Crítica
Ouvimos: Montañera, “A flor de piel”
![Ouvimos: Montañera, "A flor de piel"](https://popfantasma.com.br/wp-content/uploads/2024/01/ouvimos-montanera-a-flor-de-piel.jpg)
- Montañera é o nome artístico de Maria Monica Gutierrez, cantora e compositora colombiana que se radicou em Londres. A flor de piel é seu terceiro álbum, e o objetivo do disco é explorar a “experiência do imigrante”, através de um retorno às origens musicais e pessoais.
- A faixa-título do disco, diz ela, “é sobre deixar meu coração um pouco mais leve”. Nomes como o minimalista Steve Reich são citados no release do álbum. De modo geral, as letras do disco, conta ela, “são um lembrete pessoal do que é importante para mim: curar, deixar ir, respirar, evaporar, esquecer, mudar, cristalizar”.
- Mesmo com a experimentação musical, Montañera afirma que o lado verso-refrão é importante na hora de compor. Ela conta ter começado fazendo covers, e diz que amava rock argentino e Charly Garcia. “Também ouvia muito rock e metal. Foi nesse momento que percebi que a música para mim era uma experiência muito visceral”, contou aqui.
Em países de língua latina (Brasil entre eles), a expressão “flor da pele” indica intensidade, emoções afloradas e uma carga bem grande de sentidos mais aflorados ainda. É a tal coisa “que não tem remédio, nem nunca terá” da qual Chico Buarque falava em O que será (com subtítulo À flor da pele numa das três versões da letra), e que, no caso do autor de Cálice, surgiu inspirada por imagens de Cuba. No caso de Montañera, que escolheu justamente A flor de piel como título de seu terceiro álbum, o nome indica toda a carga de emoções, ao lado de um clima de viagem interna, de retorno às origens.
O nome artístico de Maria Monica Gutierrez (“montanhista”) já indica mais coisas: observação por cima, liberdade, algo quase celestial – e esforço para chegar mais perto das estrelas. É por aí que A flor de piel deve ser entendido: são canções eletrônicas e ao mesmo tempo folk, texturas musicais celestiais feitas com o uso de programações e sintetizadores, feitas para acompanhar imagens e acalentar o abraço no caos e no isolamento. Poderia ser recomendado a quem curte post-rock e as coisas menos pop do Kraftwerk, mas isso só serviria para enquadrar demais um som totalmente livre, e pronto para ser descoberto.
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A sonoridade de músicas como Vestigios, a faixa-título e Bajar é quase formada por montanhas de neve. Un día voy a ser mariposa é quase uma experiência psicodélica, trazendo vocoder e synths que voam de um canal para o outro. Como una rama traz as texturas musicais e vocais do bullerengue, desenvolvido por comunidades de origem afro-latina na costa caribenha da Colômbia. Santa Mar, entre marimbas, percussões e flautas, é a faceta quase orgânica do álbum, trazendo a musicalidade tradicional colombiana do Las Cantadoras de Yerba Buena. No final, um belo tema para embalar sonhos em Cruzar.
Nota: 8,5
Gravadora: Western Vinyl
Foto: Reprodução da capa do álbum.
Crítica
Ouvimos: Bad Bunny, “Debí tirar más fotos”
![](https://popfantasma.com.br/wp-content/uploads/2025/01/ouvimos-bad-bunny-debi-tirar-mas-fotos.jpg)
Benito Antonio Martinez Ocasio, o popular Bad Bunny, não veio ao universo da música a passeio. Debí tirar más fotos, seu novo disco, é um passeio pela musicalidade e pela identidade portorriquenhas – e esfrega na cara do mercado fonográfico que ele não tem nenhuma vontade de soar mais “americano” (estadunidense, enfim) para bombar nas paradas.
