Destaque
Reconquista: seresta-rock, agora em disco

Kayo Iglesias tem duas profissões bastante intranquilas, ainda mais em tempos de pandemia: música e jornalismo. Sua banda, o Reconquista, autodefinida como “seresta rock” (é essa inclusive a arrobinha do grupo no Instagram), foi montada inicialmente pensando em invadir casas de shows pelo Brasil, com um repertório formado exclusivamente por clássicos românticos estrangeiros que, em solo pátrio ganharam versões em português. O fechamento dos espaços fez com que o músico fizesse adaptações no projeto e lançasse um disco, Meio ao vivo, meio em casa, puxado por Se tu não fosses tão linda, versão do tema do faroeste italiano O dólar furado (Se tu non fossi bella come sei, original de Fred Bongusto). A versão foi gravada no Brasil por Agnaldo Timóteo e Jerry Adriani.
O disco, cuja história dá um livro, está ganhando um lançamento inusitado. “A gente não está vendendo o disco, mas também não é um crowdfunding”, conta Kayo, que montou o projeto com amigos como Marcelo Cebukin (Céu na Terra, Pietá e Matheus VK) nos sopros e teclado, e Fernando Oliveira (Canastra, Monte Alegre Hot Jazz Band e Rats) no banjo, bandolim e cordas em geral. No Bandcamp do Reconquista, dá para escutar o single, e teasers das canções. No site do grupo, você tem três opções de contribuição, com valores entre R$ 50 e R$ 100, incluindo a audição do EP (com bônus ou não), camisetas e pôsteres. Depois, quando for alcançada uma meta financeira, o disco será liberado para audição.
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“Pedimos colaboração para a banda para reembolsar todo mundo, pagar mixagem, masterização, dar um auxílio emergencial para os músicos”, conta Kayo, que durante a gravação, escreveu até arranjos para cordas. “A gente vai liberar, mas precisamos de uma quantidade razoável de colaborações. Foram 18 músicos na gravação, não é pouca gente, é um projeto ousado, mas queremos manter a régua alta. Tem que parar com esse negócio de ‘ah, é underground, é resistência, não sei o que lá’, A gente quis fazer uma coisa bonita, maneira, com arranjo maneiro, orquestrado”, completa.
Originalmente, o disco surgiu da ideia de ampliar os horizontes da banda, com arranjos de orquestra e uma fugida básica do formato “banda de rock” (músicos como o hermano Rodrigo Barba, por exemplo, tocaram nos shows do grupo). “Pensei em transformar o projeto numa orquestrinha pequena”, diz Kayo, que convidou dois músicos bem jovens do Complexo do Alemão, Gabriel e Natanael Paixão, para tocar violino e viola no disco. Ele conheceu o dois garotos, que já viraram matéria de jornal, quando crianças. “Hoje já estão com 20 e poucos anos, um tem carro, outro tem moto”, brinca ele, que apadrinhou os dois jovens músicos na época.
A ideia original era lançar um single de vinil com o repertório, mas na época houve outro problema: não havia tempo hábil para liberar as músicas com as editoras. “Tinha a editora da música e a da versão, e algumas até fecharam. Mas como a nossa intenção sempre foi fazer show, fui reunindo a galera”, conta Kayo.
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A novela que deu no EP não acabou aí: Kayo marcou um superensaio com toda a turma no estúdio carioca PlayRec, para repassar o repertório de 18 músicas. “Só que o ensaio seria dia 18 de março de 2020, e dia 15 fechou tudo por causa da pandemia. Pensei: fodeu, o que vamos fazer? Rolou a ideia de fazer um vídeo com todo mundo tocando em casa, mas o baterista não tinha uma bateria em casa. Não daria para fazer um chamariz do grupo sem bateria. Tocamos musica romântica, com orquestra, mas somos uma banda de rock”, conta.
A solução foi mesclar material gravado em outros tempos no estúdio carioca Audio Rebel: em 2017 haviam ido lá fazer um vídeorelease e em 2019 haviam voltado para testar tecladista e DJ, e gravaram coisas nas duas ocasiões. Kayo viu-se frente a frente com um repertório de vinte canções. “As nove músicas vieram disso, mas depois a galera completou com overdubs em casa. Nossa ideia era fazer show, mas esse foi nosso recurso para sobreviver”, recorda. Na hora de mixar, houve trabalho para dar uma cara diferente para cada canção. “Mas não queria fazer um disco totalmente burilado, dá pra ver que cada um tá tocando num lugar diferente”, afirma.
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Os dois garotos do Alemão foram chamados: Kayo levou ambos para o Audio Rebel, junto com mais dois músicos amigos deles (Anna Eliza Moraes no violino e Rodrigo Cristimann, cello). Todos são integrantes da Camerata Jovem do Rio de Janeiro. Foi todo mundo de máscara, assim que foi possível abrir o estúdio. “Fiz um arranjo para eles, botei duas guitarras, duas vozes femininas, DJ, quarteto de cordas e de metais, e rearranjei as músicas”, conta ele, que pôs até percussão sinfônica no disco.
