Cultura Pop
Entrevista: Guilherme Arantes – “Meu próximo disco vai ser o meu ‘The Wall'”

Vivendo desde 2019 em Ávila, cidade de pouco menos de 58 mil habitantes na Espanha, Guilherme Arantes já se prepara para voltar ao Brasil – possivelmente em julho, mês do seu aniversário de 68 anos. Foi para lá a princípio para se reciclar no piano e aproveitou para se isolar durante a pandemia. Além da saudade do Brasil, o motivo do retorno é o lançamento de um novo disco (o nome, ele não revela) que ele define como o seu The wall – a ópera-rock do Pink Floyd, lançada em 1979.
“Vou trazer de volta o meu lado progressivo, com músicas de nove minutos, umas coisas com primeira e segunda parte”, recorda Guilherme, que edita também uma espécie de making of do disco, incluindo imagens suas num auditório de Ávila e coisas que os músicos do disco (que gravaram à distância) mandaram. O álbum teve masterização do americano Howie Weinberg. “O cara que fez o disco Nevermind, do Nirvana. Ele me ligou e falou: ‘What the fuck? Que som lindo!'”, comemora.
Ele revela que muito do seu lado de fã de bandas como Dream Theatre e Iron Maiden também vai estar no álbum – recentemente ele revelou sua paixão pelo som do grupo de The number of the beast num post, e disse que “algo o chamava para se aproximar desse estilo”. Guilherme também vem dando uma de DJ no Facebook, postando músicas que gosta de ouvir e alguns clássicos – sua seleção inclui The Byrds, George Michael e Bjork.
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O autor de músicas como Planeta água começou a carreira solo em 1976 (após alguns anos no grupo progressivo Moto Perpétuo). Mas se considera bastante próximo da geração que veio com o rock nacional dos anos 1980. Defende inclusive que a geração de artistas como Paralamas do Sucesso, Blitz e Marina Lima deveria ganhar um lugar mais respeitável na história. “O movimento dos anos 1980 foi mais importante que a Jovem Guarda”, diz Guilherme, que conversou com o POP FANTASMA por chamada de vídeo.
POP FANTASMA: Como estão as coisas aí na Espanha?
GUILHERME ARANTES: Estou em Ávila, é como se eu estivesse no interior de São Paulo, uma cidade tipo Jaú, com a roda dos velhinhos conversando. Eu vim para cá para estudar piano, barroco, fazer exercício, estudar partituras. Acabei tendo até uma inflamação na cervical. Já estou com 68 e o organismo reclama. Fiz um tratamento à base de medicamentos fortíssimos. Estou na base de uma terapia a base de injeções e está controlado. Mas às vezes volta e dói o braço todo, uma coisa horrorosa.
Teve um período em que eu fiquei realmente de cama, com muita dor. Ficava deitado por causa do peso da cabeça. E comecei a ler muitos livros. Principalmente sobre as histórias da música popular brasileira. Me deu vontade de entender como eu estava dentro desse processo, da minha origem. Onde a gente entra, onde entra minha geração, o hiato que houve com o AI-5, o ano de 1968, a história do (Wilson) Simonal, a história do jornalismo cultural brasileiro, a fabricação da opinião no Brasil.
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Fui me entender nessas alturas, aos 40 e tantos anos de carreira. Fiz um balanço e vi que estou no bônus. E estou fazendo um disco maravilhoso, com letras bem estruturadas. As leituras fizeram bem, deu um upgrade. Mas vou voltar ao Brasil e vou me expor a esse ambiente tóxico da realidade, a como está o Brasil hoje. Se eu estivesse no Brasil não estaria fazendo grande coisa. Moro na Bahia e iria estar no estúdio, tocando piano, ia ficar dentro de casa, porque show não tem. Houve um prejuízo muito grande. Vários artistas até estão em gestação, Marisa Monte, Caetano Veloso.
Aqui a cidade está em excitação pela volta da convivência, os bares, os restaurantes, porque é a região da carne. Está chegando o verão e a Espanha se prepara para receber dez milhões de ingleses, alemães, eles vêm para a Costa do Mediterrâneo. Só que não acabou a pandemia. Eu já até me vacinei, tomei duas vacinas da Pfizer. A gente se cadastrou ali no serviço, porque meu seguro-saúde é no Brasil, a gente tá descoberto. E enfim, não posso pegar essa merda.
