Cultura Pop
Várias coisas que você já sabia sobre Electric Ladyland, de Jimi Hendrix

Nada continuou o mesmo depois que Electric ladyland, terceiro disco de Jimi Hendrix (ou melhor, de sua banda, o Experience) foi feito, em 1968. Ponto final.
Black Sabbath, estreia do grupo homônimo, formatou o heavy metal, certo? Já o álbum duplo de Hendrix fez só um pouco mais que isso: foi a pedra inicial do hard rock setentista, do metal, do stoner rock, da união de som pesado e psicodelia, do rock progressivo. Inspirou blueseiros, jazzistas e músicos como Santana e Prince. Deu razões para vários músicos resolverem controlar seus próprios discos, sem nenhum produtor almofadinha por trás. Pôs no imaginário pop a figura do músico que usa a sala de gravação como um instrumento – e na época do disco, Hendrix já concebia seu estúdio, que ficaria pronto em 1970 e se chamava (se chama, aliás) justamente Electric Lady.
Electric ladyland, comparado com a produção do rock da mesma época, deixou um furo tão grande no tempo que, em 1968, não havia tanta gente capaz de dimensionar isso. Por mais que Sgt Pepper’s, dos Beatles, tivesse sido lançado no ano anterior, Hendrix e seus colegas Mitch Mitchell (bateria) e Noel Redding (baixo) conseguiram transformar a psicodelia em algo quase palpável, criando um modelo para quem quisesse unir peso, distorções e viagens psicodélicas. Não havia orquestras, letras “cinematográficas” ou algo do tipo. E boa parte do material era só guitarra, baixo e bateria gravados com apuro técnico, além de improvisos de grosso calibre.
Hendrix e o técnico de som Eddie Kramer faziam brincadeiras com a estereofonia (a guitarra que-passa-de-um-canal-para-o-outro de All along the watchtower, cover de Bob Dylan, causou uivos em músicos em 1968) e inseriam nos sulcos do vinil canções tão cheias de efeitos (como a vinheta introdutória …And the gods made love) que faziam com que muita gente pensasse que o disco estava com defeito de prensagem. Sim, isso aconteceu bastante.
No mais, havia improvisos de mais de dez minutos, em Voodoo child (Slight return). Havia instrumentais meditativos, como na segunda parte de 1983… (A merman I should turn to be). Tinha também balanços pesados como Cross town traffic e Gipsy eyes. E numa época em que a sofisticação barroco-progressiva começava a invadir o terreno das baladas radiofônicas (A whiter shade of pale, do Procol Harum, tinha virado chiclete de ouvido em 1967), Hendrix respondia à altura com Burning of midnight lamp.
Lembrando dos 50 anos da saída de cena de Jimi Hendrix, vai aí nosso relatório sobre Electric ladyland. Leia e ouça em alto volume.
SUCESSO, ENFIM. O Jimi Hendrix Experience já fazia sucesso em 1968. Mas a sensação do trio naquele ano era de que as coisas tinham dado certo de verdade. Não faltava grana, a perspectiva era de que o terceiro disco do grupo fosse gravado com tempo ilimitado de estúdio e, em especial, Jimi poderia gravar as canções assim que elas fossem feitas – o que cortava um pouco da pressão que rolou nos primeiros discos.
ISSO PORQUE os primeiros discos de Hendrix, Are you experienced? e Axis: bold as love, ambos de 1967, foram gravados rapidamente. Além da necessidade de ter algo nas lojas para satisfazer os fãs, o circo em torno de Hendrix exigia trabalho e lucros rápidos, e shows a todo momento. O ano de 1968 iniciou com a primeira grande turnê do grupo pelos Estados Unidos – com direito à volta triunfal de Hendrix à sua cidade natal, Seattle, em 12 de fevereiro.
