Crítica
Ouvimos: Bill Ryder-Jones, “Iechyd da”

- Iechyd da é o quinto disco do britânico Bill Ryder-Jones, co-fundador da banda The Coral, na qual esteve até 2008. É o primeiro disco dele em cinco anos. Num papo com o site The Quietus, ele afirma que o novo álbum tem a mesma energia do seu segundo disco solo, A bad wind blows in my heart (2013), gravado com a filarmônica de Liverpool.
- O título do disco significa “boa saúde” em galês. Manter a saúde em dia tem sido uma preocupação de Bill, que tem síndrome do pânico e se tornou dependente de remédios durante a pandemia, período em que também teve um relacionamento desfeito. Numa ocasião, passou bastante mal ao misturar remédios com bebida alcoólica, e precisou ser hospitalizado – seu amigo Anthony, homenageado no álbum com Thankfully for Anthony, passou em sua casa e o levou.
Iechyd da, novo álbum do cantor britânico Bill Ryder-Jones, talvez apresente a primeira homenagem de um artista estrangeiro a Gal Costa. E que homenagem: I know that it’s like this (Baby) é um folk-rock orquestral, doído de tão melancólico, feito em torno do refrão de Baby, de Caetano Veloso, na versão da cantora baiana gravada em seu epônimo primeiro álbum solo (1969). O refrão “baby, eu sei que é assim” acomoda-se à faixa, e o próprio nome da cantora é citado na letra – como corruptela da palavra “girl”, mas como referência forte no verso “Gal, se você estiver ouvindo, há algo que você deveria saber/eu sei que é assim”.
I know that it’s like this é só o começo de um álbum que soa como um verdadeiro mergulho na música e no imaginário de Bill, um compositor bastante influenciado pelos anos 1960 (Beach Boys, Van Dyke Parks, Mutantes), um cantor na mesma escola rouca de Mark Lanegan e J Mascis, e um letrista que varia entre tristeza, romantismo, otimismo e cinismo em escalas quase iguais. Tanto que Iechyd da fala bastante de recomeços e de esperança, passeando por várias lembranças de bandas queridas de Bill nas letras (como o verso “caminhei a noite toda até a lua assassina”, citando The killing moon, do Echo and The Bunnymen, de This can’t go on).
O som de Iechyd da vai além do “rock adulto” e, em vários momentos, traz curiosas lembranças do pop de rádio dos anos 1960 e 1970. Não fosse pelos vocais graves e quase mastigados, This can’t go on daria uma bela canção de rádio AM ou de trilha antiga de novela, graças às cordas e à presença de um vocal operístico – embora a letra tenha versos impublicáveis como “quero foder, preciso de um pouco de cuidado/preciso disso agora, quero diversão”.
O lado beach boy do disco surge nas belas e sobrenaturais Christinha e We don’t need them. Um clima análogo ao country rock do começo dos anos 1970 aparece em faixas como If tomorrow starts without me e I hold something in my hand. E um lado bem mais introspectivo aparece nas baladas de piano A wind blows in my heart pt 3 e How beautiful I am. A primeira fala sobre o fim de uma relação disfuncional, em que uma pessoa só procura a outra quando precisa dela. A segunda é um reforço na autoestima de Bill (“ela me diz o quão bonito eu sou/eu penso nisso o tempo todo”).
A preocupação evidente de Bill foi a de fazer um disco belo e emocionante, do tipo que pode fazer chorar – e pode dar alento. No final, Thankfully for Anthony, sua homenagem a um amigo que o ajudou na época em que mais precisou de pessoas do seu lado, complementa a mensagem esperançosa do álbum.
Nota: 9
Gravadora: Domino
Foto: Reprodução da capa do álbum.
Crítica
Ouvimos: Radiohead – “Hail to the thief live recordings 2003-2009”

