Connect with us

Crítica

Ouvimos: The Beths – “Straight line was a lie”

Published

on

Liz Stokes transformou bloqueio criativo e crises pessoais em rock melódico e confessional no novo disco do The Beths, Straight line was a lie.

RESENHA: Liz Stokes transformou bloqueio criativo e crises pessoais em rock melódico e confessional no novo disco do The Beths, Straight line was a lie.

Texto: Ricardo Schott

Nota: 9
Gravadora: Anti
Lançamento: 29 de agosto de 2025

  • Quer receber nossas descobertas musicais direto no e-mail? Assine a newsletter do Pop Fantasma e não perca nada.

As páginas matinais, uma técnica de criatividade proposta por Julia Cameron no livro O caminho do artista – livro esse, por sinal, que virou tema de milhares de cursos de escrita criativa por aí afora – ajudaram a salvar o disco novo da banda neozelandesa The Beths.

Antes de Straight line was a lie começar a ser elaborado, Liz Stokes (voz, guitarra) estava tomando o antidepressivo sertralina para manter a saúde mental em dia após um diagnóstico de doença autoimune. Escrever duas mil palavras diariamente foi a saida para o bloqueio criativo disparado pelo uso do medicamento – e o material, compilado por ela e pelo guitarrista Jonathan Pierce, foi se transformando nas músicas do álbum.

Straight line was a lie, da primeira até a última faixa, é um disco sobre recomeços, desilusões e vida batendo com força. Tanto que Liz, na faixa-título (que por sinal abre o disco), faz questão de mostrar que nem tudo na vida é o que aprendemos na escola, e que modelos de pensamento podem ser o equivalente a só ter um martelo e achar que tudo que surge na frente é um prego. Não é um tema dos mais acessíveis – aliás, parece um tema de música da fase prog do King Crimson, vá lá – mas é um rock extremamente melódico que não existiria sem Hüsker Dü, Sugar, Bob Mould solo e até Pretenders.

  • Ouvimos: Grant-Lee Phillips – In the hour of dust

No joy é um rock festeiro que arruma uma maneira descontraída para falar de um tema pra lá de grave: em momentos de depressão, Liz Stokes passava maus bocados com a anedonia – um estado em que nem mesmo as atividades de que você normalmente gosta conseguem gerar alguma satisfação. Essas condições vitais observadas de perto acabaram gerando um momento de Straight line was a lie que lembra uma curiosa combinação de New Order, Talking Heads (na letra) e folk rock: Metal, música em que Liz se analisa como um corpo humano que precisa de uma condição específica para viver, e que pode ser interrompido com palavras negativas.

Pulsões de vida surgem em Mother pray for me, música introspectiva e tristonha cantada por Liz com ar cândido, e que recorda o relacionamento tenso entre ela e sua mãe. Intensidades sonoras herdadas do dream pop e do pós-punk surgem em Take, Till me heart stops e Ark of the covenant. Rondabout e Best laid plans também trazem climas intensos a Straight line. A primeira, com vibrações oitentistas e tom mágico, soa como um recado de Liz para si própria (“o que virá não é nada para se assustar / porque eu te amarei então como eu te amo agora / nunca mude, a menos que você queira”).

Best laid plans, por sua vez, tem algo entre Suzanne Vega e The Cure, com parte instrumental proeminente, e vibe de sonho acordado – embora Liz diga que a letra é sobre desistir e fantasiar (“pegue meu dinheiro, pegue minhas mãos / deixe-me deitado com meus melhores planos”). Não é um escapismo tolo – são estilhaços do que a realidade, sempre preocupada com performances e números, faz de todos nós.

  • Gostou do texto? Seu apoio mantém o Pop Fantasma funcionando todo dia. Apoie aqui.
  • E se ainda não assinou, dá tempo: assine a newsletter e receba nossos posts direto no e-mail.

 

Crítica

Ouvimos: Lana Del Rabies – “Omnipotent fuck”

Published

on

Projeto solo de Sam An, Lana Del Rabies cria em Omnipotent fuck um noise demoníaco e visceral, mistura de ritual, grito e salvação pelo barulho.

RESENHA: Projeto solo de Sam An, Lana Del Rabies cria em Omnipotent fuck um noise demoníaco e visceral, mistura de ritual, grito e salvação pelo barulho.

Texto: Ricardo Schott

Nota: 9
Gravadora: Feral Crone Recordings
Lançamento: 7 de novembro de 2025

  • Quer receber nossas descobertas musicais direto no e-mail? Assine a newsletter do Pop Fantasma e não perca nada.

