em Nova York, preferiram não fazem as fotos no estúdio da Columbia. Foram até o Meatpacking District, bairro de Manhattan que na época era um centro de comércio lotado de frigoríficos e já estava bastante decadente. A região passou a abrigar butiques e galerias de arte nos anos 1990. Os dois foram para a frente de um prédio de tijolinhos (que, de acordo com pesquisadores, ficava na 375 West Street) e fizeram as fotos.
FOI O FRIO. A razão pela qual a imagem de Blonde on blonde saiu meio desfocada é bem simples: no dia da foto, estava fazendo um frio desgraçado e Schatzberg estava tremendo. De qualquer jeito, a sessão ainda rendeu outras fotos nítidas e em foco, como a daí de cima, mas Dylan preferiu a que foi para a capa, e assim rolou. Outras fotos da sessão apareceram na capa do single I want you (com Dylan fotografado nas cercanias) e na do CD Bob Dylan 1965-1966 – The cutting edge. Aqui você vê todas as fotos “perdidas” da sessão.
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ALIÁS E A PROPÓSITO, pega aí Schatzberg contando histórias da capa de Blonde on blonde e tentando achar o prédio em que ela foi tirada (a região passou por várias reformas ao longo das décadas).
PROIBIDÃO. A primeira edição americana de Blonde on blonde, nas mãos de vendedores mais careiros, pode chegar a passar dos R$ 5 mil. Tudo porque Schatzberg decidiu incluir na arte interna uma foto da atriz Claudia Cardinale, que ele havia tirado. Só que não pediu autorização a ela para isso. De qualquer jeito, Claudia foi mantida nas edições ao redor do mundo (em tempo: Blonde on blonde nunca saiu no Brasil).
DIFÍCIL É A DATA. Oficialmente, Blonde on blonde sempre foi considerado um disco lançado em 16 de maio de 1966. Só que pesquisas feitas posteriormente nas anotações da Columbia puseram a data em xeque. Clinton Heylin, escritor inglês que pesquisa a obra de Dylan, descobriu que a data de lançamento foi, na verdade, 20 de junho de 1966. Em tempo: Freak out, de Frank Zappa, saiu em 27 de junho.
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E AÍ, FICOU LEGAL? Ficou: assim que Blonde on blonde saiu, foi raro ler algo desfavorável sobre ele. Paul Williams, editor da Crawdaddy!, disse que o álbum era “um esconderijo de emoção, um pacote bem tratado de excelente música e melhor poesia”. Em um texto sobre Dylan, Ana Maria Bahiana afirmou que o cantor, em Blonde on blonde e em outros álbuns, “ensinava como expressar e como omitir, como transformar raiva e desprezo em algo bem mais complicado, ou como desenhar amor e paixão com todas as suas ambiguidades”. O disco foi logo para o Top 10 nos EUA e Reino Unido. I want you e Just like a woman viraram hinos.
A TURNÊ 1965/1966 de Dylan foi acompanhada de perto por críticos musicais (alguns deles estavam bastante descontentes com a nova fase da carreira do cantor) e por um público cada vez mais passional. No Free Trade Hall, em Manchester, um fã puto da vida com a eletrificação do repertório acústico do cantor, chamou-o em alto e bom som de “Judas”. A cena aparece até no documentário semi-inédito Eat the document (sobre o qual já falamos). Em Paris, a demora de Dylan para afinar seu violão causou vaias.
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EAT THE DOCUMENT era um documentário que DA Pennebaker, o mesmo diretor de Don’t look back, estava fazendo com a turnê de 1966. Dylan, que andava numa fase em que não se importava em ser agradável nem com amigos, decidiu cortar cenas inteiras e fazer ele mesmo o corte final do filme. A emissora ABC, que queria o filme para exibir, achou que o resultado tinha ficado maluco demais e desistiu dele. Dylan ainda tinha outras coisas para se preocupar: um disco novo que a Columbia exigia, o término de seu livro de poesias Tarantula (que ele quis modificar assim que viu as provas da editora) e as encrencas com Grossman, que tentava renegociar seu contrato com a gravadora.
