Cultura Pop
Underground Press Syndicate: um instagram só de jornais marginais ao redor do mundo

Amanda Lucio tem 27 anos, é historiadora, mora em São Paulo, e em 2017 começou a estudar sobre políticas culturais na ditadura militar, imprensa marginal e temas adjacentes. “Comecei como curiosa mesmo, tive contato com as leituras na graduação e fui me aprofundando. Ainda sei pouco, é um universo de informações dispersas”, conta ela, que hoje faz mestrado e trabalha como redatora freelancer. No meio do caminho foi fazendo contatos, achando mais jornais independentes e decidiu fazer uma pesquisa de iniciação científica sobre o Almanaque Navilouca, organizado pelos poetas Torquato Neto e Wally Salomão, e lançado em 1974, dois anos após a morte do primeiro.

Amanda Lucio
A historiadora percebeu que havia um enorme intercâmbio de jornais alternativos entre vários países, a partir de uma olhadinha nos materiais ligados ao Navilouca. A pesquisa gerou uma dissertação de mestrado e também um dos endereços mais interessantes do Instagram, o Underground Press Syndicate, só com imagens de jornais alternativos ao redor do mundo – incluindo alguns brasileiros. Vários deles estão organizados por países nos stories.
“Tento fazer algo menos acadêmico, que seja mais fluido, assim como os jornais que estudo. Me preocupo em produzir algo que seja instigante, que consiga acessar as pessoas”, conta Amanda, que está planejando um podcast sobre o assunto e pensa também num catálogo ou livro.
O POP FANTASMA bateu um papo com Amanda sobre o instagram, sobre os projetos e sobre a pesquisa que ela vem fazendo. Leia e inspire-se.
Me fala um pouco da pesquisa de mestrado que você está fazendo? No que ela consiste?
Então, a minha pesquisa é uma espécie de incursão dentro do que se chamou nos anos 1960 e 1970 de “imprensa underground”, “contracultural”, “alternativa” e outros nomes que usavam para categorizar jornais que eram produzidos de maneira autônoma por pequenos grupos, abordavam temas que não participavam do debate da grande imprensa, além de circularem em circuitos específicos.
A minha ideia de estudar mais a respeito surgiu de uma pesquisa de Iniciação Científica sobre o Almanaque Navilouca (1974) que fiz durante a graduação. Essa publicação foi uma espécie de “grande acontecimento” da imprensa marginal e eu tentei entender como foram as alianças que se formaram em torno dela, aspectos do editorial e coisas assim. Nesse momento eu tive muito contato com as cartas dos editores e outros materiais, muita gente falava do exílio, foram para NY ou Londres. Foi então que percebi a existência de uma circulação desse tipo de impresso pelas mãos da galera. O pessoal que morava fora do país enviava uns exemplares pra cá e o pessoal se apropriava desses modelos, criando algo semelhante à moda brasileira, sabe?
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Existiam muitas limitações tecnológicas e a censura não deixava o pessoal publicar coisas sobre determinados assuntos, então era bem complicado. Foi por esses indícios de circulação desses impressos entre o Brasil, EUA e Inglaterra, que eu decidi começar a procurar mais a respeito! Jornais que abordavam temas que circulavam lá fora e traziam novidades sobre o underground brasileiro: falavam de música, literatura, cinema, budismo, hinduísmo, viagens de carona, ícones da cultura “jovem” daquele período, longas matérias sobre Zé do Caixão e Andy Warhol, por exemplo.
Aqui não havia possibilidade de explorar alguns temas como lá fora, aqui tinha censura e então era tudo muito restrito. Os dois jornais assumidamente “undergrounds” do Brasil foram o Flor do Mal, editado por Luiz Carlos Maciel (que escrevia a coluna Underground do Pasquim), Torquato Neto, Rogério Duarte e Tite de Lemos; além do Presença, que era do Rubinho Gomes, mas tinha colaborações do Joel Macedo, Hélio Oiticica, Waly Salomão, Torquato Neto e mais uma galera. Ambos tiveram poucas edições, o Flor só teve cinco edições semanais e o Presença teve duas mensais.
