Lançamentos
U2: retorno contraditório ao pós-punk em single novo, “Atomic city”

O U2 de 2023 é maior do que nunca, e se você deu uma olhada nos vídeos do show da banda na inauguração do Sphere, em Las Vegas, sabe do que falamos. É também uma banda cuja música nova – o single Atomic city, lançado no dia 29 de setembro – no fundo, parece ter sido escrita para uma propaganda da Nike (“se seus sonhos não te assustam/não são grandes o suficiente”, diz um verso).
É, como sempre, é também um grupo contraditório. Com direito a Bono – conforme observado pelo jornalista André Barcinski em post no Twitter – defendendo mil causas enquanto louva monopolistas da música em discursos. Parece, no entanto, o nome da música mais capaz de lidar com toda essa contradição e com tudo o que surge dela, de bom e de ruim.
Não por acaso, Atomic city, musicalmente, parece-se um pouco com o U2 de discos como a estreia Boy (1980) e o clássico Joshua tree (1987), e menos com a grandiloquência de Achtung baby (1991). Ainda que tenha sido lançada justamente pouco antes do show U2:UV Achtung Baby Live, no MSG Sphere em Las Vegas, e ainda que exista, pelo sim pelo não, um trecho da introdução de Zoo Station, abertura de Achtung, no começo do clipe.
A faixa joga as fichas no preto e no vermelho: é simultaneamente um (bom) retorno ao pós-punk, e uma ode a Las Vegas. O mundo de apostas, fichas e roletas é quase enxergado na letra como uma metáfora da vida, com Bono falando praticamente de si próprio em versos de gosto duvidoso como “deus não joga dados/mas gosta de roletas/a roda ainda não parou de girar”, além da boa e velha pilha errada de que os Estados Unidos são a terra da liberdade (“vejo o que está na minha frente/e sua liberdade é contagiosa”, nem tanto, mestre, nem tanto).
Detalhes: o clipe foi dirigido por Ben Kutchins na Fremont Street, segunda rua mais conhecida de Las Vegas, e o lugar onde a banda filmou o clássico vídeo I still haven’t found what I’m looking for. Mais: da mesma forma que Anybody seen my baby?, dos Rolling Stones, acabou virando uma “parceria” com k.d. lang e Ben Mink por causa da semelhança com o hit de k.d. Constant craving, Bono, The Edge, Larry Mullen e Adam Clayton deram crédito a Debbie Harry e Giorgio Moroder porque o refrão de Atomic city se parece demais com o de Call me, do Blondie. No mais, sem mais.
Crítica
Ouvimos: Clara Bicho, “Cores da TV” (EP)

“Artista visual, musicista e jornalista pela UFMG”, como se define em seu instagram, Clara Bicho oferece mais do que apenas música em seu aguardado primeiro EP, Cores da TV – o disco é um universo esperando para ser desvendado. As melodias tem ar indie pop, as letras têm clima de diário, os cenários mostram Clara interagindo com todos os lugares dos quais ela fala nas letras.
A paleta indie pop do disco traz influências de disco music na faixa-título Cores da TV (parceria com Sophia Chablau), que traz sonoridade remetendo a grupos como Girl Ray, enquanto Meu quarto é mais experimental, soando como um passeio introspectivo pelos guardados de Clara Bicho e pelas recordações de uma vida (“faz um tempo ue eu tento me organizar / mas disso tudo aqui eu não quero me livrar”).
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Quase sempre, o som de Cores da TV parece “derreter”, como numa psicodelia pop, herdada tanto de Mutantes quanto de Flaming Lips. Rola isso na bossa indie Música do peixe, que depois se transforma numsamba-rock, e também no pop adulto oitentista (city pop, digamos) de A rua. Luzes da cidade, quase na mesma vibe, é um pop de quarto que remete ao boogie dos anos 1980, cujo vocal tem sujeira de gravação feita em casa.
No final, o som luminoso e repleto de recordações de Árvores do fundo do quintal, gravada ao lado da banda catarinense Exclusive Os Cabides (“as árvores do fundo do quintal / mandam lembranças / de quando a gente era criança”). Uma música, e um EP, em que passado e afeto são tão importantes quanto o futuro, e formam uma visão nova de música pop.
Nota: 9
Gravadora: Bolo de Rolo
Lançamento: 5 de maio de 2025.
Crítica
Ouvimos: Maré Tardia, “Sem diversão pra mim”

