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Cultura Pop

Várias coisas que você já sabia sobre Transa, de Caetano Veloso

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Várias coisas que você já sabia sobre Transa, de Caetano Veloso

Transa, de Caetano Veloso, para inaugurar a nova série de “várias coisas que você já sabia sobre”? Vamos por partes. Foi no fim de 1969 que o Brasil mandou aquele abraço para a Tropicália. Caetano Veloso e Gilberto Gil foram exilados enquanto Gal Costa, Mutantes e Tom Zé lançavam as últimas obras que traziam as características em comum do movimento: capas coloridas de artistas como Albery e Rogério Duarte, guitarras de Lanny Gordin, arranjos de Rogério Duprat e produção de Manoel Barenbein.

Mesmo que pesquisadores e entusiastas afirmem que a obra do movimento se estenda até o ano de 1973, é inegável que a partir de 1969 muita coisa mudou. Os que mais sentiram essas mudanças foram, sem dúvida, Gil e Caetano, expulsos do país pela ditadura militar. Longe da família, dos amigos e em uma terra nova e estranha, a dupla iniciou uma outra viagem em suas carreiras, cada um com sua bagagem nas costas.

Gil aprendeu a tocar guitarra e saiu fazendo jams e aprendendo uma nova abordagem de sua música por Londres. Caetano se tornou mais introspectivo e parecia não haver mais lugar em seu imaginário para canções alegres como Superbacana e Atrás do trio elétrico. Em seu primeiro álbum lançado no exílio, em 1971, o que se ouve é melancolia e a saudade de sua terra.

No LP, que leva o apelido de London London, encontramos a maioria das letras em inglês, citações a canções brasileiras e músicas com tempos longos, fora do padrão comercial das rádios. Com tom triste e crítico, Caetano abre o álbum dizendo que um dia teve que deixar seu país e pede notícias da irmã Maria Bethânia. Mas antes de rever seu sol dourado, Caetano gravou seu segundo álbum na Inglaterra.

Várias coisas que você já sabia sobre Transa, de Caetano Veloso

Quando Transa (1972) foi gravado, o sentimento de tristeza já não era mais dominante em Caetano. Considerado pela crítica e por grande parte de seu público um de seus álbuns mais importantes, é um disco de banda, que pode ser considerado um sucessor direto do álbum de 1971 também em seu conceito e sonoridade.

COMO ASSIM TRANSA? No começo da década de 1970, o verbo ”transar” ou o substantivo “transa” não se referiam somente a sexo – estavam muito mais ligados ao sentido de “transação”. Segundo reportagem da Veja de 19 de abril de 1972 sobre o álbum de Caetano Veloso: “Na linguagem da moda, a palavra ‘transa’ tem a mobilidade das ideias vagas. Em resumo, pode referir-se desde transações comerciais ao negócios mais abstratos, envolvendo ou não duas e mais pessoas. E é nesse vasto campo de possibilidades que se desenham os limites do novo LP de Caetano Veloso”.

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Imagens de shows da época do “Transa” em Paris

O COMEÇO DO REGGAE DO BRASIL pode ser creditado ao Transa. A faixa Nine out of ten começa e termina com alguns compassos inspirados no ritmo jamaicano. A letra abre com Caetano narrando seus passeios pela Portobello Road, rua da capital inglesa que no começo dos anos 1970 possuía lojas que tocavam o som de artistas como Jimmy Cliff.

O CANTOR Péricles Cavalcanti, que sugeriu a inclusão do reggae na música, conta que para fazer a gravação das pequenas passagens foi preciso que o baixista Moacyr Albuquerque aprendesse a tocar o ritmo, já que o estilo não era conhecido no Brasil: “Eu fui com ele em uma loja e nós compramos umas três partituras de ska e através delas ele aprendeu a tocar o ritmo para fazer a gravação”. Caetano considera essa sua melhor canção em inglês e ela esteve presente no repertório do show do álbum Cores, nomes (1982), Zii e zie ao vivo (2010), Dois amigos – Um século de música (2015, com Gilberto Gil). E foi regravada no álbum Velô (1984).

