Cinema
Primeiro filme sobre Dahmer foi lançado quando o serial killer estava na prisão

Pouco mais de um mês atrás, a Netflix lançou Dahmer – Um canibal americano (Dahmer – Monster: The Jeffrey Dahmer Story, 2022), que aqui no Brasil ainda ganhou o extenso subtítulo Monstro: A história de Jeffrey Dahmer.
A série, com dez episódios, é assinada por Ryan Murphy e Ian Brennan e estrelada por Evan Peters no papel do serial killer Jeffrey Dahmer. Logo de cara, foi a mais vista em sua primeira semana. Só nos primeiros cinco dias na plataforma, Dahmer atingiu 196,2 milhões de horas assistidas, ficando em primeiro lugar no Top 10 da Netflix em vários países.
Um feito admirável, por se tratar de uma história tantas vezes explorada e contada pelo cinema e pela TV. Entre dezenas de títulos, os longas O despertar de um assassino (My friend Dahmer, 2017) e Dahmer – Mente assassina (Dahmer, 2002) são os mais recentes. Documentários e séries também não faltam: Raising Jeffrey Dahmer (2006), Confessions of a serial killer (2012), The Jeffrey Dahmer files (2012), Dahmer on Dahmer: A serial killer Speaks (2017), Jeffrey Dahmer – The cannibal: Mind of a monster (2020) e vários outros.
A bizarra história de Jeffrey Dahmer pode ser novidade para os millennials e a geração Z, que a descobriram na Netflix. Mas o fato é que o caso do “monstro de Milwaukee” tem despertado curiosidade e interesse – mórbidos, mas não menos instigantes – desde que veio à tona, em 1991. Se o caso de Dahmer tem tanta repercussão e levanta polêmicas ainda hoje, imagine como teria sido contá-lo no cinema enquanto Dahmer ainda estava vivo. Foi o que um sujeito destemido e obstinado tentou fazer, na época.
Em 1992, Carl Crew, um ator desconhecido, escreveu o roteiro e protagonizou o obscuro Dahmer – O canibal de Milwaukee (Jeffrey Dahmer: The secret life), filme baseado na vida de Jeffrey Dahmer. Crew, só um ano mais novo que Dahmer, sentiu que tinha potencial para contar aquela história e interpretar o serial killer. Apostou todas as suas fichas para transformar sua ideia em filme.
Além de ter escrito o roteiro, Crew também garantiu grande parte do financiamento, contratou o diretor David R. Bowen e a maior parte do elenco e da equipe para concretizar o projeto. A produção é bastante modesta – para não dizer caseira – e beira o amadorismo, em termos técnicos. Não há reconstituição de época, por exemplo, nem dos cenários e nem dos figurinos. Tudo foi meio improvisado e todo mundo fazia um pouco de tudo. Mas o trabalho foi realizado de forma séria e com empenho extremo, o que confere ao filme um valor genuíno.
O clima é sombrio e melancólico. A narrativa em off, monocórdia, confere um ar letárgico à história, contada em flashback. De início, David R. Bowen havia sido contratado apenas para compor a trilha do filme, mas acabou se tornando o diretor, depois que o original pulou fora. Rodado um ano após a prisão de Dahmer, o filme foi fortemente atacado pela imprensa e pelas famílias das vítimas do psicopata, que chegaram a organizar protestos contra o filme. Crew e o diretor Bowen participaram de vários talk shows com familiares das vítimas, defendendo o filme contra as alegações de tentarem glorificar e explorar os crimes de Dahmer.
Na verdade, as filmagens começaram logo após o juiz declarar Jeffrey Dahmer culpado, em fevereiro de 1992. David R. Bowen fez todo o possível para manter o realismo na maior parte das filmagens, nos arredores de Hollywood. Tudo foi mantido em sigilo, para não chamar a atenção dos grupos locais que seriam contra a produção.
Com o filme pronto, Bowen e Carl Crew começaram a correr atrás de todos os estúdios, salas de cinema e casas de distribuição em Los Angeles. Mas não encontraram nenhum interessado, já que o assunto ainda estava muito vivo e era controverso demais.
O jeito foi lançá-lo diretamente em vídeo, o que aconteceu em 1993. Por alguns dias, The secret life: Jeffrey Dahmer deu o que falar na mídia norte-americana, com uma enxurrada de críticas a Crew e Bowen em programas de TV. A polêmica, entretanto, foi rapidamente esquecida, assim como o filme em si, que praticamente definhou nas prateleiras das videolocadoras.
Embora os crimes do serial killer mais conhecido de Milwaukee tenham servido de matéria-prima para muitos filmes e programas de televisão, The secret life foi o primeiro longa sobre Dahmer a entrar em produção.
Mesmo mal recebido no lançamento, recentemente o filme foi reavaliado por publicações de filmes cult e de terror. Da mesma forma, o Los Angeles Times, ao publicar a crítica do filme Dahmer – Mente assassina (2002), elogiou The secret life e a atuação de Crew, enquanto o site CraveOnline chamou o filme de “fascinante” e “verdadeiramente convincente”. De fato, o desempenho de Crew é convincente e compensa o elenco de apoio amadorístico.

