Crítica
Ouvimos: Lil Wayne – “Tha Carter VI”

RESENHA: Disco novo do rapper Lil Wayne, Tha Carter VI tem boas ideias, vários tropeços e aposta na tradição. Um disco longo, feito pra fãs fiéis.
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Vai ter muita gente decidindo escutar o novo disco de Lil Wayne em partes – como se fosse um livro, um pouco a cada dia. Tha Carter VI tem mais de uma hora de música, já ganhou uma edição com faixas bônus, e parece seguir uma onda parecida com a dos filmes de super-heróis – aquela coisa de ganhar pela perseguição, pela porrada, pelos tiros, mais do que pelo conteúdo.
Tha Carter, vale falar, tem bastante a ver com a lógica dos blockbusters – é uma série de discos que já vem sendo feita por Lil há duas décadas (o primeiro Tha Carter saiu em 2004). Supostamente, são histórias mais pessoais e escritas no mesmo fluxo que comandou o primeiro volume da série. Na época, Wayne, cujo nome verdadeiro é Dwayne Michael Carter Jr (daí o título do disco), decidiu sair montando os raps na base da intuição e do sentimentos – chegou a declarar que fazia versos o tempo todo, sem nem ter um papel à mão para anotar.
Os Tha Carter foram acompanhando os vais-e-vens da carreira de Wayne – problemas com direitos autorais, prisões, etc. O novo disco da série serve mais para continuar a tradição e para mostrar que Lil Wayne foi considerado o maior rapper do mundo durante vários anos. E sim, o storytelling dele continua o fino em vários momentos. Mas vale dizer que são bem estranhas as tentativas de tornar seu som mais palatável para a galera que não necessariamente é fã de rap.
- Ouvimos: Snoop Dogg – Iz it a crime?
- Ouvimos: Stefanie – Bunmi
- Ouvimos: Will Smith – Based on a true story
- Ouvimos: clipping. – Dead channel sky
Só pra você ter uma ideia, Wayne decidiu pegar Island in the sun, do Weezer (!), e transformá-la num rap chamado Island holiday. Não parece uma perspectiva muito exata do que pode render sucesso – e não parece acrescentar nem à música original, nem a seu trabalho como compositor. Maria é um rap construído sobre a voz de Andrea Boccelli cantando Ave Maria. Igualmente não parece ter muita graça – mesmo que a letra seja uma história emocionante sobre como Lil e Wyclef Jean (que participa da faixa) construíram seus impérios mesmo com tudo remando contra.
Musicalmente, o que mais fica na cabeça é o samba-soul batido no clavinet de Hip hop, além do batidão afropop de Flex up e o r&b zoeiro de Peanuts 2 N elephant – uma música em que ele compara todo o hip hop a amendoins enquanto ele é “um elefante”, e em que o nome de Donald Trump, vai entender o motivo, aparece lá pelas tantas (vale lembrar que Wayne, assim como Snoop Dogg, tem uma relação pra lá de enrolada com o presida dos EUA). Ou a onda ska reggae de Cotton candy. Tem o clima sombrio de Bells e de Sharks, também.
De mal colado e mal resolvido, tem bastante coisa, como a melosa If I played guitar e o hip hop texturixzado de Loki’s theme, que em dado momento chega a lembrar um bisonho nu metal. The days tem ninguém menos que Bono, do U2, no vocal – e a melodia tem clima de balada do grupo irlandês. Mula komin in, com Lil Novi (filho de 14 anos de Wayne), soa como uma concessão meio mal feita à onda trap. Ficou estranho e, em vários momentos, o trabalho musical afunda os raps sinuosos de Wayne.
Encarar os quase 80 minutos de Tha Carter VI é pra grandes fãs – e dado o passado de Lil Wayne, justifica-se que muita gente faça isso. Mas…
Texto: Ricardo Schott
Nota: 6,5
Gravadora: Young Money / Republic
Lançamento: 6 de junho de 2025.
Crítica
Ouvimos: Hayley Williams – “Ego”

RESENHA: Hayley Williams manda recados bem endereçados nas 17 faixas de seus novos singles – que, coletivamente, estão sendo chamados por fãs e jornalistas de Ego. E musicalmente, tudo se sustenta muito bem.
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Bom, pra começar, não existe nenhum disco de Hayley Williams chamado Ego. O nome – originalmente usado numa tintura de cabelo lançada em tiragem limitada pela empresa dela, Good Dye Young – está sendo usado pelos fãs da cantora do Paramore (e por alguns jornalistas) para chamar a coleção de 17 singles que ela soltou de repente.
