Crítica
Ouvimos: Lucy Dacus, “Forever is a feeling”

Quem acompanha o Pop Fantasma e lê as resenhas, já me viu falando de certos discos algo como: “é bom, mas falta uma certa esquisitice que rolava antigamente no som dessa banda/cantora/cantor”. Traduzindo: falta uma certa vontade de explorar, de ir além do que se espera, ultrapassar padrões, no sentido de evitar se tornar uma versão Tiny Toon de si próprio/própria. E fica aí a pergunta: Lucy Dacus não está se tornando um pouco isso aí em seu novo disco, Forever is a feeling?
Antes de tudo, importante falar que Forever é bom (desce aí para ver a nota que eu dei) e tem músicas ótimas. Os fãs (eu me incluo entre eles) vão adorar a sujeira sonora de Most wanted man, que lembra uma prima mais mal-humorada do Fleetwood Mac. Provavelmente vão amar também o experimentalismo e o quase progressivismo de Modigliani, balada indie-pop com belezas na percussão e nos arranjos de cordas. A vertiginosa Limerence, definida por Lucy como “um cabaré”, também gruda na mente.
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O problema de Forever is a feeling é que, se você comparar com os álbuns anteriores (especialmente com os ótimos No burden de 2016 e Home video, de 2011), e se você for além e comparar Forever com o disco do Boygenius, banda que reúne Lucy, Julien Baker e Phoebe Bridgers… ele sai perdendo. Fica a sensação de que o álbum não expande muito além do que Lucy já havia explorado em outros momentos, mesmo abrindo com uma curiosa vinheta em tons clássicos, Calliope prelude.
Em várias faixas, Lucy libera por completo a Karen Carpenter que existe dentro de si. Tudo bem, só que, no caso de Forever, isso resulta às vezes em uma uniformidade excessiva nas linhas vocais e, principalmente, na abordagem temática. Grande parte do disco gira em torno de relacionamentos complicados e impossíveis, do amor que antes de ser já era e, de maneira mais direta, de seus sentimentos não correspondidos por Julien Baker – amiga e parceira de banda no Boygenius.
Essa opção pela tristeza sonora (e pela evocação do bittersweet setentista) vem rendendo álbuns excelentes recentemente, mas aqui deu uma certa impressão que Lucy, se não tomar cuidado, pode acabar sendo condenada a fazer discos em que todo mundo encontra aquilo que já espera – exatamente o oposto do universo indie e extremamente criativo do qual ela veio. Do material que parece mais estandardizado, destaque para o soft rock gilete-no-pulso de Big deal (“você tem sua garota, você vai se casar com ela / e eu estarei assistindo em um terno listrado”), a vibe Lana del Rey de Best guess (a do clipe que imita os comerciais da Calvin Klein dos anos 1990) e a simplicidade da faixa-título.
De excepcional, o álbum ainda tem o clima ambient e perturbador de Talk, uma das melhores músicas da história de Lucy. Mas Forever is a feeling é um bom disco de transição para outra fase, e resta saber o que vem ai.
Nota: 7,5
Gravadora: Geffen
Lançamento: 28 de março de 2025.
Crítica
Ouvimos: DJ Guaraná Jesus – “Ouroboros”

RESENHA: Em Ouroboros, DJ Guaraná Jesus funde memórias e beats acelerados em 20 minutos de nostalgia 32-bit, funk, big beat e eletrônica pop multitonal.
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“O álbum é uma homenagem a um passado não tão distante – uma fusão de memórias e futuros imaginados convergindo para o presente”. Criado pelo produtor Julio Santa Cecilia, o projeto solo DJ Guaraná Jesus reúne memórias, música e sons eletrônicos num álbum curto (são nove faixas em menos de vinte minutos!), que voa como se fosse apenas uma faixa dinâmica, evocando desde sons de jogos em 32-bit, até sons como Prodigy e Skrillex.
Não foi à toa que ele escolheu para o disco o título Ouroboros – que nada mais é do que o conceito do eterno retorno, da morte e reconstrução, simbolizado pela serpente mordendo a própria cauda. Na real, não deixa de ser uma maneira construtiva de se referir ao próprio universo pop e à sua mistura de épocas e desenhos musicais, que aqui aponta para sons acelerados como num dia a dia anfetamínico (Vitalwaterxxfly3 e XP), sem descuidar das surpresas melódicas. E prossegue com o batidão quase funk de Mercúrio retrógrado e a viagem sonora de Unidade de medida e D-50 loop – a primeira em tom meditativo, a segunda de volta à aceleração.
- Ouvimos: Skrillex – FUCK U SKRILLEX YOU THINK UR ANDY WARHOL BUT UR NOT!! <3
- Ouvimos: Papatinho – MPC (Música Popular Carioca)
Ouroboros parte também para o heavy samba eletrônico e ágil de Brsl, o batidão-de-caixinha-de-música de Hauss_hypa_vvvv e o big beat de Firenzi dolce vitta, encerrando com um batidão que remete ao samba-funk aceleradíssimo (Campari Devochka). Algumas faixas rendem mais do que apenas poucos minutos – ou até segundos – e poderiam ser esticadas. Mas Julio, com o DJ Guaraná Jesus e Ouroboros, quis aparentemente fazer um disco que pudesse acompanhar um passeio rápido no dia a dia.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8,5
Gravadora: Seloki Records
Lançamento: 16 de maio de 2025
Crítica
Ouvimos: Jonabug – “Três tigres tristes”