Já era uma prerrogativa de Bad Bunny desde os primeiros tempos, até porque ele é um dos nomes mais conhecidos do rap de idioma hispânico, mas Debí, mergulhado no reggaeton e em sons caribenhos, é um disco de memórias e sensações. Nuevayol, uma referência à pronúncia hispânica de “Nova York”, traz BB requerendo sua posição de rei do pop, e homenageando a comunidade latina que vive na megalópole. Baile inolvidable, que parece uma trilha sonora, cita as diversões calientes de Porto Rico e traz alunos da Escuela Libre de Música Ernesto Ramos Antonini, de San Juan, tocando salsa. Weltita tem cara de samba-rap e narra uma proposta de date praiano, com as falas do homem (Bunny) e da mulher (Lóren, da banda portorriquenha Chuwi) na história.
Com duração de mais de uma hora, Debí soa irregular em alguns momentos, mas compensa no storytelling (cabendo momentos em que o discurso de Bad Bunny é interrompido para uma mudança rítmica ou a entrada de uma gravação) e na variedade. E em especial no lado mobilizado, definido pelo próprio Bad Bunny como sendo “uma carta a Porto Rico”. A bebaça e doidaralhaça Cafe com ron é pura variação rítmica, cabendo pelo menos três estilos caribenhos, e no fim, um house cubano.
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La mudanza é orgulho portorriquenho purinho (“fala pra ele que essa é a minha casa, onde nasceu minha avó/daqui ninguém me tira, eu não saio daqui”), com letra falada no início e destaque para a percussão (que ganha alguns segundos só dela no final). Lo que le paso a Hawaii é som marolado e cigano, com vocal grave, e letra pregando que não quer que Porto Rico torne-se mais dominada ainda pelos Estados Unidos. A romântica e praguejadora Bokete (que traz encartado na letra um protesto bizarríssimo contra os buracos nas ruas de Porto Rico) abre em clima meio psicodélico, graças a uma gravação de guitarra ao contrário, como num sampling invertido. Não falta diversão em Debi tirar más fotos, e não falta raiz musical.
No lado mais descontraído e menos mobilizado das letras, Debí é um disco que aponta para dois lados, er, complementares. Ou Bad Bunny encarna o fodão que apronta todas nas boates e ganha as gatas, ou ele está chorando pelos cantos – geralmente de arrependimento por alguma merda que fez. El club abre em clima de trap, falando de boates, mulherada, drogas, bebedeira, até que… “mas o que minha ex está fazendo?’. “Os caras acham que estou feliz/mas não, estou morto por dentro/a discoteca está cheia e ao mesmo tempo, vazia/porque meu bebê não está lá”, choraminga.
Se você acha que parou por aí, tem mais. Pitorro de coco, repleta de violões ciganos (e cujo título faz referência a um drinque popular em Porto Rico), é dor de corno etílica das boas. Turista, cheia de cordas e sons acústicos, é… Bom, haja sofrimento: “na minha vida você era turista/você só viu o melhor de mim e não o que eu sofri/você foi embora sem saber o motivo das minhas feridas” – embora o rapper esclareça que a letra fala também dos turistas que vão à Porto Rico e saem de lá sem conhecer os problemas locais. E tem a quase faixa-título, DTMF, um reggaeton que vira algo parecido com funk carioca logo depois, e que traz Bad Bunny chorando pitangas pelo leite derramado (“devia ter tirado mais fotos quando tinha você/devia ter te dado mais beijos e abraços quando pude”).
Nota: 8,5
Gravadora: Rimas.|
Lançamento: 5 de janeiro de 2025.
Crítica
Ouvimos: Astrid Sonne, “Great doubt”
![Ouvimos: Astrid Sonne, “Great doubt”](https://popfantasma.com.br/wp-content/uploads/2025/01/ouvimos-astrid-sonne-great-doubt.jpg)
- Great doubt é o terceiro LP da cantora dinamarquesa Astrid Sonne. Todas as músicas foram compostas e produzidas por ela. Astrid tem formação clássica e toca viola, mas migrou para o reino da composição pop.
- “As letras do álbum são esparsas, apenas destacando diferentes cenas ou estados emocionais do ser, deixando a música preencher as lacunas. No entanto, elas também formam um padrão de ambiguidade, consolidado pelo título do álbum, buscando respostas por meio da observação de como e o que você está perguntando, perguntas para o mundo, perguntas de amor”, diz o release do disco.
