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Crítica

Ouvimos: Sunflower Bean, “Mortal primetime”

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Ouvimos: Sunflower Bean, “Mortal primetime”

Existem bandas que são mais lembradas pelos cavalos de pau que deram ao longo de suas carreiras. Os Mutantes foram do tropicalismo ao rock pauleira (e depois ao progressivo) em seis discos. O Ultravox foi do punk e do glam rock ao tecnopop em poucos anos. O Depeche Mode começou alegrinho e virou um grupo eletrônico e sombrio. O Sunflower Bean, em sua curta discografia, passou por glam rock, soft rock, indie pop, indie rock britânico oitentista e metal.

Nem sempre as mudanças davam tão certo. O EP Shake, lançado no ano passado, por exemplo, dava uma baita saudade dos tempos do hit I was a fool – aquele, que lembrava Fleetwood Mac. No caso do novo disco, o bom Mortal primetime, parece que o Sunflower Bean descobriu uma maneira de juntar todas as facetas de sua discografia. E achou uma maneira de fazer um álbum funcionar como um relato pessoal de tudo que a banda viveu até agora.

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O lado safadinho de Julia Cummings (baixo e voz), Olive Faber (bateria) e Nick Kivien (guitarra) manda bala na abertura, com o glam rock Champagne taste, cheio de sacanagem e sensualidade na letra, e evocando Iggy Pop, Hole e Fleetwood Mac na melodia. Nothing romantic bate fundo no lado trevas da banda (exposto também na capa), parecendo uma mistura dos já citados Hole e Fleetwood Mac com nada menos que o Heart. There’s a part I can’t get back tem clima baladeiro de anos 1970 e peso de anos 1990.

Encerrando o disco, a surpresa é a presença de um shoegaze, Sunshine, com parede de guitarras e vocal enevoado dos melhores. E várias canções mostram que rock pauleira no estilo do Slade, do Sweet e do Mötley Crüe estão na playlist do grupo. Só que entre uma faixa e outra, Mortal é um disco basicamente setentista e, na maior parte do tempo, californiano. E essa talvez seja de verdade a cara que vai marcar a banda daqui pra frente, como condiz a um grupo que, mesmo pesando nas guitarras, sempre esteve mais para o bastante citado Fleetwood Mac do que para Ramones ou grunge.

Essa equação surge acrescida de outros detalhes, como as evocações a Bee Gees e Supertramp em Waiting for the rain, e as lembranças de Carole King, Joni Mitchell e James Taylor em Shooting star e Take out your insides. Além de canções delicadas e tristonhas que dão a entender que algum amigo brasileiro deu as trilhas internacionais das novelas Coração alado e Os gigantes pro trio, como rola em Please rewind e I knew love. No geral, qualquer disco do Sunflower Bean parece ser de transição para alguma outra fase – mas Mortal primetime, de todos os álbuns do trio até o momento, é o mais fixado no chão.

Nota: 8,5
Gravadora: Lucky Number Music Limited
Lançamento: 25 de abril de 2025.

Crítica

Ouvimos: La Dispute – “No one was driving the car”

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La Dispute volta com No one was driving the car: pós-hardcore intenso sobre solidão, IA, envelhecimento e raiva em tempos sombrios.

RESENHA: La Dispute volta com No one was driving the car: pós-hardcore intenso sobre solidão, IA, envelhecimento e raiva em tempos sombrios.

Texto: Ricardo Schott

Nota: 8,5
Gravadora: Epitaph
Lançamento: 5 de setembro de 2025

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Dizem por aí que, em 2025, todo mundo imaginava que teria carros voadores, mas tem que se contentar com guerras, crise mundial, covid, racismo, neo-fascismo e outras pragas. A banda norte-americana de pós-hardcore La Dispute vai pelo outro lado da decepção com “o futuro” em seu quinto disco, No one was driving the car, inspirado numa reportagem sobre um acidente violento envolvendo um Tesla com piloto automático, que tinha dois passageiros e não parecia estar sendo dirigido por ninguém.