Era difícil manter esse tipo de jornal por aqui, além de vender pouco, era mal visto (coisa de “hippie”) e o risco de parar na polícia era grande. Só que como eu tinha dito antes, existia uma circulação desse tipo de impresso através de cartas e viagens, muita gente “perambulava” naquele período e levava/trazia informações. O exílio (voluntário ou forçado) foi muito importante nesse trânsito de informações. Em Londres existia o jornal International Times, que era o ícone contracultural de lá, inclusive era lido por Caetano e Gil durante o exílio deles, assim como por Torquato Neto e Hélio Oiticica que moraram lá em 1968-69. Esses são apenas alguns exemplos.
E o meu objetivo é entender como se caracteriza a identidade editorial desse tipo de publicação, já que são todos muito parecidos na forma de organização do conteúdo, das seções e nos temas. Eu separei o jornal britânico, que foi fundado em 1966 e lido por aqueles que participaram/enviavam matérias para publicarem aqui, porque haviam muitas menções e muita inspiração para criar a partir dos temas que surgiam lá. Então a ideia principal é essa, entender a apropriação desses modelo de impresso aqui no Brasil, levando em conta toda limitação tecnológica, política, social etc.
Como você tem encontrado alguns dos jornais que coloca no Instagram e como surgiu a ideia de partilhar o que você tem pesquisado ali?
Conforme fui pesquisando nos documentos, descobri que existia uma organização chamada Underground Press Syndicate (UPS) fundada em 1966 nos EUA por pessoas como Tom Forcade e outros jornalistas que produziam alguns desses jornais alternativos. E na lista de filiação, tinham jornais de diversas partes do mundo! A cada ano tinham mais filiados de locais diferentes, então comecei a pesquisar quais eram esses jornais e qual era o motivo da criação do sindicato.
A ideia era que os membros pudessem compartilhar conteúdos uns dos outros sem precisar pagar os direitos e coisas do tipo. Além de permitir uma divulgação ampla, pois essas listas de filiados eram publicadas nesses jornais com os endereços de correspondência da redação e também eram separadas por continentes. Assim, as pessoas se conheciam, faziam contatos e ficavam por dentro daquilo que acontecia em outras partes do mundo.
Foi então que veio a ideia da página no Instagram com o mesmo nome, Underground Press Syndicate. Vi que não existia um conteúdo parecido na internet, a não ser perfis de sebos e colecionadores que postavam um exemplar ou outro. Fui além e inclui também jornais que não eram filiados ao grupo. Eu achei que seria legal para quem gosta do tema da contracultura, jornalismo, psicodelia, colecionismo e afins. Agora há a possibilidade de encontrar e conhecer jornais tão diferentes e em idiomas distintos em um só lugar!
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Os stories do seu instagram estão muito bem organizados por países e tal. Como foi organizar isso tudo? Você tem pessoas que mandam recortes e capas para você?
Na verdade, eu estou tentando criar um banco de dados para esses jornais, documentando os países, edições, datas e locais onde podem ser encontrados! A organização não é difícil, mas algumas vezes os jornais são de exilados que representam seus países em outros lugares. Um exemplo disso é o jornal Forward, criado no final de 1976 pelos estudantes etíopes em universidades estadunidenses durante o início da Guerra Civil da Etiópia na década de 1970.
Nesse caso, como classificar? Eles se identificam, assinam endereçando à terra natal deles, mantinham laços políticos e sociais com a Etiópia e estão em outro país por conta do ativismo estudantil e para evitar perseguição política, então mesmo que seja produzido nos EUA e escrito em inglês, é um jornal etíope. Houve uma coisa parecida com os jornais da Somália, Espanha e Catalunha, as lutas pela independência rolavam e essas pessoas precisam ter suas identidades reconhecidas. No caso da Espanha e Catalunha, coloquei os jornais de Barcelona como catalães, ao invés de espanhóis, por exemplo. São aspectos importantes na hora da classificação do material.
Eu sempre tento ler o conteúdo (quando o idioma torna isso possível, rs) e pesquisar a respeito. Quero construir um acervo bem sólido, baseado em um trabalho de fôlego com pesquisa e que dialogue com as questões históricas e sociais que envolveram suas produções. E não, infelizmente as pessoas não me enviam nada, eu gostaria que enviassem, mas acho que ainda vai rolar!
Há alguma raridade que você conseguiu publicar?