Lançada em 2022, a estreia epônima do Maré Tardia era um disco bastante juvenil, mais ligado a uma combinação de indie rock e surf music. Mas já indicava o caminho que a banda seguiria com Sem diversão pra mim, seu segundo álbum. O Maré Tardia atual soa mais explosivo, apresenta composições bem mais afiadas e parece ancorado em diversas fusões estilísticas que se alternam: punk dos anos 1970, indie dos anos 2000, pós-punk (tanto o original quanto o revisitado a partir da virada do milênio) e, em especial, sonoridades que remetem a bandas como Libertines e Television Personalities.
Essa mistura aparece em faixas como Leviatã, Já sei bem, Junkie food (com um clima surfístico-misterioso que lembra o início do Dead Kennedys) e na faixa-título – cujos vocais evocam a fase punk do Ultravox e, não por acaso (note o nome do disco), também têm algo de Titãs. Tarde demais traz vários riffs, vocais gritados, uma pegada grunge e, surpreendentemente, encerra com um clima de maracatu punk, com percussões marcantes e guitarras inspiradas. Uma inesperada brasilidade também marca Nunca mais, última do álbum, com batida discreta de bossa nova e um improviso samba-rock no final.
Ian Curtis, que homenageia o saudoso vocalista do Joy Division, tem guitarras que lembram o U2 do início e grupos pouco lembrados do pós-punk, como Comsat Angels. Já a despojada Nadavai, lançada como single, é punk indie com batidas à la Dave Grohl e um vocal descolado que remete ao rock dos anos 2000 (Arctic Monkeys, Strokes). Sem diversão pra mim, o disco, carrega por acaso muito do romantismo que permeou o rock brasileiro de vinte anos atrás – aquela estética de falar de si e dos sentimentos como quem comenta o mundo, firmando posição diante de tudo. Ouça correndo.
Nota: 8,5
Gravadora: Deck
Lançamento: 30 de abril de 2025.
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Crítica
Ouvimos: Y3ll, “Entre samples roubados & cerveja barata”

Direto do extremo leste de São Paulo – entre Guaianases e Cidade Tiradentes -, Daniel Oliveira, o popular Y3ll, soltou nas plataformas Entre samples roubados & cerveja barata, álbum de título certeiro e alma 100% urbana. Aqui, o rap vira quase city pop, mesmo nos momentos em que a estética japonesa não está diretamente presente. É trilha sonora de rolê pela cidade — real ou imaginária —, desses que começam na quebrada e terminam em algum lugar no controle remoto ou nas profundezas das plataformas de streaming.
A faixa Livre já dá o tom: sample do tema do programa do Datena no SBT misturado com Estou livre, de Tony Bizarro. Não se vão carrega peso e ironia: um rap encorpado por grooves de disco music e sonoridades de flashback, com Y3ll fazendo a pergunta que vale um milhão: “por que idiota falando bosta atrai multidão?”. Em Coral — que traz o título do disco num dos versos —, o clima muda: sambinha-rap suave, tranquiilo. Pela Leste, por outro lado, volta pro grave e dançante: batidão pesado, com sample até do programa do João Kléber.
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Os temas variam entre prazeres simples e duras realidades: sábado à noite, boletos, tretas, polícia, morte. Estão todos ali na sombria Dono do pedaço, com um riff de teclado de influência árabe, e no rap falado, lento e quase confessional de Não sei. Interlúdios dão o respiro: Comerciais simula um dial girando entre anúncios, Interlúdio traz papos paralelos, e Viva a vida é um velório vem com ninguém menos que Zeca Pagodinho filosofando sobre os enterros felizes no bairro carioca de Irajá.
No fim das contas, Entre samples roubados & cerveja barata é um disco-vinheta. Um mosaico sonoro da quebrada, da vida, da cidade — daqueles que não contam só uma história, mas várias ao mesmo tempo.
Nota: 8,5
Gravadora: Independente/Tratore
Lançamento: 9 de maio de 2025.
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