Crítica
Ouvimos: Jimi Hendrix, “Electric Lady Studios: A Jimi Hendrix Vision”

A morte mais lamentável da história do rock? A de Jimi Hendrix. Sem discussão. Hendrix não foi apenas um gênio da guitarra — ele redefiniu o próprio som do rock, trazendo uma visão futurista e tecnológica para um instrumento que virou símbolo do estilo. Deixou um legado vasto, criativo e barulhento: uma verdadeira biblioteca de riffs e invenções sonoras que continua sendo explorada desde 1970, ano de sua morte. Do rock clássico ao punk, do grunge ao indie dos anos 1980, passando pelo pós-punk e por tudo que veio depois, não houve quem ficasse imune à sua influência.
Como sempre aparece algo novo no baú de Hendrix, nada relacionado a ele parece definitivo. Por isso, é arriscado classificar Electric Lady Studios: A Jimi Hendrix Vision como o guia definitivo das gravações feitas pelo músico nas únicas dez semanas em que usou o Electric Lady, estúdio que ele começou a construir em 1968. O espaço enfrentou inúmeros percalços até ser concluído — e acabou sendo inaugurado pouco antes da morte de Jimi. O box, lançado em cinco LPs de vinil ou três CDs, reúne 39 faixas gravadas por Hendrix ao lado de sua última banda, a Band of Gypsys, com o baixista Billy Cox e o baterista Mitch Mitchell.
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Trinta e oito dessas gravações são inéditas, e trazem primeiras versões de músicas que sairiam em discos póstumos como The cry of love (1971) e First rays of the new rising sun (1997). No geral, são faixas que traziam uma pista de como Hendrix soaria nos anos 1970, caso tivéssemos sido poupados da morte dele. O criador do disco duplo Electric ladyland (1968) estaria provavelmente fazendo rock rajado de soul e jazz, e seguindo por um caminho que grupos como Lynyrd Skynyrd e até Neil Young & Crazy Horse pegariam: country rock estradeiro e igualmente influenciado por soul e gospel.
Muitas canções que estão em Electric Lady Studios trazem fragmentos que, anos depois, seriam chupados por outros artistas, de Robin Trower a Lenny Kravitz (o riff de Are you gonna go my way deve muito a Ezy ryder). Valleys of Neptune é hard rock com cara soul dada pelo piano Rhodes. A extensa The long medley (26 minutos!) parece contar com antecedência toda uma história posterior da guitarra, que passa por Herbert Vianna, Eddie Van Halen e Joey Santiago (Pixies) entre outros. Quem tiver interesse em ouvir uma música tão longa, ganha de Hendrix um “depois que eu partir, vai ficar assim!”.
Do repertório de Electric Lady Studios constam também os primeiros templates de músicas que mostravam o poder de Hendrix como criador de melodias, como Room full of mirrors, Drifting e a balada sonhadora Angel. Além do progressivo motorbiker (lembrando Blue Cheer) de Earth blues, e do blues voador de Night bird flying. Tire um dia inteiro para escutar, nem que seja só nas plataformas digitais.
Nota: 10
Gravadora: Sony
Lançamento: 4 de outubro de 2024
Crítica
Ouvimos: Mark Pritchard & Thom Yorke, “Tall tales”

DJ e produtor, o britânico Mark Pritchard é uma companhia perfeita para Thom Yorke mergulhar em experimentações. Além da experiência de ambos em criar atmosferas sonoras densas e sensoriais, há um espírito comum: o gosto por projetos paralelos. Pritchard coleciona codinomes e colaborações; Yorke, por sua vez, é o tipo de artista que raramente se acomoda.
Tall tales, projeto que une música e filme, nasceu de um encontro entre os dois em 2011, quando Pritchard remixou faixas do Radiohead, e começou a tomar forma em 2020, em plena pandemia. Foi justamente o isolamento que impulsionou a colaboração: Thom, entediado em casa, pediu que Mark lhe enviasse ideias para trabalhar. O que se seguiu foram cinco anos de trocas virtuais — mensagens, conversas no Zoom — sem um único encontro presencial.
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A proposta era buscar sons não convencionais. Mark cavou fundo em synths fora de linha e softwares obscuros, enquanto Thom deixou de lado guitarras e investiu em sintetizadores e distorções vocais. O resultado? Um disco sem calor, nascido da distância e da incerteza — e que reflete exatamente isso. E não entenda o “sem calor” como depreciativo: o gelo faz parte da aventura.
Mesmo para os padrões já estranhos de Yorke, Tall Tales soa dissonante, tenso e desolador. A fake in faker’s world e Ice shelf, que abrem o disco, sugerem que estamos sempre à beira de um abismo — a segunda amplifica essa sensação com uma sirene circular e hipnótica. Bugging out again até soa etérea, quase sonhadora, mas só depois de atravessarmos um corredor de vocais distorcidos e espectrais.
Do início ao fim, Tall Tales é um álbum gelado. Suas letras lembram fábulas, e suas faixas se alinham ao modelo de “não-canção” explorado pelo Radiohead em Kid A. Back in the game e Gangsters poderiam muito bem estar em trilhas de videogame — assim como a batida seca e minimalista de This conversation is missing your voice evoca o som vintage de um Tele-Jogo (lembra disso?). The white cliffs traz um blues ambient repleto de sintetizadores, com clima espectral e distante, quase como uma miragem — uma imagem potente para um mundo confuso como o de 2020. Já a faixa-título sintetiza o mundo como um deserto, em clima sombrio.
Entre tantas abstrações, The man who dances in stag’s head se destaca por lembrar uma canção de verdade — ainda que no sentido mais torto do termo. É uma balada que remete a Lou Reed, com pandeirola, vocais quase falados e atmosfera desolada que remete a Here she comes now, do Velvet Underground. Já a faixa final, Wandering genie, mistura vocais sobrepostos, cordas e sintetizadores até virar puro vento — como se tudo fosse varrido por uma força invisível.
No fim das contas, é art rock — mas bem mais art do que rock puro, como boa parte da trajetória do Radiohead.
Nota: 9
Gravadora: Warp
Lançamento: 9 de maio de 2025
Crítica
Ouvimos: Shn Shn, “Serpent’s skin”

