Destaque
POP FANTASMA apresenta Tartamudo, “Respiro”

Formado por Wilton Rossi e Zepedro Gollo, o Tartamudo – duo de música eletrônica e experimental de Brasília – lançou dois EPs em 2020, cada um mostrando uma face diferente da dupla. Apneia vinha um tantinho mais agressivo e Respiro, mais recente, lançado em novembro, é definido por eles como “menos pista, mais chillout”, em faixas como Descanso, Jugular e Taking democracy (by strategy).
Mas os dois fazem questão de destacar que a construção sonora da dupla não vem só da eletrônica. Há muito de rock no som da dupla, e instrumentos como guitarra e baixo (nas mãos de Wilton) dividem espaço com a bateria eletrônica e e o plugin Ableton Live durante os shows do Tartamudo. Além, é claro, dos vários sintetizadores, nas mãos dos dois.
“Temos décadas de parcerias musicais, mas foi com o Tartamudo que conseguimos a química perfeita. De início havia uma divisão mais clara, com Wilton tocando guitarras e manipulando loops e Zepedro programando batidas, tocando teclados e operando o estúdio. Mas o estúdio foi crescendo e hoje conta com vários sintetizadores, sequenciadores e baterias eletrônicas”, dizem os dois, em dupla, por e-mail.
SOM DE BRASÍLIA
Zepedro e Wilton, aliás, se conheceram aos 20 e poucos anos e são figuras conhecidas na cena alternativa da capital. O primeiro bolou projetos de som eletrônico como 90110 e o Mona Satélite, e o último tocou nas bandas Divine e Superquadra como guitarrista. Aliás Zepedro participou desses projetos em algumas fases como tecladista, guitarrista, e até produtor e técnico de som.
“Depois de alguns anos separados, nos juntamos novamente para testar uma nova abordagem, mas agora como um duo. A sinergia foi evidente desde o primeiro ensaio/gravação. Desde então o projeto tomou corpo e podemos dizer que o Tartamudo já tem dois anos de história”, contam os dois. Aliás, a dupla, com o tempo, foi vendo desaparecer do escopo do trabalho a dualidade entre rock e música eletrônica.
“Gostamos de dizer que tocamos música eletrônica como se fôssemos uma banda de rock e tocamos rock como se fôssemos um duo de eletrônica. Na prática, é apenas música. Mas além disso, de maneira mais sutil, o Tartamudo incorpora um bom tanto da música brasileira que amamos. Acho que não existiria Tartamudo sem Caetano, Walter Franco, Tom Zé, Novos Baianos, João Gilberto…”, completam.
Até mesmo a escolha do nome Tartamudo (uma palavra mais vetusta para definir uma pessoa com gagueira) tem a ver com as opções musicais da dupla. “Desde o princípio elegemos o loop como o elemento básico do nosso trabalho. Tudo que tocamos é transformado em loops que se acumulam, se encontram e desencontram. A música que fazemos é muitas vezes recortada e marcada pela repetição. Além disso, o nome é instigante e soa muito bem! E nosso logo reforça a ideia, pois representa a repetição em notação musical”, contam.
INSTRUMENTAL POLÍTICO
Entre as influências do Tartamudo estão o krautrock (rock experimental alemão dos anos 1970) e a sonoridade dos discos antigos de Brian Eno. “Eno é uma figura fundamental para nós em toda a nossa história como músicos. A ênfase na textura e nas composições que se espraiam e envolvem quem ouve é muito fascinante”, explicam.
Não por acaso, batizaram uma das músicas do disco como Taking democracy (by strategy), referência a Taking tiger mountain (by strategy), de Eno. Um encontro improvável entre política e música num disco totalmente instrumental, então?
“Talvez nossa música possa apenas sugerir uma energia, uma disposição de movimento e transformação. Em um projeto instrumental, certamente o título, tantas vezes difícil de definir, pode ser o espaço para direcionar um pouco mais a leitura. Mas queremos acreditar que essa operação íntima que o som do Tartamudo opera possa levar a mudanças. Em nível individual e, quem sabe, no coletivo. Ouvir música é sonhar”, dizem eles, que adorariam ver um clipe da banda feito por Michel Gondry ou Kenneth Anger.
CAPA KRAUTROCK
Aliás, a capa de Respiro lembra uma versão bastante simplificada da arte de um clássico do krautrock, o disco Faust IV, da banda alemã Faust. Não é proposital, dizem.
“A capa de Respiro é uma referência à notação musical de pausa. Respiro é um contraponto a Apneia, nosso EP anterior, mais ruidoso e angular. Até por conta desse ano tão difícil, percebemos que o trabalho propicia ao ouvinte um momento de alento e introspecção”, contam. “Não havíamos percebido a similaridade com a capa do Faust. Gostamos demais de bandas alemãs do dito krautrock, mas nossa pegada vai mais para o lado de Neu!, Harmonia (inclusive, claro, o belo disco que fizeram com Brian Eno), Can, Tangerine Dream, Cluster e Kraftwerk (sem dúvida!)”.