Olha, acredito que boa parte deles são raridades, pois se tratam de publicações com baixa tiragem e circulação, duração curta, periodicidade irregular e tal. Só que tem algumas que são ainda mais raras, não sei se é porque estou no Brasil e não tenho amplo acesso, além das dificuldades de idioma e essas coisas. Só que até os jornais daqui são dificílimos de encontrar (inclusive são os mais difíceis). Nem na internet tem acesso, nem digitalizado. Tem que ir nos arquivos ou acervos de colecionadores tirar fotos. Os jornais brasileiros Flor do Mal e Presença que eu publiquei são bem difíceis de encontrar, o Flor tem algumas edições online, mas o Presença não tem nadinha.
Consegui minhas edições por contatos com amigos que também são pesquisadores do tema. E do exterior, o jornal palestino Al Hadaf, o suíço Ouef, o soviético Leaflet e o japonês Buzoku são alguns bons exemplos de raridades. Deu pra ver que é difícil escolher um, né?!
Onde você tem achado alguns jornais? Guarda alguns deles em casa?
Encontro em acervos online, blogs de colecionadores, arquivos do próprio jornal, bibliotecas de universidades, lojas de colecionadores, sites de museus nacionais ou temáticos, organizações sociais ou partidárias que divulgam e tantos outros. Minha pesquisa é toda feita online, algumas vezes leio sobre algo sobre alguma organização, partido, grupos artísticos e penso que eles produziram algum material impresso. Então vou atrás e começo a pesquisar. Dependendo do idioma, o Google Tradutor me ajuda e eu consigo ir fazendo a busca no idioma do local de produção do jornal, o que facilita bastante na busca de resultados.
E eu não tenho nenhum deles em casa, infelizmente. Boa parte deles são itens de colecionador, eu encontro vários para vender em sites gringos, mas são uma fortuna. Fico paquerando as edições online, quem sabe visito um arquivo para manusear alguns exemplares? Só isso já seria incrível.
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O que você percebe de comum entre todos os jornais que você pesquisou?
Bem, posso dizer que praticamente todos eles foram movidos por iniciativas independentes. Foram jornais feitos por indivíduos e grupos que queriam mostrar suas ideias, discutir projetos políticos, sociais ou culturais. Já que não encontravam espaço na rádio, televisão e grande imprensa, os idealizadores desses jornais formularam um espaço próprio para se comunicar com seus pares. Muitos deles foram fundamentais para formular circuitos de produção, redes de sociabilidade, movimentos e partilha de sensibilidades. Alguns movimentos formularam esses jornais e também foram formulados através deles. Há um grande senso de colaboração e partilha em todos eles.
A imprensa alternativa latino-americana tem algo que una países, por exemplo?
Havia algo entre os países do cone sul, principalmente Argentina, Chile e Uruguai. O Brasil não participou muito desse diálogo, mas consumia bastante coisa dos argentinos, em especial do poeta e jornalista Miguel Grinberg. Na imprensa alternativa brasileira há muitas menções sobre os textos dele, as edições do jornal argentino “Eco Contemporâneo” eram lidas pelos brasileiros, acredito que traziam por meio das viagens e contatos. Só que lá fora, os nossos irmãos latino-americanos não liam nossos jornais contraculturais.
Talvez fosse pela restrição, os anos de chumbo da ditadura no Brasil estavam pesando e esses impressos duravam pouco, circulavam em uma rede específica, enfim. Só que entre eles, havia uma partilha e colaboração, já encontrei várias menções. Inclusive, na lista da UPS, o Eco Contemporáneo do Miguel Grinberg consta como representante do sindicato na América Latina. Alguns anos depois, o Luiz Carlos Maciel vai aparecer lá com o Pasquim! Esse contato é algo que estou buscando entender também, fico pensando como que se deu essa troca.
Você pensa em transformar isso em algum outro material? Livro, podcast, site?
Poxa, boa pergunta! Eu queria transformar esse material que eu levantei em um livro, uma espécie de catálogo que seria separado por países, algo na lógica da página mesmo.. Ainda é algo muito remoto, pois precisaria de tempo e investimento financeiro. Queria algo que fosse organizado por mim e por meus amigos, pessoas que acreditam nesse projeto. Um ebook é uma via mais fácil, além de possibilitar a disseminação na internet de forma gratuita. Acho que é um material legal e pouco conhecido, vale a pena reunir e divulgar.
Enquanto o livro não chega, estou planejando um podcast com um amigo meu que também é pesquisador do tema, a gente tava trocando uma ideia e decidimos que seria legal gravar algo sobre. Por enquanto, o nome vai ser “Mini Mistério”, que nem a música da Gal Costa de 1970. A proposta é falar de contracultura e suas vertentes culturais/sociais, seja no Brasil ou no exterior. A gente tá fazendo a pesquisa do conteúdo e esperamos que até o final do ano seja lançado o episódio piloto!