SEM PRESSA. Essa rapidez para gravar era justamente o que Hendrix não queria repetir. Grande fã de improvisos musicais, ele estava cada vez mais envolvido com a ideia de gravar um álbum autoproduzido e cheio de jams – e, por acaso, estava meio cansado de ser vendido como um “artista pop”.
ALIÁS E A PROPÓSITO, Hendrix também costumava se queixar em entrevistas que os técnicos e produtores americanos só queriam manter a máquina funcionando e não estavam “nem aí” para o artista ou para a qualidade da música. “Dá para sentir que falta o ser humano, que o estúdio só está interessado na conta, nos 123 dólares por hora”, resmungava com o primeiro repórter que encontrasse.
CHAS SAIU. Em busca de mais liberdade no estúdio, Hendrix definiu que ele próprio tomaria conta das gravações de Electric ladyland – alienando um de seus principais colaboradores, o empresário e produtor Chas Chandler, que começou dividindo os serviços de produção com ele. Chas tinha investido na carreira de Hendrix, pagou do próprio bolso a gravação do single Hey Joe e produzira os primeiros discos. Só que ao reparar que as sessões de gravação estavam ficando meio descontroladas, com músicas feitas em cima da hora e jams que não tinham hora para acabar, achou que estava na hora de deixar o disco para lá. Acabou deixando Hendrix e foi empresariar o Slade, banda glam-casca-grossa que iniciava carreira na Inglaterra.
DO MAL. O guitarrista não ficou sozinho: o empresário Mike Jeffery, que dividia o trabalhos com Chas desde 1967 e financiava parte dos serviços, ficou tomando conta do Experience. Mas antes só do que pessimamente acompanhado. Quase todos os biógrafos de Hendrix concordam que Jeffery foi o maior vilão que Hendrix teve naquele período: enriqueceu graças ao trabalho duro do guitarrista, desviava cachês de shows para contas nas Bahamas, roubava direitos autorais do músico e, dizem várias testemunhas, chegou a simular o sequestro de Hendrix para ameaçá-lo caso denunciasse os roubos ou o dispensasse.
ALIÁS E A PROPÓSITO Pessoas ligadas a Hendrix contam que o guitarrista reclamava de ter que fazer shows em tudo quanto era canto em meio às gravações de Electric ladyland, justamente por causa de uma agenda extenuante montada por Jeffery.
APERTA O PLAY. A gravação de Electric ladyland havia sido iniciada pelo Experience de maneira absolutamente informal, em diversos estúdios nos Estados Unidos e no Reino Unido, entre julho de 1967 e janeiro de 1968. Em março de 1968, o trio, ainda ao lado de Chas, entrou no moderníssimo Record Plant Studios, em Nova York, para dar um acabamento naquele monte de jams e ideias. O objetivo de Hendrix era criar um disco que mostrasse os vários lados de seu trabalho como guitarrista, e de sua banda, mas que apontasse para um “funk elétrico”.
EDDIE KRAMER. O “técnico de som de Jimi Hendrix”, como ficou conhecido, já tinha trabalhado com bandas como Kinks e Beatles e vinha trabalhando com o guitarrista havia alguns anos. Foi tão responsável pelas experiências de Electric ladyland quanto ele, e embarcava em todas as viagens de Hendrix. Em entrevistas, lembrou que o grande trauma do guitarrista era sua voz, que considerava horrível. “Mas eu não diria que ele tivesse pontos fracos”, contou Eddie.
GARY KELLGREN. O outro técnico de som de Ladyland não era fraco, não. Gary trabalhara como engenheiro de som em discos como The Velvet Underground and Nico (1967) e foi um dos fundadores da pequena rede de estúdios Record Plant, que iniciara em 1967 em Manhattan. Electric ladyland seria o primeiro a sair das salas do recém-inaugurado estúdio em Nova York. Kellgren foi encontrado morto sob circunstâncias misteriosas ao lado da namorada na piscina de casa em 1977 aos 38 anos. Existe um site recordando seu trabalho.
