Crítica
Ouvimos: Wilco, “Cousin”

- Cousin é o décimo-terceiro álbum do Wilco. Foi produzido pela cantora e compositora galesa Cate Le Bon. O álbum foi feito a partir de demos de 2019 e Cate pôs a banda para tocar todos os instrumentos em separado – nada de gravar ao vivo no estúdio ou algo do tipo.
- Cruel country, lançado em 2022, foi feito enquanto Cousin estava sendo conceituado e gravado. “Parte desse material era um disco que iniciamos antes da pandemia e que reduzimos um pouco durante a pandemia. Mas quando finalmente conseguimos gravar juntos na mesma sala, não foi o projeto imediato e satisfatório de trabalhar que todos desejávamos”, contou Jeff Tweedy, principal compositor do grupo à Mojo.
- Ao começar a trabalhar com a banda, Cate recebeu uma coleção solta de músicas. “Quando pedi a ela há cerca de um ano para fazer isso, simplesmente enviei a ela tudo o que considerei fazer parte deste projeto. E ela reduziu para cerca de 14 ou 15 músicas. Acho que terminamos quase todos e escolhemos essas 10”, diz Jeff (e Cate foi nossa indicação no episódio do Pop Fantasma Documento, nosso podcast, sobre Kate Bush).
Tem algo no disco novo do Wilco que soa como uma versão folk e não-progressiva de Atom heart mother, disco de 1970 do Pink Floyd que já era uma coisa meio indefinida. Era violeiro e campestre o suficiente para ser lembrado pelo piano-e-violão de Summer ’68 e Alan’s psychedelic breakfast, ou por cantigas como If e Fat old sun. Mas era bastante ousado – e, vá lá, “psicodélico”, coisa que o Wilco até tenta ser, enchendo este Cousin de guitarras meio fantasmagóricas e abrindo o álbum com Infinite surprise, cheia de ruídos e efeitos.
A cara nova do Wilco é formada por canções quase mágicas como o single Evicted, com um riff de guitarra que gruda na mente, e uma felicidade na melodia que contrasta com o tom extremamente desencantado da letra – um relacionamento que desaparece e quase leva uma das pessoas junto, em versos como “talvez eu seja um apito em um velho trem solitário/estou chorando o tempo todo”. Ou por Sunlight ends, que vem na sequência em clima parecido. Ten dead é tristonha de verdade, sem margem de dúvidas, e ainda põe na mesa as guerras, as mortes e a normalização disso tudo pelos noticiários e pelo dia a dia. Soldier child soa como uma canção dos Everly Brothers, ou de Roy Orbison, mas reduzida ao mínimo comum. Tem músicas que soam como pontes meio mal construídas no disco, como Pittsburgh e Levee.
Por sinal, em Cousin, o Wilco volta disposto a falar de assuntos incômodos, em meio a uma sonoridade que quase sempre serve de cenário para as letras – quase sempre mais minimalistas que as melodias, contando histórias em poucos versos, como no caso de A bowl and a pudding (o retrato de um relacionamento falido) e da faixa-título (um estranho conto sobre desentendimentos familiares). Os versos criados por Jeff Tweedy aliás, mostram uma pessoa acostumadíssima a situações problemáticas, tão acostumada que já vê tudo como parte do dia a dia. Os personagens das letras quase sempre adotam um tom de passividade e tranquilidade em meio a situações mal resolvidas. Tom esse que dá certo nervoso, como no clima de bloqueio mental de Soldier child e na espera pelo amor que (nunca) vem de Meant to be (a mais bela melodia do disco).
Cate Le Bon, como produtora, prima pelo detalhismo e pela busca do tal clima mágico para as canções – ouvindo Cousin de fone, você pode acabar achando que alguns sons de guitarras vêm da rua, ou são fruto de sua imaginação. O Wilco, com Cate no comando, volta a “tocar” estúdio. Mas ouvindo as letras com atenção, dá vontade de mandar direct pelo Instagram dando conselhos ao eu-lírico de Jeff.
