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Cultura Pop

Várias coisas que você já sabia sobre Fun House, dos Stooges

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Várias coisas que você já sabia sobre Funhouse, dos Stooges

O produtor Don Gallucci, que cuidou das gravações de Fun house, segundo disco dos Stooges (1970), já tinha visto a banda ao vivo antes de gravar o disco. Mas só percebeu onde estava se metendo quando Iggy Pop (voz), Ron Asheton (guitarra), Dave Alexander (baixo), Scott Asheton (bateria) e Steve Mackay (sax) entraram no estúdio da Elektra, em Los Angeles, em 11 de maio de 1970.

As paredes do local (que tinha o que havia de melhor em aparelhagem de som) costumavam abrigar gravações de artistas bem mais tranquilos e técnicos. Os Stooges, no entanto, chegaram dispostos a fazer o disco mais sujo e agressivo já feito no mundo, com guitarras no talo e várias distorções. “Isso é um pesadelo!”, chegou a afirmar Gallucci, que por sinal foi tecladista dos Kingsmen, banda cuja gravação de Louie Louie é tida como quase um pré-punk (e influenciara os Stooges). Entre mortos e feridos, surgiu dali um dos discos mais barulhentos da história do rock, e que completou 50 anos em julho.

Várias coisas que você já sabia sobre Funhouse, dos Stooges

O aniversário de Fun house aumentou há pouco a discografia dos Stooges. A Rhino pôs nas lojas uma caixa comemorativa incluindo o disco original em vinil duplo, masterizado em 45 rpm, além de treze (!!) LPs com tudo o que foi gravado nas sessões.

FUN HOUSE – 50 ANNIVERSARY

Já o selo Third Man, de Jack White, pôs nas lojas o disco Live at Goose Lake – August 8th 1970, com um dos shows mais significativos da época do lançamento do disco, dado no festival de Goose Lake (em Jackson, Michigan), onde tocaram também Jethro Tull, Chicago, Faces, Bob Seger, MC5. Uma gravação do evento foi descoberta e o disco pôde finalmente chegar às lojas (e às plataformas digitais).

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E isso aí é um pouco da história de Fun house.

LADO A/LADO B. Um sobrevoo rápido pelo conteúdo de Fun house. O primeiro lado tem Down on the street (uma das melhores aberturas de disco do mundo), segue com a sacana Loose, com TV eye (cuja letra fala do interesse de Iggy pela irmãzinha dos dois Asheton) e Dirt (que lembra vagamente Doors, mas sem teclado, com baixo e groove). No lado B, 1970 (lançada em single como I feel alright, e uma resposta a 1969, do primeiro disco), Fun house (free jazz com punk, com participação ativa de Mackay no sax) e LA blues (tentativa de reproduzir uma jam barulhenta que encerrava os shows da banda).

VIDA SAUDÁVEL. Tudo o que está impresso nos sulcos de Fun house foi iniciado por quatro dos Stooges (Iggy, Alexander e os irmãos Asheton) quando todos decidiram morar numa casa numa região semiabandonada de Ann Arbor, Detroit. O local tinha vários quartos gigantescos, um enorme porão e um milharal (!) na parte de trás. Por acaso, os Stooges pagavam a bagatela de US$ 325 por mês para morar lá.

VIDA SAUDÁVEL (2). O dia a dia dos Stooges na casa, segundo o próprio Iggy Pop, consistia nisso. “Havia uma cozinha, sala de recreação, sala de TV, sala de ensaio, dois quartos adequados, dois apartamentos separados e um sótão e porão reformados. Seis de nós dormíamos lá, a maior parte do tempo. Havia muito consumo de drogas, boa escrita e um pouco de ensaio naquela casa que mais tarde ficou conhecida como The Fun house após o álbum”, afirmou.

