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Cultura Pop

Já leu o livro dos mil shows do Melvin?

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Melvin Ribeiro já passou por bandas como Autoramas, Los Hermanos (tocou com eles por uma noite, e trabalha até hoje com o merchandising deles), Hill Valleys, Carbona (“seu” grupo, que existe até hoje). Já tocou com os Buzzocks, numa situação que ele mesmo não acredita até hoje que aconteceu de verdade. Também quase tocou no CBGB’s, meca ramônica, e acabou precisando desmarcar o show. Quando foi remarcar, lidou com a incredulidade dos funcionários, que não imaginavam que alguém fosse desmarcar um show no local onde a cena de Nova York dos anos 1970 começou – mas conseguiu finalmente tocar! Em outra fase, foi cabeludão e tocou thrash metal com uma banda na Argentina – e chegou quase a gravar um disco por um selo de porte com ela.

Cada um dos seus mil shows rendeu histórias memoráveis, engraçadas e bizarras (como a do dia em que um músico convidado – e desavisado – dedicou uma canção para a namorada do baterista de sua banda). Agora, essa trajetória está contada no livro Estrada – Mil shows do Melvin, lançado a partir de financiamento coletivo. O lançamento rola ao mesmo tempo em que o Carbona faz uma turnê e volta ao disco, e em que Melvin, além dos vários shows, continua fazendo de tudo. Inclusive lançar projetos musicais novos – como Melvin & Os Inoxidáveis, com quem gravou um EP ano passado.

Batemos um papo com Melvin sobre o livro e, como tem sido comum no POP FANTASMA, a ideia é, ir além de música e livros. Giramos em torno do seguinte tema: o que a pessoa leva pra casa de interessante (ou até de inspirador) quando observa a trajetória de um cara como Melvin, que além de tocar e produzir, já trabalhou em gravadoras e viu muita coisa acontecer? Pega aí.

POP FANTASMA: Como você tem visto o interesse dos fãs de rock, de música pop, pelos bastidores dos seus shows, e pela sua história?
MELVIN: Tenho sempre encontrado gente interessada. Na minha trajetória toda, eu via uma coisa que me interessava e resolvia fazer também. Tipo: “Aquela banda fez CD independente. Pô, dá pra prensar CD já? Vamos fazer um selo?”. É importante falar que não fiz o livro numa coisa de “o incrível cara que deu mil shows”. Até porque muitos músicos já fizeram isso mas não pararam para contar: o Marcelo Callado, o Gustavo Benjão, os próprios Los Hermanos. Todo mundo ali já chegou nisso. Os mil shows serviram para dar um ponto de partida pro livro. E como eu sou viciado em livros de rock, de bastidores, fiz o meu. Hoje eu vejo até que fiz o livro que gostaria que outros músicos fizessem. Se o Callado, se o Marcelo Camelo fizerem um livro com esse tipo de história, eu vou ser o primeiro a ler.

No livro tem material de diários antigos seus, coisas antigas suas. Como esse material estava conservado? Esse material sempre ia comigo. É uma tragédia, porque morei com meus pais até os 20 e poucos e depois me mudei seis, sete vezes. E em todas as mudanças tinha aquelas caixas, pastas com cartazes. Tinha um por um no plástico. Quando cheguei com esse material na casa da minha namorada, ela ficou meio horrorizada, mas quando comecei o livro, ela entendeu (risos). Mas alguns dos diários já estavam em digital. Os diários do Carbona estavam num blog que a gente tinha na época. Eu comecei a escrever o livro pelo índice, o que é meio doido. Ou não, sei lá. Nunca fiz outro livro (rindo).

Analisando bem, se você sabia o que queria escrever, era mesmo só organizar em tópicos. Acho que de repente foi até uma maneira boa de organizar tudo… Sim, sim. Na verdade nem sabia por onde começar. Muitas pessoas imaginavam que ia ser um livro de verbetes, falando show por show. Mas teve show que mesmo sendo importante, não tive muito o que contar dele. Deixei só as histórias que eu achei que eram relevantes mesmo, que eram divertidas. Peguei todas as histórias que eram best sellers, as que eu contava muito. E fui batendo com a minha lista de shows, os que não estavam sendo atendidos pela lista. Todo dia eu escolhia um capítulo para escrever e pesquisar sobre. Nessa de pesquisar, ir nos HDs, achei textos que mandamos para a Rock Press (revista, que hoje funciona na internet sob outra direção) e acabaram não saindo, e que contavam histórias que nem eu lembrava mais. Tem um capítulo que é o Henrique (cantor e guitarrista do Carbona) escrevendo tudo, porque é um diário de turnê que não achei registro meu e achei um dele, gigante. O Autoramas, fiz ali na hora, vendo e-mails e lembrando como foi.