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Caetano e banda gravando em Londres

UM GOSTO DE VIDRO E CORTE reinava nos ensaios para a gravação do LP. No centro de artes londrino Arts Lab, os músicos se reuniam para criar os arranjos e, na mesma época, havia um artista plástico produzindo uma obra com fibras de vidro, que eram cortadas no ambiente. Para desintoxicar do cheiro, Jards Macalé contou em reportagem de Leonardo Lichote que tomavam copos de leite entre as músicas.

ALÉM DE de Jards, que produziu e tocou guitarra e violão no LP, a banda de Transa contou com Tutty Moreno (bateria e percussão), Áureo de Souza (bateria e percussão) e Moacyr Albuquerque (baixo).

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Transa: em Paris com Jards Macalé

A PRIMEIRA VEZ DE ANGELA RO RO em uma gravação foi no Transa. A cantora estava passando uma temporada pela Europa e se encontrou com os baianos durante a viagem. No disco, Ro Ro toca gaita na faixa Nostalgia (That’s what rock n’ roll is all about). Com o cachê da gravação, a autora de Amor, meu grande amor conta que pagou uma semana de aluguel e comprou um par de botas para encarar o frio londrino.

A FICHA TÉCNICA DO DISCO GEROU BRIGAS e manteve muitos pesquisadores confusos por um bom tempo. Para começar, a primeira edição trazia a informação de que Angela Ro Ro havia tocado flauta, ao invés de gaita. Além disso, não havia o nome de Jards Macalé como produtor do álbum, o que foi motivo de afastamento entre ele e Caetano por tempos.

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Caetano ao vivo na época do disco

SEGUNDO o baiano, a justificativa se dá pelo fato de que a cultura de colocar o nome dos músicos nos encartes dos álbuns não era comum nos anos 1970. Em 2006, mais de 30 anos depois, as questões relativas ao encarte foram acertadas, com os créditos corretos aparecendo pela primeira vez na edição em CD do álbum que compõe a caixa Quarenta anos Caetanos 1969-1974.

“DISCOBJETO” foi o título dado para batizar o projeto gráfico da edição original do LP, assinado por Álvaro Guimarães e Aldo Luiz. Em formato trifold (triplo), a capa aberta forma uma espécie de prisma triangular, exibindo fotos do cantor e entregando uma outra interpretação. O álbum posteriormente teve reedições em capas dupla e simples, e fita K7, além de versões (em CD e LP) lançadas em outros países como Uruguai, Japão e Argentina.

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Propaganda da Rolling Stone

TODAS AS versões do álbum costumam ser raras por seu valor histórico e pelo status que recebeu ao longo dos anos de disco mais cultuado da obra de Caetano Veloso. Um exemplar da edição original tem, segundo o Discogs, preço médio de aproximadamente R$500 e já chegou a ser vendido no site por R$750.

UMA FESTIVAL DE CITAÇÕES compõe as letras de Transa. Na maioria das faixas Caetano cita a si mesmo e diversos outros compositores – além de regravar uma versão bastante alternativa do samba Mora na filosofia, de Monsueto. Segue uma lista com toda as citações do álbum:

“YOU DON’T KNOW ME”

“Nasci lá na Bahia de mucama com feitor/o meu pai dormia em cama minha mãe no pisador” foi tirada de Maria Moita (Carlos Lyra/Vinícius de Moraes)

“Laia, ladaia, sabatana, Ave Maria” – veio de Reza (Edu Lobo/Ruy Guerra)

“Eu, você, nós dois, já temos um passado meu amor, um violão guardado, aquela flor, e outras mumunhas mais” – veio de Saudosismo (Caetano Veloso), citada por Gal Costa

“Eu agradeço/ao povo brasileiro/norte, centro, sul inteiro/onde reinou o baião” – veio de Hora do adeus (Luiz Queiroga e Onildo Almeida, gravada por Luiz Gonzaga).