O disco já tem uma data para sair?
Eu faço aniversário dia 28 de julho, então deve sair fim de julho, começo de agosto. Várias vezes a gente saiu com coisas novas em agosto, que é um mês que as pessoas nem gostam porque é meio misterioso. Mas é uma data-limite, porque no segundo semestre já começa a escalada presidencial e o Brasil fica sem assunto. Nem sei como vai ser esse 2022. Não queremos entrar em 2022 sem ter lançado o disco porque o momento-janela é agora.
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Meus colegas não conseguem emplacar nada, o Brasil tá o país do desânimo, da catatonia, uma desproteção total. A sociedade se vê desprotegida, o estado é uma peste. Brasília parece que tem urucubaca. Antes era o Rio, isso não muda. Tem períodos em que você sente um mood positivo. Foi assim na época da bossa nova, no primeiro mandato do Lula. Mas parece que existe um sistema que leva tudo para o buraco. Procuro nem falar muito porque eu tô fora, tanto que nas redes quero sempre falar de música, propor coisas para as pessoas ampliarem o espectro emocional. Tenho esse handicap negativo, de estar fora desde 2019, alguém pode falar: “Ah, cala a boca e fica aí na Espanha…”
Mas isso como se você não tivesse liberdade de expressão de falar o que quiser sobre seu país, certo?
É, mas a raiva foi legitimada, já vem essa frase pronta: “Por que você não cala a boca? Você virou as costas para o Brasil!” Bom, eu assino todos os jornais, leio a direita, leio a esquerda. A informação que chega é uma informação processada, e iniciou-se um processo de solapar a imprensa. Aqui a gente vê uma TV de El Toro, que é de direita, e tem os debates do pessoal conservador. E tem uma TV da Andaluzia que é de outra linha.
Agora, tem o detalhe que a Espanha é um país do agronegócio, um grande fazendão. E o Brasil tá a caminho disso, de ser um grande fazendão, excludente, onde o povo vai se amontoar nos quilômetros da cidade. Vai virar só um provedor de commodities. É um projeto desempregador, desagregador de emprego.
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Isso é bem a cara do Brasil faz tempo.
E a Espanha é um fazendão também, cidadezinhas esvaziadas, um bar, um mercadinho, um monte de casas. Tudo vazio, no meio de uma plantação de trigo. E essa plantação é multinacional, industrializada, trigo transgênico. Você não tem mais natureza, povo, tudo se transforma numa produção de agro indústria. E é um país pequeno, do tamanho da Bahia. Acho que boa parte da Europa se recupera da crise, mas o Brasil me preocupa pelos próximos cinco anos.
Você tem postado músicas no Facebook e volta e meia isso vira notícia. Como começou a fazer isso?
O que tem de mais legal, positivo, é falar do mundo que a gente pertence. Todo mundo tá se metendo a ser politizado, mas eu acho que através da música a gente existiu politicamente com muita força. Outro dia eu postei o Turn turn turn, dos Byrds, o I wasn’t born to follow (também do The Byrds) que é uma música do filme Easy rider, foi basal para mim. É a marca de uma geração que através da arte construiu um mundo novo.
A indústria cultural do século 20 conseguiu mudar o mundo de várias maneiras, fazer as pessoas viverem melhor por terem um conteúdo emocional preenchido. Sinto falta disso, porque o mundo hoje está muito utilitário. Os gêneros hoje não trazem o sentimento. Não deslegitimo o funk, o sertanejo, mas são janelas de marketing que se basearam no utilitarismo, no coletivismo hedonista. E tem um movimento que é um neo-hippismo, influenciado pelo folk: Tiago Iorc, Anavitória, Melim, Vitor Kley, Ana Vilela…
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Você cantou Trem bala, da Ana Vilela, numa live, inclusive…
Ela é um manifesto de uma geração, uma música muito bonita e muito simples. Inclusive é interessante porque ela e a Anavitória nasceram de um Centro-Oeste de agronegócio onde tem o sertanejo predominante, mas ela é um movimento de uma juventude ávida por sentimento. É um manifesto anti-utilitário, de uma juventude que sente falta de sensibilidade, daquela coisa do interior, comfort food. Uma leveza do interior, do fogãozinho de lenha. O único componente que essa juventude não inclui é o LSD, né? Era um elemento revolucionário e a gente pegou isso em cheio na nossa geração.