NÃO É BAGUNÇA, NÃO. Logo que as gravações se iniciaram no Record Plant, ficou claro que o trabalho precisava de uma gerência mais firme – Chas, descontente com isso, como você já leu lá atrás, pulou fora. Hendrix fazia questão de repetir músicas diversas vezes, regravar diversas partes, compor no estúdio, etc. Em vários momentos, convidados e amigos apareciam no estúdio, tiravam o foco de todo o mundo e transformavam o clima em algo mais parecido com o de uma festa. Aos trancos e barrancos foi dando certo.
TRIO? Apesar do projeto ser creditado a Jimi Hendrix Experience, Electric Ladyland era o trabalho mais solo de Hendrix até então. O guitarrista tocou baixo em diversas músicas, até porque Noel Redding já estava com um pé fora do grupo e planejava outras coisas. Hendrix tocou também piano, percussão e até kazoo (é o barulho que aparece logo após a introdução de Cross town traffic). Animado com os trabalhos em estúdio, Hendrix achava que tocar várias coisas o ajudaria a pesquisar efeitos musicais e via seu baixo como sendo mais funky que o do amigo.
CONVIDADOS. O próprio Hendrix já estava com o pé fora do Experience, que considerava limitador, e chamou um monte de gente para tocar com ele no disco. A ficha técnica de Electric ladyland, como era comum naquela época, não creditava ninguém, mas passaram pelo Record Plant nomes como Steve Winwood (Traffic, órgao), Dave Mason (Traffic, vocais de apoio), Buddy Miles (bateria). Outro integrante do Traffic, Chris Wood, tocou flauta em 1983.
BRIAN JONES. O guitarrista dos Rolling Stones, que morreria em 1969, tocou percussão em All along the watchtower. E não só isso: ele também tocou piano numa versão da música que ficou de fora do disco. Bom, “tocou”, em termos: segundo testemunhas, Brian estava doidão e começou a tocar o instrumento durante a gravação sem ser solicitado, atrapalhando Hendrix e os outros músicos. Eddie Kramer resolveu o problema convidando Jones para “ouvir o que tinha sido gravado” – o músico levantou do banquinho, desabou na mesa de som e todo mundo terminou o trabalho rapidamente.
PEGADOR. Mesmo sempre envolvido com alguma namorada, Hendrix aproveitou bastante o clima de paz e amor dos anos 1960. Tanto que Electric ladyland era dedicado a elas, as groupies do Experience – que ele costumava chamar de “electric ladies”. São elas as mulheres elétricas da letra de Have you ever been (To Electric Ladyland).
DYLAN. Em Electric ladyland, Hendrix aproveitou para homenagear Bob Dylan, gravando sua All along the watchtower. A gravação de Hendrix se tornou o single mais vendido do Experience. O tema acústico gravado pelo autor no disco John Wesley Harding, de 1967, virou funk elétrico nas mãos de Hendrix, com as tais guitarras com “eco panorâmico”.
POR SINAL, a homenagem vinha na hora certa: foi justamente Dylan, com seu vocal esganiçado, que deu a Hendrix a certeza de que poderia também cantar. O compositor passou a cantar sua própria música com arranjo parecido com o de Hendrix e chegou a afirmar que ele melhorou a canção.
APERTA O STOP. Em outubro de 1968, Hendrix colocou o último acorde em Electric ladyland, em meio a mais uma turnê pelos Estados Unidos. As novas turnês foram dando mais ainda no saco do guitarrista, que se via como um prisioneiro de plateias e vendedores de shows. “Quem quer passar oito dias por semana sentado num avião para chegar e ver a cara das pessoas dizendo: ‘Você vai tocar fogo na guitarra hoje?'”, chegou a afirmar. “Os produtores nos veem como máquinas de fazer dinheiro e não têm confiança na gente. É um mundo cão. Eu sempre sei diferençar quem está sendo artificial e quem faz música de verdade, quem se importa com a música e com o que os músicos estão fazendo”.