O VHS nacional do filme sobre Dahmer – e o VHS americano
A fita saiu pela Magnum Video nos EUA, em 1993. Aqui no Brasil, o filme foi lançado no mesmo ano pela Paradiso Home Video. O lançamento original em VHS de The secret life: Jeffrey Dahmer (embora na abertura apareça apenas The secret life) foi malhado pela mídia como uma tentativa de ganhar dinheiro explorando a tragédia humana. Para piorar, a arte da capa foi descaradamente copiada do pôster do filme A firma (The firm, 1993), lançado naquele mesmo ano.

The Secret Life (D) e seu modelo, A Firma (E)
Jeffrey Dahmer morreu na prisão, no ano seguinte, em novembro de 1994. Anos depois, a distribuidora original, Magnum, passou a fita para a Dead Alive, que a relançou. A primeira edição em DVD, no entanto, só saiu no começo dos anos 2000, pela Intervision.
E voltamos para 2022, com a história do canibal de Milwaukee atraindo mais e novos públicos. Evan Peters, que viveu o “Jeffrey Dahmer da Netflix” (e recebeu muitos elogios pela atuação), defendeu a série de algumas reações negativas, argumentando: “Tínhamos uma regra de Ryan (Murphy), de que a história nunca seria contada do ponto de vista de Dahmer. Chama-se The Jeffrey Dahmer Story, mas não é apenas ele e sua história de fundo: são as repercussões, é como a sociedade e nosso sistema falharam em detê-lo várias vezes, por causa de racismo, homofobia. É uma história trágica”.
Curiosidade: em 13 de maio de 1996, The secret life foi exibido na TV aberta aqui no Brasil, pela Bandeirantes, às 15:30 da tarde, no famigerado Cine Trash.
E olha ele aí no YouTube!

Mais filmes novos sobre Dahmer
Cinema
Urgente!: Cinema pop – “Onda nova” de volta, Milton na telona