CLIPE. Foi nos fundos da casa, com o milharal de cenário, que Nico gravou em 1969 o clipe da assombrosa The evening of light. Por sinal, o filme, feito pela Elektra para alavancar as vendas do disco Marble index (1968), trazia Iggy como figurante de luxo (você já leu sobre isso no POP FANTASMA). Nico teve um namoro de curta duração com Iggy e chegou a morar na Fun house na época.

PRODUTORES REJEITADOS. A Elektra chegou a considerar alguns outros nomes antes de Don Gallucci virar o produtor de verdade do disco. Meio cansados da associação com MC5 e Velvet Underground, decidiram não apostar novamente em John Cale, do Velvet, que produzira The Stooges (o primeiro disco, de 1969). Jim Peterman, tecladista de Steve Miller e produtor da Elektra, foi cotado pela gravadora. Jackson Browne, que começava carreira de cantor e compositor folk (e também tinha namorado Nico), incrivelmente, também esteve entre os nomes. Eddie Kramer, que cuidara de discos de Jimi Hendrix, também foi cogitado pelo selo. Mas a banda recusou todos.

DON. Além de ter sido tecladista dos Kingsmen, Gallucci – mais uma vez sugestão da gravadora – tinha produzido recentemente um hit para a Elektra. Era a novata banda Crabby Appleton, com Go back. A Elektra emitiu uma passagem para Gallucci assistir a um show da banda em Nova York. O produtor achou que o som dos Stooges fosse “música maquínica” e não gostou de imediato.

“GO BACK” – CRABBY APPLETON

DEU (ER) BOM. Os Stoones gostaram do fato de Don ter tocado nos Kingsmen (Louie Louie costumava ser tocada pela banda) e já tinham visto o produtor na TV com a banda Don And The Good Times. Don, que achava o som dos Stooges incapaz de ser gravado em estúdio e já tinha avisado isso à gravadora, encarou o trabalho como obrigação profissional. Aliás, elegeu Ron Asheton como seu interlocutor na banda, por achar Iggy maluco demais.

TECLADO. Gallucci tocou órgão numa versão de Down on the street que foi sacada do LP mas acabou lançada como single.
“DOWN ON THE STREET” – SINGLE

DORGAS, MANO. Iggy seria apresentado à cocaína no decorrer do processo de Fun house – seu padrinho no pó foi ninguém menos que Danny Fields, assessor de comunicação da Elektra. Quando foi apresentado a Gallucci e começou o disco com os Stooges, seu negócio era ácido em grandes quantidades. Por sinal, a dificuldade de se comunicar com o produtor vinha do excesso de LSD. Mais tarde, com Fun house já nas lojas, a heroína viraria a droga da vida de Iggy. Que viraria até traficante para sustentar o vício.

COMANDANTE. Quase todo mundo que conversou com Iggy na época de Fun house lembra que boa parte do disco vinha de criações do vocalista, que parecia ter todo o disco na cabeça. O cantor lembra que Ron, guitarrista, não estava sendo tão prolífico porque tinha arrumado uma namorada.

“Eu escreveria um número que achasse que o grupo tocaria bem, traria do meu quarto no sótão e tentaria ensaiar. Uma vez que estivesse sólido, tocaríamos em nossos shows no fim de semana”, lembra Iggy.

MANUAL NO LIXO. Vendo que não dava para gravar os Stooges de forma convencional, Gallucci decidiu tratar Fun house de maneira diferente. E embarcou, a seu modo, na loucura da banda. Botou todos para tocar ao vivo, pôs um microfone na mão de Iggy (em vez do procedimento normal de estúdio) e um PA para o grupo se ouvir.

ENGENHEIRO DE SOM. Brian Ross-Myring, técnico de som do disco, vinha da velha-guarda dos estúdios americanos. E já tinha meia idade quando Fun house começou a ser feito. Fontes garantem que seu último trabalho antes do disco dos Stooges foi com Barbra Streisand. Fuçando rapidamente no Discogs, não se acha o nome dele relacionado a nenhum disco da cantora. Ross-Myring foi fundamental para não deixar a turma perder totalmente a linha no estúdio. “Uma guitarra deve soar como uma guitarra e um sax como um sax. Brian conseguiu isso e também aumentou o calor que buscávamos”, recordou Gallucci.