“TRISTE BAHIA”

As duas primeiras estrofes da música são do poema de Gregório de Mattos de mesmo título. Porém, com uma alteração – o original diz “rica te vi eu já”, enquanto Caetano canta “rica te vejo eu já” – causada por um erro de transcrição presente no livro em que o cantor possuía.

Outras citações presentes na música:

“Eu já vivo tão cansado/ De viver aqui na Terra/ […] Minha mãe eu vou pra lua/ E seja o que Deus quiser” – Eu já vivo enjoado (Mestre Pastinha, com adaptações)

“Ê galo cantou/Ê galo cantou camará” – Quando eu fui pra liberdade (canto tradicional de capoeira)

“Ê vamos nos embora/ ê pelo mundo afora” – Capoeira do Arnaldo (Paulo Vanzolini)

“Bandeira branca enfiada em pau forte/ trago no peito a estrela do norte” – Ponto do guerreiro Branco (canto tradicional, gravado também por Maria Bethânia em seu álbum de 1969).

“O vapor de cachoeira não navega mais no mar” – Canto tradicional, gravado também por Maria Bethânia em Cirandas, no álbum Dentro do mar tem rio (2007).

“Pé dentro, pé fora/quem tiver pé pequeno vai embora” – Canto tradicional de capoeira, gravado também por Tom Zé em Lavagem da Igreja de Irará, no álbum Correio da Estação do Brás (1978).

“Ó virgem mãe puríssima” – Hino a Nossa Senhora da Purificação

“IT’S A LONG WAY”

“O zóio da cobra verde/[..] não amava quem amei”; “Arrenego de quem diz/que o nosso amor se acabou” – Sôdade, meu bem, sôdade (Zé do Norte), gravada por Vanja Orico para a trilha de O cangaceiro, filme de Lima Barreto (1953), e por Nana Caymmi no álbum Renascer (1976).

“Água com areia/brinca na beira do mar/a água passa a areia fica no lugar” – Água com areia (Jair Amorim/Jacobina). Também gravada com alterações em outras versões registradas antes do lançamento de Transa, como a de Pery Ribeiro (1961).

“E se não tivesse o amor/E se não tivesse essa dor” – Consolação (Baden Powell/Vinícius de Moraes)

“No Abaeté tem uma lagoa escura/arrudiada de areia branca! – A lenda do Abaeté (Dorival Caymmi)

“NEOLITHIC MAN”

“Quem tem vovó/ Pelanca só” – Palavras atribuídas ao canto do Sabiá da Mata, pássaro muito comum na Bahia.

OS BEATLES APARECEM NO DISCO em duas citações: It’s a long way (The long and winding road, 1970) e em Neolithic man (You won’t see me, 1966).

MARIA BETHÂNIA além de ter gravado algumas das músicas citadas em Transa, gravou o álbum Drama também em 1972 com os músicos Moacyr Albuquerque (baixo) e Tutti Moreno (bateria). Além disso, o LP possui produção do mano Caetano e o primeiro registro da música Anjo exterminado, de autoria de Jards Macalé.

CAETANO REJEITOU PARCERIA COM BOWIE na época em que estava exilado. Acontece que Ralph Mace, que produziu Transa, já havia trabalhado com o cantor britânico (é ele o responsável pelos teclados no álbum The man who sold the world, de 1970) e queria unir os dois talentos.

MACE levou o baiano até um show de David Bowie na Round House. Em entrevistas, Caetano revela que não gostou do show e que no camarim ele e o “Camaleão” apenas se cumprimentaram cordialmente. Enquanto o cantor recorda que Ralph queria que ele contribuísse com as músicas de David, o produtor revela o que gostaria de propor a Bowie que traduzisse as letras do artista brasileiro.

