Connect with us

Crítica

Ouvimos: Deep Purple, “=1”

Published

on

Ouvimos: Deep Purple, "=1"

Certa vez, um parente meu já idoso foi ao médico queixando-se de problemas de saúde e de limitações da idade. O doutor, que não estava lá muito inspirado, ouviu todas as queixas com certa impaciência. Por fim, soltou uma das frases mais imbecis que já ouvi na vida: “A gente paga um preço alto por viver demais!”.

E fim de papo, porque diante de um asneirol desses, não dá para dizer mais nada. Veteranos e quase com a idade desse meu parente, os integrantes do Deep Purple não pagam preço algum por manterem a banda viva desde os anos 1960. São verdadeiros operários do rock, ajudaram a construir a norma culta do som pesado e criaram um estilo reconhecível à distância, primando por frases de órgão, vocais operísticos-de-araque, certos toques clássicos ou progressivistas, e jogo de baixo-e-bateria extremamente técnico (de lá para cá, Ian Paice, na bateria, só faz mostrar que dá para soar pesadíssimo e original conduzindo a música com maestria).

  • Apoie a gente e mantenha nosso trabalho (site, podcast e futuros projetos) funcionando diariamente.

Esse é o lado excelente de podermos ter até hoje o Deep Purple na estrada, gravando, tocando e seguindo adiante. O lado complexo é: justamente por ter criado um estilo tão próprio, e por ter uma série de hits que não dá para abandonar, o Purple vem mantendo a tendência de lançar discos que servem mais como um “olha, estamos aqui ainda!” do que como trabalhos que significam algo muito importante na história do grupo, ou que servem para renovar a discografia. Discos como Bananas (2003, primeiro com Don Airey no teclado, hoje desaparecido das plataformas digitais) e o álbum de covers Turning to crime (2021, com releituras de Yardbirds, Love, Bob Dylan, Cream, Fleetwood Mac e outros) fugiram à escrita e se revelaram boas surpresas.

=1, o 23º disco de estúdio do Purple, chama a atenção pelo título enigmático (vindo de um conceito-cabeçoide criado pela banda e que significa “tudo é igual a um”) e pela capa minimalista (que muita gente detestou, mas eu particularmente achei bem interessante). O veterano Bob Ezrin produziu e compôs tudo com a banda. E Simon McBride, um guitarrista irlandês nascido em 1979, busca segurar a marimba de ter substituído o irrepreensivelmente técnico Steve Morse. Ao contrário do que acontece com bandas como Rolling Stones, que não promovem músicos novos à condição de “oficial”, Simon é parte da diretoria e já chegou compondo com o grupo.

E aí que musicalmente, o Deep Purple não parece cansado, pelo contrário. Mas a bem da verdade =1 tem poucas novidades para quem acompanha o som do grupo há anos. Tem os toques meio Slash da abertura de Show me (com andamento lembrando Kashmir, do Led Zeppelin) e faixas no estilo blues-rock comum do Purple, como A bit on the side, Sharp shooter e Lazy sod (essa, bastante a cara da segunda formação do Purple). Vale destacar o excelente refrão de Money to burn, a melhor do disco. E o rock ágil de Now you’re talkin’, legal justamente por lembrar a agilidade do hit Highway star. Ian Gillan viu o tempo passar, como todo mundo vê, e adaptou a voz às mudanças.

No fim, a sensação é a de ouvir o mesmo disco repetidas vezes. Um Deep Purple mediano vale mais do que muita coisa “ótima”, e a melhor coisa que o grupo de Smoke on the water tem são eles mesmos. Mas é aquele típico disco de artista que sabe que o público só vai ao show pra ouvir as antigas.

Nota: 6,5
Gravadora: earMUSIC

Crítica

Ouvimos: House Of Protection – “Outrun you all” (EP)

Published

on

Ouvimos: House Of Protection - "Outrun you all" (EP)

RESENHA: House Of Protection renova o nu-metal com climas ligados ao hardcore, vibes herdadas de Prodigy e ao começo dos Deftones, e faixas explosivas que colidem passado e urgência.

  • Apoie a gente e mantenha nosso trabalho (site, podcast e futuros projetos) funcionando diariamente.

Do House Of Protection, dá para dizer que oferecem uma renovação ao cansadíssimo ambiente do nu metal – se não em termos de estrutura, pelo menos na maneira como a banda usa antigas armas do estilo (influências de música eletrônica, de hip hop, vocais dramáticos e em alto volume, etc).

Criado pelos músicos Stephen Harrison e Aric Improta e produzido por Jordan Fish (ex-Bring Me The Horizon), o grupo mostra uma revolta mais próxima do hardcore, dos primeiros anos dos Deftones e – em alguns momentos – da onda eletrorock deflagrada nos anos 1990 pelo Prodigy. É o que rola na apocalíptica Afterlife, na rápida e destruidora Gospeed e na porradaria com ares de hip hop Fire.

Aliás, mesmo nos momentos em que um som parecido com o do Linkin Park é evocado aqui e ali, eles dão um jeito de fazer a coisa do jeito deles, como na derramada e pesada I need more than this. No fim, tudo soa como uma colisão entre passado e urgência.