O lançamento dos singles é um trabalho que merece nota 10 em marketing e vendas, enfim. Hayley abusou do senso de comunidade, soltando primeiro as faixas de graça no site dela – quem era cliente da Good Dye Young teve acesso a uma senha de acesso, depois compartilhada por eles com os outros fãs. O material chegou só bem depois, com uma qualidade sonora melhor (e capas), às plataformas.
No todo, a história aponta para vários lados: mistério (o que era a tal mensagem em áudio que havia na pasta com as músicas?), quentinho no coração (para o lançamento, o site de Hayley ganhou um visual de desktop bagunçado dos anos 1990, com direito a Winamp), vendas (as músicas estão associadas a uma tintura e são um presente da Good Dye Young!), convergência (em tempo de algoritmos, ora vejam só: uma estratégia que envolve e-mail, site e senhas espalhadas por fóruns).
Também aponta para um, vá lá, respeito à experiência dos fãs: ouça as faixas como bem entender, não é um álbum com um programa de audição fixo. Nem sequer há um hit single porque tudo é single. Já musicalmente, o conjunto de faixas atualmente conhecido como Ego tem um conceito, ou quem sabe, vários – e todos se misturam com o lado business da coisa. Hayley agora é uma artista independente, faz pop enrockado em tempos de indie pop e de som-de-quarto, e nunca se sentiu tão à vontade para dizer o que vai pela cabeça.
Vai daí que na faixa Ice in my OJ, Hayley faz questão de falar de “um monte de idiotas filhos da puta que eu enriqueci”, da mesma forma que faz uma canção de amor aos antidepressivos na ótima Mirtazapine, esbraveja contra a América do Norte cristã e racista em True believer (dos versos “aja como se deus não estivesse olhando / mate a alma, tenha lucro” e “eles dizem que Jesus é o caminho, mas então eles deram a ele um rosto branco / para que eles não tenham que rezar para alguém que consideram menor que eles”).
Hayley também solta montes de frases ácidas em Brotherly hate – que (há quem diga) é uma zoeira cruel com os irmãos Josh e Zac Farro, ex-integrantes do Paramore – e homenageia/desomenageia sua terra natal Nashville em Ego death at a bachelorette party, na qual avisa que “sou a maior estrela no bar deste cantor country racista”. Discovery channel, que traz uma bizarra interpolação de The bad touch, hit de 1999 da Bloodhound Gang (cujo refrão fazia referência ao canal), virou uma pérola das relações abusivas, com uma letra que tanto pode falar de sexo quanto de gravadoras adeptas da suruba econômico-corporativa (“vinte e poucos anos atrás, começamos a jogar um joguinho / e agora vamos todos sentar e terminar, e adivinha? / sua vez, a dor está escondida”).
Levando em conta que Hayley batizou seu selo como Post Atlantic, tudo em Ego tem endereço certo. Já musicalmente, ela e seu parceiro-produtor Daniel James apostam em climas análogos ao dream pop (Zissou é bem isso), visitam a mesma onda glam-sixties de Suki Waterhouse e Halsey (True believer, Brotherly hate), proporcionam novos horizontes ao soft rock (Won’t quit on you, Love me different), recordam a barulheira dos anos 1990 (Kill me, Mirtazapine e a alanismorissettização de Different man) e jogam no time do indie pop (Ego death, Blood bros, Negative self talk e todo o repertório). O conjunto todo acaba soando bem mais instigante do que se fosse apenas um álbum.
Se você nunca ouviu nada de Hayley Williams ou do Paramore, ouça Ego correndo. Se já ouviu tudo, resista à tentação de comparar Ego com o raivoso Petals for armor (lançado por ela em 2020) e ouça como se nem soubesse quem é Hayley.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 10 (vou tratar como álbum)
Gravadora: Post Atlantic
Lançamento: 1 de agosto de 2025
Crítica
Ouvimos: The Yagas – “Midnight minuet”

RESENHA: A atriz Vera Farmiga lidera o The Yagas, banda que mistura metal gótico, pós-punk e hard rock em Midnight minuet.