SÓ QUE o destino se encarregou de colocar uma vírgula nos planos de Dylan. O cantor, em 29 de julho de 1966, sofreu um sério acidente com sua motocicleta, uma Triumph Tiger 100, perto de sua casa em Woodstock, Nova York. O acidente ocorreu em situações meio misteriosas até hoje: Dylan diz que quebrou várias vértebras mas nenhuma ambulância foi chamada ao local. Seja como for, um momento bom para descansar, colocar a cabeça em ordem e fugir do assédio. “Eu tinha sofrido um acidente de motocicleta e me machucado, mas me recuperei. A verdade é que eu queria sair da corrida de ratos”, afirmou em sua biografia Crônicas.
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DYLAN sumiu dos palcos e se enfiou no estúdio de sua casa com a turma da The Band (os ex-Hawks), para gravar uma série de músicas. Varias delas ele estava compondo para outros cantores. O material de estúdio só apareceria em disco em 1975, no LP duplo The basement tapes. Após Blonde on blonde, viria John Wesley Harding (1967), mais um álbum gravado em Nashville, com lembranças do Velho Oeste nas letras. Em 1969, foi a vez do elogiado e bem sucedido Nashville skyline, do hit Lay lady lay, e de Girl from the North Country, gravada ao lado de Johnny Cash.
E é isso. Pega aí Dylan em seu primeiro grande show após o acidente de moto, na Ilha de Wight, em 1969.
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Cultura Pop
Urgente!: O silêncio que Bruce Springsteen não quebrou

Tá aí o que muita gente queria: Bruce Springsteen vai lançar uma caixa com sete álbuns “perdidos”, nunca lançados oficialmente. O box vai se chamar Tracks II: The lost albums (é a continuidade de Tracks, caixa de 4 CDs lançada em 1998) e nasceu de uma limpeza que Bruce fez nos seus arquivos durante a pandemia. Pelo que se sabe até agora, o material inclui sobras das sessões de Born in the USA (1984) e gravações da fase eletrônica dele, no comecinho dos anos 1990 – inclusive um disco inteiro desse período, que nunca viu a luz do dia.
Essa notícia caiu nos sites na semana passada e trouxe de volta um detalhe que os fãs de Bruce já conhecem bem: ele tem muito material inédito guardado – e material bom. Em uma entrevista à Variety em 2017, ele mesmo comentou que sabia ter feito mais discos do que os que lançou, mas que havia motivos sérios para manter alguns deles nas gavetas.
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“Por que não lançamos esses discos? Não achei que fossem essenciais. Posso ter achado que eram bons, posso ter me divertido fazendo, e lançamos muitas dessas músicas em coleções de arquivo ao longo dos anos. Mas, durante toda a minha vida profissional, senti que liberava o que era essencial naquele momento. E, em troca, recebi uma definição muito precisa de quem eu era, o que eu queria fazer, sobre o que estava cantando”, disse na época (o link do papo tá aqui – é uma entrevista longa e bem legal).
Com o tempo, vários desses registros acabaram saindo em boxes e coletâneas. Um deles foi The ties that bind, um disco de pegada punk-power pop que seria lançado no Natal de 1979 – e que acabou virando uma espécie de esboço inicial do disco duplo The river, de 1980. Pelo menos saiu uma caixa em 2015 chamada The ties that bind: The River collection, com todo o material dessa época, inclusive o tal disco descartado (além de um material que formava quase um suposto disco de punk + power pop que teria sido abandonado).
Um texto publicado na newsletter do músico Giancarlo Rufatto recorda que Bruce infelizmente deixou de fora do novo box alguns álbuns que realmente mereciam ver a luz do dia. Um deles é um álbum solo (sem a E Street Band, enfim), com uma sonoridade country ’n soul, que foi gravado em 1981. Esse disco teria sido abandonado durante um período de depressão, que resultou em isolamento e na elaboração do disco cru Nebraska (1982), feito em casa com um gravador de quatro canais, só voz e violão.
