Crítica
Ouvimos: Blur, “The ballad of Darren”

- The ballad of Darren é o nono disco de estúdio do Blur. Uma mudança notável na produção do grupo é que se trata do álbum mais curto da banda (não chega a 40 minutos de duração). A produção foi feita por James Ford, integrante de bandas como Simian Mobile Disco e Last Shadow Puppets – apesar do Blur ter voltado a trabalhar com seu antigo produtor Stephen Street no disco The magic whip (2015), ele não retornou dessa vez.
- O disco foi gravado de janeiro a maio. Logo no primeiro dia de gravação, a banda deixou prontas as bases de quatro faixas. O grupo fez aos poucos um esforço para deixar velhos problemas e traumas para trás. “Nós nos amamos e não podemos nos suportar, ao mesmo tempo, como só uma família pode. Mas, para ser honesto, desta vez, foram sorrisos e gargalhadas desde o início do ano”, disse Dave Rowntree à Rolling Stone no começo de julho.
- O Darren do título é Darren “Smoggy” Evans, ex-guarda-costas da banda, que atualmente trabalha para o vocalista Damon Albarn. Albarn: “Darren é muitas pessoas. É diretamente uma pessoa”, contou. Na capa, uma foto de um homem nadando sozinho na Gourock Outdoor Pool em Gourock, Escócia, tirada por Martin Parr. “Muito dessa imagem fala sobre superar algum tipo de limitação física”, contou Rowntree, dizendo que o cenário da foto é um local que oferece perigos, como o surgimento de tubarões.
O velho conto do “Oasis sempre se deu bem no Brasil e o Blur não” faz sentido. E tem feito cada vez mais sentido quando se observa os passos mais recentes dos irmãos Gallagher e da banda de Damon Albarn. Filtrado pelas paradas norte-americanas, o sucesso no Brasil passa pela criação de uma marca inconfundível, um estilo que pode ser enquadrado e imitado, e muitas vezes é copiado à exaustão pela própria banda que o criou – ou que o forjou à custa de muitas referências a coisas que já deram certo.
No caso do Blur, não há marca melhor para definir a banda do que ela própria, seus caminhos, descaminhos, sua vontade de não se repetir, de falar do seu tempo, e de soar quase como uma banda diferente a cada disco, ou a cada ano. Damon (voz, guitarra), Graham Coxon (guitarra, voz), Alex James (baixo) e Dave Rowntree (bateria) atravessaram seus 35 anos de carreira com a liberdade imaginável para uma banda que nunca foi a número 1 do universo musical em termos de vendagens, mas sempre soube de seu valor e de seu legado.
The ballad of Darren, álbum novo, é uma boa celebração das certezas que envolvem o grupo. A principal é a de que, para onde quer que o Blur vá, sempre vai haver boas histórias e um enorme apego à criatividade. Que passa por referências a Beatles e Kinks (e Beach Boys, citado aqui e ali), em faixas animadoras como The narcissist e Goodbye Albert. O novo Blur faz também alusões a Neil Young e David Bowie: Ballad, a faixa de abertura, e The heighs, a de encerramento, são quase a mistura exata dos dois, e Albarn voltou disposto a igualar os vocais da fase oitentista do autor de Let’s dance. É trilhado também num corredor em meio ao glam rock e o punk, em St Charles Square. E passa por algo que lembra Roxy Music/Bryan Ferrye o lado mais sensível de Lou Reed em Far away island e a belíssima Avalon.
Nunca pareceu ser do perfil do Blur que as mensagens da banda pudessem ser decodificadas tão rapidamente. Boa parte do que vem sendo escrito sobre The ballad of Darren aponta a maturidade como fator essencial das letras do disco, e é meio isso aí. Lidas à luz da história do grupo, cada uma das letras do álbum parece mostrar Albarn duelando com alguma fantasma das antigas, como se fossem cartas de tarô, ou arquétipos. Surgem aí o narcisista de The narcissist, as lembranças da autodestruição de St Charles Square (“solidão, eu já estive aqui antes/porque cada geração tem seus posers dourados”), a autoexplicativa The everglades (For Leonard) (“muitos fantasmas vivos em minha mente/muitos caminhos que eu gostaria de ter percorrido”) e o sentimento de pazes com o passado de Far away island. No fim das contas, o Blur voltou com um disco que mostra a banda bastante satisfeita consigo própria.
Gravadora: Parlophone/Warner
Nota: 9
Foto: Reprodução da capa de The ballad of Darren
Crítica
Ouvimos: Gaby Amarantos – “Rock doido”

RESENHA: Disco-filme com 22 faixas em 36 minutos, Rock doido mostra Gaby Amarantos unindo tecnobrega, pop e festa em uma obra inventiva e multimídia.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 9
Gravadora: Deck
Lançamento: 29 de agosto de 2025
- Quer receber nossas descobertas musicais direto no e-mail? Assine a newsletter do Pop Fantasma e não perca nada.
