Crítica
Ouvimos: Yard Act, “Where’s my utopia?”

- Where’s my utopia? é o segundo disco da banda britânica Yard Act, formada por James Smith (voz, letras), Ryan Needham (baixo), Sam Shipstone (guitarra) e Jay Russell (bateria).
- Em uma entrevista, o baixista Ryan conta que esse disco é como se fosse o primeiro para a banda, “porque o primeiro foi feito em confinamento, não foi como você escolheria fazer um álbum”.
- A ideia da banda no disco foi falar sobre como é estar em uma banda de sucesso. “É um território complicado, você pode parecer um ingrato e queixoso, mas não é isso”, jura o baixista. “Isso acontece no trabalho de qualquer pessoa, na verdade. Você está constantemente perseguindo algo e quando você consegue, não é o que você esperava… A única referência de James era em uma banda, então é a experiência dele, mas é estranho”.
Sabe esse papo furado que está rolando nas redes sociais, de que as novas gerações já se acham velhas? E de que tem gente de 30 anos que se sente frustrada por, com essa idade avançadíssima e longeva, não ter conseguido comprar carro ou casa? Se você faz parte dessa turma, prepare-se para ser zoado pela banda britânica Yard Act em seu novo disco, Where’s my utopia?.
É basicamente um disco quase-conceitual sobre o que é desejar o emprego dos sonhos, querer muito trabalhar no que se ama, querer formar uma família, querer uma série de coisas – ainda que o grupo tenha mesmo é olhado para si mesmo ao fazer as letras. Só que os personagens de boa parte das faixas encontram pela frente outro tipo de cenário: ilusões, freelas mal pagos, vagas arrombadas, pessoas cagando e andando, brincadeiras que acabam mal (como na aventura cheia de bullying e sangue de Down by the stream). E oportunidades de ouro que, no dia a dia, transformam-se em armadilhas.
Where’s my utopia fala também sobre aquele tipo de sucesso, que observando de perto, não parece sucesso. Como no single dançante We make hits, a história de “dois homens falidos da geração Y” que compõem hits, “mas não como Nile Rodgers” e não parecem convencer nem mesmo as paredes do quarto. Ou em Dream job, quase uma perversão do ditado “trabalhe no que você gosta e nunca mais terá que trabalhar na vida”.
Já When the laughter stops, com participação de Katy J Pearson, é um conto sobre trabalho na música e na arte, ansiedade e medos (muitos). Num disco como esse, arengas sobre religião não poderiam faltar, e tem lá The undertow, que põe na roda questionamentos como “nós nascemos para nada se morrermos sozinhos?/só deus pode responder, então onde está meu telefone?”
Musicalmente, o Yard Act deve tanto à cena de indie-rock dançante do começo dos anos 2000 quanto a bandas de gerações anteriores (Mucky Pop, Fun Lovin Criminals, House Of Pain) que uniam pós-punk, dance music e hip hop – lance facilitado pela produção de Remi Kabaka Jr (Gorillaz), que fez do Yard Act uma banda cheia de recursos de estúdio. Dream job e When the laighter stops, em especial, têm cara de hits de pista de dança, enquanto Gifter’s grief une synth pop e r&b.
A curiosidade são os sete minutos de Blackpool illuminations, uma canção falada, na qual o vocalista James Smith conta uma história dolorosa de infância, até chegar em seu dia a dia como pai. Poderia lembrar The gift, o conto falado e musicado do Velvet Underground, mas a variedade aqui é quase progressiva. Where’s my utopia é, no fim das contas, um álbum sobre crises, amadurecimentos e mais crises pós-amadurecimento, repleto de dramas dançantes.
Nota: 8
Gravadora: Island
Crítica
Ouvimos: Jimi Hendrix, “Electric Lady Studios: A Jimi Hendrix Vision”

A morte mais lamentável da história do rock? A de Jimi Hendrix. Sem discussão. Hendrix não foi apenas um gênio da guitarra — ele redefiniu o próprio som do rock, trazendo uma visão futurista e tecnológica para um instrumento que virou símbolo do estilo. Deixou um legado vasto, criativo e barulhento: uma verdadeira biblioteca de riffs e invenções sonoras que continua sendo explorada desde 1970, ano de sua morte. Do rock clássico ao punk, do grunge ao indie dos anos 1980, passando pelo pós-punk e por tudo que veio depois, não houve quem ficasse imune à sua influência.
