Cultura Pop
Um papo de 2008 com José Marques Neto, o cara da MofoTV
“Gosto tanto de TV que memorizei acontecimentos da minha vida de acordo com o que era exibido na televisão”, disse certa vez o dentista, representante comercial e arquivista José Marques Neto, criador do canal MofoTV – pioneiro na divulgação de antigos vídeos da televisão brasileira, numa época em que não havia Globoplay e projetos para mexer na memória das estações nacionais ainda começavam.
Marques infelizmente saiu de cena nesta sexta, dia 21. Seu canal, com o tempo, passou por várias mudanças: saiu do ar por causa de reivindicações de direitos autorais, foi replicado em vários outros canais e dividido em dois, tanto que havia o MofoTV 1 e o MofoTV 2. O arquivista contava com um acervo particular gravado por vários anos em fitas VHS, e ainda tinha “correspondentes” que tinham acesso a vídeos raros dos arquivos das emissoras. Não gostava de publicar coisas muito conhecidas e tinha noção de que teria mais audiência se encontrasse vídeos mais inusitados, o que garantiu muitas visualizações e seguidores.
Em 2008, quando o canal de José Marques Neto era novidade (e, wow, o YouTube tinha três anos somente), bati um papo com ele para o Jornal do Brasil, onde eu trabalhava. Deve ter sido a primeira vez que ele era entrevistado.
MOFO TV VIRA ARQUIVO BRASILEIRO HISTÓRICO
Canal do YouTube foi criado por representante comercial
Publicado no Jornal do Brasil em 9 de junho de 2008
Depois de virar programa diário em 1994, o Vídeo show, da Rede Globo, foi deixando cada vez mais de mexer no baú de raridades da emissora, cedendo espaço para reportagens sobre novelas e programas de jogos como o Vídeo game, apresentado por Angélica. Fato lamentado pelo representante comercial José Marques Neto, morador do Engenho de Dentro. Dono de um acervo particular de mais de mil fitas VHS, com raridades de estações como Globo, SBT, Band e até as finadas Tupi e Manchete, ele criou no YouTube um canal dedicado apenas a expor tais vídeos, o MofoTV. Mas preferiria ver essas raridades na televisão.
Ativado em maio de 2006, o MofoTV veio ao encontro de um hábito que Marques Neto mantinha desde os anos 80. Logo que comprou seu primeiro vídeo cassete, em meados da década, ele começou a gravar tudo o que via pela frente: especiais musicais, últimos capítulos de novelas, encerramentos, aberturas, intervalos. Depois, começou a digitalizar o acervo. Seus conhecimentos sobre televisão já o levaram ao antigo quadro Controle remoto, do Domingão do Faustão, no qual respondia perguntas sobre o assunto — chegou em primeiro lugar e ganhou um quadriciclo. Justamente por ser expert em televisão, Neto decidiu fazer do MofoTV um canal apenas para grandes raridades.
— Meu objetivo é colocar coisas mais inusitadas, que marcaram época e que você não acha nunca — explica. — Tem vídeos que você encontra em qualquer lugar, como trechos do programa Tarcísio e Glória (série protagonizada por Tarcísio Meira e Glória Menezes, na Globo, em 1988), Francisco Cuoco e Regina Duarte se beijando etc. Isso eu não coloco.
Entre esses vídeos inusitados, Neto destaca Lulu Santos no Faustão, perto das eleições presidenciais de 1989, cantando o jingle da campanha de Luiz Inácio Lula da Silva; e Lobão, no mesmo programa — no dia das eleições — tocando com sua banda a mesma música. Lobão encartou um “É Lula-lá!” no refrão da música Quem quer votar e teve de ouvir do apresentador que aquilo era “crime eleitoral”. Também há imagens impagáveis do político Paulo Maluf cantando Amigo, de Roberto e Erasmo Carlos, no quadro Karaokê da Gabi, do programa Marília Gabi Gabriela (Band, 1986); e de Adriane Galisteu, ainda adolescente, atuando no grupo vocal Meia Soquete.
Os campeões de audiência do seu canal, diz ele, são vídeos de antigos símbolos sexuais, como Gretchen e Rita Cadillac.
— Chega a ser engraçado — diverte-se Neto. — No MofoTV tem um vídeo da Gretchen aos 19 anos, toda gatinha, apresentando o hit Dance with me no Programa Carlos Imperial. A molecada que só conhece a Gretchen de hoje, vê aquilo e não acredita.