Nota: 7,5
Gravadora: dBPM
Foto: Reprodução da capa do álbum.
Crítica
Ouvimos: Slick Rick – “Victory”

RESENHA: Slick Rick lança Victory, disco curto e afiado, com beats secos, histórias ácidas, críticas sociais e o charme narrativo que marcou sua estreia.
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Rapper, cantor e produtor, Slick Rick gravou pouco, não é um nome extremamente famoso do rap, mas tem um poder de influência enorme – The great adventures of Slick Rick (1988), primeiro álbum, unia beats, zoeira e narrativas que batiam no ouvido mais em tom de crônica do que de rap.
Era mais ou menos, e pessimamente mal comparando, quando Gabriel O Pensador surgiu com seu disco de estreia (1993). A narrativa do “meu nome é fulano e eu faço isso e aquilo” era acrescida de conselhos, histórias infantis levadas para o mundo adulto, parábolas e uma série de outros elementos que poderiam ser lidos além de apenas escutados ou dançados.
De lá para cá foram poucos discos e Victory é o quinto álbum de Rick – um disco visual (confira abaixo) de menos de meia hora, e em que o beat e as histórias chegam na frente. As melodias são riffs e sons combinados que dão uma estrutura quase elementar para as músicas, sem a festa de samples de discos de Kendrick Lamar (que herdou muito da veia de storyteller de Rick) e Snoop Dogg. O repertório evoca o boombap clássico do rap.
- Ouvimos: Snoop Dogg – Iz it a crime?
- Ouvimos: Stefanie – Bunmi
- Ouvimos: Will Smith – Based on a true story
- Ouvimos: Lil Wayne – Tha Carter VI
Slick, vale dizer, é um sujeito que em 1988 lançou Treat her like a prostitute, música que “aconselhava” os homens, de maneira não muito equilibrada ou sensata, sobre temas como sexo casual, casamento e namoro sério. Ou seja: não espere muito equilbrio em Victory, e o lance de Slick é universidade das ruas, mesmo quando fala de temas supostamente introspectivos (Stress, com vocal ágil sobre bateria e um riff de baixo) e conflitos de geração na música feita por artistas negros (a sinuosa Foreign).
Às vezes, incomoda que Slick mantenha um certo tom de tiozão do rap. Angelic, com batida soul e design melódico simples, traz mais conflitos com os novos tempos na letra – enquanto I did that, rappeada a cappella, com barulhos de mar no fundo, lembra às novas gerações quem é ele. A experiência quase sempre ajuda: Cuz I’m here, lembrando o clássico televisivo Soul train, conta histórias de atividade na noite. A vinheta Mother Teresa é uma oração hip hop com versos certeiros e lembranças da dureza (“fizemos tanto por tanto tempo com tão pouco / que agora estamos qualificados para fazer qualquer coisa / com nada”).
Slick Rick margeia também a psicodelia na dance track Come on let’s go, e o romantismo reggae do lovers rock em Landlord – cuja letra, nada romântica, é dedicada aos usurários de Nova York (e curiosamente, vê o universo dos aluguéis pelo ponto de vista de quem cobra por eles). A trilha básica de Documents, por sua vez, emoldura uma história de detetive, em que Slick é mandado para recuperar documentos importantes. No fim das contas, até o que parece bem estranho em Victory (e tem MUITAS coisas bem esquisitas ali) vale como história.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8
Gravadora: Mass Appeal Records / 7 Wallace
Lançamento: 13 de junho de 2025
Crítica
Ouvimos: Steve Queralt – “Swallow”

RESENHA: Estreia solo de Steve Queralt (Ride) mergulha no progressivo espacial, com guitarras pesadas, climas melancólicos e ecos de pós-punk e ambient saturado.
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A estreia solo de Steve Queralt, baixista do Ride, tem a ver com o som de sua banda, ainda que seja completamente diferente. Mesmo que o Ride seja considerado um dos bastiões do shoegaze, eles sempre buscaram trocar figurinhas com outros estilos do rock – tanto que os ruídos e as paredes de guitarra respondem por apenas uma parte do escopo do grupo.