SAX PUNK. A história de como Steve Mackay entrou (embora não totalmente) para a turma dos Stooges é pitoresca. Ele trabalhava na mesma loja de discos na qual Iggy havia trabalhado anos antes, a Discount, e era amigo do cantor. Foi chamado em cima do laço para viajar para a Califórnia e se juntar à equipe.

“Quando cheguei lá, era óbvio que ele tinha um plano. Me pedia: ‘Toque algo como Maceo Parker no ácido!’. Daí, elaboramos Funhouse e 1970. Eu fiz alguns shows com eles e me apaixonei pelo resto das músicas também”, recordou Mackay, que morreu em 2015.

DESPEDIDO. Mackay, apesar de listado na contracapa como integrante da banda, não aparece nas fotos do disco. Ele foi demitido da banda alguns meses após os primeiros shows de Fun house. Até morrer, afirmava que o pé na bunda tinha sido a melhor coisa que lhe aconteceu, graças aos problemas que os Stooges passariam a enfrentar. “Eu até recuperei meu emprego na loja de discos”, conta.

DROGAS E ORGIA. Na Califórnia, durante a gravação de Fun house, a banda fez shows no Whiskey A Go-Go, em San Francisco. Iggy se entupiu de drogas, foi parar numa orgia gay do grupo de teatro Les Cockettes, se envolveu com prostitutas (uma delas de 14 – ! – anos) e se aproveitou da amizade com Augustus Owsley Stanley III, guru americano do LSD, para passar o tempo todo viajando. De volta a Los Angeles, a banda sentou praça no Tropicana Motel, em West Hollywood, e vivia em festas com as mais variadas groupies. Andy Warhol, que vivia ali pelo hotel, tentou se aproximar da banda, mas não fez sucesso.

VENDAS. Fun house conseguiu vender mais que o primeiro disco, mas não balançou os cofres da Elektra e os Stooges não passariam muito tempo mais lá.

GOOSE LAKE. Os Stooges estavam entre os artistas que tocariam nesse festival. O show acabou rolando de forma bastante problemática, com Iggy apagando no palco por causa do excesso de drogas, e Alexander travando por causa de uma quantidade surreal de maconha e bebida. Iggy demitiu o baixista imediatamente alegando que ele não tocara nada no show. A gravação lançada agora pelo Third Man revela que, sim, Alexander tocou.

“1970 (I FEEL ALRIGHT)”

E NO BRASIL? Fun house não foi lançado aqui de imediato. Chegou às lojas brasileiras apenas em 1982, numa edição da Warner nacional.

MACKAY. O saxofonista de Fun house morreu de verdade em 2015. Mas boatos sobre uma suposta “morte” sua já circulavam havia tempos. Biografias dos Stooges publicadas em sites grandes afirmavam que ele havia morrido de overdose nos anos 1970 ou de aids. Enfim, em 1999, Steve começou a fazer gravações solo e as notícias falsas foram desmentidas. Depois trabalhou com os Violent Femmes e até com os próprios Stooges.

MAIS BRASIL. A formação com Mackay tocou no Brasil,em 2005, no festival Claro Q É Rock. Mike Watt estava no baixo.

E já que você chegou até aqui, pega aí uma música que sampleou a introdução de Loose, do Fun house. Nada menos que Manguetown, de Chico Science & Nação Zumbi. Presta atenção no começo de uma e no fim de outra.

Com informações de Mixonline, Punk Globe, Poeira Zine e do próprio Iggy Pop. E do livro Open up and bleed, a vida e a música de Iggy Pop, de Paul Trynka.