Como nos anos 70 e no começo dos 80 não era comum ter vídeocassete em casa, muita coisa que Marques Neto amealhou foi conseguida por intermédio de amigos colecionadores que têm acesso ao Centro de Documentação da Globo, ou até mesmo de outras emissoras. Assim, Neto conseguiu últimos capítulos e chamadas de novelas dos anos 70, como Cavalo de aço (1973). Graças a esse material, afirma o colecionador, é possível até estudar as grandes diferenças entre a televisão de hoje e a do passado — um prato cheio para faculdades de comunicação, por exemplo.
— No último capítulo de Espelho mágico (novela de 1977), há um bloco inteiro só com Tarcísio Meira, Glória Menezes e Lídia Brondi. Isso jamais aconteceria hoje. A televisão é muito mais dinâmica e rápida — diz ele, que, apesar de ter uma grande parte do passado da televisão em sua casa, não se considera um saudosista. — Gosto de documentar esse passado, porque é uma coisa datada. Hoje as novelas têm uma abertura mínima e naquela época as aberturas chegavam a durar três minutos, o tempo da música. E ainda havia exibição de todos os créditos, de cenas dos próximos capítulos. Isso não existe mais.
Apesar da ligação óbvia com os arquivos da Globo, um dos grandes prazeres de Neto é documentar vídeos de estações que não têm tradição de exibir seus arquivos — são os casos do SBT e da Band. Da época da antiga TVS, primeira estação de Silvio Santos, ele guarda vinhetas e chamadas e confessa que tem grande vontade de conhecer os arquivos da emissora.
— Estou procurando há anos os vídeos do Programa Silvio Santos, de quando ele era exibido na Globo, até 1975. Como o Silvio comprava horário na Globo, as imagens estão com ele — afirma Neto, que crê que a diversidade do MofoTV chame a atenção dos internautas. — Hoje nós somos norteados pela Globo e acho que as pessoas curtem o fato de haver um lugar em que elas possam ver imagens de todas as estações de televisão, sem distinção.
Cultura Pop
No nosso podcast, o recomeço de John Lennon entre 1969 e 1970
No começo de sua carreira solo, John Lennon era um artista brigão, politizado, dado a excessos, que estava de cara virada para seus ex-colegas de Beatles, e que havia encontrado um pouco de paz em seu relacionamento com a artista asiática Yoko Ono. Em meio a isso, alternava protestos, álbuns experimentais (ambos feitos com a nova esposa) e seus primeiros singles, com músicas guerrilheiras como Cold turkey e Instant karma!
Entre 1969 e 1970, parecia que acontecia de tudo na vida dos Beatles. E por tabela, na vida de John, que vivia um dia a dia de brigas, entrevistas malcriadas, gravações novas, ameaça de falência, problemas no novo casamento e um processo de autodescoberta que aconteceu depois que um certo livro apareceu na sua caixa de correio… A gente termina a temporada de 2024 do nosso podcast, o Pop Fantasma Documento, recordando tudo que andava rolando pelo caminho de Lennon nessa época. Termine de ouvir e ataque a super edição turbinada de John Lennon/Plastic Ono Band (1970) que chegou às plataformas em 2020. E, ei, não esqueça de escutar Yoko Ono/Plastic Ono Band, que saiu junto do disco de John.
Século 21 no podcast: Juanita Stein e Caxtrinho.
Estamos no Castbox, no Mixcloud, no Spotify e no Deezer .
Edição, roteiro, narração, pesquisa: Ricardo Schott. Identidade visual: Aline Haluch (foto: reprodução internet). Trilha sonora: Leandro Souto Maior. Vinheta de abertura: Renato Vilarouca. Estamos aqui de quinze em quinze dias, às sextas! Apoie a gente em apoia.se/popfantasma.
(temos dois episódios do Pop Fantasma Documento sobre Beatles aqui e aqui).
Crítica
Ouvimos: The Cure, “Songs of a lost world + Songs of a live world: Live Troxy London MMXIV” (ao vivo)
Sério que Songs of a lost world, álbum novo do The Cure, já ganhou rapidamente uma edição deluxe com um registro ao vivo de todas as faixas do álbum? Sim, ganhou essa edição acrescida do rabicho Songs of a live world: Live Troxy London MMXIV. Até porque se o disco já fez bastante sucesso, a noite de lançamento do álbum foi inesquecível – com um show da banda em 1º de novembro no Troxy London, tocando todo o repertório do começo ao fim, além de vários hits. E é justamente o repertório do disco executado nessa noite, ao vivo, que surge como “disco 2” do álbum.
O Cure, redescoberto por novas gerações e por uma turma que não necessariamente é fã deles, mas curte os hits e gosta de curtir uma fossa, meio que vai tentando dar uma de U2: além de oferecer mais um mimo para os fãs, a banda vai doar todos os royalties deste lançamento para a instituição de caridade War Child. Na loja online do grupo existe um hotsite (ainda se usa esse termo?) só para as diferentes versões de Songs of a live world e para duas edições diferentes em vinil vermelho de Songs of a lost world: uma deles apenas com o disco original, e outra em formato duplo, trazendo as músicas em versões instrumentais no disco 2 (reparem bem: Songs tem músicas em que o vocal começa quase no fim da faixa, e que já são quase instrumentais, mas aí vai quem quer).