Como sempre aparece algo novo no baú de Hendrix, nada relacionado a ele parece definitivo. Por isso, é arriscado classificar Electric Lady Studios: A Jimi Hendrix Vision como o guia definitivo das gravações feitas pelo músico nas únicas dez semanas em que usou o Electric Lady, estúdio que ele começou a construir em 1968. O espaço enfrentou inúmeros percalços até ser concluído — e acabou sendo inaugurado pouco antes da morte de Jimi. O box, lançado em cinco LPs de vinil ou três CDs, reúne 39 faixas gravadas por Hendrix ao lado de sua última banda, a Band of Gypsys, com o baixista Billy Cox e o baterista Mitch Mitchell.
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Trinta e oito dessas gravações são inéditas, e trazem primeiras versões de músicas que sairiam em discos póstumos como The cry of love (1971) e First rays of the new rising sun (1997). No geral, são faixas que traziam uma pista de como Hendrix soaria nos anos 1970, caso tivéssemos sido poupados da morte dele. O criador do disco duplo Electric ladyland (1968) estaria provavelmente fazendo rock rajado de soul e jazz, e seguindo por um caminho que grupos como Lynyrd Skynyrd e até Neil Young & Crazy Horse pegariam: country rock estradeiro e igualmente influenciado por soul e gospel.
Muitas canções que estão em Electric Lady Studios trazem fragmentos que, anos depois, seriam chupados por outros artistas, de Robin Trower a Lenny Kravitz (o riff de Are you gonna go my way deve muito a Ezy ryder). Valleys of Neptune é hard rock com cara soul dada pelo piano Rhodes. A extensa The long medley (26 minutos!) parece contar com antecedência toda uma história posterior da guitarra, que passa por Herbert Vianna, Eddie Van Halen e Joey Santiago (Pixies) entre outros. Quem tiver interesse em ouvir uma música tão longa, ganha de Hendrix um “depois que eu partir, vai ficar assim!”.
Do repertório de Electric Lady Studios constam também os primeiros templates de músicas que mostravam o poder de Hendrix como criador de melodias, como Room full of mirrors, Drifting e a balada sonhadora Angel. Além do progressivo motorbiker (lembrando Blue Cheer) de Earth blues, e do blues voador de Night bird flying. Tire um dia inteiro para escutar, nem que seja só nas plataformas digitais.
Nota: 10
Gravadora: Sony
Lançamento: 4 de outubro de 2024
Crítica
Ouvimos: David Longstreth, Dirty Projectors e Stargaze, “Song of the Earth”

Beach Boys, Stereolab, Crosby Stills Nash & Young, Moody Blues, Mutantes e até os Beatles do álbum Abbey Road (1969) residem em Song of the Earth, projeto do músico David Longstreth com seu grupo Dirty Projectors e a orquestra de câmara berlinense Stargaze. É um disco de música clássica feito por quem tem os dois pés no universo do rock e da música pop, com sonoridade luminosa e, às vezes, psicodélica.
Trazendo uma lista de colaboradores que inclui Phil Elverum, Steve Lacy, Patrick Shiroishi, Anastasia Coope, Ayoni, Portraits of Tracy e até o brasileiro Tim Bernardes (que surge na “voz de rádio”, gravada como se fosse um registro antigo, da vinheta Appetite), Song of the Earth tenta pôr em música e letra os problemas que surgiram de incêndios florestais na Califórnia em 2020. São 24 faixas, que somam 64 minutos de audição, abertas pela felicidade de Summer light e Gimme bread. E prosseguidas pelo contraste entre luz e sombra de At home, que soa como luz entrando num ambiente escuro, Circled in purple, Opposable thumb (com “piano preparado” e tom de trilha de programa de rádio) e Our green garden – essa última faz lembrar discos orquestrais antigos.