Tem falado com editores de alguns desses jornais? O que eles contam sobre como era fazer imprensa alternativa em tempos complicados?
Falei com alguns! Foi uma grande experiência e serviu até para desmistificar algumas ideias. Falei com o Joel Macedo, que foi editor das primeiras edições da Rolling Stone brasileira lá em 1971 junto com o Luiz Carlos Maciel. Também falei com o Rubinho Gomes, editor do jornal Presença em 1971. Do exterior, falei com o John May, que editou o jornal britânico Frendz durante a década de 70. Boa parte dos editores desses jornais já faleceram, infelizmente. Leio algumas entrevistas, vejo vídeos, mas contato mesmo só tive com esses. Os três me relataram experiências bem diferentes, mesmo os brasileiros.
No geral, falaram sobre a dificuldade de conseguir informações e como que as revistas gringas como a NME serviam para saber o que acontecia lá fora, além das questões da falta de dinheiro, volume baixo de vendas e de como era difícil tratar de alguns temas. No fim, disseram que era divertido, eram jovens jornalistas e faziam aquilo por acreditar no que se publicava, estavam tentando construir uma carreira. Tinha algo de despretensioso naquilo. Já o John May me contou sobre seu apreço pela tropicália, sobre os brasileiros exilados em Londres, as drogas e a cena cultural britânica que os jornais relatavam. Falaram daquilo com ternura, acredito que são lembranças boas para eles.
Recomenda alguma leitura sobre o assunto?
Tenho algumas leituras que me ajudaram a abrir a cabeça e me dedicar mais à pesquisa! Uma delas é o livro do historiador John McMillian Smoking typewriters, que é um panorama da imprensa alternativa, só que com foco nos EUA. No Brasil, tem o livro do Sérgio Cohn, chamado Revistas de invenção que é um compilado, espécie de catálogo de impressos brasileiros com viés experimental desde a década de 20 até os anos 2000. A Elizabeth Nelson tem um livro sobre imprensa underground britânica, o British counterculture 1966-73.
Recentemente, duas sociólogas argentinas publicaram um artigo bem legal sobre imprensa e experiências contraculturais na América Latina, o nome é Experiencias contraculturales en Argentina y Bolivia: conexiones dispersas en contextos de opresión. Tem uma grande lista de leituras, mas acho que essas indicações servem pra entender um pouco sobre cada continente. Ainda preciso descobrir leituras sobre a Ásia!
Cultura Pop
Urgente!: E agora sem o Ozzy?

Todo mundo que um dia se sentiu meio estranho e ouviu Ozzy Osbourne na hora certa, foi levado para um universo bem melhor, e para sempre. Tudo começou com uma banda, o Black Sabbath, que já era um verdadeiro errado que deu certo – um ET musical que fazia som pesado quando mal havia o termo “heavy metal” e que falava de terror na ressaca do sonho hippie. E prosseguiu com a lenda de um sujeito que gravou álbuns clássicos como Blizzard of Ozz (1980), Diary of a madman (1981) e No more tears (1991) – eram quase como filmes.
Ozzy pode ser definido como um cara de sorte – e também como um cara que abusou MUITO da sorte, mas pula essa parte. A depender daqueles progressivos anos 1970, não havia muito o que explicasse o futuro de Ozzy Osbourne na música. Em várias entrevistas, Ozzy já disse que não sabia tocar nenhum instrumento quando começou – na verdade nunca nem chegou a aprender a tocar nada. Tinha a seu favor uma baita voz (mesmo não ganhando reconhecimento algum da crítica por isso, Ozzy sempre foi um grande cantor), um baita carisma, ouvido musical e a disposição para encarnar o estranho e o inesperado no palco em todos os shows que fazia.
Imortalizada em livros como a autobiografia Eu sou Ozzy, a história de Ozzy Osbourne é um daqueles momentos em que a realidade pode ser mais desafiadora que a ficção. Afinal, quem poderia imaginar que um garoto da classe trabalhadora britânica se tornaria o que se tornou? Talvez tenha sido até por causa das dificuldades, que também moveram vários futuros rockstars ingleses da época – ou pelo fato de que o rock e a música pop do fim dos anos 1960 ainda eram quase mato, universos a serem desbravados, com poucos parâmetros. Seja como for, se hoje há artistas de rock que se dedicam a discos e a projetos que parecem ter saído da cabeça de algum roteirista bastante criativo, Ozzy teve muita culpa nisso.