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- Resenhamos Songs of a lost world aqui.
O show inteiro daquela noite possivelmente você já viu no YouTube (se não viu, veja lá embaixo deste texto). E possivelmente você ficou impressionado/a como o The Cure voltou disposto a se transformar num espetáculo. Só que sem as presepadas do Coldplay e sem os truques de mágica do U2: é só a banda, num cenário escuro e esfumaçado, com muito peso e imponência visual e auditiva. As músicas do álbum transportadas para o “ao vivo” soam um pouco mais humanizadas, especialmente no caso de canções que, no disco, eram torrentes de ruído, como Warsong e Alone.
And nothing is forever destaca a magia dos teclados que, rearranjados, poderiam estar até num disco do Péricles – esse lado popularzão sem deixar de ser “dark” sempre foi uma das grandes forças do Cure. A ambiência do Troxy deixou músicas como I can never say goodbye (feita por Robert com o pensamento na morte de seu irmão mais velho Richard) e Endsong bem menos robóticas e desprovidas de qualquer traço de frieza. Se o disco novo do Cure é triste, a contrapartida ao vivo é a prova de que o show é feito para fãs que curtem chorar baldes ouvindo música. E tá tudo bem.
Nota: 9
Gravadora: Fiction/Polydor
Crítica
Ouvimos: Dead Boys, “Live in San Francisco”
A Cleopatra Records, uma gravadora de Los Angeles que se dedica a lançar em edições oficiais-ou-quase antigos discos piratas (boa parte deles de punk rock, psicodelia e pedradas obscuras dos anos 1960) revisita agora o catálogo de bootlegs dos Dead Boys, com esse Live in San Francisco.
O show foi gravado em 2 de novembro de 1977, na época de lançamento da estreia do grupo, Young, loud and snotty (1977) e já esteve nas lojas com vários nomes: Live 1977, Live in Old Waldorf (local em San Francisco onde rolou o tal show), Down in flames, etc. Não muda o fato de que é um piratão legítimo, com qualidade de gravação de demo antiga (foi tirado na verdade de uma transmissão da emissora KSAN-FM) e sem muitos tratamentos. Mostra pelo menos o peso do grupo na época, além de uma seleção de faixas de Young, além de algumas que sairiam só no segundo álbum, We have come for your children (1978).
O material dos Dead Boys seria bastante influente em gerações posteriores do punk, do power pop e até do rock pauleira (Guns N’Roses, por exemplo). A abertura com Sonic reducer e All this and more mostra um estilo de punk rock herdadíssimo de artistas como Alice Cooper, Ramones, David Bowie, Rolling Stones, New York Dolls. Um som que, mesmo antes do vocalista Stiv Bators abrir a boca, já se impunha pela atitude, pelas microfonias e pelo clima descompromissado musicalmente – no nível da desafinação em alguns momentos, como em All this and more, a desbocada Caught with the meat in your mouth e outras, todas aplaudidas por uma plateia audivelmente pequena, mas animada.
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- Stiv Bators: o “outro nome” do punk em documentário
- Entrevista: Frank Secich fala sobre a pouco lembrada (e ótima) carreira solo de Stiv Bators
Flame thrower love, que sairia só no segundo disco, está no álbum ao vivo e já trazia uma diferença em relação ao material anterior: era uma canção punk basicamente construída em cima de um riff pesado, algo bem mais próprio do hard rock. A destrutiva Son of Sam, entre gritos de Stiv e viradas erradíssimas do baterista Johnny Blitz, era formada por uma estranha mescla de pós-punk deprê e acordes poderosos na linha do The Who. No final, a cacofonia de Down in flames, cantada por Bators quase sem voz, e a homenagem aos Stooges com a releitura de Search and destroy, com microfonias no fim.
Os Dead Boys não sobreviveriam, pelo menos inicialmente, ao excesso de drogas, às incompreensões do mercado e a seu próprio comportamento destrutivo. O grupo voltou em 2017 e recentemente anunciou um disco gravado por uma turma all-stars, liderada pelo guitarrista original Cheetah Chrome – disco esse que já causou polêmica porque o vocalista Jake Hout acusa a banda de querer usar a voz do falecido vocalista Stiv Bators em IA. Só vendo, mas o passado, com todos os seus defeitos e qualidades, tá aí.
Nota: 7,5
Gravadora: Cleopatra Records
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