SAIU! As primeiras cópias de Electric ladyland saíram em setembro de 1968. O esmero de Hendrix, ainda que tenha desagradado colaboradores, deu certo: o álbum foi o maior sucesso comercial de Hendrix e voou para o topo das paradas nos EUA. No Brasil, o disco saiu – como aconteceu também com Tommy, do Who – resumido a um só disco.
CD CONFUSO. Quando Electric ladyland saiu em CD, as primeiras edições traziam um erro que se tornou comum na transcrição de antigos LPs duplos para o formato. Boa parte das antigas edições em vinil de álbuns duplos trazia os lados A e D num disco e B e C num outro. A ideia era facilitar as coisas para quem ouvia o álbum em toca-discos automáticos. Os primeiros CDs trazem os lados 1 e 4 no primeiro CD e assim por diante.
BAIXINHOS DO HENDRIX. O assunto “capas de disco” sempre foi delicado para Hendrix e para o Experience, desde o primeiro disco – as gravadoras sempre faziam modificações ou impunham ideias que ele detestava. No caso de Electric ladyland, Hendrix havia enviado para a Reprise, sua gravadora nos Estados Unidos, uma carta manuscrita pedindo que a firma usasse na capa uma foto de Linda Eastman (futura esposa de Paul McCartney) em que a banda posava com crianças na escultura de Alice No País das Maravilhas no Central Park.
SEM BAIXINHOS. A Reprise fez questão de ignorar os pedidos de Hendrix e pôs na edição americana uma foto do guitarrista feita por Karl Ferris (o site Dangerous Minds publicou o histórico dessas capas indesejadas do terceiro álbum do Experience, com várias imagens, inclusive da tal carta do guitarrista). É a imagem que ilustra essa matéria.
MULHERADA. A edição britânica, lançada pela Track Records, acabou se tornando a mais célebre: o fotógrafo David Montgomery reuniu mulheres das mais diversas etnias, nuas num estúdio, e clicou a imagem. Deu merda: várias lojas se recusaram a vender o disco e o próprio Hendrix detestou a imagem, que classificou de apelativa (“e elas ainda por cima ficaram feias na foto”, reclamou).
COMPRA, TIO. Montgomery vende cópias dessa foto em seu site pela bagatela de três mil dólares.
DEU MAIS MERDA DEPOIS. O Experience acabou durante a turnê de Electric ladyland. Hendrix, que nos últimos tempos falava até que queria “montar uma grande orquestra” e se dizia influenciado por compositores eruditos, foi tocar com outras pessoas. Em 1970, gravou Band of gypsys, seu último disco, com Billy Cox no baixo e Buddy Miles na bateria. E a capa teve mais problemas: a Track Records decidiu fazer das suas e pôs na capa um cenário que mais lembra um canteiro de obras, ou uma telha de amianto. Na frente, bonecos de Hendrix, Brian Jones, Bob Dylan e do DJ John Peel, meio amontoados. Na contracapa, um boneco de Hendrix. O guitarrista, canhoto, é retratado como destro na imagem (e já falamos disso aqui).
E já que você chegou até aqui, adivinha só que artista brasileiro é bastante influenciado por Jimi Hendrix e por Electric ladyland? Acertou quem disse Falcão, o humorista cearense. No clássico Prometo não ejacular na sua boca, ele incluiu na cara de pau o verso “e pelas marcas de pneu nas suas costas/eu vejo que você também andou se divertindo”, tradução literal do “tire tracks all across your back, uh-huh, I can see you had your fun”, de Cross town traffic.
Com material dos livros Jimi Hendrix’s Electric Ladyland, da série 33 1/3, escrito por John Perry, e Jimi Hendrix por ele mesmo, organizado por Alan Douglas e Peter Neal.