O PRODUTOR SE CHATEOU COM CAETANO, não por conta da rejeição à parceria com Bowie, mas porque logo após a finalização das gravações de Transa, houve a possibilidade do cantor voltar ao Brasil e ele assim fez. Ralph queria que o artista continuasse em Londres para divulgar Transa e produzir outros trabalhos, mas ele foi irredutível. Além do mal estar entre os dois, a decisão fez com que o LP não fosse lançado na Inglaterra naquele momento e até hoje não existe uma edição lançada no país.

NA CHEGADA AO BRASIL, O SHOW FOI UM SUCESSO. Mesmo ainda sem os LPs nas lojas, Caetano fez o show com as faixas de Transa assim que voltou do exílio para o Brasil, em Janeiro de 1972. Se em Londres os músicos tocaram no Queen Elizabeth Hall e até em cima de um caminhão, o primeiro destino no Brasil foi o Teatro João Caetano, no centro do Rio de Janeiro.

MUITO COMENTADA na imprensa, a temporada teve dias com ingressos esgotados sem que as portas do teatro foram abertas, para que, além dos 1500 pagantes, outras pessoas pudessem acompanhar o espetáculo. Caetano abria os show com Bim-bom, de João Gilberto, e o repertório incluía músicas que não estavam em Transa, como Você não entende nada, Maria Bethânia, Preta pretinha (Novos Baianos), Que tudo mais vá pro inferno (Roberto Carlos), um pout-pourri de músicas de carnaval e encerrava com Eu e a brisa, de Johnny Alf.

A CRÍTICA elogiou bastante o show, que também teve temporada em São Paulo (no teatro Tuca, onde Caetano foi bastante vaiado em 1968 pela apresentação da música É proibido proibir) e retornou ao Rio ainda em janeiro para mais três shows resultantes da grande procura por parte do público.

O ÁLBUM TAMBÉM DIVIDIU OPINIÕES na imprensa. O número 487 da revista Intervalo 2000, em matéria sobre o lançamento do LP garantiu: “Não tenham dúvida: já pode ser considerado o disco do ano”. Outra edição, de número 500, lançada em agosto de 1972, dizia que “Nostalgia”, faixa que encerra o disco, estava fazendo um grande sucesso. Em O Jornal, a crítica foi dura: “Este LP não é, de modo algum, um produto do talento com T maiúsculo do Caetano”.

UMA QUANTIDADE GRANDE DE LPS VEIO EMPENADA DE FÁBRICA em uma edição recente fabricada na Alemanha. Lançado pela gravadora Universal Music em 2012, o disco recria o “discobjeto” e teve problemas por conta de sua plastificação. Com a capa feita de um papel de alta gramatura e com o plástico lacrado de forma muito apertada, várias unidades tiveram o vinil entortado pela pressão.

HEITOR Trengrouse, proprietário da loja de discos Tracks, no Rio de Janeiro, teve essa edição a venda e comenta: “Praticamente todas as unidades que recebemos desse LP vieram com esse problema, o que é lamentável porque é um disco histórico e que foi poucas vezes relançado. Eu acredito que o motivo de ele ter saído também em capas duplas e simples tenha a ver com a complexidade dessa capa. Os próprios lojistas deveriam reclamar porque é um disco difícil de acomodar nas prateleiras com esse padrão diferente”.

O CANTOR PAULISTANO ROMULO FRÓES estreou em junho de 2014 um show em que apresenta as canções de Transa na íntegra. Inicialmente parte do projeto Radiola Urbana 1972 (em que 20 artistas diferentes interpretaram álbuns que estavam então completando 40 anos), a apresentação contou com o guitarrista Kiko Dinucci (Metá Metá), o saxofonista Thiago França (Metá Metá); o violonista e guitarrista Rodrigo Campos; o baixista Marcelo Cabral (Passo Torto); e o baterista Pedro Ito (do grupo de jazz Improvisado).

A BANDA das apresentações contou com outras formações, que incluíram músicos como o guitarrista Guilherme Held, o baixista Marcos Gerez e o baterista Richard Ribeiro. A sonoridade é completamente diferente do que está no álbum, o que torna o show muito interessante. Rômulo e os músicos mudam a roupagem das colagens sonoras de Caetano e fazem versões totalmente imersas na estética da geração atual da música de São Paulo.