Fora as vezes que o vi no palco, estive frente a frente com Ozzy apenas uma vez, numa coletiva de imprensa do Black Sabbath – da qual Tony Iommi não participou, por estar se recuperando de uma cirurgia (havia tido um câncer). Seja lá o que Ozzy pensasse da vida ou de si próprio, me chamou a atenção o clima de quase aconchego da sala de entrevistas (acho que era no hotel Fasano): um lugar pequeno, com ele e Geezer Butler (baixista) bem próximos dos repórteres. Que por sinal não eram inúmeros.
Já havia feito entrevistas internacionais antes mas nunca imaginei estar tão perto de uma lenda do rock que eu ouvia desde os doze anos. Fiz uma pergunta, ele respondeu, e eu, que sempre fiquei nervoso em entrevistas (imagina numa coletiva com o Black Sabbath!) voltei pra casa como se tivesse ido cobrir um buraco que apareceu numa rua no Centro. Não que não tenha me dedicado à pauta, mas era o Ozzy e eu estava… numa tranquilidade inimaginável.
Ozzy também já me deu uma entrevista por e-mail, em 2008, em que reafirmou sua adoração por Max Cavalera, disse que não tinha ideia se a série The Osbournes havia levado seu nome a um novo público, e reclamou da MTV, “que virou uma versão adulta da Nickelodeon”. Também disse que nunca diria nunca a seus então ex-companheiros do Black Sabbath (“nos falamos por telefone e quando as agendas permitem, nos encontramos”).
Nesse papo, Ozzy só se irritou quando fiz uma pergunta que envolvia o Iron Maiden, que tinha passado recentemente pelo Brasil, ou estaria vindo – não lembro mais. “Bom, não sei te responder, pergunta pro Iron Maiden!”, disse, em letras garrafais (todas as respostas foram em caixa alta). Lembro que ri sozinho e fui bater a matéria.
Até hoje só acredito que isso tudo aí aconteceu (e não é nada perto do que uns colegas viveram com Ozzy e o Black Sabbath) porque vi as matérias impressas. Mas acho que antes de tudo, consegui humanizar na minha mente um cara que eu ouvia desde criança. Ozzy era de carne e osso, respondia perguntas, tinha lá seus momentos de irritação e, enfim, mesmo tendo o fim que todo mundo vai ter, viveu bem mais do que muita gente. E mudou vidas.
Texto: Ricardo Schott – Foto: Divulgação
Crítica
Ouvimos: Justin Bieber – “Swag”

RESENHA: Swag, novo disco-surpresa de Justin Bieber, mistura lo-fi, trap e synth pop com vibe indie e desleixo calculado. Musicalmente rico, mas com letras rasas.
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Justin Bieber opera hoje num universo de, vamos dizer assim, venda fácil e compreensão difícil. Ser um cantor branco de r&b significa basicamente que você vai ter que fazer shows, gravar discos e existir no show business, de modo geral, no limite da polêmica. Afinal, tanto r&b quanto rap são áreas de artistas negros, ligadas a um histórico que se estende ao soul, e a vivências pessoais – e o mundo mudou o suficiente para que o mercado quase entenda o peso de certas coisas.
Por quase entenda, leia-se que, na maioria dos casos, tudo pode ser resolvido por uns posts nas redes sociais e uma tour pelos lugares certos, com as pessoas corretas. Mas pra piorar um pouco, nos últimos tempos, Justin andava brotando mais no noticiário de fofoca do que nos cadernos de cultura. As notícias eram sobre cancelamentos de shows, brigas com a mulher Hailey, relacionamentos supostamente mais do que íntimos com o rapper P. Diddy e supostos abusos de substâncias.
E, bom, o que faz um astro como Justin Bieber numa hora dessas? Para calar a boca de uma renca de gente durante um bom tempo, ele simplesmente lança um disco novo do mais absoluto nada – e este disco é Swag, uma epopéia de quase uma hora, com 21 faixas. E antes de mais nada, Swag consegue colocar de vez Justin numa espécie de “espírito do tempo” pop no qual artistas como Taylor Swift, Rihanna, Beyoncé e Miley Cyrus já se encontram há um bom tempo.