Por muito tempo, Onda nova (1983), filme dirigido por Ícaro Martins e José Antonio Garcia – e censurado pelo governo militar –, foi jogado no balaio das pornochanchadas e produções de sacanagem.
Fácil entender o motivo: recheado de cenas de sexo e nudez, o longa funciona como uma espécie de Malhação Múltipla Escolha subversivo, acompanhando o dia a dia de uma turma jovem e nada comportada – o Gayvotas Futebol Clube, time de futebol formado só por garotas, e que promovia eventos bem avançadinhos, como o jogo entre mulheres e homens vestidos de mulher. Por acaso, Onda nova foi financiado por uma produtora da Boca do Lixo (meca da pornochanchada paulistana) e acabou atropelado pela nova onda (sem trocadilho) de filmes extremamente explícitos.
O elenco é um espetáculo à parte. Além de Carla Camuratti, Tânia Alves, Vera Zimmermann e Regina Casé, aparecem figuras como Osmar Santos, Casagrande e até Caetano Veloso – que protagoniza uma cena soft porn tão bizarra quanto hilária. Durante anos, o filme sobreviveu em sessões televisivas da madrugada, mas agora ressurge restaurado e remasterizado em 4K, estreando pela primeira vez no circuito comercial brasileiro nesta quinta-feira (27).
Meu conselho? Esqueça tudo o que você já ouviu sobre Onda nova (ou qualquer lembrança de sessões anteriores). Entre de cabeça nessa comédia pop carregada de referências roqueiras da época, um cruzamento entre provocação punk e ressaca hippie. O filme abre com Carla Camuratti e Vera Zimmermann empunhando sprays de tinta para pixar os créditos, mostra Tânia Alves cantando na noite com visual sadomasoquista, segue com momentos dignos de um musical glam – cortesia da cantora Cida Moreyra, que brilha em várias cenas – e trata com surpreendente modernidade temas como maconha, cultura queer, relacionamentos sáficos, mulheres no poder, amores fluidos e, claro, futebol feminino.
Se fosse um disco, Onda nova seria daqueles para ouvir no volume máximo, prestando atenção em cada detalhe e referência. A trilha sonora passeia entre o boogie oitentista e o synthpop, com faixas de Michael Jackson e Rita Lee brotando em alguns momentos. E o que já era provocação nos anos 1980 agora ressurge como registro de uma juventude que chutava o balde sem medo. Vá assistir correndo.
*****
Já Milton Bituca Nascimento, de Flavia Moraes, que estreou na última semana, segue outro caminho: o da reverência, mesmo que seja um filme documental. Durante dois anos, Flavia seguiu Milton de perto e produziu um retrato que, mais do que um relato biográfico, é uma celebração. E uma hagiografia, aquela coisa das produções que parecem falar de santos encarnados.
A narração de Fernanda Montenegro dá um tom solene – e, enfim, logo no começo, fica a impressão de um enorme comercial narrado por ela, como os daquele famoso banco que não patrocina o Pop Fantasma. Aos poucos, vemos cenas da última turnê, reações de fãs, amigos contando histórias. Marcio Borges lê matérias do New York Times sobre Milton, para ele. Wagner Tiso chora. Quincy Jones sorri ao falar dele. Mano Brown solta uma pérola: Milton o ensinou a escutar. E Chico Buarque assiste ao famigerado momento do programa Chico & Caetano em que se emociona ao vê-lo cantar O que será – um vídeo que virou meme recentemente.
Isso tudo é bastante emocionante, assim como as cenas em que a letra da canção Morro velho é recitada por Djavan, Criolo e Mano Brown – reforçando a carga revolucionária da música, que usava a imagem das antigas fazendas mineiras para falar de racismo e capitalismo. Mas, no fim, o que fica de Milton Bituca Nascimento é a certeza de que Milton precisava ser menos mitificado e mais contado em detalhes. Vale ver, e a música dele é mito por si só, mas a sensação é a de que faltou algo.
Por acaso, recentemente, Luiz Melodia – No coração do Brasil, de Alessandra Dorgan, investiu fundo em imagens raras do cantor, em que a história é contada através da música, sem nenhum detalhe do tipo “quem produziu o disco tal”. Mas o homem Luiz Melodia está ali, exposto em entrevistas, músicas, escolhas pessoais e atitudes no palco e fora dele. Quem não viu, veja correndo – caso ainda esteja em cartaz.
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Cinema
Urgente!: Filme “Máquina do tempo” leva a música de Bowie e Dylan para a Segunda Guerra

Descobertas de antigos rolos de filme, assim como cartas nunca enviadas e jamais lidas, costumam render bons filmes e livros — ou, pelo menos, são um ótimo ponto de partida. É essa premissa que guia Máquina do tempo (Lola, no título original), estreia do irlandês Andrew Legge na direção. A ficção científica, ambientada em 1941, acompanha as irmãs órfãs Martha (Stefanie Martini) e Thomasina (Emma Appleton), e chega aos cinemas brasileiros nesta quinta-feira (13), dois anos após sua realização.
As duas criam uma máquina do tempo — a Lola do título original, batizada em homenagem à mãe — capaz de interceptar imagens do futuro. O material que elas conseguem captar é todo registrado em 16mm por uma câmera Bolex, dando origem aos tais rolos de filme.
E, bom, rolo mesmo (no sentido mais problemático da palavra) começa quando o exército britânico, em plena Segunda Guerra Mundial, descobre a invenção e passa a usá-la contra as tropas alemãs. A princípio, a estratégia funciona, mas logo começa a sair do controle. As manipulações temporais geram consequências inesperadas, enquanto as personalidades das irmãs vão se revelando e causando conflitos.
Com apenas 80 minutos de duração e filmado em 16 mm (com lentes originais dos anos 1930!), Máquina do tempo pode soar confuso em algumas passagens. Não apenas pelas idas e vindas temporais, mas também pelo visual em preto e branco, valorizando sombras e vozes que quase se tornam personagens da história. Em alguns momentos, é um filme que exige atenção.
O longa também tem apelo para quem gosta de cruzar cultura pop com história. Martha e Thomasina ficam fascinadas ao ver David Bowie cantando Space oddity (o clipe brota na máquina delas), tornam-se fãs de Bob Dylan, adiantam a subcultura mod em alguns anos (visualmente, inclusive) e coadjuvam um arranjo de big band para o futuro hit You really got me, dos Kinks, que elas também conseguem “ouvir” na máquina. Um detalhe curioso: a própria Emma Appleton operou a câmera em cenas em que sua personagem Thomasina se filma (“para deixar as linhas dos olhos perfeitas”, segundo revelou o diretor ao site Hotpress).
Ainda que a cultura pop esteja presente, Máquina do tempo é, acima de tudo, um exercício de futurologia convincente, explorando uma futura escalada do fascismo na Inglaterra — que, no filme, chega até mesmo à música, com a criação de um popstar fascista.
A ideia faz sentido e nem é muito distante do que aconteceu de verdade: punks e pré-punks usavam suásticas para chocar os outros, Adolf Hitler quase figurou na capa de Sgt. Pepper’s, dos Beatles, Mick Jagger não se importou de ser fotografado pela “cineasta de Hitler” Leni Riefenstahl, artistas como Lou Reed e Iggy Pop registraram observações racistas em suas letras, e o próprio Bowie teve um flerte pra lá de mal explicado com a estética nazista. Mas o que rola em Máquina do tempo é bem na linha do “se vocês soubessem o que vai acontecer, ficariam enojados”. Pode se preparar.
Cinema
Ouvimos: Lady Gaga, “Harlequin”