Disquinho bom pra ouvir depois da meia-noite, esse. Lana Del Rabies não é uma banda – é o codinome usado pela musicista Samanta Angulo (que também reduz o nome verdadeiro para Sam An), de Los Angeles. Lana Del Rabies, além da zoação explícita com a cantora Lana Del Rey, é um projeto de noise extremo, demoníaco, feito para aterrorizar.

Omnipotent fuck, quarto disco de LDR, faz lembrar aquela velha história de quando Jimmy Page (Led Zeppelin) comprou a Boleskine House, que pertencia ao ocultista Aleister Crowley, e botou um amigo para tomar conta da mansão enquanto se ocupava dos afazeres do Led. O tal amigo não apenas se mudou para lá como também levou a família – e de noite, com a esposa no quarto trancado à chave, ouvia os rugidos de um suposto “animal selvagem” à solta nos corredores da casa.

Nas nove faixas de Omnipotent fuck, Lana une todo tipo de ruído maligno, de teclados ambient a percussões assustadoras – por sinal, num curioso espelho da trilha que o próprio Page fez para Lucifer rising, filme do cineasta do oculto Kenneth Anger. Soltando a voz, ela dá agudos, sussurra e também “é” esse animal selvagem, em tons guturais.

O disco abre com Tactical avoidance, uma porrada ambient satânica em que ela repete as palavras “isolamento” e “excesso”, ambas transformando-se em grito e em dor. Lá pelas tantas parece que um espírito maligno toma conta da faixa – espírito esse que se solta em Objective death e Consensual pain, faixa repleta de risadas que soam como algo ritualístico, e de gritos de dor.

O restante de Omnipotent fuck é basicamente o monstro da Boleskine House arranhando sua porta: Bedroom sores une “gritos”, “pecados” e a ordem “toque-me!” na letra, com direito a ruídos que lembram nada menos que (olha aí, ó) o interlúdio instrumental de Whole lotta love, do Led. Wisdom spit, a melhor do álbum, é tiro, porrada e obscenidade. Vulnerable package é totalmente desenvolvida nas sombras, com Lana berrando “estou prestes a ter a porra de um desmaio!”. Obedient master é post rock demoníaco e hipnótico.

No fim, a faixa-título recebe o ouvinte com um grito gutural, é trilhada no corredor da violência sonora, e tem tanto ruído que chega a doer no ouvido – encerrando c0m tudo rodando violentamente ao contrário. A salvação pelo barulho, pela vertigem e pelo esporro, ao alcance de um clique.

  • Gostou do texto? Seu apoio mantém o Pop Fantasma funcionando todo dia. Apoie aqui.
  • E se ainda não assinou, dá tempo: assine a newsletter e receba nossos posts direto no e-mail.

Continue Reading

Crítica

Ouvimos: Phil Lynott’s Grand Slam – “Orebro 1983”

Published

on

Registro raro de Phil Lynott com o Grand Slam em 1983 mostra o líder do Thin Lizzy flertando com punk, pós-punk e reggae, em show na Suécia - sem deixar o som de sua antiga banda de lado.

RESENHA: Registro raro de Phil Lynott com o Grand Slam em 1983 mostra o líder do Thin Lizzy flertando com punk, pós-punk e reggae, em show na Suécia – sem deixar o som de sua antiga banda de lado.

Texto: Ricardo Schott

Nota: 10
Gravadora: Cleopatra Records
Lançamento: 15 de agosto de 2025

  • Quer receber nossas descobertas musicais direto no e-mail? Assine a newsletter do Pop Fantasma e não perca nada.

Com passagens por grupos de punk, pós-punk e new wave, o cantor, compositor, tecladista e guitarrista escocês Midge Ure nunca entendeu direito como é que ele foi parar justamente no Thin Lizzy, nomão do hard rock. Foi o que ele contou ao documentário Phil Lynott: Songs for while I’m away, sobre a história do líder da banda, que esteve em cartaz na edição 2021 do festival In-Edit. O fato é que o músico, que já estava até efetivado como vocalista no Ultravox, era amigo de Phil e foi chamado para ocupar guitarra e teclados no grupo entre 1979 e 1980, enquanto o grupo não arrumava um guitarrista fodão para o cargo.