Veja também no POP FANTASMA:
– Demos o mesmo tratamento a Physical graffiti (Led Zeppelin), a Substance (New Order), ao primeiro disco do Black Sabbath, a End of the century (Ramones), ao rooftop concert, dos Beatles, e a London calling (Clash).
– Demos uma mentidinha e oferecemos “coisas que você não sabe” ao falar de Rocket to Russia (Ramones) e Trompe le monde (Pixies).

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Urgente!: O silêncio que Bruce Springsteen não quebrou

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Urgente!: O silêncio que Bruce Springsteen não quebrou

Tá aí o que muita gente queria: Bruce Springsteen vai lançar uma caixa com sete álbuns “perdidos”, nunca lançados oficialmente. O box vai se chamar Tracks II: The lost albums (é a continuidade de Tracks, caixa de 4 CDs lançada em 1998) e nasceu de uma limpeza que Bruce fez nos seus arquivos durante a pandemia. Pelo que se sabe até agora, o material inclui sobras das sessões de Born in the USA (1984) e gravações da fase eletrônica dele, no comecinho dos anos 1990 – inclusive um disco inteiro desse período, que nunca viu a luz do dia.

Essa notícia caiu nos sites na semana passada e trouxe de volta um detalhe que os fãs de Bruce já conhecem bem: ele tem muito material inédito guardado – e material bom. Em uma entrevista à Variety em 2017, ele mesmo comentou que sabia ter feito mais discos do que os que lançou, mas que havia motivos sérios para manter alguns deles nas gavetas.

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“Por que não lançamos esses discos? Não achei que fossem essenciais. Posso ter achado que eram bons, posso ter me divertido fazendo, e lançamos muitas dessas músicas em coleções de arquivo ao longo dos anos. Mas, durante toda a minha vida profissional, senti que liberava o que era essencial naquele momento. E, em troca, recebi uma definição muito precisa de quem eu era, o que eu queria fazer, sobre o que estava cantando”, disse na época (o link do papo tá aqui – é uma entrevista longa e bem legal).

Com o tempo, vários desses registros acabaram saindo em boxes e coletâneas. Um deles foi The ties that bind, um disco de pegada punk-power pop que seria lançado no Natal de 1979 – e que acabou virando uma espécie de esboço inicial do disco duplo The river, de 1980. Pelo menos saiu uma caixa em 2015 chamada The ties that bind: The River collection, com todo o material dessa época, inclusive o tal disco descartado (além de um material que formava quase um suposto disco de punk + power pop que teria sido abandonado).

Um texto publicado na newsletter do músico Giancarlo Rufatto recorda que Bruce infelizmente deixou de fora do novo box alguns álbuns que realmente mereciam ver a luz do dia. Um deles é um álbum solo (sem a E Street Band, enfim), com uma sonoridade country ’n soul, que foi gravado em 1981. Esse disco teria sido abandonado durante um período de depressão, que resultou em isolamento e na elaboração do disco cru Nebraska (1982), feito em casa com um gravador de quatro canais, só voz e violão.

Bruce até parece fazer referência a esse álbum perdido na entrevista da Variety. “Esse disco é influenciado pela música pop da Califórnia dos anos 70”, contou. “Glen Campbell, Jimmy Webb, Burt Bacharach, esse tipo de som. Não sei se as pessoas vão ouvir essas influências, mas era isso que eu tinha em mente. Isso me deu uma base pra criar, uma inspiração pra escrever. E também é um disco de cantor e compositor. Ele se conecta aos meus discos solo em termos de composição, mais Tunnel of love e Devils and dust, mas não é como eles. São apenas personagens diferentes vivendo suas vidas.”

