Cultura Pop
Noel Gallagher e a banda que inspirou o single “Holy mountain”, o Ice Cream
Em novembro de 2016, alguém subiu para o YouTube um fonograma que possivelmente estava esquecido por décadas. The chewin’ gum kid, hit do finzinho dos anos 1960 (data ignorada) de um grupo de bubblegum rock da região de Ohio, nos Estados Unidos, o Ice Cream. E agora – olha que legal – o que mais tem é gente indo lá ouvir a música, porque Noel Gallagher sampleou o riff da flautinha da música e deixou rodando quase o tempo todo em seu novo single, Holy mountain.
Olha aí o single de Noel Gallagher.
Noel Gallagher deu uma desafiada em seus fãs, afirmando num papo com a Radio X que não adiantava nada procurar a música no Google, porque ninguém iria achar. Bom, não apenas acharam como tem gente afirmando no arquivo do YouTube que chegou lá por causa da nova música de Noel.
Achar a música do Ice Cream é fácil. Já encontrar material sobre a banda, realmente, não é molezinha. O Discogs mostra que o grupo tem apenas um single – Chewin’ gum kid no lado A, Epitaph to Marie no lado B (é essa música aí de baixo). Milan Radenkovich, o produtor/arranjador do grupo, é um sujeito que tem uma história tão misteriosa quanto a do Ice Cream. Produziu uma série de compactos de bandas de garagem no fim dos anos 1960 para várias companhias, fez certo barulho com discos autorais (o compacto I’m a leather boy saiu em 1967 e foi resgatado em 1983 para a série de coletâneas de bandas de garagem Peebles) e costumava trocar bastante de identidade enquanto artista solo. Lançou desde compactos ligados à psicodelia até discos de pop orquestral. Milan morreu bem jovem, aos 29 anos, em 1971 – na Wikipedia diz que a causa mortis foi câncer no cérebro.
O Ice Cream faz parte, digamos, do lado alternativo da cena de bandas bubblegum dos anos 1960/1970. Uma turma que incluía grupos extremamente bem sucedidos como Archies, 1910 Fruitgum Company e os conterrâneos do Ohio Express. Eram bandas que faziam conexões com mídias como desenho animado e quadrinhos (os Archies eram um desenho animado que virou banda, com o hit Sugar sugar, primeiro lugar na parada da Billboard em 1969) e que levavam a sério a composição de “melodias açucaradas”. Boa parte dos hits delas falavam de garotas como se fossem doces, sorvetes e etc, e 100% do material era formado por melodias suaves, docinhas e cataroláveis.
Um site indicado justamente pelo Discogs, o Buckeye Beat – que compila bandas de rock, r&b e soul de Ohio, dos anos 1950 aos 1970 dá (um pouco) mais de detalhes sobre o grupo. O Ice Cream surgiu em 1966 com o nome de The Apple Corps, veio de um subúrbio de Cleveland, Willowick, e gravou várias demos, além de um acetato por uma gravadora local, ainda com o nome antigo. Conseguiram contrato com a Capitol, passaram a se chamar Ice Cream (provavelmente para evitar confusões com a gravadora dos Beatles) e soltaram o single 45 rpm com as duas músicas acima. Chegou a ser programado um LP, que se chamaria Pie a la mode (“maçã à moda da casa”) mas não saiu.
E já que você chegou até aqui, pega aí o maior hit do 1910 Fruitgum Express, Yummy yummy yummy.
https://www.youtube.com/watch?v=-4aQiFaCod8
Cultura Pop
No nosso podcast, a época em que o Killing Joke revolucionou o pós-punk
Drogas, caos, peso, ocultismo, iluminação espiritual e paixão pela violência e pelo proibido marcaram a carreira do Killing Joke – e marcam até hoje, já que a banda ainda existe. Do começo até meados dos anos 1980, Jaz Coleman, Youth (e depois Paul Raven), Paul Ferguson e o recém-falecido Geordie inseriram mais e mais perigo num estilo musical, o pós-punk, marcado pela insinuação e pela exploração de demônios interiores.
