Crítica
Ouvimos: Pluma, “Não leve a mal”

- Não leve a mal é o primeiro álbum da banda paulistana Pluma, formada por Marina Reis (vocal), Diego Vargas (teclados, vocal), Guilherme Cunha (baixo) e Lucas Teixeira (bateria). O grupo, que já tinha dois EPs, surgiu em 2019 de um trabalho de conclusão de curso em Produção Fonográfica. Com a pandemia, decidiram trabalhar mais seriamente – e inicialmente fizeram tudo à distância.
- O grupo tocou em 2022 no festival Primavera Sound, em Barcelona. Voltaram de lá dispostos a fazer o primeiro álbum. “A gente queria lançar o disco em 2023, porque as masters já estavam prontas em outubro, mas a gente ficou até agora fritando a parte visual. Trabalhamos as músicas e então trabalhamos na parte visual em parceria com a incrível Maria Cau Levy. Por isso demorou, mas rolou um aprendizado para as próximas”, contou Diego em julho ao site Downstage.
Talvez o Pluma não tenha esse referência, mas o som deles é recomendadíssimo para quem era fã de Cardigans nos anos 1990 – na estreia Não leve a mal, bate ponto aquela mesma combinação de rock, detalhes eletrônicos, som lounge e vocais doces, além da mescla em doses iguais de peso e estranhice, que os suecos apresentaram no álbum First band on the moon (1996). Bandas como Crumb (para quem eles irão abrir apresentações) soam mais próximas dos integrantes, mas em comum essa turma toda tem a busca por combinar texturas e designs musicais diversos, e por trabalhar com a surpresa do ouvinte.
Escutando Não leve a mal na sequência das faixas, já dá para ficar bastante animado (a) com a abertura climática e levemente dançante de Quando eu tô perto – lembrando que, no final, vocais a cappella e uma pequena rajada de ruídos aguardam o ouvinte. Se você quiser, entre timbres diferentes de teclados, ameaça uma bossa nova eletrônica no começo, e se transforma numa dance music discreta. Um tom meio ligado aos discos de Lô Borges no começo dos anos 1980, mas com agilidade pop-rock, surgem em faixas como Corrida! e Jardins, e até mesmo na psicodelia distorcida de Mais uma vez.
Preguiça, cantada por Diego Vargas, surge quase como uma vinheta, ou um momento de respiro balizando o disco, que ganha ares mais próximos do neo-soul, em faixas como Não leve a mal e Sem você, e une drum’n bass, distorções e balanço quase bossanovista em Plano Z. Indo para o fim do disco, é a vez do synth pop cheio de ganchos de Doce/Amargo (a melhor do disco, lembrando uma união de Rita & Roberto e soul progressivo), de um curioso r&b shoegaze em Quanto vai ficar? e de um dream pop com toques de jazz, Sonar. Uma banda que usa a experimentação musical a favor da canção, em todos os momentos.
Nota: 9
Gravadora: Rockambole.
Crítica
Ouvimos: Radiohead – “Hail to the thief live recordings 2003-2009”

RESENHA: Registro ao vivo de Hail to the thief (2003) mostra Radiohead intenso e renovado entre 2003 e 2009, revalorizando o disco original.
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Thom Yorke, líder do Radiohead, nunca se sentiu muito confortável fora da sua casca. De certa forma, mesmo suas opiniões “polêmicas” sempre trouxeram aquela visão abstrata das coisas que costuma brotar em entrevistas de gente acostumada a ser chamada de “gênio” – mesmo que nem seja. Em alguns casos, as opiniões de Thom são ruins, mesmo. Ou simplesmente atabalhoadas, como naquela situação em que ele foi praticamente forçado a expor sua visão sobre Palestina x Israel, protestou contra o primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu, mas deu um jeito de sair pela tangente.
No caso de Hail to the thief, disco de 2003 do Radiohead, havia algumas coisas para notar assim que ele saiu. O Radiohead havia feito um disco político – ainda que com letras extremamente oblíquas e que se pareciam mais com fábulas estranhas do que com qualquer outra coisa. Livros como 1984, de George Orwell, e discursos do então presidente norte-americano George W. Bush em época de guerra serviram como inspiração. O som do disco, tão dolorido quanto o dos álbuns anteriores, soava como um pós-punk maníaco (ou um progressivo com alfinetes na bochecha, vá lá), em que tudo transpirava pressa.
- Ouvimos: Shearling – Motherfucker, I am both: ‘amen’ and ‘hallelujah’ …
- Ouvimos: Paul Weller – Find El Dorado
- Ouvimos: Apeles – Cru
Hail to the thief, vale dizer, estava mais para uma espécie de “obra aberta”, na qual cabem diversos entendimentos – aliás, recentemente Yorke retrabalhou todo o conteúdo de Hail para a produção da Royal Shakespeare Company Hamlet hail to the thief, o que já mostra o caráter (vá lá) elástico do álbum. E foi justamente por causa dessa produção que Thom decidiu ouvir gravações ao vivo das faixas de Hail – o que gerou esse Hail to the thief live recordings, com registros entre 2003 e 2009.
A versão ao vivo de Hail está bem longe de ser um caça-níqueis barato. O Radiohead vai no repertório como quem vai atrás de um prato de comida, como comprovado pela audição das releituras de faixas como There there, 2 + 2 = 5, Where I end and you begin, The gloaming e várias outras. Tem um subtexto histórico: o Radiohead de 2003 é diferente existencialmente do de 2009, já que o primeiro ainda era contratado da Parlophone e o segundo, uma banda independente que estava divulgando In rainbows (2007), o disco do “pague o quanto quiser”. Era também uma banda descontente consigo própria, já que Hail foi considerado por eles como um disco grande demais e meio enfadonho.
Musicalmente, é a vitória do rock experimental em tempos incertos, com faixas chorosas como I will sendo aplaudidas por plateias de arena (em Londres, Amsterdã, Buenos Aires e Dublin, lugares onde as gravações foram feitas). Hail to the thief está bem longe de ser o melhor disco do Radiohead, mas sai revalorizado das versões ao vivo.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8,5
Gravadora: XL Recordings
Lançamento: 13 de agosto de 2025
Crítica
Ouvimos: Apeles – “Cru”