Bruce até parece fazer referência a esse álbum perdido na entrevista da Variety. “Esse disco é influenciado pela música pop da Califórnia dos anos 70”, contou. “Glen Campbell, Jimmy Webb, Burt Bacharach, esse tipo de som. Não sei se as pessoas vão ouvir essas influências, mas era isso que eu tinha em mente. Isso me deu uma base pra criar, uma inspiração pra escrever. E também é um disco de cantor e compositor. Ele se conecta aos meus discos solo em termos de composição, mais Tunnel of love e Devils and dust, mas não é como eles. São apenas personagens diferentes vivendo suas vidas.”
Outro material bastante esperado pelos fãs – e que também não está na caixa – é o Electric Nebraska, a tentativa de Bruce de gravar com a E Street Band as músicas que acabaram no Nebraska. Nem ele, nem o empresário Jon Landau, nem os co-produtores Steven Van Zandt e Chuck Plotkin gostaram do resultado, e as gravações foram trancadas a sete chaves. Nem em bootlegs esse material apareceu até hoje. Pra você ter ideia, Glory days, que só sairia no Born in the USA (1984), chegou a ser ensaiada e gravada junto.
Quase todo mundo próximo a Bruce acredita que ele nunca vai lançar oficialmente essas gravações elétricas do Nebraska. Max Weinberg, baterista da E Street Band desde 1974 (com algumas pausas), confirmou a existência desse material em 2010, numa entrevista à Rolling Stone, e disse que adoraria ver tudo lançado.
“A E Street Band realmente gravou todo o Nebraska, e foi matador. Era tudo muito pesado. Por melhor que fosse, não era o que Bruce queria lançar. Existe um álbum completo do Nebraska, todas essas músicas estão prontas em algum lugar”, revelou. Bruce pode até guardar discos inteiros na gaveta, mas esse é um daqueles casos em que o silêncio guarda várias histórias – que podem render surpresas bem legais.
E ese aí é o lyric video de Rain in the river, uma das faixas programadas para Tracks II (a faixa sai num disco montado durante a elaboração do box, Perfect world).
Cultura Pop
Urgente!: Supergrass, Spielberg e um atalho recusado

Coisas que você descobre por acaso: numa conversa de WhatsApp com o amigo DJ Renato Lima, fiquei sabendo que, nos anos 1990, Steven Spielberg teve uma ideia bem louca. Ele queria reviver o espírito dos Monkees – não com uma nova versão da banda, como uma turma havia tentado sem sucesso nos anos 1980, mas com uma nova série de TV inspirada neles. E os escolhidos para isso? O Supergrass.
O trio britânico, que fez sucesso a reboque do britpop, estava em alta em 1995, quando lançou seu primeiro álbum, I should coco. Hits como Alright grudavam na mente, os vídeos eram cheios de energia, e Gaz Coombes, o vocalista, tinha cara de quem poderia muito bem ser um monkee da sua geração. Spielberg ouviu a banda por intermédio dos filhos, gostou e fez o convite.
Os ingleses foram até a Universal Studios para uma reunião com o diretor – com direito a recepção no rancho dele e papo sobre fase bem antigas da série televisiva Além da imaginação. O papo sobre a série, diz Coombes, foi proposital, porque a banda sacou logo onde aquilo poderia dar. “Talvez eu estivesse tentando antecipar a abordagem cafona que seria sugerida, tipo a banda morando junta como os Monkees”, contou Coombes à Louder, que publicou um texto sobre o assunto.
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A proposta era tentadora. Mas eles disseram não. “Foi lisonjeiro e muito legal, mas ficou óbvio para nós que não queríamos pegar esse atalho”, explicou o vocalista, afirmando ter pensado que aquilo poderia significar o fim do grupo. “Você pode acabar morrendo em um quarto de hotel ou algo assim, ou então a produção quer apenas um de nós para a próxima temporada. Foi muito engraçado, respeitosamente muito engraçado”.
O tempo passou. E agora, em 2025, I should coco completa 30 anos (mas já?). O Supergrass, que se separou no fim dos anos 2000, voltou para tocar o disco na íntegra e alguns hits em festivais como Glastonbury e Ilha de Wight.
Aqui, o trio no Glastonbury de 2022.