No nosso podcast, o Pop Fantasma Documento, o assunto de hoje é a melhor fase do Killing Joke, uma das bandas mais misteriosas da história do rock, responsável por aproximar estilos como pós-punk, gótico e heavy metal. Terminamos no disco Brighter than a thousand suns (1986), mas a história do grupo ainda inclui muitos outros discos – ouça tudo.
Século 21 no podcast: Girls In Synthesis e Plastique Noir.
Estamos no Castbox, no Mixcloud, no Spotify e no Deezer .
Edição, roteiro, narração, pesquisa: Ricardo Schott. Identidade visual: Aline Haluch (foto: reprodução internet). Trilha sonora: Leandro Souto Maior. Vinheta de abertura: Renato Vilarouca. Estamos aqui de quinze em quinze dias, às sextas! Apoie a gente em apoia.se/popfantasma.
Crítica
Ouvimos: Ramones, “Halfway to sanity” (relançamento)
Que ironia: um disco nota 6 dos Ramones causa crises de saudades e revisionismo histórico e… pelo menos aqui no Pop Fantasma, aumenta de cotação. Halfway to sanity (1987) volta agora às lojas brasileiras (as online e as que resistem), e no formato CD. Foi o último disco gravado com Richie Ramone na bateria, pouco antes do grupo fazer uma tentativa de colocar o ex-Blondie Clem Burke para substituí-lo.
Dizer que “o disco tal dos Ramones foi marcado por brigas durante a gravação” é chover no molhado, ainda mais em se tratando de uma banda que tinha o intransigente Johnny Ramone como guitarrista. Halfway, décimo álbum da banda, lançado originalmente em 15 de setembro de 1987, por sua vez, é um caso à parte: a porrada comeu antes, durante e depois. Para começar, em janeiro daquele ano, o grupo baixou em São Paulo para três shows – o primeiro deles terminou em briga generalizada provocada por skinheads.
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- Temos episódios do nosso podcast sobre Ramones e Blondie.
No meio das gravações, Joey e Johnny Ramone, inimigos íntimos, não se entendiam. O produtor Daniel Rey tinha problemas de comunicação com boa parte da banda. Dee Dee Ramone (ainda no baixo do grupo), passava boa parte do tempo doidão, não conseguia se comunicar com ninguém e – dizem – teve suas partes de baixo tocadas por Rey. Pessoas que lidavam com os Ramones de perto dizem que a banda já estava de saco cheio de trabalhar feito louca, gravar um disco por ano e não ser reconhecida, com direito a amigos da onça perguntando a eles “quando a banda iria estourar”.
E aí que Halfway soa insano, embora sob controle. Curtíssimo (12 músicas em 30 minutos e uns quebrados), o álbum traz os Ramones fazendo algumas incursões pelo hard rock e pelo hardcore, com direito a vocais berradíssimos de Joey Ramone em faixas como I know better now, a agitada Weasel face (na qual a voz do cantor chega a lembrar a de Alice Cooper) e o skate punk legítimo I’m not Jesus. O grupo chega perto do pós-punk gótico em Garden of serenity, adere ao som tribal na onda do Public Image Ltd em Worm man, e soa revivalista na balada Bye bye baby (com cara de canção de girl group, e escrita, claro, por Joey) e no rock vintage Go lil Camaro go, marcado por uma apagada participação de Debbie Harry.
1987 foi um ano de três bateristas para os Ramones: com Halfway em curso, Richie saiu brigado da banda, e deu lugar para Clem Burke – jornalistas lançaram a piada de que ele adotaria o nome Clemmy Ramone, mas ficou mesmo como Elvis Ramone. Não deu certo e após dois shows confusos, Marky Ramone, que estava afastado da banda desde 1983, retornou. Hoje, vale a redescoberta.