Rock doido, o disco novo de Gaby Amarantos, tem um formato que lembra o de discos de bandas casca-grossa como D.R.I.: são 22 faixas curtíssimas em 36 minutos (!). Não é apenas um disco: tem ainda Rock doido, o filme, que traz todas as músicas do álbum filmadas com Gaby, convidados e sua turma, tudo em plano sequência, com o pessoal se movimentando em vários cenários subsequentes.
O disco funciona na medida que você esteja disponível para aprender uma nova forma de ouvir música: Rock doido é totalmente montado como se fosse uma festa, um DJ set, ou um passeio curto pelas festas de aparelhagem do Pará. Junto com a recente volta da Gang do Eletro (resenhada pela gente aqui), é quase um relato de como várias tendências musicais se uniram em momentos diferentes para gerar o tecnobrega e estilos afins.
Não é um disco feito para “tocar no rádio” e está mais para um suposto antecipador de tendências que, provavelmente, vão dar canal no rádio ou na TV em algum momento – a graça de Rock doido é justamente o lado multimídia dele, de ser um álbum que vira filme (está no YouTube na íntegra e pode, quem sabe, ser exibido na TV). A mistura de referências também chega à capa, que lembra tanto Sgt Pepper’s Lonely Hearts Club Band, dos Beatles, quanto Dangerous, de Michael Jackson.
- Ouvimos: Lambada da Serpente – Lambada da Serpente (EP)
Com tanta rotatividade, eleger uma música preferida fica até complicado – inclusive porque os beats e refrãos vão se seguindo bem rápido. Essa noite eu vou pro rock introduz a/o ouvinte no clima festeiro. Short beira cu, Te amo fudido (com Viviane Batidão), Tumbalatum (terror fake com a já citada Gang do Eletro), Dá-lhe sal e Viciada em seduzir apresentam expressões locais e o clima da noite paraense a quem ouve o disco bem distante do Pará. Bonito feio é uma das faixas que separam um pouco o “tecno” do brega no álbum.
No final, tem Deixa, um samba-reggae que parece meio deslocado no álbum – é a música menos “rock doido” da fornada, mas talvez seja a tal “música de rádio” do disco. Sem crise: Rock doido é um disco-filme que confirma Gaby Amarantos como uma das artistas mais inventivas do pop brasileiro.
- Gostou do texto? Seu apoio mantém o Pop Fantasma funcionando todo dia. Apoie aqui.
- E se ainda não assinou, dá tempo: assine a newsletter e receba nossos posts direto no e-mail.
Crítica
Ouvimos: Big Special – “National average”

RESENHA: Dance-punk ácido e sarcástico, National average faz o Big Special rir da miséria com ironia, fúria e riffs venenosos.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 10
Gravadora: SO Recordings / Silva Screen Records Ltd
Lançamento: 4 de julho de 2025
- Quer receber nossas descobertas musicais direto no e-mail? Assine a newsletter do Pop Fantasma e não perca nada.
Chega a escorrer veneno de National average, segundo álbum do Big Special, dupla britânica cujo clima basicamente é o da dança punk – às vezes soando como um EMF (lembra deles?) que entrou em órbita, ou como um desdobramento da receita doidona do selo Food, na virada dos anos 1980 para os 1990. Em vibe funky, Joe Hicklin e Callum Moloney falam dos problemas mais bizarros vividos pela população britânica nos dias de hoje.
Na real, nada que seja estranho até mesmo aqui no Brasil. A faixa God save the pony, tributo pago a Talking Heads e à turma de Madchester, inclui no mesmo saco hambúrgueres superfaturados, gentrificação, gente instagramável (“mal ganho o salário mínimo / e sou um clichê do rock and roll / e, para ser honesto / não consigo acreditar em quanto tempo isso já durou”) e um estado de letargia total, como se todo mundo já estivesse acostumado com isso – à Rolling Stone, a banda disse que se trata de um “boa noite e boa sorte para o peso que todos carregamos. Somos os cavalos cansados arrastando uma carga pessoal e, muitas vezes, o peso de outra pessoa”.
- Ouvimos: Immoral Kids – Tantrika
Outras canções falam também da merdificação geral que todo mundo vai levando adiante na vida, como The mess (que soa como um Tom Waits alt-metal) e Hug a bastard – esta, um reggae preguiçoso transformado em indie rock, com cara de Beastie Boys, Beck e até de Gorillaz, iniciado com os versos “encontrar deus? / cara, não consigo achar minhas chaves”. Nada se comparado a Shop music, synth pop stoner que equivale a um soco na boca do estômago de quem acredita em virtudes no mundo fonográfico, em versos como “vamos vender suas merdas / (…) e depois de vender suas merdas, vamos vender outras merdas” e “não consigo identificar o monstro quando ele está bem vestido / é o seguinte: dinheiro fala, mas não canta”.