Antes de mais nada, importante falar que o La Dispute, uma banda do elenco da gravadora Epitaph, foi um dos grupos que correram para que o Turnstile pudesse andar com seu novo álbum, Never enough. Discos anteriores como Rooms of the rouse (2014) e Panorama (2019) mostravam a banda fazendo art-rock com argamassa oscilando entre o emo e o pós-hardcore – quase sempre com letras faladas e gritadas, trazendo o vocalista Jordan Dreyer narrando as faixas em meio a uma sonoridade rompe-ferros.

Uma olhada bem rápida nas resenhas que andam sendo publicadas sobre No one was driving the car mostra que o álbum está sendo visto por aí como se o La Dispute tivesse tentado fazer um filme em formato de álbum. Faz sentido: nas letras, o grupo investe em imagens de dissociação, vulnerabilidade, sofrimento, brigas familiares, relacionamentos marcados pela falsidade, envelhecimento inevitável e a sensação de que os valores nos quais você apostava deram errado. E – detalhe – quase sempre como se a música seguinte explicasse a anterior. Ou como se o disco inteiro, ao final, formasse uma obra tão tortuosa quanto a capa do álbum. E sempre com descrições detalhadas de cenas.

Não custa lembrar que, num papo com a newsletter Last Donut Of The Night, Jordan explicou os temas do disco metendo a mão em cumbucas pesadas de envelhecimento, sensação de falência do negócio da música (e vale lembrar que No one é o primeiro álbum da banda depois da pandemia), inteligência artificial e sobre como as redes sociais estão empurrando todo mundo para a solidão (“a única maneira real de resistir ao isolamento total ou à indiferença é sair de casa e conversar um pouco mais com os vizinhos”, afirma ele).

Boa parte do material do novo álbum é esse isolamento explicitado em letras, música e raiva. Raiva por sinal herdada do lado mais inquieto do pós-punk e até do meta alternativo dos anos 1980, em músicas como I shaved my head, Man with hands and ankles bound, a funkeada Autofiction detail e a apocalíptica Environmental catastrophe film – essa, com oito minutos de peso, e de comentários sobre aqueles momentos em que a vida é desperdiçada e só se segue o rio. Self-portrait backwards une o tom grave de Lou Reed ao peso e à intensidade do grunge. The field, por sua vez, tem tudo para agradar a fãs de bandas como Therapy?.

O lado mais eminentemente pós-hardcore do La Dispute está o fino nas distorções e quebras rítmicas de faixas como Sibling fistfight at mom’s fiftieth / The un-sound, I dreamt of a room with all my friends I could not get in e nos sustos de Top-sellers banquet, uma faixa sobre um estranho banquete de escolhidos pelo sistema, que acaba num estranho clima religioso e esquerdista. Tem também o screamo de Steve, história pesada de acidente e morte. Já Saturaton driver, com clima tenso e misterioso no início, vai se tornando algo quase lynchiano e posteriormente, ruidoso – algo próximo do Sonic Youth, mas numa concepção celestial e noturna. Um álbum repleto de desconfortos.

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Crítica

Ouvimos: Paradise Lost – “Ascension”

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Paradise Lost volta em boa forma metal-gótica em Ascension: peso intenso, climas sombrios e belas camadas que renovam seu doom metal.

RESENHA: Paradise Lost volta em boa forma metal-gótica em Ascension: peso intenso, climas sombrios e belas camadas que renovam seu doom metal.

Texto: Ricardo Schott

Nota: 8,5
Gravadora: Nuclear Blast
Lançamento: 19 de setembro de 2025.

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O Paradise Lost, no começo da carreira, soava como uma versão gothic metal/doom metal da primeira fase do Metallica – com isso, satisfazia fãs da época do baixista Cliff Burton e ainda entregava algo mais apocalíptico. Foi surfando uma onda parecida com essa que o grupo britânico veio ao Rio em 1995 abrir para Faith No More e Ozzy Osbourne (eu tava lá). Por sinal, 1995 foi o ano do ótimo Draconian times, quinto disco do grupo. Um álbum que mostrava o Paradise Lost orgulhoso de misturar épocas e estilos diferentes do rock – tanto que as reedições trouxeram versões que a banda fizera para How soon is now, dos Smiths, e Walk away, das Sisters Of Mercy.