CAETANO DISSE QUE NÃO FARÁ UM SHOW COM O REPERTÓRIO DO ÁLBUM mesmo com abaixo-assinados para a realização do show terem circulado na internet. O cantor considera Transa um disco de banda e disse que não tem intenção de se reunir sem o músico Moacyr Albuquerque, falecido em outubro de 2000.

APESAR de não fazer um show com o repertório do álbum, algumas músicas do LP apareceram em shows da trilogia . Na versão ao vivo do álbum (2007) Caetano canta Nine out of ten (que também fez parte do show Dois amigos, um século de música, com Gilberto Gil) e You don’t know me e em Abraçaço ao vivo (2014) foi incluída a música Triste Bahia.

HOJE Transa é considerado um dos mais importantes da música popular brasileira e da discografia de Caetano. Segundo reportagem de Marcus Preto, a adoração se intensificou tanto no público quanto entre músicos na década de 1990. Em entrevista a Marcelo Perrone, o cantor revelou: “Eu gostei dele quando o fiz. Mas o achei mais satisfatório com o passar do tempo. Mas o fato é que não ouço meus discos quase nunca. Então, não sei direito”.

Mais várias coisas que você já sabia sobre aqui.

Cultura Pop

Urgente!: Supergrass, Spielberg e um atalho recusado

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Coisas que você descobre por acaso: numa conversa de WhatsApp com o amigo DJ Renato Lima, fiquei sabendo que, nos anos 1990, Steven Spielberg teve uma ideia bem louca. Ele queria reviver o espírito dos Monkees – não com uma nova versão da banda, como uma turma havia tentado sem sucesso nos anos 1980, mas com uma nova série de TV inspirada neles. E os escolhidos para isso? O Supergrass.

O trio britânico, que fez sucesso a reboque do britpop, estava em alta em 1995, quando lançou seu primeiro álbum, I should coco. Hits como Alright grudavam na mente, os vídeos eram cheios de energia, e Gaz Coombes, o vocalista, tinha cara de quem poderia muito bem ser um monkee da sua geração. Spielberg ouviu a banda por intermédio dos filhos, gostou e fez o convite.

Os ingleses foram até a Universal Studios para uma reunião com o diretor – com direito a recepção no rancho dele e papo sobre fase bem antigas da série televisiva Além da imaginação. O papo sobre a série, diz Coombes, foi proposital, porque a banda sacou logo onde aquilo poderia dar. “Talvez eu estivesse tentando antecipar a abordagem cafona que seria sugerida, tipo a banda morando junta como os Monkees”, contou Coombes à Louder, que publicou um texto sobre o assunto.

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A proposta era tentadora. Mas eles disseram não. “Foi lisonjeiro e muito legal, mas ficou óbvio para nós que não queríamos pegar esse atalho”, explicou o vocalista, afirmando ter pensado que aquilo poderia significar o fim do grupo. “Você pode acabar morrendo em um quarto de hotel ou algo assim, ou então a produção quer apenas um de nós para a próxima temporada. Foi muito engraçado, respeitosamente muito engraçado”.

O tempo passou. E agora, em 2025, I should coco completa 30 anos (mas já?). O Supergrass, que se separou no fim dos anos 2000, voltou para tocar o disco na íntegra e alguns hits em festivais como Glastonbury e Ilha de Wight.

Aqui, o trio no Glastonbury de 2022.

Foro: Keira Vallejo/Wikipedia

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Crítica

Ouvimos: Lady Gaga, “Mayhem”

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Ouvimos: Lady Gaga, “Mayhem”

Tudo que é mais difícil de explicar, é mais complicado de entender – mesmo que as intenções sejam as melhores possíveis e haja um verniz cultural-intelectual robusto por trás. Isso vale até para desfiles de escolas de samba, quando a agremiação mais armada de referências bacanas e pesquisas exaustivas não vence, e ninguém entende o que aconteceu.