Great doubt é um disco de art pop, ponto. Se a gente for pensar num som experimental, e próximo do rock, Astrid Sonne segue a linha de grandes nomes como Brian Eno e Robert Fripp — artistas que misturavam música clássica, ambient, pop experimental, psicodelia e uma boa dose de experimentação sonora. É essa vibe que Astrid traz para o disco, conduzindo o ouvinte por diferentes atmosferas a cada música. Logo na abertura, com Light and heavy, ela combina flauta e cordas de forma hipnotizante.
O título da faixa não é por acaso: Astrid busca criar uma sensação de peso em sons que, à primeira vista, parecem flutuar. É o que acontece em Do you wanna, que começa com uma vibe eletrônica de rock e logo se transforma em um progressivo de piano e cordas. A mesma energia aparece em Give my all, com suas batidas r&b e o piano suave, e em Almost, que abre com sons de koto japonês e segue para um lugar espacial e romântico. Como cantora, Astrid tem um tom quase jazzístico, sempre introspectivo e sempre intenso, especialmente em faixas como Almost e na letra de Do you wanna?, que toca num tema bastante delicado de forma bem direta (“Você quer ter um bebê?/realmente não sei”, ela questiona e ela responde).
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Alguns momentos do álbum têm aquele toque “eletrônico” de décadas passadas. Staying here, por exemplo, tem um clima progressivo, quase como uma releitura do pop dos anos 70, e termina com uma pegada psicodélica. Everything is unreal lembra o Kraftwerk, mas com um toque mais orgânico — começa com uma batida sombria e segue com uma letra falada, até se transformar numa mistura de cordas e ritmos quase orientais. Boost, por sua vez, começa com uma onda de synths, bem misteriosa, e depois mergulha num r&b experimental, com um interlúdio ambient no meio.
No final, duas surpresas: Overture começa com um riff de violão bem acústico, e quando as cordas entram, lembra uma orquestra se aquecendo antes do show começar. E para fechar o disco, Say you love me traz uma mistura de jazz, bossa nova e dub, em tom levemente psicodélico.
Nota: 8
Gravadora: Escho
Lançamento: 26 de janeiro de 2024.
Crítica
Ouvimos: Meat In Space, “Tangerine” (EP)
![Ouvimos: Meat In Space, “Tangerine” (EP)](https://popfantasma.com.br/wp-content/uploads/2025/01/ouvimos-meat-in-space-tangerine-ep.jpg)
O garage rock espacial dessa banda norte-americana deixa qualquer um feliz. Na verdade o Meat In Space é um projeto musical de um cara só – e o cara em questão é Shawn Stedman, um músico da Bay Area de San Francisco, que toca de tudo, e cujo leque de influências vai de Nirvana a Ty Segall, passando por grupos neo psicodélicos. “O EP de estreia, Tangerine, é um marco significativo para o Meat in Space, com todas as faixas gravadas em fita analógica, culminando em uma experiência sonora nostálgica e autêntica”, conta ele.
Tangerine começa logo com a faixa título – uma sujeira de garagem com vocais quase falados, lembrando realmente Kurt Cobain, ou Iggy Pop. A letra tem versos como “não importa de verdade/não importa de verdade em que planeta você está/adivinhe com limão/libere o veneno” (?). Chromium dioxide começa tão distorcida quanto uma canção do The Jesus and Mary Chain, e prossegue como um power pop aterrador e espacial, com letra fazendo referência à crueza da gravação em fita K7. Ruby tourmaline é uma canção folk sessentista, com balanço funkeado e quase cigano, lembrando bandas como Pretty Things ou até mesmo o Pink Floyd do final dos anos 1960 (a fase imediatamente pós-saída de Syd Barrett).
No final do disco, a viagem folk e distorcida, simultaneamente, da vinheta Hyperion harm. E o peso punk, quase em clima de interferência sonora, de Call the coroner. Vale adotar essa banda.
Nota: 8,5
Gravadora: Psychic Tooth Records
Lançamento: 7 de dezembro de 2024
- E esse foi um som que chegou até o Pop Fantasma pelo nosso perfil no Groover – mande o seu som por lá!
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