Já leu o livro dos mil shows do Melvin?

Capa do livro

Aquela história do anão (que roubou a mochila do Melvin nos bastidores de um show) é muito engraçada! Você teve contato com esse anão depois? Ele tá vivo? É sensacional, né? Eu tomei cuidado, porque não falei onde aconteceu essa história…

É, percebi… Se você quiser muito saber onde foi, tem um capítulo onde eu falo sem querer o lugar. Até porque a ideia não era humilhar o cara. Era contar uma história tensa. Como a do vocalista que cantou com a gente e dedicou uma música para a namorada do baterista.

Isso foi muito engraçado. Bom, deve ter sido tenso na hora! Foi desesperador! Mas a história não ficava melhor se eu dissesse com quem foi. Mas o anão fez uma grande carreira. Ele era negro, de black power e tatuado. Ele foi para a Europa, morou um tempo lá, fez filmes lá – tem fotos dele em set de filmagem – e hoje ele é um leprechaun de St Patrick Day em alguns lugares. Acho que ele mora em São Paulo. Esse cara nunca passou incólume em lugar nenhum, acho que todo mundo que lê o conto e passou pela mesma cidade em que esse cara esteve pensa: “Ah, conheci”.

Como foi a trabalheira pra fazer o crowdfunding e como teve essa ideia? Engraçado porque eu tinha o Embolacha, que era uma empresa de crowdfunding. Entrei lá por um desafio profissional. Mas eu nunca achei crowdfunding muito legal. Achava meio pedir esmola. Fui entender o esquema, fiz para os outros, mas ficava bolado de fazer o meu. Eu fiz do Autoramas na época, mas antes disso eles já tinham feito dois. Eu ficava meio cagado, eu queria mesmo era uma editora para lançar. Mas fui vendo que o mar não tá pra peixe, mesmo as editoras que tinham mais a ver davam uma enrolada…

O mercado está complicado mesmo. Mas aí um dia um amigo meu, o Mateus, apareceu, e falei que estava escrevendo um livro. Perguntei se ele queria dar uma lida e ele: “Eu conheço uma menina que vai diagramar o livro pra você”. Era a Carol Santos, que fez a capa, depois saiu do projeto. E ela sugeriu de fazer crowdfunding. De fato, uns meses depois, com o livro meio pronto, eu tava sem horizonte. Não tinha a grana pra lançar, e ninguém aparentemente estava a fim de lançar. E pensei: vamos tentar o crowdfunding.
E deu certo. Não sei te explicar direito porque deu tão certo. Fazia isso no Embolacha, tinha uma noção, mas deu muito, muito certo. Foi uma mistura de coisas.

Eu vi uma história num filme sobre crowdfunding. O cara fala que quando você consegue transmitir para as pessoas que aquilo é um projeto que importa muito para a sua vida, elas chegam junto. Mais do que o fato de ser um produto legal ou não: quando as pessoas entendem que você quer muito fazer isso, elas ajudam. No Embolacha a gente tinha uma meta que era fazer 10% no primeiro dia. É porque arranca, depois estaciona e no final arranca de novo. E fiz 10% em uma hora. Em um dia, eu estava com 40%, o que é um absurdo. Tanto que nem enchi muito o saco com a campanha depois. Minha namorada é escritora e ela ficava tentando dimensionar o que podia acontecer comigo, pra eu não me decepcionar muito. Falava: “Pensa que vai vender uns duzentos livros”. E vendi 188 no crowdfunding. Pra minha cabeça, já saiu resolvido.