Texto: Ricardo Schott

Nota: 8,5
Gravadora: Red Bull Records
Lançamento: 23 de maio de 2025.

Leia também:

  • Ouvimos: Linkin Park – From zero
  • Deftones: união de pós-punk, reggae e The Cure (!) no começo, em 1992

Continue Reading

Crítica

Ouvimos: Peter Doherty – “Felt better alive”

Published

on

Ouvimos: Peter Doherty - "Felt better alive"

RESENHA: Peter Doherty renasce no country rock em Felt better alive, disco de histórias rurais, faroeste psicodélico e gratidão pós-caos.

  • Apoie a gente e mantenha nosso trabalho (site, podcast e futuros projetos) funcionando diariamente.

Peter Doherty, o líder dos Libertines, é o sobrevivente mais jovem do rock. Enganou a morte por uma gota – e estamos falando de uma pessoa que costumava se divertir com ninguém menos que Amy Winehouse, e que no meio de uma rebordosa de drogas, simplesmente resolveu assaltar o apartamento de seu colega de banda Carl Barat.

Felt better alive, seu quinto disco solo, traz o som de alguém que se sente grato e feliz por ter conseguido escapar do pior – mas que se divertiu muito enquanto curtia os frutos proibidos da vida. Peter escolheu o country, estilo musical eternamente associado a contadores errantes de histórias, para balizar o disco – e o repertório associa-se também a seu atual estado de morador da área rural da Normandia, pai de três filhos (Billie Mae, a mais nova, é homenageada na doce e suingada Pot of gold, com emanações tanto de Bob Dylan quanto de Red Hot Chili Peppers), socialista, limpo e livre de vícios ilegais desde 2019.

  • Fizemos resenha do disco mais recente dos Libertines, All quiet on the eastern esplanade.

Felt better alive é um disco, na real, de country rock, com cordas que dão um ar bonito e triste a faixas como Calvados, Out of tune balloon (na cola tanto de Bob Dylan quanto de Tom Waits) e a música-título (que tem uma baita cara de música de faroeste). A nata da malandragem ganha homenagem em Poca Mahoney’s, uma curiosa mistura de canção francesa com tema punk – que vira um curioso hardcore no fim.

Por sinal, sons do país onde Doherty está atualmente morando dão as caras também em Stade océan, quase um blend de Serge Gainsbourg e os álbuns solo de John Frusciante, e o faroeste não-estadunidense de Prêtre de la mer. E até David Bowie é convocado como referência em Fingee, som estiloso, acústico, blueseiro, com cara sonhadora e levemente psicodélica. Um disco de música e histórias, onde Peter arrisca-se a se tornar um menestrel punk-country, a seu estilo.

Texto: Ricardo Schott

Nota: 9
Gravadora: Strap
Lançamento: 16 de maio de 2025.

Continue Reading

Crítica

Ouvimos: TVOD – “Party time”

Published

on

Ouvimos: TVOD - "Party time"

RESENHA: TVOD mistura punk e pós-punk em Party time, disco barulhento e introspectivo sobre solidão, abuso e amores fracassados.

  • Apoie a gente e mantenha nosso trabalho (site, podcast e futuros projetos) funcionando diariamente.

O título Party time pode parecer convite para uma festa insana, mas o terceiro disco da banda nova-iorquina TVOD (“television overdose”) vai além do porre coletivo. Punk e pós-punk de boas guitarras, com clima espacial e um synth apitando para avisar que a festa ali é para quem dança na pista, mas também viaja sozinho pelos cantos.

Os temas abordados nas letras também estão bem longe do clima “festeiro”: quase sempre, Party time fala de abusos, acidentes, amores cagados, morte, solidão – embora a faixa-título fale de uma festa bêbada e nudista que vai até altas horas. De modo geral, Party time é um disco introspectivo com coração barulhento – como se a Gang of Four encontrasse os Buzzcocks numa pista meio vazia, cheia de luzes piscando.

Uniform abre os trabalhos com um riff bêbado de sintetizador. Já Car wreck surfa em guitarras com wah-wah e clima voador, com algo de Syd Barrett. Pool house cruza The Cars e Pixies no meio do caminho entre o punk e o pop sombrio. Em Empty boy, o som cresce em camadas psicodélicas, enquanto Super spy chega a lembrar o U2 em começo de carreira – só que ganhando vocais falados na cola do Sonic Youth. A viagem continua com Mud, que parece o B-52’s em órbita. Wells fargo mistura o cima ríspido e nervoso do The Fall com viradas sessentistas, sons rangendo e clima de garagem. Alcohol desacelera num clima sombrio que remete à fase atual dos Pixies.

No mais, Take it all away traz guitarra econômica e eficaz. Bend ganha batida quase cigana no início, e conclui levando a argamassa sonora dos Pixies para o espaço. E no final, tem a faixa-título, com clima herdado de The Cars, um theremin possuído, guitarras ruidosas e vocais falados lembrando Talking Heads. Um disco coeso, sujo e sentimental.

Texto: Ricardo Schott

Nota: 9
Gravadora: Mothland
Lançamento: 9 de maio de 2025.

Continue Reading
Advertisement

Trending