Crítica
Ouvimos: Jethro Tull, “Curious ruminant”

Tem certas bandas que, se resolverem modernizar seu som nem que seja um pouquinho, podem acabar fazendo besteira. Até que não é o caso do Jethro Tull, que quando se meteu a chegar perto até do synthpop, fez um disco bem interessante – Under wraps, de 1984, mas acho que sou um dos raros fãs do JT que realmente gostam desse álbum.
Dito isso, Curious ruminant, 24º álbum do Jethro, traz certo alívio para fãs antigos da banda: mesmo estando distante de obras como Aqualung (1971), traz Ian Anderson e seus chapas mergulhando em sua musicalidade clássica sem nem pensar duas vezes. Dos álbuns que o grupo lançou depois que o nome “Jethro Tull” foi retomado, é o mais progressivo, e o que faz o melhor retorno a um velho hábito do grupo: criar parábolas na hora de falar sobre a passagem do tempo, a loucura nossa de cada dia, e até mesmo fatos políticos e atuais – quase sempre enxergando tudo como um imenso jogo de xadrez.
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É o que a banda faz, dando voz às dúvidas existenciais da faixa-título, comentando as guerras no Oriente Médio em Over Jerusalem. Ou metendo o pau na irracionalidade do mundo em Puppet and puppet maaster e na quilométrica Drink from the same well (nesta faixa, são dezessete minutos de viagem musical, sendo que a voz de Ian só surge lá pela metade). Ou inserindo um pouco de espiritualidade na história, na relaxante e quase declamada Interim sleep, que encerra o álbum.
Musicalmente, o Jethro Tull volta combinando o fôlego eterno de Ian como cantor e flautista, a instrumentos como bandolim, piano, violão tenor, acordeon e cajón – dando uma impressão, quase sempre, de música construída na madeira e no vento. Puppet and puppet master e a faixa-título são abertas por solos de piano (no caso da segunda, ameaça rolar algo na linha do Supertramp, impressão esta que se desfaz quanto entra a flauta de Ian). O estranhamento disso tudo é que Drink from the same well, com seus quase vinte minutos, acaba meio de repente – como uma história boa que tem um final meio decepcionante.
O disco vai seguindo com temas quase gregos (Stygian hand, uma história cotada com percussões, violão e flauta) e com um blues-folk sombrio (Savannah of Paddingon Green). Já The tipu house faz lembrar um pouco a parte mais agitada do hit Aqualung, Stugian hand tem clima grego, enquanto Dunsinane Hill, aberta com flauta e acordeon, é perfeita para observar planícies e montanhas em volta – ou imaginar tudo isso, como muitas vezes pede o som do Jethro Tull.
Nota: 8,5
Gravadora: InsideOutMusic
Lançamento: 7 de março de 2025.
Crítica
Ouvimos: Ganser – “Animal hospital”

RESENHA: Em Animal hospital, o Ganser mistura pós-punk, ruído e psicodelia em climas sombrios e inquietos, entre Twin Peaks e Siouxsie and The Banshees.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8,5
Gravadora: Felte
Lançamento: 29 de agosto de 2025.
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O site Pitchfork, ao resenhar o novo álbum da banda de art-punk Ganser, Animal hospital, achou sons tirados direto da obra de David Lynch no disco – referiu-se em especial à trilha de Twin Peaks, feita por Angelo Badalamenti. Faz todo sentido, levando em conta que o trio majoritariamente feminino de Chicago valoriza sons misteriosos e climas que encantam ao mesmo tempo que dão certo medo.
As origens do Ganser parecem estar numa espécie de combinação sonora que une pós-punk e Black Sabbath, Garbage e synthpop, sons de bandas riot grrrl e noise rock tribal, Suicide e The Cure – o tipo de som que foi feito mais para incomodar do que para distrair, enfim. Animal hospital vai nessa onda em faixas como a pesada e distorcida Black sand, a leve e sinistra Stripe, a tipicamente pós-punk Ten miles tall (com baixo e bateria dialogando e vocal quase falado) e a fábula sonora surrealista de Dig until I reach the moon. Lounger, punk com vibração garageira dos anos 1960, é hino anti-coach, anti-performance, anti-verbos como “pivotar”, “escalar” e coisas do tipo: “não quero ser ninguém / não quero fazer nada (…) / outras pessoas compram minhas coisas / mas tudo que eu quero é tempo (…) / meu desempenho tem sido ruim e não consigo me importar”.
- Ouvimos: Goat Girl – Below the waste
Alicia Gaines, Brian Cundiff e Sophie Sputnik, os três da banda, têm um lado seriamente stoner e fantasmagórico explorado em músicas como a destrutiva Half plastic (“prendo a respiração até ver manchas”, diz a letra), Grounding exercises e a psicodélica e pesada Creature habits. Plato, com versos malucos como “Platão diz a ela: ‘venha, vamos dançar’ / e ela não quer / ela diz que não acredita em evolução”, a tribal Speaking of the future, Discount diamonds e Left to chance unem esse lado pesado a sons que lembram Siouxsie and The Banshees. E Left fecha o disco com uma boa massa ruidosa.
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Crítica
Ouvimos: Yellowcard – “Better days”