- Harlequin é um disco de “pop vintage”, voltado para peças musicais antigas ligadas ao jazz, lançado por Lady Gaga. É um disco que serve como complemento ao filme Coringa: Loucura a dois, no qual ela interpreta a personagem Harley Quinn.
- Para a cantora, fazer o disco foi um sinal de que ela não havia terminado seu relacionamento com a personagem. “Quando terminamos o filme, eu não tinha terminado com ela. Porque eu não terminei com ela, eu fiz Harlequin”, disse. Por acaso, é o primeiro disco ligado ao jazz feito por ela sem a presença do cantor Tony Bennett (1926-2023), mas ela afirmou que o sentiu próximo durante toda a gravação.
Lady Gaga é o nome recente da música pop que conseguiu mais pontos na prova para “artista completo” (aquela coisa do dança, canta, compõe, sapateia, atua etc). E ainda fez isso mostrando para todo mundo que realmente sabe cantar, já que sua concepção de jazz, voltada para a magia das big bands, rendeu discos com Tony Bennett, vários shows, uma temporada em Las Vegas. Nos últimos tempos, ainda que Chromatica, seu último disco pop (2020) tenha rendido hits, quem não é 100% seguidor de Gaga tem tido até mais encontros com esse lado “adulto” da cantora.
A Gaga de Harlequin é a Stefani Joanne Germanotta (nome verdadeiro dela, você deve saber) que estudou piano e atuação na adolescência. E a cantora preparada para agradar ouvintes de jazz interessados em grandes canções, e que dispensam misturas com outros estilos. Uma turminha bem específica e, vá lá, potencialmente mais velha que a turma que é fã de hits como Poker face, ou das saladas rítmicas e sonoras que o jazz tem se tornado nos últimos anos.
O disco funciona como um complemento a ao filme Coringa: Loucura a dois da mesma forma que I’m breathless, álbum de Madonna de 1990, complementava o filme Dick Tracy. Mas é incrível que com sua aventura jazzística, Gaga soe com mais cara de “tá vendo? Mais um território conquistado!” do que acontecia no caso de Madonna.
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O repertório de Harlequin, mesmo extremamente bem cantado, soa mais como um souvenir do filme do que como um álbum original de Gaga, já que boa parte do repertório é de covers, e não necessariamente de músicas pouco conhecidas: Smile, Happy, World on a string, (They long to be) Close to you e If my friends could see me now já foram mais do que regravadas ao longo de vários anos e estão lá.
De inéditas, tem Folie à deux e Happy mistake, que inacreditavelmente soam como covers diante do restante. Vale dizer que Gaga e seu arranjador Michael Polansky deram uma de Carlos Imperial e ganharam créditos de co-autores pelo retrabalho em quatro das treze faixas – até mesmo no tradicional When the saints go marching in.
Michael Cragg, no periódico The Guardian, foi bem mais maldoso com o álbum do que ele merece, dizendo que “há um cheiro forte de banda de big band do The X Factor que é difícil mudar”. Mas é por aí. Tá longe de ser um disco ruim, mas ao mesmo tempo é mais uma brincadeirinha feita por uma cantora profissional do que um caminho a ser seguido.
Nota: 7
Gravadora: Interscope.
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