Crítica
Ouvimos: Beth Gibbons, “Lives outgrown”

- Lives outgrown é o primeiro disco solo de Beth Gibbons, musicista britânica que fez parte da banda Portishead. Segundo Beth, o disco foi escrito durante uma década e fala sobre “maternidade, ansiedade, menopausa e mortalidade”, entre outros assuntos. A produção é de Beth, James Ford e Lee Harris.
- “As pessoas começaram a morrer. Quando você é jovem, você nunca sabe o final, você não sabe como tudo vai acabar. Você pensa: vamos superar isso. Vai melhorar. Alguns finais são difíceis de digerir”, contou Beth em um comunicado.
- O disco usa piano preparado (tocado por Ford com colheres) e efeitos inusitados, como o uso de caixas e material de cozinha para a percussão.
O primeiro disco solo de Beth Gibbons vale como uma resposta ao tempo tão poderosa quanto a música Resposta ao tempo, de Aldir Blanc e Cristóvão Bastos, imortalizada por Nana Caymmi. O problema é que ao contrário da letra da música, não há batidas na porta da frente, nem o tempo é uma eterna criança. Qualquer surpresa que ele pudesse causar já é pedra cantada, mas pouca coisa é evitável. São problemas que vêm com o envelhecimento, com o tom sinistro das últimas notícias, com a tristeza de ver pessoas partindo, por questões de vida ou de morte. E a sensação de que você foi longe demais para voltar atrás.
O tom de Lives outgrown (“vidas superadas”) é bastante direto, as letras não deixam margem para dúvidas, os arranjos não são o tipo de som que muita gente gostaria de ouvir numa noite solitária. Floating on a moment fala que “estou indo em direção ao limite”. Se ouvida com o pensamento na tragédia do Rio Grande do Sul, e com a certeza de que histórias como essa não acontecem por acidente, Rewind ganha outro contexto: “a natureza não tem mais para dar/não faz sentido/este lugar está fora de controle/e todos nós sabemos o que está por vir”, com ruídos de crianças se divertindo na água, bem no final. Burden of life assevera: “não há respostas sobre o porquê”. Isso só para ficar em três exemplos.
Musicalmente, rola todo um clima de cidade-fantasma, de terror solitário, em Lives outgrown. Há críticos definindo o disco como “folk”, o que é uma meia-verdade. O som é experimental, une violões, efeitos especiais de percussão e bateria tocada igualmente como se fosse uma percussão (pelo co-produtor Lee Harris). E há faixas que soam como um redesenho acústico, repleto de madeiras, numa música originalmente eletrônica, como acontece em Reaching out. Se alguém quiser estabelecer comparações com o Portishead, ex-banda de Gibbons, o conceito é quase (quase, calma) comparável ao clima de Third, último disco da banda, de 2008.
Músicas como Rewind, Beyond the sun e For sale soam como sonhos perturbadores – trazendo influência de música do oriente médio unida a tons psicodélicos. Burden of life, com vocais soprados, e soando quase como um organismo vivo, com cordas, batidas e violões, é o tema de abertura ideal para uma série que falasse sobre vida e morte, esperanças perdidas e caminhos possíveis. E dessa forma o disco segue, até chegar a notas de esperança em Whispering love, a faixa final, que surpreende por fazer Beth Gibbons lembrar a voz de Annie Haslam, do Renaissance. Tudo muito bonito, mas muito triste. E muito verdadeiro.
Nota: 8,5
Gravadora: Domino.
Crítica
Ouvimos: Peter Doherty – “Felt better alive”