FITINHA
Respiro vai sair também em fita K7 pelo selo Tudo Muda Music, que preparou uma mixagem analógica especial das músicas.
“Além disso, o cassete leva uma faixa bônus que não constará nas edições digitais. De extra, vamos colocar em cada fita uma palheta do disco uma foto instantânea (portanto, única). Respiro em cassete já nasce como peça de colecionador”, contam. “O Tudo Muda Music é um selo do amigo Mauro Rocha, de outro duo instrumental da cidade, o Transistorm. Ele é um cara incrível, muito empolgado com o seu trabalho e com o nosso também. Foi um prazer conhecer o selo e nos tornamos amigos. No futuro certamente vamos trabalhar mais vezes juntos”.
AO VIVO
Nos shows, o Tartamudo é uma banda que “cria ao vivo”, como falam os dois. “Um dos lados mais prazerosos e fascinantes do nosso trabalho é poder retrabalhar as músicas a cada execução. Elas têm uma estrutura básica maleável. Acrescentamos elementos, subvertemos a ordem, recriamos e manipulamos loops a cada vez que tocamos ao vivo”, contam. “Existe um componente experimental no nosso trabalho que não é comum em projetos eletrônicos ao vivo. E isso é com certeza um dos nossos pontos mais fortes”.
A pandemia e o isolamento foi uma experiência complexa (e trágica, em vários casos) para todo mundo. Mas o Tartamudo vem fazendo o possível para se manter ativo longe dos palcos. “Podemos dizer que estamos relativamente confortáveis. Temos nosso próprio estúdio em casa e pudemos criar muito esse ano. Mas é claro que todo o clima ruim acaba nos afetando. Tentamos nos proteger e nos cuidar”, contam. Na pandemia, a dupla chegou a tocar na Avenida W3 Sul fechada, num domingo. “Vamos tentando encontrar brechas criativas dentro das possibilidades. Como diria Hélio Oiticica, da adversidade vivemos. Nunca isso foi tão real”, contam.
Foto: Autorretrato/Divulgação
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Cultura Pop
Quando Suicide gravou… “Born in the USA”, do Bruce Springsteen

A way of life, disco de 1988 da dupla de música eletrônica Suicide, é tido como um disco, er, acessível. Acessível à moda de Martin Rev e Alan Vega, claro. O disco pelo menos podia ser colocado tranquilamente na prateleira dos artífices da darkwave e era bem mais audível do que o comum de um grupo que havia lançado a assustadora Frankie teardrop. O disco era produzido por Ric Ocasek, líder dos Cars (que já havia produzido o segundo disco deles, de 1981, Alan Vega/Martin Rev), e tinha até uma eletro-valsinha, Surrender, além de um estiloso misto de rockabilly e synthpop, Jukebox baby 96.
O que ninguém esperava era que a dupla tivesse feito nessa mesma época uma estranhíssima versão de… Born in the USA, de Bruce Springsteen. A faixa surge numa versão ao vivo, gravada num show de Vega e Rev em 1988, em Paris. A dupla nem sequer disfarçou que a ideia era fazer uma versão bem lascada – saca só o sintetizadorzinho da música, e a referência a músicas como Lucille, de Little Richard, e o tema When the saints go marching in, logo na abertura. A “versão” da faixa resume-se a quase nada além do título da canção. Parece um karaokê do demo (e é).
A versão poderia ser uma bela pirataria, mas vira oficial nesse mês: vai aparecer em uma reedição de A way of life, prevista para o dia 26. A edição de luxo estará disponível em vinil azul transparente com Born in the USA e em CD com quatro faixas bônus, além do formato digital. O material extra inclui versões ao vivo de Devastation e Cheree, bem como uma versão inicial de estúdio de Dominic Christ. O pesquisador Jared Artaud encontrou as faixas enquanto trabalhava no arquivo de Vega, após a morte do cantor em 2016.
E se você não sabia, vai aí a surpresa: Springsteen tá bem longe de ser um sujeito que diria “what?” ao ser informado da existência do Suicide. Pelo contrário: era fã da dupla e costumava dizer que a estreia do Suicide, o disco epônimo de 1977, era “um dos discos mais sensacionais que já ouvi”. Em 1980, o cantor esteve com a dupla e Vega descobriu que Springsteen era seu fã – e se surpreendeu.
“Ele estava gravando o disco The river (1980) e nós estávamos gravando nosso segundo álbum em Nova York. Então tivemos uma reunião de audição do nosso álbum. Havia três ou quatro figurões da nossa gravadora, e Bruce também estava lá. Depois que tocamos o álbum, houve um silêncio mortal… exceto por Bruce, que disse, ‘Isso foi ótimo pra caralho.’ Ele fazia questão de nos dizer o quanto nos amava”, contou em 2014 ao New York Post.
Mais: um texto do site Treblezine, a partir de audições da obra de Bruce e de entrevistas do Suicide, descobre: a dupla influenciou muito o sombrio disco Nebraska, tido como o “primeiro disco solo” (sem a E Street Band) de Springsteen (1982), basicamente um disco sobre crise, desemprego e gente à beira do desespero pela falta de oportunidades. Houve uma versão elétrica e pesada de Nebraska, mas Bruce quis lançar o disco acústico, de voz, violão e registros crus, e que de fato lembram o clima esparso do Suicide do primeiro disco.