Nas minhas redes, a única coisa que eu não coloco são as predominantes na cultura de massa, a cultura de balada. A música baladeira tem uma proposta que é antirreflexiva, anti-individual, anti-sentimento. As pessoas se embrutecem. Isso ocorria também no rock, no show do Kiss, um lado tribal, que você propõe um rito. Minha filha mais nova ia nos shows do Wesley Safadão na Bahia, e era uma galera achando lindo se dissolver numa multidão emburrecida.
É gostoso emburrecer, parar de pensar, sentir, mas a música de balada foi caindo em qualidade. Teve o movimento disco que trouxe Donna Summer, Giorgio Moroder… Tinha uma estética musical elaborada, uma riqueza, mas era desse comportamento de se dissolver. A nossa geração também teve isso com as danceterias. Mas nossa geração foi muito boa para a música popular, para a juventude brasileira. Eu classifico o movimento dos anos 1980 como sendo mais importante do que a Jovem Guarda. Porque nós duramos. Paralamas durou, Titãs durou, Legião Urbana durou, até o Guilherme Arantes durou. Tocamos na vida das pessoas.
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Muita coisa da Jovem Guarda era vazia de letras, e eram versões na maior parte. Tinha muita coisa idiota, na nossa geração também teve. Mas fomos uma geração que deu Marina, Lulu, Ritchie… Um repertório vasto. Você não pode comparar Jovem Guarda com Paula Toller, com Marina, Herbert Vianna. Não vendemos aquela quantidade de disco da Jovem Guarda, mas nossa geração durou.
Mas entram coisas novas no seu Facebook.
Sim, às vezes eu coloco o Letrux, o Vanguart. Eu gosto. São pessoas que estão procurando ainda esse espaço reflexivo, viajeiro na música. E acho que tem um movimento aí. Tem a turma do dub, do soundsystem, uma celebração, um rito, mas é diferente do baladão sertanejo, que se baseia numa vaidade, numa exibição de poder. As figuras do neosertanejo são de um se achar… Se acham maravilhosos. Imagina, você é um desses cantores que tocam todos os dias da semana para 40 mil pessoas a cada dia. No fim de semana você tocou para um milhão de pessoas. Você é muito mais importante que os Beatles!
Bom, vendo pelo público nos shows…
Os Beatles nunca tocaram para essa multidão. O cara se sente, ele sobre no palco e é uma figura ridiculamente histriônica. Bem diferente de ir num show da Madonna, ou da Dua Lipa. Eu morei uns meses em Londres e vi o Prince fazendo o show Diamonds and pearls. Fui no Earl’s Court ver o Prince e alucinei. Lembro que vi onze shows da turnê em vários pontos e a última vez comprei no gargarejo. Custou 600 libras a entrada. Vi Prince alguns metros distante de mim, a pedaleira com pele de carneiro. O cara era um esteta.
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E na Espanha, o que tem?
Aqui tem a coisa do reggaeton (imita a batida) que é o ritmo mais careta que se criou, pobre e chatérrimo. Eu não sei que graça tem, as pessoas tomam toda, todo mundo lindo de morrer, muito enfeitado, e vão lá dançar essa porcaria dessa música. Odeio essa música, muito mais que o sertanejo, o axé, o arrocha… Acho até o Safadão mais divertido que o J Balvin. Você teve recentemente o Despacito, do Luis Fonsi… A estrutura da música é a mesma harmonia do Forever young (do Alphaville), aquela harmonia que tantas vezes já foi denunciada (toca no piano). No fundo é algo mais comportamental do que musical. Os Beatles, Madonna, Led Zeppelin, são comportamentais mas não só isso. Outro dia mostrei meu lado que gosta de Iron Maiden. Isso causou bastante…
Sim, muitos sites publicaram que você faria um disco de metal, inclusive.