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Muita coisa em Song of the Earth, já que falamos em trilhas, lembram aqueles desenhos animados antigos que usavam música clássica para sublinhar travessuras de personagens ou voos de pássaros. Unhabitable Earth, paragraph one mescla orquestra, reggae e pós-punk “espacial” para falar dos perigos do aquecimento global. E surge quando o conteúdo de Song of the Earth começa a ficar mais tenso – os metais rangendo de So blue the lake dão a impressão de que uma coisa perigosa pode acontecer, Armful of flowers e Twin aspens são belas peças musicais que soam como algo provocativo. Algo que opera entre os Electric Prunes de Mass in F minor (1968), Tom Jobim e Clube da Esquina surge em More mania e Spiderweb at water’s edge.
Com produção feita de 2020 em diante, Song of the Earth acabou, por coincidência, sendo finalizado quando a Califórnia vive problemas causados por outros incêndios. É um disco que também exige tempo do ouvinte, e exige uma atenção não apenas à música, mas também às questões levantadas por ele. Na parte final, Raven ascends encapsula a sensação de perigo do disco, Blue of dreaming leva a linguagem do álbum para um soft rock orquestrado, e Raised brow é uma vinheta vertiginosa em que cordas vão “levantando” aos poucos. Um disco de fôlego.
Nota: 10
Gravadora: Trangressive Records
Lançamento: 4 de abril de 2025
Crítica
Ouvimos: Black Country, New Road, “Forever howlong”

Esqueça completamente aquele Black Country, New Road dos primeiros tempos. O BCNR do novo disco Forever howlong tem mais a ver com bandas como Beatles, Moody Blues e Pretty Things, e até com o lado operístico do 10cc (de faixas como Une nuit à Paris) do que com qualquer sonoridade mais destrutiva. Boa parte do álbum poderia ter sido arranjada por George Martin.
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Um exemplo: o single Besties, um hino à amizade e à sororidade, lembra Beatles no arranjo, na melodia, no título (quando deparei com a faixa numa plataforma, li mal lido e entendi “Beatles” mesmo) e nas linhas vocais claramente decalcadas de My love, de Paul McCartney. Outros: Two horses parece ter se inspirado em Because, do Abbey Road, e faixas como Socks e The big spin parecem mexer no legado do começo dos Wings.
Isso é ruim? O disco é ruim? Claro que não – talvez tudo só soe mais confuso para quem era fã da fase inicial, com o vocalista Isaac Wood. O Black Country New Road faz questão de expor sua nova fase orquestral em fotos de divulgação que fazem com que a banda se pareça menos com um grupo de rock, e mais com um grupo de música antiga prestes a fazer um concerto numa igrejinha em Ouro Preto – com direito a meninas de um lado e meninos do outro.
Faixas como Salem sisters mexem simultaneamente com o lado “espacial” dos Beach Boys e com uma espécie de soft rock orquestral, enquanto faixas como Mary soam próximas de bandas como Jefferson Airplane. Há algo de evidentemente perturbador em faixas como Happy birthday, basicamente uma zoação em cima de moleques bem-nascidos que se sentem vítimas do mundo, e no som de cavalaria de For the cold country. O clima mágico da faixa-título lembra algo de Judee Sill e até de Suzanne Vega, e muita coisa do disco, em geral, tem aquele mesmo clima da fusão entre progressivo e jazz que marcou bandas como Soft Machine, Focus e até o Yes, em alguns momentos.
No fim das contas, Forever howlong deixa mais dúvidas do que certezas. As novas letras do Black Country New Road soam estranhas, meio sem filtro, com uma beatitude meio esquisita – aquela coisa típica de quem cruzou a linha fina entre a consciência e a chatice, um mal do qual o Arcade Fire e até o U2 sofreram em alguns momentos. As qualidades do disco valem a pena, mesmo talvez não sendo o que se esperava ouvir deles, e o que mais chama a atenção é a ousadia. Nesse quesito, ganham vários pontos.
Nota: 8
Gravadora: Ninja Tune
Lançamento: 4 de abril de 2025
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