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Melvin e o livro

E o livro ainda tá à venda? Eu prensei 500 livros, eles estão quase acabando. Não dá pra prometer, mas a minha ideia era fazer uma segunda edição com uma ou outra revisão de erros que já achei. E ainda continuar vendendo. Mas chegou a 500 e eu já achei uma loucura.

Como que você analisa esse tempo todo de Carbona, que é uma banda que já passou por vários lançamentos e selos, já tocou lá fora, já teve altas mudanças de formação, agora tá tendo esse gás aí de ter o Fred (Raimundos) na bateria… Qual o balanço que você faz da história do grupo? Cara, é muito louco. Se você olhar pra sua coleção de CDs e pensar em bandas que você gostou na vida, a quantidade de bandas que passam do quarto disco, do quinto disco, é pequena. A maioria das bandas que passa disso é muito pequena, diria que 5%. E a gente virou isso. Uma banda de 22 anos, onze discos, que sempre manteve a mesma base – Eu, Henrique e o Pedro (bateria). O Fred entrou tem dois anos. A gente preferia esperar o Pedro voltar pro Brasil, porque ele está morando fora. Mas chegou uma hora que bateu vontade de tocar mais, o Fred eu tinha acabado de conhecer no Autoramas e o chamei para entrar na formação nova, que é meio família. A gente tem grupo com o Pedro e com o Fred (no WhatsApp). O Pedro veio tocar em dezembro com a gente e o Fred emprestou os pratos pra ele. E a gente acabou de fazer o melhor disco da gente.

Disco novo? Isso. Se chama Vingue no ringue, foi gravado com um produtor de Porto Alegre, tem as melhores composições e a melhor gravação disparado. Depois das turnês em que a gente passou o Brasil todo, fizemos menos show. Durante quatro anos a gente fazia só show no Rio, gravava disco, mas não saía do Rio. Quando o Hangar foi fechar, anunciou que ia fechar um ano antes, a gente pensou: “Precisamos dar um jeito de ir pra São Paulo”. Marcamos um show no Hangar, o cara de Curitiba chamou (para fazer show), o de Porto Alegre chamou, o de Goiânia chamou… Não sei dizer se hoje está pior, estamos como a gente aguenta. Por causa dos compromissos de todo mundo não temos como viajar muito, mas estamos fazendo Rio e São Paulo direto, uma ou outra cidade.

Você considera que sua trajetória como profissional da música, e não apenas como músico de banda, é inspiradora para outros profissionais? Você foi um cara que além de ser músico passou por diversos outros lugares: Som Livre, Embolacha… E agora tem o livro. Pois é, eu cheguei a escrever em algumas dedicatórias do livro: “Que esse livro possa te inspirar…”. Achei meio pretensioso, mas eu estava meio pretensioso no dia (risos). Eu tenho um amigo que é técnico de futebol e comprou meu livro. E ele me fez umas perguntas bem interessantes, me disse: “Pô, eu li seu livro inteiro e queria saber em qual momento você deixou de perseguir aquele sonho da rádio e do estádio lotado”. Uma pergunta que eu nunca tinha me feito. Quando comecei, o sonho não era estádio lotado. Era o sonho de ter uma banda empreendedora, que corria atrás de tudo, que queria desbravar. O CD independente estava em voga, as bandas estavam começando a se virar só com isso. Nunca teve uma coisa de: ‘Ah, daqui a pouco a gente vai estar na trilha da novela!’. Era: “Daqui a pouco a gente pode prensar nosso CD e viajar”. Mesmo em termos de hoje o Carbona é um absurdo. Em 1997, com seis meses de banda, a gente estava com repertório, já tinha gravado disco e estava em Detroit com CD no bolso.

https://www.youtube.com/watch?v=U_ew72wP_Wk

Minha escola foi muito mais de cair dentro do que tentar outro tipo de recompensa. E eu penso até muito no Panço, que sempre foi muito inspirador. Era um cara que se tinha alguma coisa que ele queria fazer, ele fazia. Na minha leitura era assim: quer lançar um zine? Lança um zine. Quer lançar um livro? Lança um livro. Isso é inspirador, o lance de correr atrás, de fazer as coisas. É legal passar isso adiante, mostrar que se você cair dentro, você vai conseguir resultados. Não é uma coisa de “fiz isso e fiquei milionário”, mas vai fazendo as paradas.