Carnaval, injustiças e polêmicas à parte, o novo Mayhem foi prometido desde o início como um retorno à fase “grêmio recreativo” de Lady Gaga. E sim, ele entrega o que promete: Gaga revisita sua era inicial, piscando para os fãs das antigas, trazendo clima de sortilégio no refrão do single Abracadabra (que remete ao começo do icônico hit Bad romance), e mergulhando de cabeça em synthpop, house music, boogie, ítalo-disco, pós-disco, rock, punk (por que não?) e outros estilos. Todas essas coisas juntas formam a Lady Gaga de 2025.

Algo vinha se perdendo ou sendo deixado de lado na carreira de Lady Gaga há algum tempo, e algo que sempre foi essencial nela: a capacidade de usar sua música e sua persona para comentar o próprio pop. David Bowie fazia isso o tempo todo – e ele, que praticamente paira como um santo padroeiro sobre Mayhem, é uma influência evidente em Vanish into you, uma das faixas que melhor representam o disco. Aqui, Gaga entrega dance music com alma roqueira, um baixo irresistível e um batidão que evoca tanto a fase noventista de Bowie quanto o synthpop dos anos 1980.

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Mais coisas foram sendo deixadas de lado na carreira dela que… Bom, sao coisas quase tão difíceis de explicar quanto as razões que levaram Gaga a criar um álbum considerado “difícil” como Artpop (2013), enquanto simultaneamente mergulhava no jazz com Tony Bennett e preparava-se para abraçar o soft rock no formidável Joanne (2016), um disco autorreferente que talvez tenha deixado os fãs da primeira fase perdidos. Em outro tempo, Madonna parecia autorizada a mudar como quisesse, mas quando Gaga fazia o mesmo, deixava no ar notas de desencontro e confusionismo. O pop mudou, as décadas passaram, o público mudou – e todas as certezas evaporaram.

É nesse cenário que Mayhem equilibra as coisas, entregando um pop dançante, consciente e orgulhoso de sua essência, mas ao mesmo tempo sombrio e marginal. Há momentos de caos organizado, como em Disease e Perfect celebrity – esta última começa soando como Nine Inch Nails, mas, se você mexer daqui e dali, pode até enxergar um nu-metal na estrutura. Killah traz uma eletrônica suja, um refrão meio soul, meio rock que caberia num disco do Aerosmith, enquanto Zombieboy aposta no pós-disco punk, evocando terror e êxtase na pista (por acaso, Gaga chegou a dizer que o disco tem influências de Radiohead, e confirmou o NiN como referência).

Na reta final, o álbum se aventura por outros terrenos: How bad do U want me e Don’t call tonight flertam com o pop dinamarquês dos anos 90 (e são, por sinal, as únicas faixas pouco inspiradas do disco); The beast tem cara de trilha sonora de comercial de cerveja; e Lovedrug mergulha na indefectível tendência soft rock que surge hoje em dia em dez entre dez discos pop. Essa faixa soa como um híbrido entre Fleetwood Mac e Roxette – como se Gaga  estivesse pensando também na programação das rádios adultas de 2035.

O desfecho de Mayhem chega como um presente para o ouvinte: Blade of grass é uma balada melancólica de violão e piano, que ecoa tanto a tristeza folk dos anos 70 quanto a melancolia do ABBA, crescendo em inquietação à medida que avança. E então, como quem perde um pouco o tom, o álbum termina com… Die with a smile, a já conhecida balada country-soul gravada em parceria com Bruno Mars, lançada há tempos como single. Dentro do contexto do disco, ela soa mais como um apêndice do que como um encerramento – uma nota de rodapé onde se esperava um ponto final. Nada que chegue a atrapalhar a certeza de que Lady Gaga conseguiu, mais do que retornar ao passado, unir quase todos os seus fãs em Mayhem.