RESENHA: Gravado ao vivo em uma tarde, Cru mostra Apeles em voz e guitarra, revisitando faixas antigas e tendo o eco do local como um instrumento a mais.
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Eduardo Praça, o músico, cantor e compositor por trás do Apeles, já havia lançado um diferentíssimo álbum triplo em março, 2015-2022: The complete demos and early recordings, com as primeiras gravações que fez usando o codinome. Cru, novo disco do Apeles, sai agora com a mesma disposição para apresentar algo novo. O músico gravou o disco ao vivo durante uma única tarde, no estúdio White Noise, em Los Angeles – e fez todos os registros apenas com voz, guitarra e eco.
Por sinal, bastante eco: todo o repertório parece ter sido gravado numa garagem abandonada, ou numa igreja. Em Cru, Eduardo revisita canções antigas do Apeles, abrindo com a balada abolerada de Vermelha, Ele prossegue com a experimentação de Clérigo e A alegria dos dias dorme no calor dos seus braços, e adere de vez ao clima sombrio na balada Socorro.
Cru também tem um lado meio sixties, meio brega em Vesania I (Cabo horn), e vai para um lado rocker, que chega a lembrar Creedence Clearwater Revival, em Desconocidos. Vibes ligadas a bandas como Smiths surgem em Lábios mentem à distância e Pax, patz, paz. Em alguns momentos, dá para perceber que o esquema de voz-e-guitarra impõe limitações de arranjo, especialmente em faixas com elementos parecidos. Por outro lado, no final, Cru (I rise in pieces), traz uma espécie de lado oculto do projeto, com clima fantasmagórico na voz e na guitarra.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8
Gravadora: Balaclava
Lançamento: 12 de agosto de 2025.
Crítica
Ouvimos: A Terra Vai Se Tornar Um Planeta Inabitável – “Ident II dades” (EP)

RESENHA: A Terra Vai Se Tornar Um Planeta Inabitável mistura shoegaze, punk triste e dream pop em EP sombrio e intenso sobre fugas, superações e sonhos.
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Banda paulista cujo nome volta e meia é confundido com o de outro grupo (E A Terra Nunca Me Pareceu Tão Distante), o A Terra Vai Se Tornar Um Planeta Inabitável vai além de nomenclaturas como “shoegaze” e “lo-fi” no novo EP, Ident II dades. Em faixas como Espaço/tempo, o som deles chega a lembrar o de formações hoje esquecidas, como o Kafka, pela união de ruídos, psicodelia e de instrumental quase espacial, levado pela guitarra.
Tempo/espaço, a continuação, tem mais cara de punk triste, ou de emo em tons bem mais sombrios, com microfonias. Distante abre com guitarra de textura quase eletrônica, e um som perto do punk, com peso e intensidade. As letras e os recados do disco são voltados para coisas deixadas para trás, fugas, superações e sonhos bem estranhos, como na vinheta falada de 94 (“entre uma fuga e outra você vai consegui se divertir”) e na trama slowcore de Santana 1994.
No final, Excursionista selvagem é mais ensolarada que o restante do disco, trazendo muito do dream pop dos anos 1980, mas sem deixar de lado a beleza sombria que marca o som da banda. Ouça como quem invade um ensaio do grupo.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8,5
Gravadora: Selo Quituts
Lançamento: 6 de junho de 2025
- Ouvimos: Ethel Cain – Willoughby Tucker, I’ll always love you
- Ouvimos: Vitor Brauer – Tréinquinumpára 06: Porto Velho
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