Vou tocar agora em Portugal com o Guga Bruno, meu guitarrista, e quero armar shows lá. E eu estava pensando: “Cara, tá difícil pra caralho, um lugar pode, o outro quer mas não pode porque a bateria faz barulho, o outro não responde e-mail há cinco dias…”. Mas é tão legal fazer isso, sabe? Quero tanto fazer esse show, que nem estou aguentando isso. Tem uma galera que desiste antes porque é chato pra caralho mesmo, sabe? O quanto você está disposto a disparar de e-mails para fazer um show numa cidade onde você não tem interesses comercial nenhum, que você quer fazer porque quer fazer? Acho que se for pra inspirar alguém, é nesse lado de “faz as paradas”. Tem uma galera que me escreve e fala: “Que maneiro seu livro. Quero fazer também”. E eu: “Faz seu livro! Quero conhecer suas histórias!”. Muita gente me pergunta onde fiz o livro, com quem diagramei, como cheguei na editora mais barata… E vamo lá, vamo só fazer.

Hoje em dia mudou muito o jeito como as pessoas se relacionam com tudo isso. O alcance de internet é tão grande que o cara tenta ser grande no mundo antes de ser grande na cidade dele! A gente pirava em lotar em Empório. Não tem uma banda hoje em dia querendo lotar o Audio Rebel. Nego parece que já tá querendo ir mais adiante, tipo: “Quando é que eu vou tocar no Maracanã também? Los Hermanos já tocou!” (risos). Bom, eu queria inspirar as pessoas a terem resultados maneiros e pra mim o melhor resultado que cheguei até hoje foi o livro. Achei que dava trabalho e foi o maior barato escrever. E dá pra sonhar com alguém falando: “Pô, eu caí muito dentro de uma parada porque li aquele livro”.

Você falou de Los Hermanos e muita gente comprou o livro para ver as histórias suas com a banda. Como você vê essa conexão e como tem sido o contato com os fãs deles? Bom, desde a turnê de 2015 sou o responsável pelo merchandising deles. Você acaba batendo papo com as pessoas da lojinha, numa hora você conta que tocou na banda… Quando fiz o crowdfunding, o produtor deles, o Alex, foi um dos primeiros a entrar. Ele e o Barba foram no show de lançamento pegar o livro. Depois o Alex me falou: “O livro tá muito legal, vamos vender na lojinha”. Na lojinha tem um menu com camisa, ecobag, LP e… “livro do Melvin” (risos). As pessoas sempre perguntam: “Mas quem é Melvin e por que o livro dele tá aqui?” (risos). E é uma deixa, como aquela sobremesa especial do Outback que os funcionários vão adorar explicar. É o item do menu que nosso funcionário vai adorar explicar: “Ah, o Melvin tá aqui, é amigo deles, já tocou na banda”. Volta e meia alguém se interessa. O Marcelo (Camelo) já veio comentar do livro, falou de algumas histórias. Tá fluindo bem no universo deles. O show que fiz com o Los Hermanos eu subi no YouTube, inclusive.

Tá no YouTube? Sim, o da final da turnê do Bloco do eu sozinho (em 2002). Mas tem coisas ali que são raras em vídeo. Não sei exatamente o que é, mas tem coisas que são meio raras ali, volta e meia comentam. Tem um cara achando que eu sou o Patrick (Laplan, ex-baixista da banda).

https://www.instagram.com/p/BxHqW0KlxtB/

E como você analisa esse sucesso que os Hermanos fizeram até chegar no Maracanã? No livro eu falo uma coisa que eu não consigo falar diferente… Durante muito tempo vi as pessoas usando eles como referência, porque a relação que aquelas músicas criaram com os fãs é uma loucura. Ninguém acreditava no Maracanã, um amigo meu foi e não estava acreditando lá (risos). Ele chegou cedo pro Tim Bernardes e quando viu o estádio vazio falou: “Ufa, achei que eu estava ficando maluco”. Só que depois ele viu o estádio enchendo e falou: “Caralho, eu tô maluco mesmo!” (risos). Eu fico na gerência, correndo de uma lojinha para outra, e sempre tento ver o início do show. Ver o cara tocando A flor e levantando o Maracanã, uma Fonte Nova… É sempre emocionante. O do Maracanã, eu lembro de ter visto uma galera falar depois: “Ah, vou pra São Paulo ver!”. Eu sempre falava: “Cara, vai, mas o que rolou no Maracanã não pode ser recriado”. Acho que pesou pra todo mundo, tava todo mundo com nó na garganta, senti a banda eletrizada de outro jeito. E não tem explicação, não tem fórmula mesmo. Acho quase uma ofensa alguém se achar muito conhecedor do business e achar que descobriu a fórmula que está por trás. Não tem isso! É uma relação dos fãs com as músicas que eu vi poucas vezes na vida.