RESENHA: Peter Doherty renasce no country rock em Felt better alive, disco de histórias rurais, faroeste psicodélico e gratidão pós-caos.
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Peter Doherty, o líder dos Libertines, é o sobrevivente mais jovem do rock. Enganou a morte por uma gota – e estamos falando de uma pessoa que costumava se divertir com ninguém menos que Amy Winehouse, e que no meio de uma rebordosa de drogas, simplesmente resolveu assaltar o apartamento de seu colega de banda Carl Barat.
Felt better alive, seu quinto disco solo, traz o som de alguém que se sente grato e feliz por ter conseguido escapar do pior – mas que se divertiu muito enquanto curtia os frutos proibidos da vida. Peter escolheu o country, estilo musical eternamente associado a contadores errantes de histórias, para balizar o disco – e o repertório associa-se também a seu atual estado de morador da área rural da Normandia, pai de três filhos (Billie Mae, a mais nova, é homenageada na doce e suingada Pot of gold, com emanações tanto de Bob Dylan quanto de Red Hot Chili Peppers), socialista, limpo e livre de vícios ilegais desde 2019.
- Fizemos resenha do disco mais recente dos Libertines, All quiet on the eastern esplanade.
Felt better alive é um disco, na real, de country rock, com cordas que dão um ar bonito e triste a faixas como Calvados, Out of tune balloon (na cola tanto de Bob Dylan quanto de Tom Waits) e a música-título (que tem uma baita cara de música de faroeste). A nata da malandragem ganha homenagem em Poca Mahoney’s, uma curiosa mistura de canção francesa com tema punk – que vira um curioso hardcore no fim.
Por sinal, sons do país onde Doherty está atualmente morando dão as caras também em Stade océan, quase um blend de Serge Gainsbourg e os álbuns solo de John Frusciante, e o faroeste não-estadunidense de Prêtre de la mer. E até David Bowie é convocado como referência em Fingee, som estiloso, acústico, blueseiro, com cara sonhadora e levemente psicodélica. Um disco de música e histórias, onde Peter arrisca-se a se tornar um menestrel punk-country, a seu estilo.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 9
Gravadora: Strap
Lançamento: 16 de maio de 2025.
Crítica
Ouvimos: TVOD – “Party time”

RESENHA: TVOD mistura punk e pós-punk em Party time, disco barulhento e introspectivo sobre solidão, abuso e amores fracassados.
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O título Party time pode parecer convite para uma festa insana, mas o terceiro disco da banda nova-iorquina TVOD (“television overdose”) vai além do porre coletivo. Punk e pós-punk de boas guitarras, com clima espacial e um synth apitando para avisar que a festa ali é para quem dança na pista, mas também viaja sozinho pelos cantos.
Os temas abordados nas letras também estão bem longe do clima “festeiro”: quase sempre, Party time fala de abusos, acidentes, amores cagados, morte, solidão – embora a faixa-título fale de uma festa bêbada e nudista que vai até altas horas. De modo geral, Party time é um disco introspectivo com coração barulhento – como se a Gang of Four encontrasse os Buzzcocks numa pista meio vazia, cheia de luzes piscando.
Uniform abre os trabalhos com um riff bêbado de sintetizador. Já Car wreck surfa em guitarras com wah-wah e clima voador, com algo de Syd Barrett. Pool house cruza The Cars e Pixies no meio do caminho entre o punk e o pop sombrio. Em Empty boy, o som cresce em camadas psicodélicas, enquanto Super spy chega a lembrar o U2 em começo de carreira – só que ganhando vocais falados na cola do Sonic Youth. A viagem continua com Mud, que parece o B-52’s em órbita. Wells fargo mistura o cima ríspido e nervoso do The Fall com viradas sessentistas, sons rangendo e clima de garagem. Alcohol desacelera num clima sombrio que remete à fase atual dos Pixies.
No mais, Take it all away traz guitarra econômica e eficaz. Bend ganha batida quase cigana no início, e conclui levando a argamassa sonora dos Pixies para o espaço. E no final, tem a faixa-título, com clima herdado de The Cars, um theremin possuído, guitarras ruidosas e vocais falados lembrando Talking Heads. Um disco coeso, sujo e sentimental.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 9
Gravadora: Mothland
Lançamento: 9 de maio de 2025.
Crítica
Ouvimos: Cristian Dujmović, “Atisbo” (EP)

RESENHA: Cristian Dujmović mistura pós-punk, bossa e MPB setentista no inventivo EP Atisbo.
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Cantor e compositor formado entre os sons da Argentina e da Espanha, Cristian Dujmović herdou muito da magia do rock argentino na construção de melodias e arranjos, voltando-se para um som ligado ao pós-punk e para algumas doses de experimentalismo musical.
Segundo lançamento após o álbum Desde acá (resenhado aqui), o EP Atisbo abre com as inseguranças e ansiedades de Shock, repleta de riffs simples e bem bolados, de climas entre o luminoso e o sombrio, e apresentando algo de bossa nova na melodia. A mesma vibe, por sinal, surge no jogo de acordes da sinuosa Sin cuerpo.
Já a bela Animal tem algo de rock gaúcho (Nenhum de Nós, Cidadão Quem), e simultaneamente, uma musicalidade que une anos 1990 e 1980. No final, a abolerada Destello ganha uma cara musical próxima da MPB setentista (Beto Guedes, Flávio Venturini), e Quemar tem tom ambient na abertura, emendando com um pós-punk vigoroso e levado adiante por baixo e bateria bem marcados.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8
Gravadora: Independente
Lançamento: 8 de maio de 2025.
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