Veja também no POP FANTASMA:
– Demos o mesmo tratamento a Physical graffiti (Led Zeppelin), a Substance (New Order), ao primeiro disco do Black Sabbath, a End of the century (Ramones), ao rooftop concert, dos Beatles, e a London calling (Clash). E a Fun house (Stooges). E a New York (Lou Reed). E aos primeiros shows de David Bowie no Brasil.
– Demos uma mentidinha e oferecemos “coisas que você não sabe” ao falar de Rocket to Russia (Ramones) e Trompe le monde (Pixies).
– Mais Jimi Hendrix no POP FANTASMA aqui.
Cultura Pop
Urgente!: E não é que o Radiohead voltou mesmo?

Viralizações de Tik Tok são bem misteriosas e duvidosas. Diria, inclusive, que bem mais misteriosas do que as festas regadas a cocaína, prostitutas de Los Angeles e malas de dólares que embalavam os nada dourados tempos da payola (jabá) nos Estados Unidos. Mas o fato é que o Radiohead – que, você deve saber, acaba de anunciar a primeira turnê em sete anos – conseguiu há alguns dias seu primeiro sucesso no Billboard Hot 100 em mais de uma década por causa da plataforma de vídeos. Let down, faixa do mitológico disco Ok computer (1997), viralizou por lá, e chegou ao 91º lugar da parada
A canção, de uma tristeza abissal, já tinha “voltado” em 2022 ao aparecer no episódio final da primeira temporada da série The bear – mas como o Tik Tok é “a” plataforma hoje para um número bem grande de pessoas, esse foi o estouro definitivo. Como turnês de grandes proporções nunca são marcadas de uma hora pra outra, nada deve ter acontecido por acaso. E tá aí o grupo de Thom Yorke anunciando a nova tour, que até o momento só incluirá vinte shows em cinco cidades europeias (Madri, Bolonha, Londres, Copenhague e Berlim) em novembro e dezembro.
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O batera Phillip Selway reforçou que, por enquanto, são esses aí os shows marcados e pronto. “Mas quem sabe aonde tudo isso vai dar?”, diz o músico. Phillip revela também que a vontade de rever os fãs veio dos ensaios que a banda fez no ano passado – e que já haviam sido revelados em uma entrevista pelo baixista Colin Greenwood.
“Depois de uma pausa de sete anos, foi muito bom tocar as músicas novamente e nos reconectar com uma identidade musical que se arraigou profundamente em nós cinco. Também nos deu vontade de fazer alguns shows juntos, então esperamos que vocês possam comparecer a um dos próximos shows”, disse candidamente (esperamos é a palavra certa – a briga de faca pelos ingressos, que serão vendidos a partir do dia 12 para os fãs que se inscreverem no site radiohead.com entre sexta, dia 5, e domingo, dia 7, promete derramar litros de sangue).
Enfim, o que não falta por trás desse retorno aí são meandros, reentrâncias e cavidades. O Radiohead, por sua vez, investiu no lado “quando eu voltar não direi nada, mas haverá sinais”. Em 13 de março, dia do trigésimo aniversário do segundo disco da banda, The bends, o site Pitchfork noticiou que a banda havia montado uma empresa de responsabilidade limitada, chamada RHEUK25 LLP. – sinal de que provavelmente alguma novidade estava a caminho. Poucos dias depois, um leilão beneficente em Los Angeles sorteou quatro tíquetes para “um show do Radiohead a sua escolha”. Muita gente levou na brincadeira, mas algumas fontes confirmaram que o grupo tinha reservado datas em casa de shows da Europa.
Depois disso – você provavelmente viu – surgiram panfletos anunciando supostos shows do grupo em Londres, Copenhague, Berlim e Madri, ainda sem nada oficialmente confirmado, até que tudo virou “oficial”. Pouco antes disso, dia 13 de agosto, saiu um disco ao vivo do Radiohead, Hail to the thief – Live recordings 2003-2009 (resenhado pela gente aqui). Com isso, possivelmente, os fãs até esqueceram a antipatia que Thom Yorke causou em 2024, ao abandonar o palco na Austrália, quando foi perguntado por um fã sobre a guerra entre Israel e Palestina.