Outro dia toquei no show do Edu Falaschi, há um ano mais ou menos participei de um DVD dele e fui tocar Redemption, do Angra. Uma música emblemática, belíssima. Fui super bem recebido, me senti em casa. Sempre tive preconceito com metal, achava uma coisa caricarta, mas ser caricato não é problema. The Cure é caricato, mas é lindo. Red Hot Chili Peppers também, Nirvana também. O mundo precisa desse guts que o rock propõe. As pessoas dizem que o rock é pouco ativista, ele é muito vítima de maledicência, mas o The Wall, do Pink Floyd, é um disco político. Aliás esse meu disco novo é o meu The wall.
Como assim?
É um disco para causar. Um disco abordando a truculência do mundo, já que convivemos com governos unidos com religião… Estamos vivendo a era das cruzadas. O mundo está cheio de ódio, de raiva, com esse potencial de explosão. Parece que a humanidade perdeu o rumo da globalização, da social democracia, da convivência.
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Musicalmente como vai ser?
Ele é progressivo, tem música de nove minutos, que é uma suíte tipo o Yes. É o Close to the edge do Guilherme. Tem canções amorosas que são o cardápio mais usual, instrumentos barrocos, arranjos de cordas super bem feitos. Cantei como nunca cantei na vida, fiz um coaching vocal meu para cantar mais delicado, aprender a respirar melhor. Vai marcar a volta do Guilherme do Raça de heróis, do Planeta água, porque o mundo espera isso de mim. Tenho que fazer o que o minha geração fazia de melhor. Talvez eu seja crucificado por desenterrar o progressivo, mas eu ou faço isso, ou vou ficar me orientando por regras de mercado. Podem falar: “Ah, nove minutos não é radiofônico”. Mas ser radiofônico é importante?
Minha mãe morreu nesse período e fiz uma música para ela ouvir no leito de morte. Se chama Estrela mãe, é uma música para você cantar para sua mãe que está indo embora. Minha irmã colocou para ela ouvir, ela partindo, aos 94 anos. Foi a maior emoção da minha vida explicar como eu amo a minha mãe, como ela estava à frente do tempo. Uma mulher que cantava dentro de casa, as dificuldades que ela passou. Meu pai não a deixava trabalhar. Ela se tornou uma dona de casa infeliz. Ela era uma mulher do mercado, que queria trabalhar no centro de São Paulo…
Tem umas cinco músicas que quando eu ouço, eu choro, é lindo pra caralho. Comecei o ano estudando barroco, depois comecei a passear pela cidade. Começou a esfriar, começou a dar uma angústia com a chegada da pandemia, as pessoas morrendo. Me deu uma angústia muito grande, um sentimento de preocupação com a humanidade.
Guilherme lê um trecho de uma letra do próximo disco: “As crianças com receio de crescer/contaminar o céu/da cápsula de um tempo sem rancor/cada dia uma batalha desigual/em nome de uma paz e tudo que se entende por normal/é a bandeira incandescente da exclusão/exércitos rivais disputam seus desejos ancestrais/são troféus de honras e glórias sem pudor/vitórias sem perdão/remorso já ficou pra trás”.
Essa é uma música cavalar que tem segunda, terceira parte, como se fosse uma música de festival – Ponteio, Disparada, aquela coisa “oooh”, que não tem mais. Eu vou ver o que dá, de repente o mercado vai falar: “Nossa, tá se achando. Pô, canta Cheia de charme e não enche o saco!” Mas eu tenho que procurar meu caminho. Eu sou progressivo, coloco muitas bandas progressivas no Facebook. Adoro Jethro Tull, Thick as a brick. Mas nem posto só bandas antigas. Outro dia mesmo postei o Muse.
O Muse tem a ver com seu som um pouco…
É demais, tem uma pegada, adoro o som. E adoro o Dream Theater também, tem cara de Guilherme Arantes aquilo lá. E tá na hora de eu mostrar meu lado Dream Theater. A nação metaleira adora o Guilherme Arantes. E é um público que é aguerrido, que compra briga. Acho que você tem esse espírito também no segmento LGBTQI+, no rap… As pessoas estão lá se posicionando.
Já na balada é aquela paquera coletiva. Em dupla sertaneja, você pode muitas vezes trocar o artista que ninguém repara. Sinto que o show business brasileiro se perdeu, não sei como vai ser com a volta da pandemia. O discurso do funk tem que evoluir, como foi com o de Anitta, que está fazendo outras coisas, crescendo, se organizando. É uma figura notável. E chega de artistas que morrem jovens. A babaquice da morte daquele garoto Kevin (funkeiro) é a mesma da morte do Jimi Hendrix. Jimi morreu jovenzinho, mas tinha proposto uma coisa que era um turning point do mundo. A mesma babaquice também do Kurt Cobain meter uma bala na cabeça.