Vinda do Canadá, a musicista, compositora e cantora Shn Shn (nome verdadeiro: Shanika Lewis-Waddell) se dedica a um experimentalismo eletrônico que lembra bastante a vibe dos anos 1980 – e daquele som que costumava ser chamado de new age. A música de seu primeiro álbum, Serpent’s skin, é um ambient relaxante, que se cruza com vários estilos, e que alterna silêncios e sons em poucos segundos. Outerlands une esse design sonoro com reggae, Divergent paths é um soul eletrônico que lembra um tema de filme (com direito a conversas ao fundo) e Home is another place cria um ambiente relaxante e caseiro, com teclados, cordas e poucas notas.
O som esparso do disco traz outras coisas na receita. Há um toque forte de jazz e afrobeats distribuídos pela sonoridade de Serpent’s skin. Um som que lembra uma steel drum coadjuva a visonária Glimmer, batidas afro criadas por baixo, teclados e cordas criam New horizons e um concretismo musical cavernoso dá as caras em Tender bodies. Anomalies e Blip in the… são temas de piano, marcados por ruídos de fundo, barulhos marítimos e por uma microfonação que revela o ruído do banquinho usado por Shn Shn. Já Flow é um ambient “voador” e percussivo. Um disco que convida à escuta atenta, e que revela novas camadas a cada audição.
Nota: 8
Gravadora: Stadik Records
Lançamento: 28 de março de 2025.
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Crítica
Ouvimos: Big|Brave, “OST”

O som do grupo canadense de metal experimental Big|Brave já está bem longe de ser um dos mais acessíveis do mundo – sonoridades como rock industrial e shoegaze são pouca areia na hora de definir a banda. Mas dessa vez o grupo foi longe demais: OST (original soundtrack, “trilha sonora original”) é uma “trilha sonora” feita sem que haja um filme para o qual ela tenha sido composta – e a banda entrou em estúdio sem ter nenhuma composição pronta, só com a disposição para improvisar em cima do que aparecesse.
Esse clima de Araçá azul do demo perpassa todas as oito faixas do disco – todas chamadas Innominate, variando apenas o número delas (de I a VIII). Quem quer conferir sons aterrorizantes, pode pular para a Innominate nº II, com notas sombrias de piano, ruídos de estática e um zumbido que parece alguém bem de longe querendo dizer algo. O disco abre com ruídos que vêm de longe (na Innominate nº I), segue com tremeliçações sonoras (na III) e com algo que se assemelha a barulho de metal vibrando (na IV) – praticamente uma enciclopédia experimenta musical, que soa mais como os ruídos de fundo de um filme do que com a música usada para um galã beijar a gatinha, ou a câmera mostrar um cenário infinito.
Se você não estiver com a menor vontade de se irritar, recomendamos pular a Innominate nº V – os barulhos soam tanto como um inseto voando, que chega a dar vontade de pegar um jornal para matar o bicho. A Innominate nº VII volta vagamente para o clima de terror da segunda faixa, com gritos que parecem vir de uma comemoração, mas ganham logo um tom de horror – em meio a sons que lembram um berimbau sendo tocado e tratado eletronicamente. Ousadia musical para poucos, e poucas.
Nota: 7,5
Gravadora: Thrill Jockey Records
Lançamento: 25 de abril de 2025
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