Crítica
Ouvimos: Sally Shapiro – “Ready to live a lie”

RESENHA: Sally Shapiro lança Ready to live a lie, disco pop que mistura ítalo-disco, vaporwave e ecos oitentistas com melancolia dançante.
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Sally Shapiro não é uma cantora. É uma dupla sueca formada pelo produtor e compositor Johan Agebjörn e por (aí sim!) uma cantora loura que usa o nome Sally Shapiro – mas cujo nome verdadeiro nunca é revelado. Ela é o “rosto público” da dupla e a voz das canções. E, não que isso seja necessariamente um sinônimo de qualidade, a música dos dois parece um sonho. Ou melhor: parece que de alguma forma um holograma dos anos 1980 se materializou na frente de quem ouve um disco deles.
Sim, porque a música do novo álbum, Ready to live a lie, é tão ligada ao pop dançante dessa época que chega a ser difícil de acreditar que esse disco existe de verdade e foi lançado em 2025. Tá tudo lá: os truques da ítalo-disco, referências de Madonna, de Pet Shop Boys e de cantoras que você tem que se esforçar para recordar o nome (mas fizeram parte de trilhas de novela), a vibe de tristeza sexy, e o uso de batidas de bossa nova para dar um ar de “sofisticação” para o som. Tem lá também muito da onda vaporwave: sons esfumaçados e vaporosos, eco nos vocais, beats que parecem evanescer no ar junto com os teclados. O começo do disco, com os beats de The other days, o pop luminoso e meditativo de Hard to love e a releitura de (veja só) Rent, dos Pet Shop Boys, trilham Ready to live a lie nesse corredor.
Eu poderia ser meio chato (ou bastante chato) e relacionar o título do disco (“preparada para viver uma mentira”) com o clima oitentista de araque do álbum – ou com o fato de, ao que consta, “Sally Shapiro” ser apenas uma personagem. Ou com a sensação de que faixas como Happier somewhere else, Guarding shell e Hospital desaparecem no ar ao terminarem – a primeira, por acaso, se parece com umas 300 músicas chique-brega do pop oitentista que você já ouviu, e é aí que está a graça.
Mas fica também a sensação de que o Sally Shapiro (ou “a” Sally Shapiro) é bem mais do que uma brincadeirinha com o pop de quatro décadas atrás, e que há verdade – e pesquisa, vá lá – no som deles. A dupla presta reverência a Giorgio Moroder em faixas como Did you call tonight e Oh Carrie. A primeira lembra clássicos do compositor e produtor, só que num clima bem mais sombrio e introvertido. A última tem surpresas na letra: fala de um amor (ou de uma amizade) do passado, que tenta reaparecer, mas esbarra no telefone permanentemente ocupado – veja bem, no telefone, bem anos 1980. Daria um bom tema de filme coming of age, daqueles que passam dez vezes por ano na Sessão da Tarde.
Quem quer ouvir música triste de verdade pode pular direto para Rain, canção que encerra o disco – uma baladinha “ambient” (muito entre aspas) com piano, barulho de chuva e clima de pé na bunda. Um encerramento tranquilo para um disco pop que consegue até parecer ter sido feito sem menores pretensões – mas decididamente tem bem mais do que despretensão em Ready to live a lie.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8
Gravadora: Italians Do It Better
Lançamento: 30 de maio de 2025.
Crítica
Ouvimos: Jean Caffeine – “Generation Jean”

RESENHA: Jean Caffeine mistura punk, sixties, pós-punk e introspecção em Generation Jean, disco variado, intenso e cheio de humor.
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Nascida em 1960, a cantora e compositora Jean Caffeine participou ativamente da cena punk de San Francisco, tocou numa banda que abria shows do The Clash (o curiosíssimo Pulsallama, um conjunto de percussão de formação variável, chegando a 13 integrantes) e mudou-se anos depois para Austin, no Texas, onde desenvolveu carreira como compositora e, depois, cantora. Só que ela foi para um lado bem diferente do universo com o qual ela estava acostumada: passou a tocar em cafés e a misturar punk rock e sons mais introspectivos.
Generation Jean, seu novo álbum, é uma mescla dessas duas ondas, com referências sessentistas unidas a sons bem mais selvagens – sendo que as próprias viagens 60’s de Jean já são selvagens o suficiente. Love what is it?, na abertura, inicia com batida marcial, ganha ares de música francesa ou hispânica, e embica numa balada meio Beatles, meio Replacements, com ótimas guitarras. Big picture une Byrds e Beatles, com romantismo na melodia, e amor desarrumado na letra. I always cry on thursday, com clima sixties e batidinha eletrônica, parece uma zoação com Friday I’m in love, do The Cure – com Jean admitindo que a quinta-feira só torna o fim de semana mais distante. E ainda por cima ela gravou The kids are alright, do The Who – só que numa versão em que parece que a música era dos Pretenders.
Desenvolvendo um rock estiloso em todas as faixas do disco, Jean abraça o blues, o jazz e a música sombria em Mammogram – sim, ela fez uma música sobre mamografias e conta em detalhes como é o exame. Também volta a visitar o rock sessentista no power pop I don’t want to kill you anymore e I know you know I know, e visita o pós-punk em Circuitous routes. No final, tem You’re fine, dance-punk que lembra uma paródia suja da levada de Psycho killer, dos Talking Heads. Largue tudo e ouça agora.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 9
Gravadora: FLAK Records
Lançamento: 5 de setembro de 2025.
Crítica
Ouvimos: Lutalo – “The academy” (versão deluxe)