Esse clima de desesperança e ironia é a cara de National average, disco que também fala sobre merdas passadas de geração a geração em família (o blues zoeiro Pigs puddin), de choque com o mercado fonográfico “profissional” (Professionals, uma mescla de The Who e Viagra Boys, se é que é possível), e de como todo e qualquer emprego ou chefe é uma merda (Yesboss, rap-punk sem o menor cacoete de rapper, com voz praticamente falada).
O disco novo do Big Special chega a ser um projeto multimídia – no sentido de que você tem que prestar atenção nas letras, ler as entrevistas, saber qual é a da banda e acompanhar o que eles andam falando para ter uma fruição total do disco. Em letra e música, tudo em National average soa como uma sequência de porradas bem dadas. O Big Special revisita-parodia o blues a la Eric Clapton em Domestic bliss, uma espécie de canção sophisti-punk que revira ao contrário o mito de Sísifo para falar sobre depressão e máscaras do dia a dia. Tem ainda Judas song, dance-punk sobre traição e rancor, com guitarras pesadas e um clima “eletrônico” que faz lembrar o Ultravox – mas com bastante sujeira.
Em resumo: National average é daqueles discos que fazem você rir, pensar e se envenenar ao mesmo tempo — e ainda sair dançando no final.
- Gostou do texto? Seu apoio mantém o Pop Fantasma funcionando todo dia. Apoie aqui.
- E se ainda não assinou, dá tempo: assine a newsletter e receba nossos posts direto no e-mail.
Crítica
Ouvimos: Helado Negro – “The last sound on Earth” (EP)

RESENHA: Inspirado no filme Wavelength (1967), Helado Negro cria em The last sound on Earth um EP existencial, espacial e cheio de ecos de solidão e esperança.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8,5
Gravadora: Big Dada
Lançamento: 7 de novembro de 2025
- Quer receber nossas descobertas musicais direto no e-mail? Assine a newsletter do Pop Fantasma e não perca nada.
Realizado em 1967 por um cineasta então ainda inexperiente (o canadense Michael Snow), o documentário Wavelength – disponível no YouTube – mostra várias experimentações com sons, imagens, situações e emoções. Foi esse filme que inspirou o músico norte-americano Roberto Carlos Lange, mais conhecido como Helado Negro, no conceito de seu novo EP, The last sound on Earth. Basicamente um disco que trabalha numa questão que muita gente jamais gostaria de imaginar: qual seria o último som ouvido imediatamente antes da morte?.
Na real, o EP de Helado Negro é mais uma experiência existencial do que apenas espiritual, falando também sobre solidão (More, cujo clipe traz emoções sendo representadas por um coração de origami) e política (Protector). Em todo caso, a música de The last sound é uma experiência transcendental, na qual cabem sons espaciais e futuristas, vocais quase fantasmagóricos e, em muitos casos, um clima meio “o Prince que veio do espaço”, como na dance music de More e na gélida e animada Don’t give up now.
- Ouvimos: Stealing Sheep – GLO (Girl Life Online)
Em Sender receiver, tema psicodélico e eletrônico com frases e palavras soltas que formam uma mensagem sobre tecnologia, desigualdade e solidão (no estilo de Arnaldo Antunes e do Can: “crescendo sozinho / amigos fantasmas / eleve a esperança / diminutiva preocupação consigo mesmo”), surpresa: Helado canta de forma impostada, quase lembrando seu xará brasileiro Roberto Carlos. A “onda sonora” do doc que inspirou Helado ganha comentários musicais no jungle Protector (com clima lo-fi e derretido, como uma fita que se desfaz) e no instrumental Zenith, cuja espacialidade é dada pelos teclados.
- Gostou do texto? Seu apoio mantém o Pop Fantasma funcionando todo dia. Apoie aqui.
- E se ainda não assinou, dá tempo: assine a newsletter e receba nossos posts direto no e-mail.
Cultura Pop5 anos agoLendas urbanas históricas 8: Setealém
Cultura Pop5 anos agoLendas urbanas históricas 2: Teletubbies
Notícias8 anos agoSaiba como foi a Feira da Foda, em Portugal
Cinema8 anos agoWill Reeve: o filho de Christopher Reeve é o super-herói de muita gente
Videos8 anos agoUm médico tá ensinando como rejuvenescer dez anos
Cultura Pop7 anos agoAquela vez em que Wagner Montes sofreu um acidente de triciclo e ganhou homenagem
Cultura Pop9 anos agoBarra pesada: treze fatos sobre Sid Vicious
Cultura Pop8 anos agoFórum da Ele Ela: afinal aquilo era verdade ou mentira?







