Na dúvida, ouça State trooper, cujos uivos lembram bastante os gritos (sem aviso prévio) de Frankie teardrop. “Lembro-me de entrar na minha gravadora logo após o lançamento do meu disco”, disse Vega depois de ouvir State trooper pela primeira vez. “Eu pensei que era um dos meus álbuns que eu tinha esquecido. Mas era Bruce!”
Cultura Pop
No podcast do Pop Fantasma, a fase de transição do Metallica

A morte do baixista Cliff Burton, em 27 de setembro de 1986, desorientou muito o Metallica. Além do que aconteceu, teve a maneira como aconteceu: a banda dormia no ônibus de turnê, sofreu um acidente que assustou todo mundo, e quando o trio restante saiu do veículo, só restou encarar a realidade. A partir daquele momento, estavam não apenas sem o baixista, como também estavam sem o amigo Cliff, sem o cara que mais havia influenciado James Hetfield, Lars Ulrich e Kirk Hammett musicalmente, e sem a configuração que havia feito de Master of puppets (1986) o disco mais bem sucedido do grupo até então.
Hoje no Pop Fantasma Documento, a gente dá uma olhada em como ficou a vida do Metallica (banda que, você deve saber, está lançando disco novo, 72 seasons) num período em que o grupo foi do céu ao inferno em pouco tempo. O Metallica já era considerado uma banda de tamanho BEM grande (embora ainda não fosse o grupo multiplatinado e poderoso dos anos 1990) e, justamente por causa disso, teve que passar por cima dos problemas o mais rápido possível. E sobreviver, ainda que à custa justamente da estabilidade emocional de Jason Newsted, o substituto do insubstituível Cliff Burton…
Nomes novos que recomendamos e que complementam o podcast: Skull Koraptor e Manger Cadavre?
Estamos no Castbox, no Mixcloud, no Spotify, no Deezer e no Google Podcasts.
Edição, roteiro, narração, pesquisa: Ricardo Schott. Identidade visual: Aline Haluch. Trilha sonora: Leandro Souto Maior. Estamos aqui toda sexta-feira!
Destaque
Dan Spitz: metaleiro relojoeiro

Se você acompanha apenas superficialmente a carreira da banda de thrash metal Anthrax e sentia falta do guitarrista Dan Spitz, um dos fundadores, ele vai bem. O músico largou a banda em 1995, pouco antes do sétimo disco da banda, Stomp 442, lançado naquele ano. Voltaria depois, entre 2005 e 2007, mas entre as idas e as vindas, o guitarrista arrumou uma tarefa bem distante da música para fazer: ele se tornou relojoeiro (!).
A vida de Dan mudou bastante depois que o músico teve filhos em 1995, e começou a se questionar se queria mesmo aquela vida na estrada. “Fazíamos um álbum e fazíamos turnês por anos seguidos, e então começávamos o ciclo de novo – o tempo em casa não existia. É uma história que você vê em toda parte: tudo virou algo mundano e mais parecido com um trabalho. Eu precisava de uma pausa”, contou Spitz ao site Hodinkee.
>>> Veja também no POP FANTASMA: Rockpop: rock (do metal ao punk) na TV alemã
Na época, lembrou-se da infância, quando ficava sentado com seu avô, relojoeiro, desmontando relógios Patek Philippe, daqueles cheios de pecinhas, molas e motores. “Minha habilidade mecânica vem de minha formação não tradicional. Meu quarto parecia uma pequena estação da NASA crescendo – toneladas de coisas. Eu estava sempre construindo e desmontando coisas durante toda a minha vida. Eu sou um solucionador de problemas no que diz respeito a coisas mecânicas e eletrônicas”, recordou no tal papo.
Spitz acabou no Programa de Treinamento e Educação de Relojoeiros da Suíça, o WOSTEP, onde basicamente passou a não fazer mais nada a não ser mexer em relógios horrivelmente difíceis o dia inteiro, aprender novas técnicas e tentar alcançar os alunos mais rápidos e mais ágeis da instituição.
>>> Veja também no POP FANTASMA: Discos de 1991 #9: “Metallica”, Metallica
A música ainda estava no horizonte. Tanto que, trabalhando como relojoeiro em Genebra, pensou em largar tudo ao receber um telefonema do amigo Dave Mustaine (Megadeth) dizendo para ele esquecer aquela história e voltar para a música. Olhou para o lado e viu seu colega de bancada trabalhando num relógio super complexo e ouvindo Slayer.
O músico acha que existe uma correlação entre música e relojoaria. “Aprender a tocar uma guitarra de heavy metal é uma habilidade sem fim. É doloroso aprender. É isso que é legal. O mesmo para a relojoaria – é uma habilidade interminável de aprender”, conta ele. “Você tem que ser um artista para ser o melhor – seja na relojoaria ou na música. Você precisa fazer isso por amor”.
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