Algum recado para quem não conhece o livro? Bom, quem se interessar fico muito feliz. São os maiores sucessos das histórias que eu já contei várias vezes, e o livro mostra um pouco do que foi ter banda nesses vinte anos. Viajei em van com banda, fui pra fora com baixo nas costas… O livro é uma forma de retratar isso sem ter a pretensão de dar uma forma definitiva. Nem eu, nem Panço nem Pedro de Luna saímos para escrever a verdade absoluta disso tudo. Quem ler todos esses livros vai ter um entendimento mais legal.

Fotos: Divulgação/André Oliveira

Cultura Pop

Urgente!: O silêncio que Bruce Springsteen não quebrou

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Urgente!: O silêncio que Bruce Springsteen não quebrou

Tá aí o que muita gente queria: Bruce Springsteen vai lançar uma caixa com sete álbuns “perdidos”, nunca lançados oficialmente. O box vai se chamar Tracks II: The lost albums (é a continuidade de Tracks, caixa de 4 CDs lançada em 1998) e nasceu de uma limpeza que Bruce fez nos seus arquivos durante a pandemia. Pelo que se sabe até agora, o material inclui sobras das sessões de Born in the USA (1984) e gravações da fase eletrônica dele, no comecinho dos anos 1990 – inclusive um disco inteiro desse período, que nunca viu a luz do dia.

Essa notícia caiu nos sites na semana passada e trouxe de volta um detalhe que os fãs de Bruce já conhecem bem: ele tem muito material inédito guardado – e material bom. Em uma entrevista à Variety em 2017, ele mesmo comentou que sabia ter feito mais discos do que os que lançou, mas que havia motivos sérios para manter alguns deles nas gavetas.

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“Por que não lançamos esses discos? Não achei que fossem essenciais. Posso ter achado que eram bons, posso ter me divertido fazendo, e lançamos muitas dessas músicas em coleções de arquivo ao longo dos anos. Mas, durante toda a minha vida profissional, senti que liberava o que era essencial naquele momento. E, em troca, recebi uma definição muito precisa de quem eu era, o que eu queria fazer, sobre o que estava cantando”, disse na época (o link do papo tá aqui – é uma entrevista longa e bem legal).

Com o tempo, vários desses registros acabaram saindo em boxes e coletâneas. Um deles foi The ties that bind, um disco de pegada punk-power pop que seria lançado no Natal de 1979 – e que acabou virando uma espécie de esboço inicial do disco duplo The river, de 1980. Pelo menos saiu uma caixa em 2015 chamada The ties that bind: The River collection, com todo o material dessa época, inclusive o tal disco descartado (além de um material que formava quase um suposto disco de punk + power pop que teria sido abandonado).

Um texto publicado na newsletter do músico Giancarlo Rufatto recorda que Bruce infelizmente deixou de fora do novo box alguns álbuns que realmente mereciam ver a luz do dia. Um deles é um álbum solo (sem a E Street Band, enfim), com uma sonoridade country ’n soul, que foi gravado em 1981. Esse disco teria sido abandonado durante um período de depressão, que resultou em isolamento e na elaboração do disco cru Nebraska (1982), feito em casa com um gravador de quatro canais, só voz e violão.