O site Stereogum não se fez de rogado e, quando a turnê ainda não estava oficialmente anunciada (mas havia sinais) chegou a perguntar num texto: “E aí, será que eles vão tocar Let down?”. No último show da banda, em 1º de agosto de 2018 (dado no Wells Fargo Center, Filadélfia), ela era a nona música, logo antes da hipnotizante Everything in its right place. Seja como for, já que bandas como Talking Heads e R.E.M. não parecem interessadas em retornos, a volta do Radiohead era o quentinho no coração que o mercado de shows, sempre interessado em turnês nostálgicas, andava precisando. Que vão ser vários showzaços e que muitas caixas de lenços serão usadas, ninguém duvida.
Texto: Ricardo Schott – Foto: Tom Sheehan/Divulgação
Cultura Pop
Urgente!: E agora sem o Ozzy?

Todo mundo que um dia se sentiu meio estranho e ouviu Ozzy Osbourne na hora certa, foi levado para um universo bem melhor, e para sempre. Tudo começou com uma banda, o Black Sabbath, que já era um verdadeiro errado que deu certo – um ET musical que fazia som pesado quando mal havia o termo “heavy metal” e que falava de terror na ressaca do sonho hippie. E prosseguiu com a lenda de um sujeito que gravou álbuns clássicos como Blizzard of Ozz (1980), Diary of a madman (1981) e No more tears (1991) – eram quase como filmes.
Ozzy pode ser definido como um cara de sorte – e também como um cara que abusou MUITO da sorte, mas pula essa parte. A depender daqueles progressivos anos 1970, não havia muito o que explicasse o futuro de Ozzy Osbourne na música. Em várias entrevistas, Ozzy já disse que não sabia tocar nenhum instrumento quando começou – na verdade nunca nem chegou a aprender a tocar nada. Tinha a seu favor uma baita voz (mesmo não ganhando reconhecimento algum da crítica por isso, Ozzy sempre foi um grande cantor), um baita carisma, ouvido musical e a disposição para encarnar o estranho e o inesperado no palco em todos os shows que fazia.
Imortalizada em livros como a autobiografia Eu sou Ozzy, a história de Ozzy Osbourne é um daqueles momentos em que a realidade pode ser mais desafiadora que a ficção. Afinal, quem poderia imaginar que um garoto da classe trabalhadora britânica se tornaria o que se tornou? Talvez tenha sido até por causa das dificuldades, que também moveram vários futuros rockstars ingleses da época – ou pelo fato de que o rock e a música pop do fim dos anos 1960 ainda eram quase mato, universos a serem desbravados, com poucos parâmetros. Seja como for, se hoje há artistas de rock que se dedicam a discos e a projetos que parecem ter saído da cabeça de algum roteirista bastante criativo, Ozzy teve muita culpa nisso.
Fora as vezes que o vi no palco, estive frente a frente com Ozzy apenas uma vez, numa coletiva de imprensa do Black Sabbath – da qual Tony Iommi não participou, por estar se recuperando de uma cirurgia (havia tido um câncer). Seja lá o que Ozzy pensasse da vida ou de si próprio, me chamou a atenção o clima de quase aconchego da sala de entrevistas (acho que era no hotel Fasano): um lugar pequeno, com ele e Geezer Butler (baixista) bem próximos dos repórteres. Que por sinal não eram inúmeros.