Outro material bastante esperado pelos fãs – e que também não está na caixa – é o Electric Nebraska, a tentativa de Bruce de gravar com a E Street Band as músicas que acabaram no Nebraska. Nem ele, nem o empresário Jon Landau, nem os co-produtores Steven Van Zandt e Chuck Plotkin gostaram do resultado, e as gravações foram trancadas a sete chaves. Nem em bootlegs esse material apareceu até hoje. Pra você ter ideia, Glory days, que só sairia no Born in the USA (1984), chegou a ser ensaiada e gravada junto.

Quase todo mundo próximo a Bruce acredita que ele nunca vai lançar oficialmente essas gravações elétricas do Nebraska. Max Weinberg, baterista da E Street Band desde 1974 (com algumas pausas), confirmou a existência desse material em 2010, numa entrevista à Rolling Stone, e disse que adoraria ver tudo lançado.

“A E Street Band realmente gravou todo o Nebraska, e foi matador. Era tudo muito pesado. Por melhor que fosse, não era o que Bruce queria lançar. Existe um álbum completo do Nebraska, todas essas músicas estão prontas em algum lugar”, revelou. Bruce pode até guardar discos inteiros na gaveta, mas esse é um daqueles casos em que o silêncio guarda várias histórias – que podem render surpresas bem legais.

E ese aí é o lyric video de Rain in the river, uma das faixas programadas para Tracks II (a faixa sai num disco montado durante a elaboração do box, Perfect world).

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Cultura Pop

Urgente!: Supergrass, Spielberg e um atalho recusado

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Coisas que você descobre por acaso: numa conversa de WhatsApp com o amigo DJ Renato Lima, fiquei sabendo que, nos anos 1990, Steven Spielberg teve uma ideia bem louca. Ele queria reviver o espírito dos Monkees – não com uma nova versão da banda, como uma turma havia tentado sem sucesso nos anos 1980, mas com uma nova série de TV inspirada neles. E os escolhidos para isso? O Supergrass.

O trio britânico, que fez sucesso a reboque do britpop, estava em alta em 1995, quando lançou seu primeiro álbum, I should coco. Hits como Alright grudavam na mente, os vídeos eram cheios de energia, e Gaz Coombes, o vocalista, tinha cara de quem poderia muito bem ser um monkee da sua geração. Spielberg ouviu a banda por intermédio dos filhos, gostou e fez o convite.

Os ingleses foram até a Universal Studios para uma reunião com o diretor – com direito a recepção no rancho dele e papo sobre fase bem antigas da série televisiva Além da imaginação. O papo sobre a série, diz Coombes, foi proposital, porque a banda sacou logo onde aquilo poderia dar. “Talvez eu estivesse tentando antecipar a abordagem cafona que seria sugerida, tipo a banda morando junta como os Monkees”, contou Coombes à Louder, que publicou um texto sobre o assunto.

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A proposta era tentadora. Mas eles disseram não. “Foi lisonjeiro e muito legal, mas ficou óbvio para nós que não queríamos pegar esse atalho”, explicou o vocalista, afirmando ter pensado que aquilo poderia significar o fim do grupo. “Você pode acabar morrendo em um quarto de hotel ou algo assim, ou então a produção quer apenas um de nós para a próxima temporada. Foi muito engraçado, respeitosamente muito engraçado”.

O tempo passou. E agora, em 2025, I should coco completa 30 anos (mas já?). O Supergrass, que se separou no fim dos anos 2000, voltou para tocar o disco na íntegra e alguns hits em festivais como Glastonbury e Ilha de Wight.

Aqui, o trio no Glastonbury de 2022.

Foro: Keira Vallejo/Wikipedia

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Crítica

Ouvimos: Lady Gaga, “Mayhem”

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Ouvimos: Lady Gaga, “Mayhem”

Tudo que é mais difícil de explicar, é mais complicado de entender – mesmo que as intenções sejam as melhores possíveis e haja um verniz cultural-intelectual robusto por trás. Isso vale até para desfiles de escolas de samba, quando a agremiação mais armada de referências bacanas e pesquisas exaustivas não vence, e ninguém entende o que aconteceu.