Bruce até parece fazer referência a esse álbum perdido na entrevista da Variety. “Esse disco é influenciado pela música pop da Califórnia dos anos 70”, contou. “Glen Campbell, Jimmy Webb, Burt Bacharach, esse tipo de som. Não sei se as pessoas vão ouvir essas influências, mas era isso que eu tinha em mente. Isso me deu uma base pra criar, uma inspiração pra escrever. E também é um disco de cantor e compositor. Ele se conecta aos meus discos solo em termos de composição, mais Tunnel of love e Devils and dust, mas não é como eles. São apenas personagens diferentes vivendo suas vidas.”

Outro material bastante esperado pelos fãs – e que também não está na caixa – é o Electric Nebraska, a tentativa de Bruce de gravar com a E Street Band as músicas que acabaram no Nebraska. Nem ele, nem o empresário Jon Landau, nem os co-produtores Steven Van Zandt e Chuck Plotkin gostaram do resultado, e as gravações foram trancadas a sete chaves. Nem em bootlegs esse material apareceu até hoje. Pra você ter ideia, Glory days, que só sairia no Born in the USA (1984), chegou a ser ensaiada e gravada junto.

Quase todo mundo próximo a Bruce acredita que ele nunca vai lançar oficialmente essas gravações elétricas do Nebraska. Max Weinberg, baterista da E Street Band desde 1974 (com algumas pausas), confirmou a existência desse material em 2010, numa entrevista à Rolling Stone, e disse que adoraria ver tudo lançado.

“A E Street Band realmente gravou todo o Nebraska, e foi matador. Era tudo muito pesado. Por melhor que fosse, não era o que Bruce queria lançar. Existe um álbum completo do Nebraska, todas essas músicas estão prontas em algum lugar”, revelou. Bruce pode até guardar discos inteiros na gaveta, mas esse é um daqueles casos em que o silêncio guarda várias histórias – que podem render surpresas bem legais.

E ese aí é o lyric video de Rain in the river, uma das faixas programadas para Tracks II (a faixa sai num disco montado durante a elaboração do box, Perfect world).

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Cultura Pop

Urgente!: Supergrass, Spielberg e um atalho recusado

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Coisas que você descobre por acaso: numa conversa de WhatsApp com o amigo DJ Renato Lima, fiquei sabendo que, nos anos 1990, Steven Spielberg teve uma ideia bem louca. Ele queria reviver o espírito dos Monkees – não com uma nova versão da banda, como uma turma havia tentado sem sucesso nos anos 1980, mas com uma nova série de TV inspirada neles. E os escolhidos para isso? O Supergrass.

O trio britânico, que fez sucesso a reboque do britpop, estava em alta em 1995, quando lançou seu primeiro álbum, I should coco. Hits como Alright grudavam na mente, os vídeos eram cheios de energia, e Gaz Coombes, o vocalista, tinha cara de quem poderia muito bem ser um monkee da sua geração. Spielberg ouviu a banda por intermédio dos filhos, gostou e fez o convite.

Os ingleses foram até a Universal Studios para uma reunião com o diretor – com direito a recepção no rancho dele e papo sobre fase bem antigas da série televisiva Além da imaginação. O papo sobre a série, diz Coombes, foi proposital, porque a banda sacou logo onde aquilo poderia dar. “Talvez eu estivesse tentando antecipar a abordagem cafona que seria sugerida, tipo a banda morando junta como os Monkees”, contou Coombes à Louder, que publicou um texto sobre o assunto.

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A proposta era tentadora. Mas eles disseram não. “Foi lisonjeiro e muito legal, mas ficou óbvio para nós que não queríamos pegar esse atalho”, explicou o vocalista, afirmando ter pensado que aquilo poderia significar o fim do grupo. “Você pode acabar morrendo em um quarto de hotel ou algo assim, ou então a produção quer apenas um de nós para a próxima temporada. Foi muito engraçado, respeitosamente muito engraçado”.

O tempo passou. E agora, em 2025, I should coco completa 30 anos (mas já?). O Supergrass, que se separou no fim dos anos 2000, voltou para tocar o disco na íntegra e alguns hits em festivais como Glastonbury e Ilha de Wight.

Aqui, o trio no Glastonbury de 2022.