RESENHA: Registro ao vivo de Hail to the thief (2003) mostra Radiohead intenso e renovado entre 2003 e 2009, revalorizando o disco original.
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Thom Yorke, líder do Radiohead, nunca se sentiu muito confortável fora da sua casca. De certa forma, mesmo suas opiniões “polêmicas” sempre trouxeram aquela visão abstrata das coisas que costuma brotar em entrevistas de gente acostumada a ser chamada de “gênio” – mesmo que nem seja. Em alguns casos, as opiniões de Thom são ruins, mesmo. Ou simplesmente atabalhoadas, como naquela situação em que ele foi praticamente forçado a expor sua visão sobre Palestina x Israel, protestou contra o primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu, mas deu um jeito de sair pela tangente.
No caso de Hail to the thief, disco de 2003 do Radiohead, havia algumas coisas para notar assim que ele saiu. O Radiohead havia feito um disco político – ainda que com letras extremamente oblíquas e que se pareciam mais com fábulas estranhas do que com qualquer outra coisa. Livros como 1984, de George Orwell, e discursos do então presidente norte-americano George W. Bush em época de guerra serviram como inspiração. O som do disco, tão dolorido quanto o dos álbuns anteriores, soava como um pós-punk maníaco (ou um progressivo com alfinetes na bochecha, vá lá), em que tudo transpirava pressa.
- Ouvimos: Shearling – Motherfucker, I am both: ‘amen’ and ‘hallelujah’ …
- Ouvimos: Paul Weller – Find El Dorado
- Ouvimos: Apeles – Cru
Hail to the thief, vale dizer, estava mais para uma espécie de “obra aberta”, na qual cabem diversos entendimentos – aliás, recentemente Yorke retrabalhou todo o conteúdo de Hail para a produção da Royal Shakespeare Company Hamlet hail to the thief, o que já mostra o caráter (vá lá) elástico do álbum. E foi justamente por causa dessa produção que Thom decidiu ouvir gravações ao vivo das faixas de Hail – o que gerou esse Hail to the thief live recordings, com registros entre 2003 e 2009.
A versão ao vivo de Hail está bem longe de ser um caça-níqueis barato. O Radiohead vai no repertório como quem vai atrás de um prato de comida, como comprovado pela audição das releituras de faixas como There there, 2 + 2 = 5, Where I end and you begin, The gloaming e várias outras. Tem um subtexto histórico: o Radiohead de 2003 é diferente existencialmente do de 2009, já que o primeiro ainda era contratado da Parlophone e o segundo, uma banda independente que estava divulgando In rainbows (2007), o disco do “pague o quanto quiser”. Era também uma banda descontente consigo própria, já que Hail foi considerado por eles como um disco grande demais e meio enfadonho.
Musicalmente, é a vitória do rock experimental em tempos incertos, com faixas chorosas como I will sendo aplaudidas por plateias de arena (em Londres, Amsterdã, Buenos Aires e Dublin, lugares onde as gravações foram feitas). Hail to the thief está bem longe de ser o melhor disco do Radiohead, mas sai revalorizado das versões ao vivo.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8,5
Gravadora: XL Recordings
Lançamento: 13 de agosto de 2025
Crítica
Ouvimos: Apeles – “Cru”

RESENHA: Gravado ao vivo em uma tarde, Cru mostra Apeles em voz e guitarra, revisitando faixas antigas e tendo o eco do local como um instrumento a mais.
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Eduardo Praça, o músico, cantor e compositor por trás do Apeles, já havia lançado um diferentíssimo álbum triplo em março, 2015-2022: The complete demos and early recordings, com as primeiras gravações que fez usando o codinome. Cru, novo disco do Apeles, sai agora com a mesma disposição para apresentar algo novo. O músico gravou o disco ao vivo durante uma única tarde, no estúdio White Noise, em Los Angeles – e fez todos os registros apenas com voz, guitarra e eco.
Por sinal, bastante eco: todo o repertório parece ter sido gravado numa garagem abandonada, ou numa igreja. Em Cru, Eduardo revisita canções antigas do Apeles, abrindo com a balada abolerada de Vermelha, Ele prossegue com a experimentação de Clérigo e A alegria dos dias dorme no calor dos seus braços, e adere de vez ao clima sombrio na balada Socorro.
Cru também tem um lado meio sixties, meio brega em Vesania I (Cabo horn), e vai para um lado rocker, que chega a lembrar Creedence Clearwater Revival, em Desconocidos. Vibes ligadas a bandas como Smiths surgem em Lábios mentem à distância e Pax, patz, paz. Em alguns momentos, dá para perceber que o esquema de voz-e-guitarra impõe limitações de arranjo, especialmente em faixas com elementos parecidos. Por outro lado, no final, Cru (I rise in pieces), traz uma espécie de lado oculto do projeto, com clima fantasmagórico na voz e na guitarra.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8
Gravadora: Balaclava
Lançamento: 12 de agosto de 2025.
Crítica
Ouvimos: A Terra Vai Se Tornar Um Planeta Inabitável – “Ident II dades” (EP)

RESENHA: A Terra Vai Se Tornar Um Planeta Inabitável mistura shoegaze, punk triste e dream pop em EP sombrio e intenso sobre fugas, superações e sonhos.
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Banda paulista cujo nome volta e meia é confundido com o de outro grupo (E A Terra Nunca Me Pareceu Tão Distante), o A Terra Vai Se Tornar Um Planeta Inabitável vai além de nomenclaturas como “shoegaze” e “lo-fi” no novo EP, Ident II dades. Em faixas como Espaço/tempo, o som deles chega a lembrar o de formações hoje esquecidas, como o Kafka, pela união de ruídos, psicodelia e de instrumental quase espacial, levado pela guitarra.
Tempo/espaço, a continuação, tem mais cara de punk triste, ou de emo em tons bem mais sombrios, com microfonias. Distante abre com guitarra de textura quase eletrônica, e um som perto do punk, com peso e intensidade. As letras e os recados do disco são voltados para coisas deixadas para trás, fugas, superações e sonhos bem estranhos, como na vinheta falada de 94 (“entre uma fuga e outra você vai consegui se divertir”) e na trama slowcore de Santana 1994.
No final, Excursionista selvagem é mais ensolarada que o restante do disco, trazendo muito do dream pop dos anos 1980, mas sem deixar de lado a beleza sombria que marca o som da banda. Ouça como quem invade um ensaio do grupo.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8,5
Gravadora: Selo Quituts
Lançamento: 6 de junho de 2025
- Ouvimos: Ethel Cain – Willoughby Tucker, I’ll always love you
- Ouvimos: Vitor Brauer – Tréinquinumpára 06: Porto Velho
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