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Eu me julgo um sobrevivente da minha geração. A gente passou pelos anos 1980, uma época de muita cheiração, mas chegou uma época em que era babaquice. Começou como uma coisa leve. Eu estava nessa matriz dos anos 1980 com a Gang 90, com o Julio Barroso. Eu faço parte dessa matriz do pop rock brasileiro, de tudo o que aconteceu. Os críticos de música falam que o festival de 1981 (o MPB Shell) foi o mais fraco de todos.
O festival que você participou (com a Gang 90 cantando Perdidos na selva e com Planeta água)?
Isso foi escrito, tá em todos os livros. Mas teve festival mais fraco. O que teve Cabeça, com o Walter Franco (1972), que era meu amigo, um gênio… Ele nem é citado, é como se não tivesse existido aquele festival, e quem ganhou foi a Maria Alcina, com Fio Maravilha. E foi um festival fraquíssimo. O de 1981 foi praticamente ganho pelo Planeta água (a vitória foi para Purpurina, de Jerônimo Jardim, na voz de Lucinha Lins, o que decepcionou a plateia).
E Perdidos na selva foi detonadora de toda a década de 1980. As pessoas tinham que fazer uma revisão histórica da nossa geração. A geração de 1968 não se compara. Chico, Caetano, Gil, Milton, ficaram tombados num patrimônio histórico, como os répteis antes das glaciações. Nossa geração, que veio em 1972, pós-Libelu, é importante. A Rita Lee é anterior, ela é beneficiária de um pouco de tombamento e veio brilhar depois. A mesma coisa com Novos Baianos. Mas nossa geração teve Djavan, que é muito importante. Costumam criticá-lo por causa das letras, que são lindas.
Nós somos inocentes políticos e comportamentais, porque também não pegamos o enlouquecimento de Rita Lee, Raul Seixas. Nem drogados nós somos. Mas construímos uma história belíssima. Lulu faz parte disso, Marina também.
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Cultura Pop
Urgente!: E agora sem o Ozzy?

Todo mundo que um dia se sentiu meio estranho e ouviu Ozzy Osbourne na hora certa, foi levado para um universo bem melhor, e para sempre. Tudo começou com uma banda, o Black Sabbath, que já era um verdadeiro errado que deu certo – um ET musical que fazia som pesado quando mal havia o termo “heavy metal” e que falava de terror na ressaca do sonho hippie. E prosseguiu com a lenda de um sujeito que gravou álbuns clássicos como Blizzard of Ozz (1980), Diary of a madman (1981) e No more tears (1991) – eram quase como filmes.
Ozzy pode ser definido como um cara de sorte – e também como um cara que abusou MUITO da sorte, mas pula essa parte. A depender daqueles progressivos anos 1970, não havia muito o que explicasse o futuro de Ozzy Osbourne na música. Em várias entrevistas, Ozzy já disse que não sabia tocar nenhum instrumento quando começou – na verdade nunca nem chegou a aprender a tocar nada. Tinha a seu favor uma baita voz (mesmo não ganhando reconhecimento algum da crítica por isso, Ozzy sempre foi um grande cantor), um baita carisma, ouvido musical e a disposição para encarnar o estranho e o inesperado no palco em todos os shows que fazia.
Imortalizada em livros como a autobiografia Eu sou Ozzy, a história de Ozzy Osbourne é um daqueles momentos em que a realidade pode ser mais desafiadora que a ficção. Afinal, quem poderia imaginar que um garoto da classe trabalhadora britânica se tornaria o que se tornou? Talvez tenha sido até por causa das dificuldades, que também moveram vários futuros rockstars ingleses da época – ou pelo fato de que o rock e a música pop do fim dos anos 1960 ainda eram quase mato, universos a serem desbravados, com poucos parâmetros. Seja como for, se hoje há artistas de rock que se dedicam a discos e a projetos que parecem ter saído da cabeça de algum roteirista bastante criativo, Ozzy teve muita culpa nisso.