Esse tal (hum) zeitgeist significa que tais artistas – seguindo uma linhagem que inclui de Beatles a Marvin Gaye – decidiram se libertar de amarras para fazerem o que bem entendem. Ou seja: discos de protesto, álbuns com design musical troncho, feats que os fãs vão estranhar, projetos com produtores pino-solto, singles com referências que o fã-clube vai ter que buscar no Google, lançamentos com fotos de divulgação distorcidas – ou capas no estilo meu-sobrinho-fez.
De modo geral, são artistas que podem se dar ao luxo de perder alguns fãs, em nome de verem seus álbuns se tornarem (vá lá) pretensos barômetros do nosso tempo, ou pelo menos crônicas pessoais-autoficcionais. Alguns exemplos: Brat, de Charli XCX, trouxe a zoeira da noite de volta. Hit me hard and soft, de Billie Eilish, foi importante na onda de música sáfica. GNX, de Kendick Lamar, explora misérias existenciais e brigas no showbusiness. Vai por aí. Fazer disco com “desencucação” virou, mais do que nunca, coisa de roqueiro – aposto que você se divertiu muito com Cartoon darkness, de Amyl and The Sniffers, e ficou assustado/assustada com as teorias geradas por Brat.
Se a essa altura do meu texto você já está prestes a desistir de ler, por eu ainda não ter dito se Swag vale seu tempo precioso, aqui vai: vale, e muito. Justin já vinha de uma tradição de álbuns ligadíssimos na atualidade – o melhor deles é Purpose, de 2015. Swag tem um subtexto de “libertação”, já que Bieber acaba de dar adeus a seu empresário de vários anos, Scooter Braun (um adeus que vai lhe custar mais de 30 milhões de dólares, por sinal). E traz o cantor investindo em climas lo-fi, sons texturizados, vibes derretidas e muita coisa que virou moda de uma hora para a outra.
O G1 disse que Swag é um disco chato. Eu discordo bastante, mas o The Guardian chegou perto da realidade ao dizer que as letras prejudicam o novo álbum – de fato, a poética de Swag tem a profundidade de um pires. Já musicalmente, a diversão é garantida até para quem nunca ouviu nada do cantor. Bieber e sua turma de produtores e parceiros transformam trap e sons lo-fi em pop adulto, em faixas muito bem feitas e bem acabadas, como All I can take, a estilingada Daisies, o bedroom pop Yukon e a viajante Go baby.
O design musical de Swag é minimalista, e boa parte das músicas têm aquele clima de desleixo estudado do indie pop atual. Things you do tem guitarras decalcadas do The Police e silêncios entre vozes e sons, Butterflies é uma gravação quase caseira que vai crescendo, e faixas como First place, Way it is, Sweet spot e Walking away unem synth pop, modernidades, sons derretidos e tentativas de emular Michael Jackson.
Já Dadz love, com o rapper Lil B, evoca Prince, com tecladeira dos anos 1980 e texturas de 2025. A vibe dos Rolling Stones, e das voltas do grupo britânico em torno do soul e do r&b, dáo as caras em Devotion e na vinheta Glory voice memo. Uma curiosidade é o trap da faixa-título, com participações de Cash Cobain e Eddie Benjamin, e um verso proscrito sobre cocaína (“seu corpo não precisa / de nenhuma linha prateada”) que aparentemente só o Spotify transcreveu.
Vale dizer que, tentando tomar de volta o controle da própria narrativa, Justin derrapa feíssimo ao decidir colocar em Swag três diálogos com o comediante negro norte-americano Druski. Num deles, o humorista diz a ele que “sua pele é branca, mas sua alma é negra, Justin” (o cantor só responde um “obrigado” desajeitado) – em outro, o assunto inclui paparazzi e redes sociais. No final, quem ouve o disco inteiro é “premiado” com a estranhíssima presença do cantor gospel Mavin Winans ocupando sozinho a última música – o cântico religioso Forgiveness.