Foro: Keira Vallejo/Wikipedia
Crítica
Ouvimos: Lady Gaga, “Mayhem”

Tudo que é mais difícil de explicar, é mais complicado de entender – mesmo que as intenções sejam as melhores possíveis e haja um verniz cultural-intelectual robusto por trás. Isso vale até para desfiles de escolas de samba, quando a agremiação mais armada de referências bacanas e pesquisas exaustivas não vence, e ninguém entende o que aconteceu.
Carnaval, injustiças e polêmicas à parte, o novo Mayhem foi prometido desde o início como um retorno à fase “grêmio recreativo” de Lady Gaga. E sim, ele entrega o que promete: Gaga revisita sua era inicial, piscando para os fãs das antigas, trazendo clima de sortilégio no refrão do single Abracadabra (que remete ao começo do icônico hit Bad romance), e mergulhando de cabeça em synthpop, house music, boogie, ítalo-disco, pós-disco, rock, punk (por que não?) e outros estilos. Todas essas coisas juntas formam a Lady Gaga de 2025.
Algo vinha se perdendo ou sendo deixado de lado na carreira de Lady Gaga há algum tempo, e algo que sempre foi essencial nela: a capacidade de usar sua música e sua persona para comentar o próprio pop. David Bowie fazia isso o tempo todo – e ele, que praticamente paira como um santo padroeiro sobre Mayhem, é uma influência evidente em Vanish into you, uma das faixas que melhor representam o disco. Aqui, Gaga entrega dance music com alma roqueira, um baixo irresistível e um batidão que evoca tanto a fase noventista de Bowie quanto o synthpop dos anos 1980.
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Mais coisas foram sendo deixadas de lado na carreira dela que… Bom, sao coisas quase tão difíceis de explicar quanto as razões que levaram Gaga a criar um álbum considerado “difícil” como Artpop (2013), enquanto simultaneamente mergulhava no jazz com Tony Bennett e preparava-se para abraçar o soft rock no formidável Joanne (2016), um disco autorreferente que talvez tenha deixado os fãs da primeira fase perdidos. Em outro tempo, Madonna parecia autorizada a mudar como quisesse, mas quando Gaga fazia o mesmo, deixava no ar notas de desencontro e confusionismo. O pop mudou, as décadas passaram, o público mudou – e todas as certezas evaporaram.
É nesse cenário que Mayhem equilibra as coisas, entregando um pop dançante, consciente e orgulhoso de sua essência, mas ao mesmo tempo sombrio e marginal. Há momentos de caos organizado, como em Disease e Perfect celebrity – esta última começa soando como Nine Inch Nails, mas, se você mexer daqui e dali, pode até enxergar um nu-metal na estrutura. Killah traz uma eletrônica suja, um refrão meio soul, meio rock que caberia num disco do Aerosmith, enquanto Zombieboy aposta no pós-disco punk, evocando terror e êxtase na pista (por acaso, Gaga chegou a dizer que o disco tem influências de Radiohead, e confirmou o NiN como referência).
Na reta final, o álbum se aventura por outros terrenos: How bad do U want me e Don’t call tonight flertam com o pop dinamarquês dos anos 90 (e são, por sinal, as únicas faixas pouco inspiradas do disco); The beast tem cara de trilha sonora de comercial de cerveja; e Lovedrug mergulha na indefectível tendência soft rock que surge hoje em dia em dez entre dez discos pop. Essa faixa soa como um híbrido entre Fleetwood Mac e Roxette – como se Gaga estivesse pensando também na programação das rádios adultas de 2035.
O desfecho de Mayhem chega como um presente para o ouvinte: Blade of grass é uma balada melancólica de violão e piano, que ecoa tanto a tristeza folk dos anos 70 quanto a melancolia do ABBA, crescendo em inquietação à medida que avança. E então, como quem perde um pouco o tom, o álbum termina com… Die with a smile, a já conhecida balada country-soul gravada em parceria com Bruno Mars, lançada há tempos como single. Dentro do contexto do disco, ela soa mais como um apêndice do que como um encerramento – uma nota de rodapé onde se esperava um ponto final. Nada que chegue a atrapalhar a certeza de que Lady Gaga conseguiu, mais do que retornar ao passado, unir quase todos os seus fãs em Mayhem.
Nota: 8,5
Gravadora: Interscope
Lançamento: 7 de março de 2025.
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