Foro: Keira Vallejo/Wikipedia

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Crítica

Ouvimos: Lady Gaga, “Mayhem”

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Ouvimos: Lady Gaga, “Mayhem”

Tudo que é mais difícil de explicar, é mais complicado de entender – mesmo que as intenções sejam as melhores possíveis e haja um verniz cultural-intelectual robusto por trás. Isso vale até para desfiles de escolas de samba, quando a agremiação mais armada de referências bacanas e pesquisas exaustivas não vence, e ninguém entende o que aconteceu.

Carnaval, injustiças e polêmicas à parte, o novo Mayhem foi prometido desde o início como um retorno à fase “grêmio recreativo” de Lady Gaga. E sim, ele entrega o que promete: Gaga revisita sua era inicial, piscando para os fãs das antigas, trazendo clima de sortilégio no refrão do single Abracadabra (que remete ao começo do icônico hit Bad romance), e mergulhando de cabeça em synthpop, house music, boogie, ítalo-disco, pós-disco, rock, punk (por que não?) e outros estilos. Todas essas coisas juntas formam a Lady Gaga de 2025.

Algo vinha se perdendo ou sendo deixado de lado na carreira de Lady Gaga há algum tempo, e algo que sempre foi essencial nela: a capacidade de usar sua música e sua persona para comentar o próprio pop. David Bowie fazia isso o tempo todo – e ele, que praticamente paira como um santo padroeiro sobre Mayhem, é uma influência evidente em Vanish into you, uma das faixas que melhor representam o disco. Aqui, Gaga entrega dance music com alma roqueira, um baixo irresistível e um batidão que evoca tanto a fase noventista de Bowie quanto o synthpop dos anos 1980.

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Mais coisas foram sendo deixadas de lado na carreira dela que… Bom, sao coisas quase tão difíceis de explicar quanto as razões que levaram Gaga a criar um álbum considerado “difícil” como Artpop (2013), enquanto simultaneamente mergulhava no jazz com Tony Bennett e preparava-se para abraçar o soft rock no formidável Joanne (2016), um disco autorreferente que talvez tenha deixado os fãs da primeira fase perdidos. Em outro tempo, Madonna parecia autorizada a mudar como quisesse, mas quando Gaga fazia o mesmo, deixava no ar notas de desencontro e confusionismo. O pop mudou, as décadas passaram, o público mudou – e todas as certezas evaporaram.

É nesse cenário que Mayhem equilibra as coisas, entregando um pop dançante, consciente e orgulhoso de sua essência, mas ao mesmo tempo sombrio e marginal. Há momentos de caos organizado, como em Disease e Perfect celebrity – esta última começa soando como Nine Inch Nails, mas, se você mexer daqui e dali, pode até enxergar um nu-metal na estrutura. Killah traz uma eletrônica suja, um refrão meio soul, meio rock que caberia num disco do Aerosmith, enquanto Zombieboy aposta no pós-disco punk, evocando terror e êxtase na pista (por acaso, Gaga chegou a dizer que o disco tem influências de Radiohead, e confirmou o NiN como referência).

Na reta final, o álbum se aventura por outros terrenos: How bad do U want me e Don’t call tonight flertam com o pop dinamarquês dos anos 90 (e são, por sinal, as únicas faixas pouco inspiradas do disco); The beast tem cara de trilha sonora de comercial de cerveja; e Lovedrug mergulha na indefectível tendência soft rock que surge hoje em dia em dez entre dez discos pop. Essa faixa soa como um híbrido entre Fleetwood Mac e Roxette – como se Gaga  estivesse pensando também na programação das rádios adultas de 2035.

O desfecho de Mayhem chega como um presente para o ouvinte: Blade of grass é uma balada melancólica de violão e piano, que ecoa tanto a tristeza folk dos anos 70 quanto a melancolia do ABBA, crescendo em inquietação à medida que avança. E então, como quem perde um pouco o tom, o álbum termina com… Die with a smile, a já conhecida balada country-soul gravada em parceria com Bruno Mars, lançada há tempos como single. Dentro do contexto do disco, ela soa mais como um apêndice do que como um encerramento – uma nota de rodapé onde se esperava um ponto final. Nada que chegue a atrapalhar a certeza de que Lady Gaga conseguiu, mais do que retornar ao passado, unir quase todos os seus fãs em Mayhem.

Nota: 8,5
Gravadora: Interscope
Lançamento: 7 de março de 2025.

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