RESENHA: No álbum Três tigres tristes, Jonabug mistura noise rock, grunge e pós-punk com letras em inglês e português, guitarras ruidosas e identidade forte
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Vindo de Marília, interior de São Paulo, o Jonabug vem sendo incluído no rol do “emo caipira”, de bandas vindas de cidades pequenas, e que são influenciadas pela cena emocore do Centro-Oeste norte-americano. É isso, mas não só isso: o grupo de Marília Jonas (guitarra, vocal), Dennis Felipe (baixo) e Samuel Berardo (bateria) é um dos melhores exemplos atuais do noise rock brasileiro. Misturando inglês e português, fazem em Três tigres tristes, álbum de estreia, um som que está mais para grunge do que para shoegaze – mesmo que invista em paredes de guitarra e ruídos.
Esse é o som de faixas como Mommy issues, Além da dor, Look ate me e At least on paper my mistakes can be erased, misturas de vocal provocativo, guitarras cheias de riffs, certo balanço na batida e vibe sombria e confessional. Músicas como Fome de fugir e You cut my wings levam o esquema do Jonabug para algo mais próximo do pós-punk. A sua voz é o motivo da minha insônia e Taste everybody’s tears dispensam rótulos e lembram a vocação ruidosa e melódica dos anos 1990. E Nº 365 é um guitar rock falado, soando quase como uma trilha de filme.
No fim, Brown colored eyes traz mais um diferencial para o som do Jonabug: é quase uma balada guitar rock, com clima tranquilo e solo de guitarra com design sonoro oriental. O Jonabug escapa de qualquer caixinha e entrega um disco coeso, intenso e cheio de identidade própria.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8,5
Gravadora: Independente
Lançamento: 15 de junho de 2025.
Crítica
Ouvimos: Monchmonch – “Martemorte”

RESENHA: Monchmonch lança Martemorte, disco punk-eletrônico gravado no Brasil e Portugal, com HQ, vinil exclusivo e vibe no-wave psicodélica.
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Lucas Monch, criador do projeto musical experimental Monchmonch, pensa grande: Martemorte, disco novo do projeto, teve sessões de gravação em Brasil e Portugal, e sai junto com uma HQ que transforma o disco em projeto visual. Também vai sair em vinil, com um lado B exclusivo da mídia física. Lucas também criou duas formações do Monchmonch, uma no Brasil e outra em Portugal.
Martemorte é um bom exemplo de punk experimental e eletrônico – tendendo para algo bem próximo da no-wave às vezes, ou da zoeira misturada de punk, funk e eletrônicos do Duo Chipa (por sinal, Cleozinhu, do Duo, participa do disco com produções, samples e ruídos). Efeitos de guitarra e sons que parecem videogames ou trilhas de desenho animado marcam Bolinha de ferro, Vala lava, o punk espacial de Jeff Bezos paga um pão de queijo e a psicodelia lo-fi de Prédios. Rola até um clima psico-krautrock em City bunda e Coisa linda.
O disco vai ainda para o punk-country sacana em Velhos brancos jovens carequinhas e para uma perversão dos Beach Boys do disco Smiley smile (1966) em Rasga céu, tema espacial-psicodélico apavorante, em que milionários e donos de big techs são fatiados sem dó.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8
Gravadora: Seloki Records
Lançamento: 17 de junho de 2025.
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