Nota: 8,5
Gravadora: Interscope
Lançamento: 7 de março de 2025.

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4 discos

4 discos: Elvis Presley no final

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4 discos: Elvis Presley no final

Ainda que o mercado de álbuns estivesse bastante fortalecido desde o fim dos anos 1960, isso não chamava a atenção de Elvis Presley (1935-1977), e muito menos a de seu empresário, o Coronel Tom Parker (1909-1997). O cantor não parecia se interessar muito por LPs, apesar de ter tido grandes vendagens de álbuns desde o começo. Muitas vezes, Elvis apenas gravava o que tinha vontade, e deixava que a RCA, sua gravadora, escolhesse capas, repertório e (o principal) como e de que maneira cada gravação seria aproveitada.

Nos anos 1970, com Elvis enclausurado em sua mansão e cada vez mais descontrolado (no apetite, nas drogas, na violência etc), o cantor ficou também cada vez mais desinteressado em gravar regularmente. Seus álbuns começavam a se tornar compilações de gravações, quase sempre feitas em etapas diferentes. Não era nem preciso que as sessões passassem pelos mesmos esquemas de produção, embora os álbuns pós-1966 do cantor tivessem todos o mesmo produtor. Era o ex-cantor Felton Jarvis, que chegou a lançar em 1959 um single cujo lado B era um tributo chamado Don’t knock Elvis.

O álbum That’s the way it is (1970), por exemplo, foi feito a partir de oito faixas gravadas do estúdio da RCA em Nashville, mas também entraram quatro faixas gravadas ao vivo em Las Vegas. Por sua vez, o restante dessas sessões de Nashville foi lançado gradativamente em singles e rendeu também o álbum Elvis country, de 1971. Era como se os álbuns do cantor, com raras exceções, já fossem compilações de out takes. E o que não falta é crítico de rock apontando para esse clima “alhos com bugalhos” na parte final da discografia de Elvis.

Pois bem, resolvemos revisitar quatro álbuns dessa última década da carreira de Elvis Presley – que, você talvez saiba, teria completado 90 anos no dia 8 de janeiro. E pode crer: quem deixou esses discos para trás perdeu muita coisa. Mesmo os mais alheios à obra do cantor, que o conhecem apenas pelos grandes hits, podem encontrar surpresas agradáveis. Porque, sim, por trás daquela fachada de decadência, havia música pulsante. Se você nem sequer desconfiasse que a vida de Elvis andava uma zona daquelas, poderia acabar achando que ele já estava rico o suficiente e havia resolvido só gravar o que quisesse, para quem quisesse ouvir, e problema dele.

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  • Este texto foi inspirado por um outro texto, da newsletter do músico Giancalrlo Rufatto

“ELVIS NOW” (1972). O nome desse álbum de Elvis podia indicar que se tratava de um disco ao vivo, de uma coletânea, de um álbum de sobras, de um cata-corno musical – enfim, Elvis now, como título, não quer dizer lá muita coisa. De qualquer jeito, é um dos mais brilhantes lançamentos do cantor em sua última década. Numa época em que Elvis parecia ter entendido mais ou menos para que serviam os álbuns e estava adotando estilos musicais diferentes em cada lançamento (gospel, country, baladas, etc), seu décimo-sexto LP era o que mais se aproximava de um “programa de música” (digamos assim), cabendo vários estilos musicais de maneira equilibrada.

Para manter um hábito do cantor na época, Elvis now não era um disco de “agora”. Havia uma faixa gravada em 1969 (a versão dele para Hey Jude, dos Beatles, feita nas sessões que geraram o disco Elvis in Memphis, daquele ano) e gravações de 1970 e 1971. Ou seja: era basicamente um cozidão de sobras com material ainda sem destinação. De qualquer jeito, lá você ouve, além de Hey Jude, Elvis interpretando canções de Kris Kristofferson (Help me make it through the night), da ativista e cantora Buffy Sainte-Marie (a canção de amor classe-operária Until it’s time for you to go), de Gene McLellan (Put hand in the hand), Gordon Lightfoot (Early mornin’ rain) e até um clássico gospel tradicional que, poucos anos depois, Raul Seixas e Paulo Coelho fariam questão de chupar (I was born ten thousand years ago).