Enfim, é Bieber buscando legitimidade para o autoperdão e para a própria carreira de cantor branco de r&b – e mandando recados de maneira tão desajeitada que Swag, um excelente disco, quase rola escada abaixo. Swag não resolve todas as questões em torno de Justin Bieber – mas quando acerta, lembra que, às vezes, é melhor fazer do que explicar.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8,5
Gravadora: Def Jam
Lançamento: 11 de julho de 2025
Cultura Pop
Urgente!: Nova do Hot Chip, “DVD” do Oasis em Cardiff, The Rapture de volta com turnê

RESUMO: Hot Chip (foto) anuncia coletânea e lança single e clipe. Fã produz vídeo do primeiro show do Oasis em Cardiff só com imagens feitas por fãs. The Rapture anuncia turnê pelos Estados Unidos e Canadá.
Texto: Ricardo Schott – Foto Hot Chip: Louise Mason/Divulgação
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Vai sair pela primeira vez uma coletânea do Hot Chip, Joy in repetition, prevista para 5 de setembro. Vale até a pergunta que muita gente já se fez: qual a importância de coletâneas nessa época de playlists e aplicativos de música com poucas infos? Bom, a importância de uma boa coletânea de hits é enorme, vale por uma setlist bem montada e pode contar uma história. E elas eram as playlist de duas décadas atrás.
No caso de Joy, ela traça o caminho do Hot Chip do tempo dos cachês baixos até a época em que jornais como The Guardian já estavam classificando Alexis Taylor, Joe Goddard, Owen Clarke, Al Doyle e Felix Martin como o maior grupo pop de seu tempo. E entre hits como Ready for the floor, I feel better e Look at where we are, ainda tem uma música nova de altíssimas proporções de grude: Devotion, já lançada em single, que é uma mescla de pop adulto, eletrônica psicodélica e futuro hit de pista, com clipe gravado no Japão.
Taylor rasga seda: Devotion é “uma celebração da devoção a este projeto coletivo”. E ele ainda faz um baita elogio ao colega Joe Goddard: “Penso no Joe como alguém parecido com o Brian Wilson, com uma dedicação enorme em descobrir como criar a música pop mais incrível possível”. Errado não está.
***
Alguém com (felizmente, não estamos julgando) muito tempo livre pegou varias imagens diferentes do primeiro show do Oasis em Cardiff, feitas por fãs da banda, e compilou um (digamos) DVD do show.
O registro tá o mais fiel possivel, apesar das imagens à distância e do som nem sempre maravilhoso – vale como um belo bootleg das antigas. Tem ate o som da fitinha de Fuckin in the bushes na abertura, e a voz do apresentador do show. Detalhe: quem botou o video no ar tentou se livrar de problemas avisando que o video nao é monetizado. Pode ser que não ganhe strike do YouTube. “É de um fã apenas para fãs”, avisa.
***
E ainda Oasis: vale ler o texto de Liv Brandão, fera do jornalismo musical brasileiro recente, sobre como a setlist do show do Oasis não foi apenas uma setlist. Foi uma aula de storytelling daquelas – como numa (olha aí) coletânea daquelas que vinham com textos contextualizando tudo.
“Muito se falou da escolha das canções, que privilegia os dois primeiros álbuns, como se só eles importassem (…). Mas tão especial quanto a seleção das 24 músicas que compõem o set, idêntico nos dois dias, é a ordem em que elas aparecem, montada para contar a história de quando o Oasis foi a maior banda do mundo – justamente na época desses discos – e tudo o que aconteceu desde então”. Leia o restante na newsletter dela
***
Banda importante do dance punk dos anos 2000, The Rapture voltou, mas não há ainda nenhuma novidade a respeito de disco novo – nem de shows no Brasil, já avisamos. Na real, esse grupo novaiorquino já está de volta desde 2019, com o cantor Luke Jenner como único membro fixo, mas não havia retornado de fato. Fizeram alguns shows, mas pararam as atividades por conta da pandemia, e foi só. Dessa vez, o grupo tem uma turnê de verdade pela frente, que começa dia 16 de setembro no mitológico First Avenue, em Minneapolis, e passa por várias cidades dos EUA e Canadá até novembro.
“Anos atrás, quando me afastei da banda, eu precisava de tempo e espaço para reconstruir minha vida”, conta Jenner sobre a volta, sem comentar diretamente sobre as brigas intermináveis que a banda tinha lá por 2014. “Eu precisava consertar meu casamento, estar presente para meu filho e, por fim, trabalhar em mim mesmo. Esta turnê marca um novo capítulo para mim, moldado por tudo o que vivi e aprendi ao longo do caminho. Conquistei tudo o que esperava alcançar através da música e agora posso usá-la para ajudar qualquer pessoa que talvez precise, como eu precisei naquela época”.
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