Já havia feito entrevistas internacionais antes mas nunca imaginei estar tão perto de uma lenda do rock que eu ouvia desde os doze anos. Fiz uma pergunta, ele respondeu, e eu, que sempre fiquei nervoso em entrevistas (imagina numa coletiva com o Black Sabbath!) voltei pra casa como se tivesse ido cobrir um buraco que apareceu numa rua no Centro. Não que não tenha me dedicado à pauta, mas era o Ozzy e eu estava… numa tranquilidade inimaginável.
Ozzy também já me deu uma entrevista por e-mail, em 2008, em que reafirmou sua adoração por Max Cavalera, disse que não tinha ideia se a série The Osbournes havia levado seu nome a um novo público, e reclamou da MTV, “que virou uma versão adulta da Nickelodeon”. Também disse que nunca diria nunca a seus então ex-companheiros do Black Sabbath (“nos falamos por telefone e quando as agendas permitem, nos encontramos”).
Nesse papo, Ozzy só se irritou quando fiz uma pergunta que envolvia o Iron Maiden, que tinha passado recentemente pelo Brasil, ou estaria vindo – não lembro mais. “Bom, não sei te responder, pergunta pro Iron Maiden!”, disse, em letras garrafais (todas as respostas foram em caixa alta). Lembro que ri sozinho e fui bater a matéria.
Até hoje só acredito que isso tudo aí aconteceu (e não é nada perto do que uns colegas viveram com Ozzy e o Black Sabbath) porque vi as matérias impressas. Mas acho que antes de tudo, consegui humanizar na minha mente um cara que eu ouvia desde criança. Ozzy era de carne e osso, respondia perguntas, tinha lá seus momentos de irritação e, enfim, mesmo tendo o fim que todo mundo vai ter, viveu bem mais do que muita gente. E mudou vidas.
Texto: Ricardo Schott – Foto: Divulgação
Crítica
Ouvimos: Justin Bieber – “Swag”

RESENHA: Swag, novo disco-surpresa de Justin Bieber, mistura lo-fi, trap e synth pop com vibe indie e desleixo calculado. Musicalmente rico, mas com letras rasas.
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Justin Bieber opera hoje num universo de, vamos dizer assim, venda fácil e compreensão difícil. Ser um cantor branco de r&b significa basicamente que você vai ter que fazer shows, gravar discos e existir no show business, de modo geral, no limite da polêmica. Afinal, tanto r&b quanto rap são áreas de artistas negros, ligadas a um histórico que se estende ao soul, e a vivências pessoais – e o mundo mudou o suficiente para que o mercado quase entenda o peso de certas coisas.
Por quase entenda, leia-se que, na maioria dos casos, tudo pode ser resolvido por uns posts nas redes sociais e uma tour pelos lugares certos, com as pessoas corretas. Mas pra piorar um pouco, nos últimos tempos, Justin andava brotando mais no noticiário de fofoca do que nos cadernos de cultura. As notícias eram sobre cancelamentos de shows, brigas com a mulher Hailey, relacionamentos supostamente mais do que íntimos com o rapper P. Diddy e supostos abusos de substâncias.
E, bom, o que faz um astro como Justin Bieber numa hora dessas? Para calar a boca de uma renca de gente durante um bom tempo, ele simplesmente lança um disco novo do mais absoluto nada – e este disco é Swag, uma epopéia de quase uma hora, com 21 faixas. E antes de mais nada, Swag consegue colocar de vez Justin numa espécie de “espírito do tempo” pop no qual artistas como Taylor Swift, Rihanna, Beyoncé e Miley Cyrus já se encontram há um bom tempo.
Esse tal (hum) zeitgeist significa que tais artistas – seguindo uma linhagem que inclui de Beatles a Marvin Gaye – decidiram se libertar de amarras para fazerem o que bem entendem. Ou seja: discos de protesto, álbuns com design musical troncho, feats que os fãs vão estranhar, projetos com produtores pino-solto, singles com referências que o fã-clube vai ter que buscar no Google, lançamentos com fotos de divulgação distorcidas – ou capas no estilo meu-sobrinho-fez.