Fora as vezes que o vi no palco, estive frente a frente com Ozzy apenas uma vez, numa coletiva de imprensa do Black Sabbath – da qual Tony Iommi não participou, por estar se recuperando de uma cirurgia (havia tido um câncer). Seja lá o que Ozzy pensasse da vida ou de si próprio, me chamou a atenção o clima de quase aconchego da sala de entrevistas (acho que era no hotel Fasano): um lugar pequeno, com ele e Geezer Butler (baixista) bem próximos dos repórteres. Que por sinal não eram inúmeros.
Já havia feito entrevistas internacionais antes mas nunca imaginei estar tão perto de uma lenda do rock que eu ouvia desde os doze anos. Fiz uma pergunta, ele respondeu, e eu, que sempre fiquei nervoso em entrevistas (imagina numa coletiva com o Black Sabbath!) voltei pra casa como se tivesse ido cobrir um buraco que apareceu numa rua no Centro. Não que não tenha me dedicado à pauta, mas era o Ozzy e eu estava… numa tranquilidade inimaginável.
Ozzy também já me deu uma entrevista por e-mail, em 2008, em que reafirmou sua adoração por Max Cavalera, disse que não tinha ideia se a série The Osbournes havia levado seu nome a um novo público, e reclamou da MTV, “que virou uma versão adulta da Nickelodeon”. Também disse que nunca diria nunca a seus então ex-companheiros do Black Sabbath (“nos falamos por telefone e quando as agendas permitem, nos encontramos”).
Nesse papo, Ozzy só se irritou quando fiz uma pergunta que envolvia o Iron Maiden, que tinha passado recentemente pelo Brasil, ou estaria vindo – não lembro mais. “Bom, não sei te responder, pergunta pro Iron Maiden!”, disse, em letras garrafais (todas as respostas foram em caixa alta). Lembro que ri sozinho e fui bater a matéria.
Até hoje só acredito que isso tudo aí aconteceu (e não é nada perto do que uns colegas viveram com Ozzy e o Black Sabbath) porque vi as matérias impressas. Mas acho que antes de tudo, consegui humanizar na minha mente um cara que eu ouvia desde criança. Ozzy era de carne e osso, respondia perguntas, tinha lá seus momentos de irritação e, enfim, mesmo tendo o fim que todo mundo vai ter, viveu bem mais do que muita gente. E mudou vidas.
Texto: Ricardo Schott – Foto: Divulgação
Crítica
Ouvimos: Justin Bieber – “Swag”

RESENHA: Swag, novo disco-surpresa de Justin Bieber, mistura lo-fi, trap e synth pop com vibe indie e desleixo calculado. Musicalmente rico, mas com letras rasas.
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Justin Bieber opera hoje num universo de, vamos dizer assim, venda fácil e compreensão difícil. Ser um cantor branco de r&b significa basicamente que você vai ter que fazer shows, gravar discos e existir no show business, de modo geral, no limite da polêmica. Afinal, tanto r&b quanto rap são áreas de artistas negros, ligadas a um histórico que se estende ao soul, e a vivências pessoais – e o mundo mudou o suficiente para que o mercado quase entenda o peso de certas coisas.
Por quase entenda, leia-se que, na maioria dos casos, tudo pode ser resolvido por uns posts nas redes sociais e uma tour pelos lugares certos, com as pessoas corretas. Mas pra piorar um pouco, nos últimos tempos, Justin andava brotando mais no noticiário de fofoca do que nos cadernos de cultura. As notícias eram sobre cancelamentos de shows, brigas com a mulher Hailey, relacionamentos supostamente mais do que íntimos com o rapper P. Diddy e supostos abusos de substâncias.
E, bom, o que faz um astro como Justin Bieber numa hora dessas? Para calar a boca de uma renca de gente durante um bom tempo, ele simplesmente lança um disco novo do mais absoluto nada – e este disco é Swag, uma epopéia de quase uma hora, com 21 faixas. E antes de mais nada, Swag consegue colocar de vez Justin numa espécie de “espírito do tempo” pop no qual artistas como Taylor Swift, Rihanna, Beyoncé e Miley Cyrus já se encontram há um bom tempo.