Além de tocar no grupo nesse período, Midge também foi responsável por encher os ouvidos do amigo com novidades do synthpop, da música eletrônica e do pós-punk. Phil, que já andava interessadíssimo em punk rock, não apenas gostou do som, como também adotou essa sonoridade em várias músicas de seus trabalhos solo. Um pouco – mas só um pouco – disso vazou também para o Grand Slam, banda de curta duração que Phil montou em 1983 com dois ex-Thin Lizzy (Brian Downey, bateria, e John Sykes, guitarra solo) e outros músicos de sua banda solo.

O Grand Slam não conseguiu contrato com nenhuma gravadora e limitou-se a fazer turnês pela Europa durante um ano – mas deixou várias demos e gravações ao vivo, nas quais se percebe que o som de Phil já estava encharcado de referências do punk, às vezes soando como um Sex Pistols motorbiker ou como um Motörhead menos bravio, cabendo também referências de reggae em vários momentos. O repertório incluía os hits solo de Phil e alguns poucos sucessos do Thin Lizzy – Whiskey in the jar, a balada Sarah, feita para sua filha mais velha, e (às vezes) The boys are back in town – pintavam no set list.

Foi nesse clima que a turma foi fazer um show em Orebro, cidade na Suécia, em 1983 – show esse que já foi diversas vezes pirateado, e ganhou resgate em vinil pelo selo Cleopatra Records. Orebro 1983 começa pela faceta mais tecnopop fake de Phil (Yellow pearl, por sinal uma parceria com Midge), segue com a roqueiragem de Old town e insere mais dois hits do TL no setlist (A night in the life of a blues singer e Still in love with you). Parisienne walkways, hit solo do ex-Thin Lizzy Gary Moore (chamada pelo sem-filtro Lynott de “Parisienne blowjob”, “boquete parisiense”), vem em clima de bluesão com viradas de bateria – se você detesta o som daquelas baterias eletrônicas Simmons, que pegaram mais que praga de piolho em creche lá por 1983, nem encare.

O som de Orebro 1983 mostra também que o The Police era ou uma influência, ou uma sombra, ou uma matéria de bullying para Lynott. O hit Solo in soho tem aquele mesmo clima de “europeus se metendo a fazer reggae” do Police. King’s call, outra música solo, tem argamassa roquenrol e clima pós-punk-reggae – lembra o som do Herva Doce. Já The boys are back in town é aberta com uma zoação feroz com Every breath you take – a banda toca a introdução do hit do Police, Phil parece sacanear a voz de Sting e em seguida avisa que se trata “apenas de uma introdução musical”. Para matar as saudades do comandante Phil.

  • Gostou do texto? Seu apoio mantém o Pop Fantasma funcionando todo dia. Apoie aqui.
  • E se ainda não assinou, dá tempo: assine a newsletter e receba nossos posts direto no e-mail.

Continue Reading

Crítica

Ouvimos: Canacut – “À mercê do tempo” (EP)

Published

on

O Canacut mistura reggae, blues, rock e ritmos brasileiros num EP que une crítica social, feminismo e pegada noventista.

RESENHA: O Canacut mistura reggae, blues, rock e ritmos brasileiros num EP que une crítica social, feminismo e pegada noventista.

Texto: Ricardo Schott

Nota: 8,5
Gravadora: Independente
Lançamento: 30 de outubro de 2025

  • Quer receber nossas descobertas musicais direto no e-mail? Assine a newsletter do Pop Fantasma e não perca nada.

Banda vinda da misteriosa cidade de Americana (SP), o Canacut une reggae, blues, rock, ritmos brasileiros e trip hop, numa mistura musical que volta e meia lembra a riqueza rítmica do rock brasileiro dos anos 1990. O EP À mercê do tempo também investe numa vibe punk e elegante, usada como atmosfera das letras, como no feminismo militante e aguerrido do stoner abrasileirado Desobedeça (que valoriza a ótima voz de Mila Barros) e nas anotações existenciais da faixa-título, um blues nordestino que se destaca no EP.

O Canacut oferece também um passeio rítmico em Não espere, música que passa por blues, metal, reggae e jazz, divididos em poucos segundos na mesma faixa – mas é uma mescla musical que nunca faz a banda perder o formato canção de vista. A suingada e concretista Corpo de concreto, no final, é grunge + samba sobre a desvalorização do ser humano em meio à selva de pedra, e sobre os abismos que separam os seres humanos num mundo cada vez mais desigual.

  • Gostou do texto? Seu apoio mantém o Pop Fantasma funcionando todo dia. Apoie aqui.
  • E se ainda não assinou, dá tempo: assine a newsletter e receba nossos posts direto no e-mail.

Continue Reading
Advertisement

Trending