Swallow é um disco de rock progressivo e espacial mergulhado na sujeira sonora, com sons melancólicos e imersivos que já se iniciam na primeira faixa, Mission creep – cujo roteiro inclui uma narração que vem pelo rádio, e um clima de voo sideral. A segunda faixa, Lonely town, com os vocais de Emma Anderson (ex-Lush) parte para o pós-punk do espaço, lembrando The Cure e New Order, mas com tom viajante e sons ecoando como uma massa sonhadora de guitarra e teclados, engolida por efeitos no final.
- Ouvimos: Ride – Interplay
- Ouvimos: Everyone Says Hi – Everyone Says Hi
- Ouvimos: Andy Bell – Pinball wanderer
O começo de Swiss Air, também com Emma nos vocais, chega a ameaçar algo próximo do nu-metal, por causa da guitarra da abertura – mas logo os teclados e guitarras caminham para algo progressivo e pesado, que enfim caminha para uma parede guitarrística próxima do estilo do Ride. Há também sons mais meditativos ainda no quase post-rock de High teens e A Porsche shaped hole (esta, soa como um redemoinho em alguns momentos), nos mares tempestuosos de Motor boats.
Essa onda meditativa surge combinada com guitarras distorcidas e pesadas em I don’t know how to sing, e em duas faixas que têm o estilo de produção de Brian Eno, só que voltadas para climas mais saturados, Messengers e 1988 – dois sons que flutuam até desmanchar.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8,5
Gravadora: Sonic Cathedral
Lançamento: 13 de junho de 2025.
Crítica
Ouvimos: Echo Upstairs – “Estranhos lugares para os olhos”

RESENHA: Álbum do Echo Upstairs traz noise, psicodelia e folk distorcido, com climas que vão do sombrio ao meditativo e emanações sonoras bem inusitadas.
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O Echo Upstairs é um supergrupo indie e experimental, que já lançou faixas feitas remotamente e terminadas num iPhone, e estreou com o EP Il mondo (2023, resenhado aqui). O álbum de estreia, Estranhos lugares para os olhos, traz formação mudada. Ana Zumpano (guitarra, vocais, poemas, sintetizadores, loops e viola caipira) e Bigu Medine (contrabaixo, vocais, organelle e guitarra) ganham a companhia de Beeau Gomez (guitarra e contrabaixo) e João Casaes (bateria, piano, organelle e mellotron), e o som torna-se um caminho que vai sendo percorrido e descoberto aos poucos.
Estranhos lugares abre com o paredão instrumental de Beautiful noise, avisando ao/à ouvinte que a matéria-prima da banda é o barulho. Vai para o caminho da canção ruidosa em Correspondência e alterna com os rangidos e sombras de Cavalgo marinho, cujo ritmo vai surgindo após algumas experimentações. Já Green quartz é mais tranquila, quase um folk ligado na tomada, e cheio de distorções – ou uma valsa shoegaze.
Várias surpresas começam a aparecer a partir daí, como a balada Ficou pra trás – que por trás dos efeitos, dos ecos e das vibrações, mostra um toque disfarçado de soul e de progressões setentistas. Músicas como Sono leve e a declamada Despedida lembram a paixão do Som Imaginário e dos músicos do Clube da Esquina por guitarras saturadas, enquanto Forbidden abre com uma guitarra fuzz que lembra o início de I wanna be your dog, dos Stooges – mas ganha logo tom meditativo e psicodélico.
Três lados diferentes do Echo Upstairs surgem unidos em músicas como Voo em falso, Facilitar e a faixa-título, que trazem ruídos, vibes sombrias e clima meditativo. Uma equação que em Estranhos lugares para os olhos nem sempre aparece equilibrada (o que provavelmente é uma intenção da banda), mas rende boas surpresas.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8,5
Gravadora: Midsummer Madness
Lançamento: 11 de junho de 2025.
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