Esse tal (hum) zeitgeist significa que tais artistas – seguindo uma linhagem que inclui de Beatles a Marvin Gaye – decidiram se libertar de amarras para fazerem o que bem entendem. Ou seja: discos de protesto, álbuns com design musical troncho, feats que os fãs vão estranhar, projetos com produtores pino-solto, singles com referências que o fã-clube vai ter que buscar no Google, lançamentos com fotos de divulgação distorcidas – ou capas no estilo meu-sobrinho-fez.
De modo geral, são artistas que podem se dar ao luxo de perder alguns fãs, em nome de verem seus álbuns se tornarem (vá lá) pretensos barômetros do nosso tempo, ou pelo menos crônicas pessoais-autoficcionais. Alguns exemplos: Brat, de Charli XCX, trouxe a zoeira da noite de volta. Hit me hard and soft, de Billie Eilish, foi importante na onda de música sáfica. GNX, de Kendick Lamar, explora misérias existenciais e brigas no showbusiness. Vai por aí. Fazer disco com “desencucação” virou, mais do que nunca, coisa de roqueiro – aposto que você se divertiu muito com Cartoon darkness, de Amyl and The Sniffers, e ficou assustado/assustada com as teorias geradas por Brat.
Se a essa altura do meu texto você já está prestes a desistir de ler, por eu ainda não ter dito se Swag vale seu tempo precioso, aqui vai: vale, e muito. Justin já vinha de uma tradição de álbuns ligadíssimos na atualidade – o melhor deles é Purpose, de 2015. Swag tem um subtexto de “libertação”, já que Bieber acaba de dar adeus a seu empresário de vários anos, Scooter Braun (um adeus que vai lhe custar mais de 30 milhões de dólares, por sinal). E traz o cantor investindo em climas lo-fi, sons texturizados, vibes derretidas e muita coisa que virou moda de uma hora para a outra.
O G1 disse que Swag é um disco chato. Eu discordo bastante, mas o The Guardian chegou perto da realidade ao dizer que as letras prejudicam o novo álbum – de fato, a poética de Swag tem a profundidade de um pires. Já musicalmente, a diversão é garantida até para quem nunca ouviu nada do cantor. Bieber e sua turma de produtores e parceiros transformam trap e sons lo-fi em pop adulto, em faixas muito bem feitas e bem acabadas, como All I can take, a estilingada Daisies, o bedroom pop Yukon e a viajante Go baby.
O design musical de Swag é minimalista, e boa parte das músicas têm aquele clima de desleixo estudado do indie pop atual. Things you do tem guitarras decalcadas do The Police e silêncios entre vozes e sons, Butterflies é uma gravação quase caseira que vai crescendo, e faixas como First place, Way it is, Sweet spot e Walking away unem synth pop, modernidades, sons derretidos e tentativas de emular Michael Jackson.
Já Dadz love, com o rapper Lil B, evoca Prince, com tecladeira dos anos 1980 e texturas de 2025. A vibe dos Rolling Stones, e das voltas do grupo britânico em torno do soul e do r&b, dáo as caras em Devotion e na vinheta Glory voice memo. Uma curiosidade é o trap da faixa-título, com participações de Cash Cobain e Eddie Benjamin, e um verso proscrito sobre cocaína (“seu corpo não precisa / de nenhuma linha prateada”) que aparentemente só o Spotify transcreveu.
Vale dizer que, tentando tomar de volta o controle da própria narrativa, Justin derrapa feíssimo ao decidir colocar em Swag três diálogos com o comediante negro norte-americano Druski. Num deles, o humorista diz a ele que “sua pele é branca, mas sua alma é negra, Justin” (o cantor só responde um “obrigado” desajeitado) – em outro, o assunto inclui paparazzi e redes sociais. No final, quem ouve o disco inteiro é “premiado” com a estranhíssima presença do cantor gospel Mavin Winans ocupando sozinho a última música – o cântico religioso Forgiveness.
Enfim, é Bieber buscando legitimidade para o autoperdão e para a própria carreira de cantor branco de r&b – e mandando recados de maneira tão desajeitada que Swag, um excelente disco, quase rola escada abaixo. Swag não resolve todas as questões em torno de Justin Bieber – mas quando acerta, lembra que, às vezes, é melhor fazer do que explicar.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8,5
Gravadora: Def Jam
Lançamento: 11 de julho de 2025
Cultura Pop
Urgente!: Nova do Hot Chip, “DVD” do Oasis em Cardiff, The Rapture de volta com turnê

RESUMO: Hot Chip (foto) anuncia coletânea e lança single e clipe. Fã produz vídeo do primeiro show do Oasis em Cardiff só com imagens feitas por fãs. The Rapture anuncia turnê pelos Estados Unidos e Canadá.
