Crítica
Ouvimos: Sleater-Kinney, “Little rope”

- Little rope é o décimo-quarto álbum do Sleater-Kinney, uma banda de Olympia, Washington, identificada com o movimento riot grrl, e formada hoje pela dupla Carrie Brownstein e Corey Tucker (ambas vocais, guitarra e composições). O disco foi produzido por John Congleton.
- A inspiração de Little rope veio de um acontecimento bastante triste na vida de Carrie, que perdeu mãe e padrasto num acidente de automóvel ano passado, quando os dois passavam férias na Itália. Os esboços do disco já estavam traçados, e a dupla continuou trabalhando neles. O álbum acabou tratando de “como navegamos no luto”.
- O álbum marca a estreia da banda no selo Loma Vista, criado pelo executivo Tom Whalley (ex-Warner e Interscope), e que já teve Marilyn Manson no elenco – o músico foi chutado da gravadora após surgirem alegações de abuso sexual.
O Sleater-Kinney foi feito, criado e pensado para soar fora dos padrões. Se o rock sempre foi um universo machista e falocêntrico, lá vinha uma banda de mulheres atualizando estilos como a no wave e o pós-punk, colocando música num universo onde o importante era recriar coisas. Recriar a dinâmica nos relacionamentos (Be yr mama, do primeiro disco, Sleater-Kinney, de 1995, era sobre isso), a carga mental diária (tem muito disso em The drama you’ve been craving, do clássico Dig me out, de 1997) e em especial o lugar da mulher na história do rock. Uma banda bastante mobilizada e politizada, difícil de comparar até mesmo com outros grupos femininos da época, como Hole e Babes In Toyland, fazendo cair em desgraça qualquer jornalista que tentasse unir “bandas de mulheres” em reportagens e listas.
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Little rope é complicado igualmente de comparar com os discos anteriores do grupo. Carrie Brownstein e Corey Tucker voltam mexendo em climas bem mais sombrios – a capa é quase tão pop-de-terror quanto a de The visitors, último disco do ABBA (1981), o tom das músicas é bem mais sinistro, a história por trás do disco justifica tudo. Mas vendo pelo aspecto “rádio rock” da coisa, é um disco bem mais acessível a futuros/futuras fãs do que o anterior, Path of wellness (2021), musicalmente e tematicamente. Soa quase como um recomeço, um disco para reapresentar uma banda experiente ao mercado.
O tema principal do disco é a finitude, a superação diante de tragédias pessoais e partidas bruscas – surge em todas as letras e em alguns climas melódicos. Say it like you mean it é uma tentativa de diálogo com alguém que está morrendo, Hunt you down fala sobre libertação de medos (“aquilo que você mais teme irá caçar você”, diz o refrão), Six mistakes fala sobre feminilidade e envelhecimento, Hell traz uma visão particular sobre o que é morrer e partir pra um lugar bem estranho. Não por acaso, o disco valoriza uma espécie de peso sombrio, que serve como chave de entendimento de quase todo o repertório – é algo que sempre rolou de uma forma ou de outra na música feita por elas, mas que aqui ganha outro sentido, e mais foco, em riffs, melodias e design sonoro.
Nota: 9
Gravadora: Loma Vista.
Foto: Reprodução da capa do álbum.
Crítica
Ouvimos: Katy da Voz e As Abusadas – “A visita”

RESENHA: Álbum novo de Katy da Voz e As Abusadas, A visita mistura funk, punk, metal e synthpop em faixas violentas, sexuais e empoderadas, homenageando Claudia Wonder com energia feroz.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 10
Gravadora: Independente
Lançamento: 22 de outubro de 2025
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Travesti ativista do underground paulistano oitentista, Claudia Wonder era chegada em doideiras como cantar banhada de sangue, ou numa banheira de groselha – numa ocasião, a groselha foi parar no olho de João Gordo, segundo o próprio contou em entrevistas. Também esteve à frente de bandas de rock como o Jardim Das Delícias, grupo com sonoridade pós-punk (a música-título Jardim das delícias, que está no YouTube, lembra o Teardrop Explodes) que contava com integrantes do grupo paulistano Kafka na formação.
- Ouvimos: Mia Badgyal – Mucho sexy
Daí que Claudia é bastante lembrada como inspiração em A visita, novo álbum do trio Katy da Voz e as Abusadas – basicamente uma união azeitada de funk, house music, punk e metal, indo além de nomenclauras como electroclash e outras coisas. O disco começa com Santo, synthpop com bateria de escola de samba, spoken word, participação de Lynn da Quebrada, guitarra pós-punk e uma anti-oração na letra (“me traga saúde, saudade, dinheiro / você está me escutando, santo?”). Navalha une metal, funk e batidão dance, numa porrada existencial e musical. Na força do ódio mantém um clima unindo batida forte, sexo e zoeira.
Existencialmente, A visita não é putaria pura e simples – como rola no disco de Mia Badgyal, Mucho sexy, é afirmação, empoderamento, sexo e uma estranha vontade de devolver os maus-tratos do mundo numa moeda bem mais violenta e sexualizada. Daí tem a dance music derretida e pesada de Sufocunty e o metal dance de Salto (com MC Taya, que ajuda a música a quase se transformar em algo parecido com um Ministry Miami-bass).
Tem também a zoação de rolar de rir de QRcude – esta, um funk violento que lembra Cabaret Voltaire e Alien Sex Fiend, e que pede que você escaneie “seu cu na porra do Qrcude / cria um código / põe um foto / para ver sua nude (…) / e já podemos foder ele / a partir de hoje”. No final, Disco inferno, um synthpop vingativo e cheio de altas energias, que preconiza: “eu vou pro inferno / e quando eu achar essa vagabunda no inferno / eu vou matar ela de novo”.
Pode ser que não aconteça com Katy da Voz, Palladino Proibida e Degoncé Rabetão o que elas pedem no funk pesado Famosa (“famosa eu quero ser / acordar às 8h / e aparecer no Mais você”, gritado entre samples do “top de 5 segundos” da Rede Globo). Quem perde é a televisão matinal brasileira, por não programar essa afronta musical e underground.
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Crítica
Ouvimos: Soulfly – “Chama”

