Crítica
Ouvimos: 2nd Grade, “Scheduled explosions”

- Scheduled explosions é o terceiro álbum do 2nd Grade, uma banda indie da Filadélfia criada originalmente como um projeto solo do cantor e guitarrista Peter Gill, mas que hoje tem uma formação com Catherine Dwyer (vocais), David Settle (baixo) e Francis Lyons (bateria).
- O disco novo foi produzido por Gill e por Lucas Knapp, que fez também a engenharia de gravação.
- De modo geral, o grupo é tido como uma banda de power pop – e muita gente compara o som deles com o do Guided By Voices.
- Boa parte do repertório da banda é formado por canções bem curtas. Num papo com o site Secret Meeting em 2020, Gill falou sobre isso: “Você pode realmente ir direto ao ponto de uma música e garantir que ela saia antes que o ouvinte enjoe dela, e isso vai, com sorte, fazê-lo voltar e ouvir novamente”.
Tem sempre algo bem louco acontecendo no novo álbum do 2nd Grade, uma banda que já abre esse Schedule explosions com um power pop bem estranho chamado Live from missile command, misturando guerras de videogame a guerras reais, com uma letra inconclusiva (“a principal ameaça é a violência de rádio/o que está acontecendo, capitão?”, e pano rápido). E que em todas as 23 faixas de seu novo disco faz uma mistura de referências que se assemelha mais a uma câmera na mão, misturando Beatles, Yellow submarine, The Troggs, Monkees, Otis Redding, Easy rider, filmes underground em geral, Elvis Costello e o que mais surgir.
Eu disse 23 faixas? Bom, Scheduled explosions tem esse número de músicas em 38 minutos e uns quebrados – há canções de menos de um minuto, evidentemente, e muitas músicas que se assemelham a rascunhos ou excertos de canções. O material é basicamente power pop influenciadíssimo por Monkees e Big Star, mas há momentos em que nomes como Beach Boys, Ramones e Beatles fase Revolver são evocados. Tudo criação da cabeça do líder do grupo, Peter Gill, um sujeito com cérebro extremamente ativo e cujas emoções, como compositor, apontam para aqueles momentos em que tudo parece estar desmoronando, mas a desgraça pelo menos rende uma música, ou umas piadas.
No disco, Triple bypass in B-flat é shoegaze + power pop, aludindo às fases iniciais do Teenage Fanclub. Fashion disease atinge o nervo do folk rock oitentista, e do rock mais melódico da mesma época. Ice cream social acid test (olha esse título!) é Big Star + Raspberries no ácido. Evil things tem o romantismo de uma canção do The Motors (aqueles de Airport, lembra?), mas a letra fala de um demônio bem estranho que “sabia de alguma forma meu nome e meu número de previdência social”, e aí coisas bem malignas acontecem.
- Apoie a gente e mantenha nosso trabalho (site, podcast e futuros projetos) funcionando diariamente.
Cada música de Schedule explosions é uma parte pequena de um mundo bem esquisito, que ainda inclui versos lapidares como “o rapaz stereo encontra o mundo mono” (em Airlift, canção tristonha e desesperada sobre o mundo do trabalho de 9 às 5) e “a história é escrita por vencedores/os perdedores escrevem power pop/e é tudo sobre você” (no punk All about you, que comprime Buzzcocks e Ramones em 67 segundos).
Esse lado de estranhamento atinge momentos bem mais variados no disco, que tem momentos bem lo-fi, parecendo gravações de shows ou fitas mal-conservadas, em músicas como Joan on ice e 68 comeback. E que chega bem perto da sonoridade de bandas como Jesus and Mary Chain nas distorções e explosões de American rhythm.
Mais: entre os cacos colados por Peter Gill no disco, há ainda a explosão power pop psicodélica de Like Otis Redding, o jingle maluco de Crybaby semiconductor e a balada 50’s King of Marvin Gardens, cujo nome faz referência a um filme de 1972 de Bob Rafelson (por sinal o diretor de Head, filme lisérgico dos Monkees), com Jack Nicholson no elenco. Uma estranha loucura pop, difícil de parar de ouvir.
Nota: 8
Gravadora: Double Double Whammy
Crítica
Ouvimos: Duncan Lloyd – “Unwound”

RESENHA: No sexto disco solo, Unwound, Duncan Lloyd (Maximo Park) investe num pós-punk sombrio, introspectivo e cheio de silêncios.