RESENHA: Primeiro álbum de Lutalo, The academy volta em edição deluxe, a tempo de ser descoberto por quem ainda não ouviu o som desse cantor norte-americano que fala de vivências pessoais nas suas músicas.
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Talvez você ainda não conheça Lutalo, então vamos lá: Lutalo Jones é um jovem (24 anos) músico, compositor e produtor do Minnesotta. Ele é primo de Adrianne Lenker (Big Thief), já abordou em suas músicas temas espinhosos como a situação dos negros e indígenas nos Estados Unidos, e volta e meia recorre à própria história para fazer suas canções. Lançado em 20 de setembro de 2024, seu álbum de estreia, The academy, mergulha em suas memórias de ex-aluno da escola que dá nome ao disco, em St Paul – uma instituição tão clássica que o escritor F Scott Fitzgerald estudou lá.
Lutalo, que enfrentou várias barras pesadas familiares ao longo da vida, estudou lá com bolsa de estudos, teve diversos problemas de adaptação e sofria para tirar boas notas. “Como não tirava as melhores notas, presumi que era simplesmente ruim em aprender. Refletindo, sinto que não sou – a estrutura de aprendizagem simplesmente não funcionava para mim. Passei a entender e respeitar isso e simplesmente aproveitar o que pude”, disse num papo com a Rolling Stone britânica. Faixas do disco como o soul blues climático Big brother e o shoegaze Oh well vão fundo nessas lembranças, falando de uma crise econômica (em 2008) que deixou sua família sem teto, e da separação de seus pais.
- Ouvimos: Ethel Cain – Willoughby Tucker, I’ll always love you
- Ouvimos: Jehnny Beth – You heartbreaker, you
- Ouvimos: Alex G – Headlights
Já Summit Hill, folk cheio de cortes no ritmo, além de “defeitos especiais” de gravação, abre colocando o/a ouvinte no tema, lembrando que Lutalo e um amigo, ambos outsiders em meio aos ricaços, costumavam andar pelas cercanias da escola observando as casas de alto luxo, sempre pensando no abismo social que os separava daquela turma. Oceans swallow him whole, um guitar rock que une sombra e luz, e tem evocações de bandas como Placebo, fala indiretamente sobre alguém que tentou atingir Nova York seguindo por um lugar menor, mas deparou com montes de injustiças sociais.
The academy volta agora em edição deluxe, com quatro faixas a mais, aumentando o escopo musical do álbum. Se você ouvir apenas o comecinho de The academy, com Summit Hill e Ganon, vai ver em Lutalo um revivalista do blues rock dos anos 1970, e um experimentalista do folk. O disco avança para o shoegaze, para sons assemelhados ao britpop (Broken twin), para o country-rock com clima beatle (3 tem andamento lembrando o hit Come together) e até para algo que fica entre Pixies e Slowdive – em About (Hall of egress) e na faixa bônus Cracked lip. Há também emanações mais sombrias no folk psicodélico Haha halo, e no quase-trip hop Lightning strike.
Como letrista, Lutalo nem sempre é direto – às vezes parece criar diálogos nas letras, como o encontro de gerações de The bed. Já Oh well relata as tragédias familiares lembrando que o céu parecia desmoronar, e que os maiores problemas vividos por sua mãe não saíram nos jornais, nem foram “mostrados e contados”. No geral, uma poesia que machuca.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8,5
Gravadora: Winspear
Lançamento: 19 de setembro de 2025
Crítica
Ouvimos: Plonki – “Kicking at my heels” (EP)

RESENHA: Plonki, novo projeto de Pleun Stork, estreia com o EP Kicking at my heels: basicamente soft rock psicodélico que às vezes soa como Steely Dan no ácido
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Plonki é o novo projeto da compositora e multimusicista Pleun Stork, que tem no currículo participações em bandas como Thames e Captain Scarlet. Sob o codinome, Pleun reuniu alguns músicos amigos para fazer um som que pode ser definido tranquilamente como um soft rock com uma onda doidona – às vezes, soa como um Steely Dan no ácido, ou uma Electric Light Orchestra indie. É o som que você vai ouvir no EP Kicking at my heels, estreia de Plonki.
Lost to you, a faixa de abertura, chega a lembrar coisas dos Wings, ganhando guitarras pesadas depois e até uma vibe Brian May + Mick Ronson nos solos finais. Made my bed, a melhor do EP, caminha entre o rock e o pop texturizado, com tem ritmo funkeado, beleza e psicodelia na melodia. Short-lived wisdom é um Fleetwood Mac/Steely Dan torto, com ritmos quebrados e corte final psicodélico nos teclados.
O som de Kicking at my heels é quase todo baseado em vocais tranquilos, guitarras leves que depois ficam pesadas, piano Rhodes e batidas levemente dançantes. Quiet life chega a lembrar um Bee Gees indie, enquanto Heard you wrong é um rock gostosinho que ganha ruídos, e um final de voz-e-violão. No final, tem What else can you do?, um soft rock sombrio, que deve tanto à programação das rádios dos anos 1970 quanto a Pearl Jam e Alice In Chains.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8,5
Gravadora: Independente
Lançamento: 5 de setembro de 2025
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