Texto: Ricardo Schott – Foto Hot Chip: Louise Mason/Divulgação
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Vai sair pela primeira vez uma coletânea do Hot Chip, Joy in repetition, prevista para 5 de setembro. Vale até a pergunta que muita gente já se fez: qual a importância de coletâneas nessa época de playlists e aplicativos de música com poucas infos? Bom, a importância de uma boa coletânea de hits é enorme, vale por uma setlist bem montada e pode contar uma história. E elas eram as playlist de duas décadas atrás.
No caso de Joy, ela traça o caminho do Hot Chip do tempo dos cachês baixos até a época em que jornais como The Guardian já estavam classificando Alexis Taylor, Joe Goddard, Owen Clarke, Al Doyle e Felix Martin como o maior grupo pop de seu tempo. E entre hits como Ready for the floor, I feel better e Look at where we are, ainda tem uma música nova de altíssimas proporções de grude: Devotion, já lançada em single, que é uma mescla de pop adulto, eletrônica psicodélica e futuro hit de pista, com clipe gravado no Japão.
Taylor rasga seda: Devotion é “uma celebração da devoção a este projeto coletivo”. E ele ainda faz um baita elogio ao colega Joe Goddard: “Penso no Joe como alguém parecido com o Brian Wilson, com uma dedicação enorme em descobrir como criar a música pop mais incrível possível”. Errado não está.
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Alguém com (felizmente, não estamos julgando) muito tempo livre pegou varias imagens diferentes do primeiro show do Oasis em Cardiff, feitas por fãs da banda, e compilou um (digamos) DVD do show.
O registro tá o mais fiel possivel, apesar das imagens à distância e do som nem sempre maravilhoso – vale como um belo bootleg das antigas. Tem ate o som da fitinha de Fuckin in the bushes na abertura, e a voz do apresentador do show. Detalhe: quem botou o video no ar tentou se livrar de problemas avisando que o video nao é monetizado. Pode ser que não ganhe strike do YouTube. “É de um fã apenas para fãs”, avisa.
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E ainda Oasis: vale ler o texto de Liv Brandão, fera do jornalismo musical brasileiro recente, sobre como a setlist do show do Oasis não foi apenas uma setlist. Foi uma aula de storytelling daquelas – como numa (olha aí) coletânea daquelas que vinham com textos contextualizando tudo.
“Muito se falou da escolha das canções, que privilegia os dois primeiros álbuns, como se só eles importassem (…). Mas tão especial quanto a seleção das 24 músicas que compõem o set, idêntico nos dois dias, é a ordem em que elas aparecem, montada para contar a história de quando o Oasis foi a maior banda do mundo – justamente na época desses discos – e tudo o que aconteceu desde então”. Leia o restante na newsletter dela
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Banda importante do dance punk dos anos 2000, The Rapture voltou, mas não há ainda nenhuma novidade a respeito de disco novo – nem de shows no Brasil, já avisamos. Na real, esse grupo novaiorquino já está de volta desde 2019, com o cantor Luke Jenner como único membro fixo, mas não havia retornado de fato. Fizeram alguns shows, mas pararam as atividades por conta da pandemia, e foi só. Dessa vez, o grupo tem uma turnê de verdade pela frente, que começa dia 16 de setembro no mitológico First Avenue, em Minneapolis, e passa por várias cidades dos EUA e Canadá até novembro.
“Anos atrás, quando me afastei da banda, eu precisava de tempo e espaço para reconstruir minha vida”, conta Jenner sobre a volta, sem comentar diretamente sobre as brigas intermináveis que a banda tinha lá por 2014. “Eu precisava consertar meu casamento, estar presente para meu filho e, por fim, trabalhar em mim mesmo. Esta turnê marca um novo capítulo para mim, moldado por tudo o que vivi e aprendi ao longo do caminho. Conquistei tudo o que esperava alcançar através da música e agora posso usá-la para ajudar qualquer pessoa que talvez precise, como eu precisei naquela época”.
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