Nota: 7,5
Gravadora: ForMusic (no Brasil)
Crítica
Ouvimos: Nick Lowe e Los Straitjackets, “Indoor safari”
- Indoor safari é o novo disco do cantor, compositor e produtor britânico Nick Lowe. Um artista cuja carreira vem desde meados dos anos 1960, mas que se notabilizou a partir dos anos 1970, primeiro como integrante das bandas Brinsley Schwarz e Rockpile, depois como artista solo lançado por gravadoras como a indie Stiff e a indie-major Radar.
- O disco é uma compilação de gravações feitas ao longo de dez anos por Lowe com a banda retrô-lounge-surf Los Straitjackets, que sempre se apresenta disfarçada por máscaras de wrestling. O cantor e o grupo já haviam lançado um álbum ao vivo em 2016.
- Indoor safari sai pelo selo Yep Roc, iniciado em 1997 e cujo elenco já teve de Fountain Of Wayne a Bob Mould e Gang Of Four.
Figurinha indispensável dos anos 1970, brilhante como cantor, compositor e produtor, rei da transição entre pub rock, punk e new wave (seu som passa pelos três estilos)… Nick Lowe é aquele cara que provavelmente, no Brasil, muita gente conhece sem conhecer. Volta e meia ele é citado por aí como nomão influente, artistas como Elvis Costello já trabalharam com ele, e sua discografia, além de já ser bem extensa, inclui músicas que volta e meia rolam no rádio até mesmo no Brasil, como So it goes, Crackin up e Cruel to be kind.
Drogas e problemas pessoais deixaram a história de Nick mais conturbada, mas ele nunca parou. De qualquer jeito, a carreira discográfica de Lowe meio que ficou no para-e-anda depois de 2013, quando ele lançou Quality street, disco de Natal. Em compensação, ele saiu em turnê para divulgar o álbum ao lado de uma banda chamada Los Straitjackets, uma banda da mesma gravadora que ele (Yep Roc), dedicada a rock extremamente vintage – surf music, rockabilly e coisas próximas do bubblegum – com cada integrante usando uma máscara de wrestling.
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Isso aí era Lowe, que já foi visto como um revisionista futurista, voltando-se para um som clássico de rock, ao lado de uma galera bastante animada. Tão animada que o enrosco com a banda rendeu turnê e alguns singles. E agora rende uma espécie de coletânea expandida, Indoor safari, com os compactinhos que ele vem gravando ao lado dos Straitjackets, mais três músicas inéditas. Uma das novas canções, a surfística Went to a party, surge na abertura soando como o Who ou os Kinks dando vida nova a uma canção dos anos 1950 – ou alguma música perdida de bandas como Kingsmen ou Rivingstones.
Indoor safari não é um disco “novo”, mas isso não o torna menos valoroso. Os Straitjackets e Lowe fazem um disco de rock quase 100% autoral que poderia ter saído em 1961 ou 1962, com músicas que, se tivessem sido feitas naquela época, estariam no set list do show dos Beatles em Hamburgo, ou entre as releituras dos primeiros discos deles. De qualquer jeito, há dois covers, A quiet place, de um grupo chamado Garnett Mimms & The Enchanters, original de 1964; e Raincoat in the river, gravada originalmente por Ricky Nelson.
O clima lounge prometido pela foto da capa surge amplificado em músicas como Love starvation, a tristezinha rocker de Crying inside, a maravilha meio Motown meio Beatles Jet pac boomerang (encerrada com uma citação de Please please me, dos quatro de Liverpool), a selvageria rocker de Tokyo bay e a bateção irresistível de violão e guitarra de Trombone. Cada riff de guitarra soa como anúncio de duelo, numa onda meio surf rock de faroeste. Ouça no volume máximo.
Nota: 9
Gravadora: Yep Roc
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