“RAISED ON ROCK/FOR OL’ TIMES SAKE” (1973). Mais uma vez uma capa de Elvis traz uma foto praticamente idêntica dele (Elvis proibia que o fotografassem fora do palco), e o título lembra o de um álbum pirata ou coletânea caça-níqueis. Mas esse disco é tido como o último álbum de estúdio verdadeiramente rocker de Elvis, e tem quem o considere o melhor álbum dessa fase. O repertório veio de sessões no Stax Studios (Memphis, Tennessee), em julho de 1973, além de outras gravações feitas na casa de Presley em Palm Springs, Califórnia, em setembro de 1973.

Raised on rock tem esses dois títulos porque aproveitou os nomes dos lados A e B de um single de sucesso do cantor – o que dá a impressão também de “single expandido para álbum” e feito às pressas. Uma ouvida distraída revela pérolas como as próprias músicas-título, além de Three corn patches (da dupla Leiber e Stoller), Just a little bit (sucesso do cantor Rosco Gordon) e Find out what’s happenin’ (country gravado em 1968 por Bobby Bare). Muita gente implicou bastante com aquele papo de “criado no rock”, ate porque a canção fala de uma pessoa que foi criada ouvindo hits como Johnny B. Goode, de Chuck Berry, e nada menos que Hound dog, gravada pelo próprio Elvis (!) em 1956. Mas pula essa parte porque a gravação é ótima.

“ELVIS TODAY” (1975). A capa e o título não dizem muita coisa, mas Today é um dos discos mais saidinhos dessa fase final da carreira do cantor. O som une música pop e country, em vez de se concentrar apenas num estilo. E fica claro, pela escolha de repertório, que o álbum foi um esforço grande de Elvis em tentar entender o que estava acontecendo ao seu redor na música.

Havia o rock country de T-R-O-U-B-L-E, um dos últimos hits do cantor no estilo que o havia consagrado. Tinha uma regravação de Fairytale, das Pointer Sisters, indicando que a transição do soul à disco já tinha sido devidamente observada por Elvis e sua turma. E havia algumas regravações bem bacanas de faixas recentes, como I can help, de Blly Swan, e Pieces of my life, de Troy Seals – muito embora, justamente por causa disso, ficasse a impressão de que Today, mais do que resultado de uma gravação em estúdio, era o resultado de uma mexida em várias demos. Ainda assim, era uma mostra de que Elvis ainda se reinventava. Da maneira dele, mas rolava sim.

“FROM ELVIS PRESLEY BOULEVARD, MEMPHIS, TENNESSEE” (1976). O título desse disco lembra o de um álbum póstumo ou coletânea. É apenas o vigésimo-terceiro álbum de Elvis, feito numa época em que o cantor nem sequer queria sair de casa para gravar, e a RCA mandou instalar um estúdio na casa dele. Foi lançado pouco após a excelente coletânea The Sun sessions, e, diz o site oficial do cantor, trouxe músicas “comercializadas como se Elvis estivesse finalmente emitindo um convite aos seus fãs para entrarem pelos portões de Graceland”. Inclusive vendeu mais do que a coletânea, embora tenha custado mais aos cofres da RCA do que Sun sessions.

A capa informa que se trata de um “disco ao vivo”, mas a realidade é bem diferente: não há palmas, e basicamente o material foi feito “ao vivo” dentro da própria mansão de Elvis. O repertório é de uma força impressionante, com destaque para a balada blues Hurt, a romântica Never again e as baladas country Dany boy e Bitter they are, harder they fall, além da grandiosa The last farewell. From Elvis Presley Boulevard não é apenas um disco: é um retrato do Rei em um momento de fragilidade e reclusão, mas ainda capaz de emocionar como poucos.

 

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