Carnaval, injustiças e polêmicas à parte, o novo Mayhem foi prometido desde o início como um retorno à fase “grêmio recreativo” de Lady Gaga. E sim, ele entrega o que promete: Gaga revisita sua era inicial, piscando para os fãs das antigas, trazendo clima de sortilégio no refrão do single Abracadabra (que remete ao começo do icônico hit Bad romance), e mergulhando de cabeça em synthpop, house music, boogie, ítalo-disco, pós-disco, rock, punk (por que não?) e outros estilos. Todas essas coisas juntas formam a Lady Gaga de 2025.

Algo vinha se perdendo ou sendo deixado de lado na carreira de Lady Gaga há algum tempo, e algo que sempre foi essencial nela: a capacidade de usar sua música e sua persona para comentar o próprio pop. David Bowie fazia isso o tempo todo – e ele, que praticamente paira como um santo padroeiro sobre Mayhem, é uma influência evidente em Vanish into you, uma das faixas que melhor representam o disco. Aqui, Gaga entrega dance music com alma roqueira, um baixo irresistível e um batidão que evoca tanto a fase noventista de Bowie quanto o synthpop dos anos 1980.

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Mais coisas foram sendo deixadas de lado na carreira dela que… Bom, sao coisas quase tão difíceis de explicar quanto as razões que levaram Gaga a criar um álbum considerado “difícil” como Artpop (2013), enquanto simultaneamente mergulhava no jazz com Tony Bennett e preparava-se para abraçar o soft rock no formidável Joanne (2016), um disco autorreferente que talvez tenha deixado os fãs da primeira fase perdidos. Em outro tempo, Madonna parecia autorizada a mudar como quisesse, mas quando Gaga fazia o mesmo, deixava no ar notas de desencontro e confusionismo. O pop mudou, as décadas passaram, o público mudou – e todas as certezas evaporaram.

É nesse cenário que Mayhem equilibra as coisas, entregando um pop dançante, consciente e orgulhoso de sua essência, mas ao mesmo tempo sombrio e marginal. Há momentos de caos organizado, como em Disease e Perfect celebrity – esta última começa soando como Nine Inch Nails, mas, se você mexer daqui e dali, pode até enxergar um nu-metal na estrutura. Killah traz uma eletrônica suja, um refrão meio soul, meio rock que caberia num disco do Aerosmith, enquanto Zombieboy aposta no pós-disco punk, evocando terror e êxtase na pista (por acaso, Gaga chegou a dizer que o disco tem influências de Radiohead, e confirmou o NiN como referência).

Na reta final, o álbum se aventura por outros terrenos: How bad do U want me e Don’t call tonight flertam com o pop dinamarquês dos anos 90 (e são, por sinal, as únicas faixas pouco inspiradas do disco); The beast tem cara de trilha sonora de comercial de cerveja; e Lovedrug mergulha na indefectível tendência soft rock que surge hoje em dia em dez entre dez discos pop. Essa faixa soa como um híbrido entre Fleetwood Mac e Roxette – como se Gaga  estivesse pensando também na programação das rádios adultas de 2035.

O desfecho de Mayhem chega como um presente para o ouvinte: Blade of grass é uma balada melancólica de violão e piano, que ecoa tanto a tristeza folk dos anos 70 quanto a melancolia do ABBA, crescendo em inquietação à medida que avança. E então, como quem perde um pouco o tom, o álbum termina com… Die with a smile, a já conhecida balada country-soul gravada em parceria com Bruno Mars, lançada há tempos como single. Dentro do contexto do disco, ela soa mais como um apêndice do que como um encerramento – uma nota de rodapé onde se esperava um ponto final. Nada que chegue a atrapalhar a certeza de que Lady Gaga conseguiu, mais do que retornar ao passado, unir quase todos os seus fãs em Mayhem.

Nota: 8,5
Gravadora: Interscope
Lançamento: 7 de março de 2025.

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