“Gravamos no Audio Rebel porque é uma sala maiorzinha, mas tomamos um cuidado do caralho. Foi um perrengue. Tinha que fica ouvindo de fone, sem olhar pros garotos e eu estava regendo! Foram várias coisas diferentes no processo. Mas valeu a pena aprender e passar por isso”, alivia-se Kayo, que já tomou as duas doses da vacina contra covid-19. “Essa hora da vacina é complicada para a banda, aliás. A gente tem integrantes de 19 a 50 anos”, brinca.
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O repertório do EP do Reconquista inclui versões como Zíngara (originalmente gravada por Bobby Solo, e aqui por Moacyr Franco), Volte amor (Torneró, no original, gravada em italiano por I Santo California e em português por Antonio Marcos) e Fale amorosamente (versão do tema de amor de O poderoso chefão, de Nino Rota, gravada aqui por Agnaldo Timóteo). Todas são canções que marcaram a infância de Kayo e que foram redescobertas por ele em barracas de vinil na feira da Rua do Lavradio, na Lapa carioca. Muitas vezes em LPs que custaram R$ 2, R$ 3.
“A ideia é passar para a frente essa música, para uma geração mais nova. E despertar a maioria das pessoas que viveram essa época e tão com essas músicas na cabeça. Não deixar as coisas morrerem, porque a gente tá deixando uma porrada de coisas morrer. Isso tudo tem a ver com preservação de memória. Quando comecei a pesquisar essas músicas, não tinha nada sobre elas nem na internet. Teve coisa que só achei em CD da (gravadora) Revivendo”, conta, aproveitando para elogiar o trabalho do Instituto Memória Musical Brasileira (IMMuB). “Não fosse o site deles, sei lá de onde eu ia pegar informações para o trabalho com o Reconquista”.
Foto da banda: Luciola Villela
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Cultura Pop
Quando Suicide gravou… “Born in the USA”, do Bruce Springsteen

A way of life, disco de 1988 da dupla de música eletrônica Suicide, é tido como um disco, er, acessível. Acessível à moda de Martin Rev e Alan Vega, claro. O disco pelo menos podia ser colocado tranquilamente na prateleira dos artífices da darkwave e era bem mais audível do que o comum de um grupo que havia lançado a assustadora Frankie teardrop. O disco era produzido por Ric Ocasek, líder dos Cars (que já havia produzido o segundo disco deles, de 1981, Alan Vega/Martin Rev), e tinha até uma eletro-valsinha, Surrender, além de um estiloso misto de rockabilly e synthpop, Jukebox baby 96.
O que ninguém esperava era que a dupla tivesse feito nessa mesma época uma estranhíssima versão de… Born in the USA, de Bruce Springsteen. A faixa surge numa versão ao vivo, gravada num show de Vega e Rev em 1988, em Paris. A dupla nem sequer disfarçou que a ideia era fazer uma versão bem lascada – saca só o sintetizadorzinho da música, e a referência a músicas como Lucille, de Little Richard, e o tema When the saints go marching in, logo na abertura. A “versão” da faixa resume-se a quase nada além do título da canção. Parece um karaokê do demo (e é).
A versão poderia ser uma bela pirataria, mas vira oficial nesse mês: vai aparecer em uma reedição de A way of life, prevista para o dia 26. A edição de luxo estará disponível em vinil azul transparente com Born in the USA e em CD com quatro faixas bônus, além do formato digital. O material extra inclui versões ao vivo de Devastation e Cheree, bem como uma versão inicial de estúdio de Dominic Christ. O pesquisador Jared Artaud encontrou as faixas enquanto trabalhava no arquivo de Vega, após a morte do cantor em 2016.
E se você não sabia, vai aí a surpresa: Springsteen tá bem longe de ser um sujeito que diria “what?” ao ser informado da existência do Suicide. Pelo contrário: era fã da dupla e costumava dizer que a estreia do Suicide, o disco epônimo de 1977, era “um dos discos mais sensacionais que já ouvi”. Em 1980, o cantor esteve com a dupla e Vega descobriu que Springsteen era seu fã – e se surpreendeu.
“Ele estava gravando o disco The river (1980) e nós estávamos gravando nosso segundo álbum em Nova York. Então tivemos uma reunião de audição do nosso álbum. Havia três ou quatro figurões da nossa gravadora, e Bruce também estava lá. Depois que tocamos o álbum, houve um silêncio mortal… exceto por Bruce, que disse, ‘Isso foi ótimo pra caralho.’ Ele fazia questão de nos dizer o quanto nos amava”, contou em 2014 ao New York Post.
Mais: um texto do site Treblezine, a partir de audições da obra de Bruce e de entrevistas do Suicide, descobre: a dupla influenciou muito o sombrio disco Nebraska, tido como o “primeiro disco solo” (sem a E Street Band) de Springsteen (1982), basicamente um disco sobre crise, desemprego e gente à beira do desespero pela falta de oportunidades. Houve uma versão elétrica e pesada de Nebraska, mas Bruce quis lançar o disco acústico, de voz, violão e registros crus, e que de fato lembram o clima esparso do Suicide do primeiro disco.