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Atriz elogiadíssima por Martin Scorsese, presente no elenco tanto da franquia Invocação do mal quanto da série Bates Motel, Vera Farmiga, quem diria, tem uma banda de metal gótico. The Yagas tirou seu nome da figura mística do Baba Yaga, presente no folclore da Rússia, Ucrânia, Polônia e países vizinhos, e presente também na capa de Midnight minuet, primeiro álbum do tal grupo – que já saiu tem um tempinho, em abril, e surge com atraso aqui no Pop Fantasma.
Mas e aí, funciona? Pra começo de conversa, o The Yagas – cuja formação ainda inclui Renn Hawkey (teclados), Jason Bowman (bateria), Mark Visconti (guitarra) e Mike Davis (baixo) – não faz metal purinho, e não é chegado a exibições excessivas de peso. Músicas como The crying room têm clima mais próximo do hard rock, e faixas como Pullover, Anhedonia e Charade têm muito de pós-punk, com emanações de bandas como T.S.O.L., The Cult, Garbage e Siouxsie and The Banshees.
- Ouvimos: The Armed – The future is here and everything needs to be destroyed
- Ouvimos: Hard Life – Onion
Life of a widow, por sinal, tem clima gélido e certa vibe eletrônica – vale citar que uma das ondas do grupo é fazer bons refrãos, mesmo quando o peso cromado toma conta de vez, em faixas como I am e Pendulum. Bridle é metal com cara grunge e algo de Alice In Chains. Já She’s walking down lembra um drum’n bass metálico, com teclados e vocais aparecendo na frente da massa de som em vários momentos, e refrão quase screamo.
Vera Farmiga, vale citar, é uma ótima cantora. Está ainda precisando caprichar mais no controle vocal nas notas altas, mas mantém o clima de terror e as vibes góticas na linha de frente. Ela e a banda encaram até uma vibração diferente na faixa-título, que encerra o disco em compasso quase ternário, mas com clima stoner. Vale a audição.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 7,5
Gravadora: Independente
Lançamento: 25 de abril de 2025
Crítica
Ouvimos: Vitor Brauer – “Tréinquinumpára 06: Porto Velho”

RESENHA: Vitor Brauer leva seu projeto Tréinquinumpára a Porto Velho, misturando piseiro, tecnobrega, noise e humor ácido em parceria com artistas locais.
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Mais conhecido pela sua presença na formação de uma das bandas mais desafiadoras do brasil – o Lupe de Lupe, cujo disco mais recente, Amor, resenhamos aqui – o mineiro Vitor Brauer tem uma carreira solo paralela que segue na mesma missão-visão-valores de sua banda. Ou talvez o próprio Lupe de Lupe tenha muito de seu projeto individual.
Tréinquinumpára 06: Porto Velho é o sexto álbum de uma série de discos em que Vitor dá uma de nômade musical e criativo: ele passa três meses numa capital e grava um álbum numa delas. A ideia é que a série dure dez anos – já se passaram dois. Dessa vez, ele se bandeou para Porto Velho (RO) e interagiu com nomes da cena rondoniense, como Tuer Lapin, Ramon Alves e Quarto Mudo.
O sexto Tréinquinumpára é uma viagem musical ao Norte do país, mas sob a visão de Vitor, que faz quase um pagode noise-rock em Não se apaixone por mim, cuja letra, de tão romântica e desesperada, soa bem humorada: “eu não tenho casa / eu não tenho dinheiro / eu só tenho essa minha jornada / isolado num lugar que não é meu (…) / meu futuro está sempre tão longe / não desperdice sua vida comigo”. Piseiros e tecnobregas tomam conta do disco em faixas como o shoegaze nortista Você me machucou (com batidinha eletrônica e dor de corno abissal na letra) e Pelo amor de deus, amiga, que põe a sofrência feminina na ordem do dia.
O barulho puro toma conta em alguns momentos, como na vibe caótica de João 13:8 (que lembra Captain Beefheart and His Magic Band), na moda noise-rock Porto Velho radiator springs e na porradaria de Franklin Richards – esta, quase um filhote de Sonic Youth e Suicide, cuja letra, toda falada, prega: “as tecnologias a favor do tempo livre / acabaram com o tempo livre / o pobre cada vez mais pobre / o rico cada vez mais rico / o jovem cada vez mais burro / o velho cada vez mais velho”. Completam a viagem a sofrência raiz de Auxílio à lista (cover do sertanejo Nelson Rossy) e a balada grunge desconstruída de Blurzinho.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 9
Gravadora: Independente
Lançamento: 29 de julho de 2025
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