RESENHA: Soulfly acerta com Chama, 32 minutos de peso, ambiência e rituais sonoros: thrash, hardcore, doom e groove se misturam num disco curto, intenso e surpreendente.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 9
Gravadora: Nuclear Blast
Lançamento: 24 de outubro de 2025
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Enquanto o Sepultura vira discussão de bar (“vai acabar ou não?”, “vai ter reunião com os irmãos Cavalera ou não?”, “poxa, mais uma troca de baterista?”) tem quem não perceba no que o Soulfly, banda criada por Max Cavalera ao sair do grupo, se transformou com o passar dos anos. Boa parte das antigas experimentações do Sepultura foram parar na conta de Max – que, com o grupo “novo”, experimentou grooves, fez thrasheira como no comecinho de sua ex-banda, muita coisa.
Já Chama, décimo-terceiro álbum do Soulfly, é um álbum tão imersivo e tão pesado que fica difícil colocá-lo em alguma categoria comum do heavy metal. Com o filho Zyon Cavalera na produção, o grupo passa a contar com uma mescla de peso e ambiência em que vozes se misturam à música (a rápida Indigenous inquisition, que abre o disco) e instrumentos como guitarra e bateria se transforma em verdadeiros tanques de guerra (Storm the gates, uma porrada funkeada e quase industrial, em que Max destaca-se pelo vocal desesperado e cheio de invocações).
- Ouvimos: Trivium – Struck dead (EP)
Essa tensão de climas permite que Ghenna, iniciando como hardcore, se torne um verdadeiro ritual sonoro e guitarrístico. E cria uma linha do tempo entre o Metallica da primeira fase e o doom metal em Nihilist, além de ir do quase pós-hardcore ao thrash metal nas apocalípticas Black hole scum e Favela / Dystopia. Já No pain = no power, com percussão de samba e guitarras que soam como buzinas ou lâminas, apela para a resistência de cada um ao seu próprio dominador: “Busque o destruidor interior, veja o mundo queimar / para morrer com minha espada / sem dor, não há poder”.
Talvez para dar uma cara diferente ao trabalho de Max – cuja carreira costuma ser marcada por discos de longa duração – Chama é curto e direto: dez faixas, 32 minutos, recado dado. Como já rolou em vários discos do Soulfly e do Sepultura (neste caso, com e sem Max), há surpresas no final. A devoção a Oxóssi e a recordação do extermínio indígena são os temas da quase psicodélica Always was, always will be, que abre com efeitos de gutarra, drones e percussões, e emenda numa citação de Refuse + resist, do Sepultura, num clima sonoro que se eleva ao céu. Soulfly XIII é um instrumental belo e ritualístico. Na faixa-título, que encerra o disco, o peso retorna em forma de rap-groove-metal, mas a música se torna quase um dub-metal das matas. Ficou bonito.
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Crítica
Ouvimos: Sha Ru – “Vibra vibra”

RESENHA: Duo Sha Ru mistura dubstep, drum’n bass e ruído em Vibra vibra, EP cheio de voz tratada, batidas sujas e clima experimental hipnótico.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 7,5
Gravadora: Independente
Lançamento: 23 de outubro de 2025
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O Sha Ru é um duo nômade, que funciona entre Nova York e Berlim, e que se localiza entre estilos como dubstep e drum’n bass, mas sempre acrescentando experimentalismos diversos. Tanto que o EP Vibra vibra é basicamente uma viagem de ruídos, que começa parecendo algo feito para assombrar (em HZ bath), ganhando depois uma batida meio industrial, meio eletrônica. Vibrasun, na sequência, é mais ritmo do que melodia: o beat se aproxima de algo quase reggae, associado ao vocal com efeitos.
- Ouvimos: Stealing Sheep – GLO (Girl Life Online)
Uma experimentação que é marca de Vibra vibra (cujo lançamento abre uma nova série da dupla) é o uso da palavra falada como algo que pode ser transformado e recriado como melodia ou ritmo. Above, below, around é cheia de ruídos que se assemelham a gritos ou cantos, em loop – é um drum’n bass que depois ganha uma aparência de raggamuffin sujo. To know repete o título por toda a faixa, abrindo como um Miami bass apodrecido e herdado diretamente do Kraftwerk do disco Computer world (1981), transformando-se numa dance music psicodélica e hipnótica. Press thirteen (VIP) tem som vindo lá de longe, e vai ganhando mais densidade e mais peso.
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