De modo geral, são artistas que podem se dar ao luxo de perder alguns fãs, em nome de verem seus álbuns se tornarem (vá lá) pretensos barômetros do nosso tempo, ou pelo menos crônicas pessoais-autoficcionais. Alguns exemplos: Brat, de Charli XCX, trouxe a zoeira da noite de volta. Hit me hard and soft, de Billie Eilish, foi importante na onda de música sáfica. GNX, de Kendick Lamar, explora misérias existenciais e brigas no showbusiness. Vai por aí. Fazer disco com “desencucação” virou, mais do que nunca, coisa de roqueiro – aposto que você se divertiu muito com Cartoon darkness, de Amyl and The Sniffers, e ficou assustado/assustada com as teorias geradas por Brat.
Se a essa altura do meu texto você já está prestes a desistir de ler, por eu ainda não ter dito se Swag vale seu tempo precioso, aqui vai: vale, e muito. Justin já vinha de uma tradição de álbuns ligadíssimos na atualidade – o melhor deles é Purpose, de 2015. Swag tem um subtexto de “libertação”, já que Bieber acaba de dar adeus a seu empresário de vários anos, Scooter Braun (um adeus que vai lhe custar mais de 30 milhões de dólares, por sinal). E traz o cantor investindo em climas lo-fi, sons texturizados, vibes derretidas e muita coisa que virou moda de uma hora para a outra.
O G1 disse que Swag é um disco chato. Eu discordo bastante, mas o The Guardian chegou perto da realidade ao dizer que as letras prejudicam o novo álbum – de fato, a poética de Swag tem a profundidade de um pires. Já musicalmente, a diversão é garantida até para quem nunca ouviu nada do cantor. Bieber e sua turma de produtores e parceiros transformam trap e sons lo-fi em pop adulto, em faixas muito bem feitas e bem acabadas, como All I can take, a estilingada Daisies, o bedroom pop Yukon e a viajante Go baby.
O design musical de Swag é minimalista, e boa parte das músicas têm aquele clima de desleixo estudado do indie pop atual. Things you do tem guitarras decalcadas do The Police e silêncios entre vozes e sons, Butterflies é uma gravação quase caseira que vai crescendo, e faixas como First place, Way it is, Sweet spot e Walking away unem synth pop, modernidades, sons derretidos e tentativas de emular Michael Jackson.
Já Dadz love, com o rapper Lil B, evoca Prince, com tecladeira dos anos 1980 e texturas de 2025. A vibe dos Rolling Stones, e das voltas do grupo britânico em torno do soul e do r&b, dáo as caras em Devotion e na vinheta Glory voice memo. Uma curiosidade é o trap da faixa-título, com participações de Cash Cobain e Eddie Benjamin, e um verso proscrito sobre cocaína (“seu corpo não precisa / de nenhuma linha prateada”) que aparentemente só o Spotify transcreveu.
Vale dizer que, tentando tomar de volta o controle da própria narrativa, Justin derrapa feíssimo ao decidir colocar em Swag três diálogos com o comediante negro norte-americano Druski. Num deles, o humorista diz a ele que “sua pele é branca, mas sua alma é negra, Justin” (o cantor só responde um “obrigado” desajeitado) – em outro, o assunto inclui paparazzi e redes sociais. No final, quem ouve o disco inteiro é “premiado” com a estranhíssima presença do cantor gospel Mavin Winans ocupando sozinho a última música – o cântico religioso Forgiveness.
Enfim, é Bieber buscando legitimidade para o autoperdão e para a própria carreira de cantor branco de r&b – e mandando recados de maneira tão desajeitada que Swag, um excelente disco, quase rola escada abaixo. Swag não resolve todas as questões em torno de Justin Bieber – mas quando acerta, lembra que, às vezes, é melhor fazer do que explicar.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8,5
Gravadora: Def Jam
Lançamento: 11 de julho de 2025
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