- Apoie a gente e mantenha nosso trabalho (site, podcast e futuros projetos) funcionando diariamente.
- E assine a newsletter do Pop Fantasma para receber todos os nossos posts por e-mail e não perder nada.
Guitarrista, tecladista e compositor de uma das bandas mais legais de seu tempo, a britânica Maximo Park, Duncan Lloyd volta à carreira solo com um disco carregado de intensidade – e cheio de energias dos mais variados tipos. Unwound, seu sexto álbum solo, foi feito durante períodos particularmente adversos e complicados, e Duncan faz questão de falar que decidiu botar o/a ouvinte para dentro do álbum, musicalmente falando.
Vem daí, com certeza, a sonoridade cheia de silêncios de Unwound, um disco que abre meio grunge, meio slacker rock, com Gothic pill. E que prossegue em clima de transe com I’m on it, música com baixo sintetizado intermitente e bateria quase no rascunho. Uma vibe decididamente hipnótica – só não dá para falar que é uma vibe “psicodélica” porque o som evoca imagens p&b e fantasmagóricas.
- Vocês têm noção de que o tema do Roda Viva de 1985 a 1994 era… The Cure?
- 4 discos: Joy Division e seus “the best of”.
- Ouvimos: Maximo Park – Stream of life
Duncan investe bastante numa estética misteriosa e gélida de pós-punk, com guitarras rangendo, baixo na linha de frente e guitarras com riffs simples. É o que rola nos sete fantasmagóricos minutos de Swim, nas evocações do The Cure de 1978/1979 em One step closer to the dam, no clima grave de Rituals, nas incertezas musicadas de Laugh so loud, e nos silêncios e ecos de Bright field.
Já a tristonha Radio silent oscila entre beleza e ruído. E um clima de isolamento, de deserto, toma conta da ruidosa Lightning bottle e da folk e ensimesmada A world away now.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8,5
Gravadora: Reveal Records
Lançamento: 11 de julho de 2025
Crítica
Ouvimos: Lyra Pramuk – “Hymnal”

RESENHA: Em Hymnal, Lyra Pramuk mistura voz, cordas e eletrônica para criar um som sensorial, experimental e introspectivo, entre o pop e o erudito.
- Apoie a gente e mantenha nosso trabalho (site, podcast e futuros projetos) funcionando diariamente.
- E assine a newsletter do Pop Fantasma para receber todos os nossos posts por e-mail e não perder nada.
Norte-americana com base em Berlim, Lyra Pramuk é um pouco mais do que apenas uma artista multitarefa: é vocalista, produtora, compositora, DJ, artista performática e astróloga. Ela opera CDJs com gravações em seu trabalho, sampleia a própria voz e tem interesses bem diferentes do receituário comum do universo pop. Sua trajetória se parece com aquelas reportagens com pessoas de múltiplos interesses: ela estuda canto desde cedo, chegou a pensar em se tornar cantora de ópera, mas alternava a música clássica com escapadas às pistas de dança.
Hymnal é a soma disso aí tudo: é um disco “eletrônico” em que Lyra opera samples da própria voz e transforma vocais em melodia e ritmo, que vão achando seus espaços próprios em casa faixa, em meio aos arranjos de cordas de Francesca Verga e às improvisações orquestrais do Sonar Quartet. Nomes como Steve Reich e Laurie Anderson surgem como referência inicial para quem ouve, e até daria para dizer que se trata de um disco “minimalista”, não fosse o resultado final bastante elaborado e rico em detalhes.
- Ouvimos: Mandrake Handshake – Earth-sized worlds
- Laurie Anderson: descubra agora!
Músicas como Rewild, Unchosen e Oracle trazem o eletrônico funcionando a favor do orgânico, quase sempre, dando a entender que algo mis dançante pode começar – quase sempre é uma dança do vento, das sonoridades em meio à estereofonia, com vozes sendo transformadas em ritmos e em uma música suave e experimental. Já faixas como Render, Incense, Babel e o loop vertiginoso de Meridian transformam essa sonoridade em algo sombrio, como algo bonito sendo encontrado em meio a uma bad trip.
Num papo com o site The Quietus, Lyra mostrou que tem uma visão bem peculiar de arte e de carreira artística – mais ou menos como Laurie Anderson já mostrou em algumas entrevistas. Lyra não pensava em fazer álbuns, não costuma ler jornalismo musical e não se considera alguém da indústria. Seu som tem mais a ver com um performance pessoal realizada no palco, que não se repetirá em outros shows porque vem do improviso, ou de uma vivência de DJ. Também já se considerou pop demais para mexer com música clássica, e um corpo estranho no universo pop.