RESENHA: Yellowcard volta após quase dez anos com Better days, disco que mistura punk-pop, emo e pós-grunge com energia, melodia e sinceridade.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8,5
Gravadora: Better Noise Music
Lançamento: 10 de outubro de 2025
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Para a surpresa de um total de zero pessoas, numa época em que estilos como emo, nu-metal e rock alternativo (na visão Billboard norte-americana de rock alternativo) tornam-se queridos de alguns críticos, e tambem numa época em que a geração Tik Tok vem abraçando bandas de punk pop, lá vem o Yellowcard com seu primeiro disco em quase dez anos.
Better days não decepciona: a mescla de punk-pop, emo e “pós-grunge” (muito entre aspas) feita pelo grupo volta com ótimas melodias, excelente produção (feita por Travis Barker, do Blink-182, e Andrew Goldstein) e aquela mistura de esperança com tristeza que os fãs adoram. A faixa-título, que abre o álbum, une tudo isso aí em poucos minutos. Take what you want, que chora pitangas sobre o fim de um relacionamento, soa como o som de uma boy band pesada e ágil. Love letters lost – com Matt Skiba, do Alkaline Trio – tem aquela mesma receita da qual o Charlie Brown Jr se alimentou: peso, vocal altamente cantarolável e guitarras que têm algo chupado do The Police.
- Ouvimos: Twenty One Pilots – Breach
A “persona” de Better days é um sujeito angustiado, que fez planos por conta própria mas esqueceu de consultar a realidade (o dramalhão Honestly, I), sofre por um relacionamento que se foi (o pop pesado, mágico e bem feito de You broke me too, com Avril Lavigne), deseja botar o passado em pratos limpos (City of Angels, com Ryan Key, cantor e guitarrista, nascido na Flórida, lembrando sua vida em Los Angeles) e se sente ansioso e inquieto (o punk-popzaço Bedroom posters, a melhor e mais bonita música do disco). Skin scraped e Barely alive, com titulos autoexplicativos e onda punk-emo, têm peso, tristeza e um certo clima herdado da banda do coprodutor.
Para aumentar essa onda “intensa” do disco, Travis pôs mais peso na bateria, arranjos de cordas surgem em algumas músicas e… Better days encerra com a vibração country-folk de Big blue eyes, música pra tocar em filme adolescente. O Yellowcard volta com um álbum rápido – pouco mais de meia hora – e sincero.
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Crítica
Ouvimos: Luna Gouveia – “Sara”

RESENHA: Em Sara, álbum de estreia, Luna Gouveia une pop, rock, jazz e psicodelia em faixas que soam entre Gal Costa indie e Rita Lee espacial.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 9
Gravadora: Independente
Lançamento: 23 de setembro de 2025
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Em seu primeiro álbum, concebido como uma jornada de cura e encerramento de ciclos – daí o título Sara, usado como verbo e não como nome próprio – a paulista Luna Gouveia entrega um trabalho de pop atravessado por ecos de rock, jazz e psicodelia.
Um detalhe é que nenhum desses gêneros surge de forma literal nas oito faixas do disco. Em nome do pop mutante, Sara passeia por todos esses estilos em faixas como Culpa e Diz que é amor, às vezes lembrando a MPB jazz, às vezes soando como uma Gal Costa texturizada e jogada no indie pop. No caso de Diz que é amor, rola ainda uma segunda parte exclusivamente psicodélica, lembrando Mutantes e Tame Impala da fase inicial, com guitarra fuzz.
- Ouvimos: Luapsy – I met the devil in a dream
Sara vai seguindo com Fora de moda, indie rock tropicalizado, com balanço herdado de Rita Lee, vibe de bossa espacial e ótimas guitarras-base (ficaria inclusive melhor com um solo). Mordida tem beat discreto, vocal com dissonâncias e surpresas e clima pop com cara de Rita Lee + Marina Lima indie. Voltar andar passa por várias camadas do pop – embicando num corredor boogie/pós-disco e numa atmosfera meio Physical. A faixa-título é pop oitentista transformado em música celestial, com vocal de sereia.
No final, a sintomática O fim, com mais surpresas escondidas na melodia e no vocal, além de um laço que une tudo em Sara. Um disco de estreia que abre caminhos enquanto fecha ciclos.
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