Na dúvida, ouça State trooper, cujos uivos lembram bastante os gritos (sem aviso prévio) de Frankie teardrop. “Lembro-me de entrar na minha gravadora logo após o lançamento do meu disco”, disse Vega depois de ouvir State trooper pela primeira vez. “Eu pensei que era um dos meus álbuns que eu tinha esquecido. Mas era Bruce!”
Cultura Pop
No podcast do Pop Fantasma, a fase de transição do Metallica

A morte do baixista Cliff Burton, em 27 de setembro de 1986, desorientou muito o Metallica. Além do que aconteceu, teve a maneira como aconteceu: a banda dormia no ônibus de turnê, sofreu um acidente que assustou todo mundo, e quando o trio restante saiu do veículo, só restou encarar a realidade. A partir daquele momento, estavam não apenas sem o baixista, como também estavam sem o amigo Cliff, sem o cara que mais havia influenciado James Hetfield, Lars Ulrich e Kirk Hammett musicalmente, e sem a configuração que havia feito de Master of puppets (1986) o disco mais bem sucedido do grupo até então.
Hoje no Pop Fantasma Documento, a gente dá uma olhada em como ficou a vida do Metallica (banda que, você deve saber, está lançando disco novo, 72 seasons) num período em que o grupo foi do céu ao inferno em pouco tempo. O Metallica já era considerado uma banda de tamanho BEM grande (embora ainda não fosse o grupo multiplatinado e poderoso dos anos 1990) e, justamente por causa disso, teve que passar por cima dos problemas o mais rápido possível. E sobreviver, ainda que à custa justamente da estabilidade emocional de Jason Newsted, o substituto do insubstituível Cliff Burton…
Nomes novos que recomendamos e que complementam o podcast: Skull Koraptor e Manger Cadavre?
Estamos no Castbox, no Mixcloud, no Spotify, no Deezer e no Google Podcasts.
Edição, roteiro, narração, pesquisa: Ricardo Schott. Identidade visual: Aline Haluch. Trilha sonora: Leandro Souto Maior. Estamos aqui toda sexta-feira!
Destaque
Dan Spitz: metaleiro relojoeiro

Se você acompanha apenas superficialmente a carreira da banda de thrash metal Anthrax e sentia falta do guitarrista Dan Spitz, um dos fundadores, ele vai bem. O músico largou a banda em 1995, pouco antes do sétimo disco da banda, Stomp 442, lançado naquele ano. Voltaria depois, entre 2005 e 2007, mas entre as idas e as vindas, o guitarrista arrumou uma tarefa bem distante da música para fazer: ele se tornou relojoeiro (!).
A vida de Dan mudou bastante depois que o músico teve filhos em 1995, e começou a se questionar se queria mesmo aquela vida na estrada. “Fazíamos um álbum e fazíamos turnês por anos seguidos, e então começávamos o ciclo de novo – o tempo em casa não existia. É uma história que você vê em toda parte: tudo virou algo mundano e mais parecido com um trabalho. Eu precisava de uma pausa”, contou Spitz ao site Hodinkee.
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Na época, lembrou-se da infância, quando ficava sentado com seu avô, relojoeiro, desmontando relógios Patek Philippe, daqueles cheios de pecinhas, molas e motores. “Minha habilidade mecânica vem de minha formação não tradicional. Meu quarto parecia uma pequena estação da NASA crescendo – toneladas de coisas. Eu estava sempre construindo e desmontando coisas durante toda a minha vida. Eu sou um solucionador de problemas no que diz respeito a coisas mecânicas e eletrônicas”, recordou no tal papo.
Spitz acabou no Programa de Treinamento e Educação de Relojoeiros da Suíça, o WOSTEP, onde basicamente passou a não fazer mais nada a não ser mexer em relógios horrivelmente difíceis o dia inteiro, aprender novas técnicas e tentar alcançar os alunos mais rápidos e mais ágeis da instituição.
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A música ainda estava no horizonte. Tanto que, trabalhando como relojoeiro em Genebra, pensou em largar tudo ao receber um telefonema do amigo Dave Mustaine (Megadeth) dizendo para ele esquecer aquela história e voltar para a música. Olhou para o lado e viu seu colega de bancada trabalhando num relógio super complexo e ouvindo Slayer.
O músico acha que existe uma correlação entre música e relojoaria. “Aprender a tocar uma guitarra de heavy metal é uma habilidade sem fim. É doloroso aprender. É isso que é legal. O mesmo para a relojoaria – é uma habilidade interminável de aprender”, conta ele. “Você tem que ser um artista para ser o melhor – seja na relojoaria ou na música. Você precisa fazer isso por amor”.
>>> POP FANTASMA PRA OUVIR: Mixtape Pop Fantasma e Pop Fantasma Documento
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