Esse clima passa por todas as faixas de Hymnal, mas vai chegando a uma faceta quase progressiva em alguns momentos do disco, como no tom cigano de Gravity, no jazz erudito e sombrio de Swallow e Umbra, e no som despojado e quase roqueiro de Crimson, tocando uma guitarra que parece ter sua afinação mexida com efeitos de estúdio.
O lado acessível de Lyra aparece nos momentos em que o som de Hymnal, como pesquisa musical, poderia influenciar discos de indie pop. Reality, com seus vocais autotunados e intervenções rítmicas feitas com cordas, pode servir de inspiração para discos de trap e rap. A percussão sensorial de vozes e cordas em Solace e em Ending, que encerra o disco, idem. Hymnal é um disco que transforma a introspecção em espetáculo sonoro.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8
Gravadora: 7K! / pop.solo
Lançamento: 13 de junho de 2025.
Crítica
Ouvimos: A Filial – “Primeiro disco” (EP)

RESENHA: Grupo de rap carioca, A Filial volta no EP Primeiro disco com beats simples e versos afiados sobre arte, redes, sobrevivência e dias estranhos.
- Apoie a gente e mantenha nosso trabalho (site, podcast e futuros projetos) funcionando diariamente.
- E assine a newsletter do Pop Fantasma para receber todos os nossos posts por e-mail e não perder nada.
A Filial é um grupo de rap carioca que existe há mais de duas décadas – sendo que Edu Lopes, criador do projeto, vem de antes: foi um dos fundadores dos Funk Fuckers, banda de funk-rap-sacana capitaneada por BNegão. Quem menos tem é quem mais oferece, segundo disco da Filial (2006), é discoteca básica da música carioca de rua dos anos 2000, com clássicos como Verso versátil, Gosto tanto e o samba-rap Brilha o sol.
Primeiro disco, apesar do nome, é o quinto lançamento da Filial, e um EP que promove uma volta no tempo. O som foge da chuva de misturas sonoras do rap pós-anos 1990 e volta a uma época de simplicidade no estlo, com beats e riffs simples, e versos diretos. Qualquer qualquer tanto faz, que abre o EP, brota com samples e notas no piano, e emenda uma conversa sobre influencers, economia da atenção, bets e agressividade na internet (“a rolagem no feed agride minha capacidade de foco / sou a minha pior versão com o celular na mão”). Debaixo do sol, no fim do disco, encerra o ciclo comentando sobre os dias de hoje como se fossem civilizações de outros tempos.
- Ouvimos: Don L – Caro vapor II – qual a forma de pagamento?
- Ouvimos: Y3ll – Entre samples roubados & cerveja barata
- Ouvimos: FBC – Assaltos e batidas
Uma parte boa de Primeiro disco une jazz, rap, trilhas sonoras e progressões musicais, como em A minha vernissage – um papo sobre hip hop e arte – e o inventário de batalhas de Tamo de pé (“eu não luto pra vencer, eu luto pra me manter fiel”, diz a letra), com participação de Matéria Prima. Que qualquer MC, com Daniel Shadow, narra cenas de rua em tom sombrio e com planos abertos. Haja teta, com Old Dirty Bacon, traz base de soul e versos sobre valorização dos artistas em tempos de IA (“fuck you, pay me, libera logo o faz-me-rir / esse filme é reprise, eu já vi”). Crítica, arte e sobrevivência em papos retos.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8,5
Gravadora: Independente
Lançamento: 28 de junho de 2025
-
Cultura Pop5 anos ago
Lendas urbanas históricas 8: Setealém
-
Cultura Pop5 anos ago
Lendas urbanas históricas 2: Teletubbies
-
Notícias7 anos ago
Saiba como foi a Feira da Foda, em Portugal
-
Cinema8 anos ago
Will Reeve: o filho de Christopher Reeve é o super-herói de muita gente
-
Videos8 anos ago
Um médico tá ensinando como rejuvenescer dez anos
-
Cultura Pop8 anos ago
Barra pesada: treze fatos sobre Sid Vicious
-
Cultura Pop6 anos ago
Aquela vez em que Wagner Montes sofreu um acidente de triciclo e ganhou homenagem
-
Cultura Pop7 anos ago
Fórum da Ele Ela: afinal aquilo era verdade ou mentira?