A face gótica foi ficando cada vez mais evidente em discos posteriores, e volta agora, digamos, com conhecimento de causa. Ascension, 17º álbum da banda, é o primeiro disco lançado depois da pandemia. Ou seja: as histórias de pragas, lamentações, tormentos e tragédias contadas pelo Paradise Lost – sempre aludindo a um deus mais próximo do Velho Testamento do que da imagem justa e misericordiosa – ganham um baita cenário para a banda deitar e rolar.

  • Ouvimos: Ho99o9 – Tomorrow we escape

Faixas como Serpent of the cross, Tyrants serenade, Lay a wreath upon the world, Silence like the grave (com letra falando sobre crueldades e omissões das religiões), Diluvium e Salvation mexem com a velha e eficiente fórmula do grupo. Enfim: começo solene – com sons de sintetizadores, orquestras, pássaros, riff de violão, ruídos fantasmagóricos – seguido de climas meio sabbathianos/meio góticos, vocais entre o gutural e o grave, e um peso que se impõe mais pela intensidade do que pelas sucessivas porradas.

O clima funéreo de Ascension é intensificado pela escolha de um universo gélido para várias músicas – como Tyrants serenade, a contemplativa Savage days, as noturnas Salvation e Sirens – ainda que haja bastante explosão nos vocais do criativo Nick Holmes, nos ataques de bumbo duplo e nos solos de guitarra. Em Serpent of the cross, a guitarra solo de Gregor Mackintossh chega a lembrar o estilo luminoso de Brian May (Queen). Um disco que dura mais de uma hora (são 61 minutos de peso) e passa voando, impressionando pela beleza.

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Ouvimos: New Brutalism – “Requiescat record” (EP)

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New Brutalism lança Requiescat record, EP produzido por Steve Albini em 2021, unindo noise-rock, pós-punk e peso metálico.

RESENHA: New Brutalism lança Requiescat record, EP produzido por Steve Albini em 2021, unindo noise-rock, pós-punk e peso metálico.

Texto: Ricardo Schott

Nota: 8,5
Gravadora: Computer Students / Modulor
Lançamento: 12 de setembro de 2025

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Formado em 1998, o New Brutalism veio de Knoxville, Tennessee, e destaca-se por usar instrumentos de alumínio (!), que eles mesmos construíram. Não são peças malucas do tipo guitarra-baixo ou algo assim – são instrumentos comuns (guitarra, baixo e bateria) que, por serem feitos de um material pouco usual, têm ressonâncias bem diferentes dos tradicionais, geralmente feitos de madeira.

O som de Shane Elliott (vocal), Matt Hall (guitarra, vocal), David Basford (baixo, vocal) e Carey Balch (bateria) não é puramente ruído ou barulho: trata-se de algo entre o noise-rock e o pós-punk, às vezes lembrando bandas como Public Image Ltd e Wire, e em outros momentos seguindo o rastro das bandas criadas pelo recém falecido produtor Steve Albini.

Por acaso, Requiescat record, EP novo do grupo, é uma homenagem a Steve, que trabalhou bastante com o New Brutalism – a palavra do latim “requiescat” significa “descanse em paz”, inclusive. Também é um disco que não existiria sem o produtor, já que as três faixas foram justamente produzidas por Albini em 2021, e ficaram guardadas até agora. Bob Weston, antigo colaborador de Steve, masterizou as faixas.

O grupo mantém um hábito de sempre: as faixas são numeradas em vez de apenas ganharem nomes. A 088 une as duas facetas do grupo – a mais barulhenta e a mais clássica. 088 lembra bastante o já citado Wire e tem algo de heavy metal no meio da mistura sonora. 089 tem vocal falado e peso próximo do punk, mas um punk gélido e robótico.

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