Lançamentos
Radar: MPB4, Rohma, Marcelo Lobato, Felipe F., Les Gens, Anna Esteves, Bersote

Um pouco de história nesse Radar nacional: o grupo que popularizou a sigla “MPB” como sinônimo de música variada e cheia de referências lança música nova e apadrinha um projeto cuja ideia é revirar a música brasileira. O MPB4 aparece aqui com Bendegó e encabeça nossa lista quase diária de novidades. Ouça alto, bem alto.
Texto: Ricardo Schott – Foto: Leo Aversa/Divulgação
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MPB4, “BENDEGÓ”. “Peça (e pedra) fundamental do Museu Nacional, a pedra de Bendegó sobreviveu novamente a um incêndio, era símbolo do museu que seria destruído pelo fogo, agora é símbolo do museu que, em reconstrução, será reinaugurado. Não poderia ser outra a canção-síntese do projeto MPB Ano Zero“, avisa o jornalista e escritor Hugo Sukman sobre o projeto idealizado por ele, ao lado do produtor Marcelo Cabanas e do cantor Augusto Martins.
É história em forma de som: o MPB4 surgiu há 60 anos — e com ele, a sigla que até hoje define a música brasileira, seja ela mais popular ou mais erudita, desde que cheia de brasilidade. Para comemorar a trajetória, o projeto MPB Ano Zero, em parceria com a gravadora Biscoito Fino, vem lançando um single por semana: serão 21 regravações de clássicos da MPB por novos intérpretes. E Bendegó, bela toada de Claudia Castelo Branco e Renato Frazão, originalmente gravada por Luísa Lacerda, reaparece na voz do MPB4 — padrinho simbólico da iniciativa.
ROHMA, “A LOBA”. Cantor italiano radicado há duas décadas no Brasil, Rohma é professor de línguas na UFSC, dançarino, figurinista, e em paralelo, vem lançando discos. Ele lançou em fevereiro o EP Tabula rasa, cantado em italiano e em português, com referências de MPB experimental, sons malditos nacionais e estilos como hip hop.
A faixa A loba, que acaba de ganhar clipe dirigido por Bruno Ropelato – e gravado quase inteiramente no campus da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) – é um samba-rock sombrio, que passou por várias mãos. Foi composto por Laura Diaz (Teto Preto), Thiago Nassif e o produtor André Sztutman (o popular SZTU). e ganhou produção de SZTU e Pedro Sá, metais arranjados por Maria Beraldo, além de percussões e programações de Bica Tocalino e Entropia. O resultado é definido por Rohma como “intenso e bruto”.
CAFÉ PRETO, feat CÉU (REMIX MARCELO LOBATO), “ÁGUA, FOGO, TERRAMAR”. Marcelo Lobato (ex-O Rappa, atual solo e Afrika Gumbe) mergulha em Água, fogo, terramar, parceria de Café Preto com Céu, e entrega um remix que cruza o analógico com o eletrônico sem perder o pé nas raízes afro-brasileiras.
A ideia surgiu de um gesto generoso de Cannibal, do Café Preto (e também da mitológica banda punk pernambucana Devotos): ele enviou um compacto da faixa com as vozes isoladas para Lobato experimentar. “Gravei algumas ideias em casa e depois levei para o estúdio Jimo para finalizar com o Zé Nóbrega. Foi um processo bem natural. Toquei todos os instrumentos, com exceção das guitarras, que ficaram por conta do Zé”, explica Lobato. Usando os ruídos do próprio vinil como matéria-prima, ele constrói uma releitura crua e pulsante.
FELIPE F, “SAMBA ELEGIA”. “Essa música começa com uma batida enigmática que só quando os vocais entram você percebe se tratar de um samba, mas como se a St Vincent estivesse tocando”, diz Felipe F, que faz trilhas sonoras e tem no currículo a voz e a guitarra do Bloco do Sargento Pimenta. O carioca prepara para breve o primeiro álbum, Dois, e no single Samba elegia, reúne desencanto amoroso, indie rock, fartas percussões e um clima que está mais para Nelson Cavaquinho do que para bedroom pop. O álbum, ele adianta, “tem letras inspiradas nos meus dois últimos relacionamentos amorosos, seja pelo otimismo do começo ou a tristeza lancinante do fim”, afirma.
LES GENS, “SOLITUDE, QUEM?”. O primeiro single do Les Gens “é uma viagem sensorial sobre a solidão urbana e suas contradições”, define João Auzier, criador do projeto — que transita entre o musical e o literário. Solitude, quem? mistura indie rock com trip hop, com influências de Portishead, Björk e companhia. A letra tem como ponto de partida obras de Caio Fernando Abreu e Clarice Lispector. “É sobre existir no caos”, completa ele. A faixa começa em clima acústico, mas logo se adensa com programações, teclados, guitarras distorcidas e uma atmosfera carregada.
ANNA ESTEVES, “PRO MESMO NOME”. “Esse trabalho é, antes de tudo, sobre me reconhecer. Sobre aceitar quem eu sou, com todas as minhas contradições. Sobre assumir minhas verdades e também meus medos”, diz Anna Esteves, que estreia com o EP Anna e faz uma mistura de r&b, samba, bossa, com a ajuda de convidados como Haroldo Ferretti (Skank), Thiago Corrêa (Graveola, Diesel). Pro mesmo nome, single que antecedeu o EP, tem jeito de bedroom pop, beat simples e texturizado, vocais com agilidade entre o rap e o pop, e sustos com os descaminhos do amor na letra. O EP ainda tem a tranquilidade solar de A você, Sereia e Não deu.
BERSOTE, “DESCEU AMARGO”. Às vezes o dia segue, mas algo entala na garganta — ou a ficha só cai depois, revelando que o que parecia banal era, na verdade, um baita abismo existencial e emocional. Esse é o clima de Desceu amargo, faixa-título do novo EP do fluminense Bersote, que aposta numa mistura de trip hop com toques de blues. No clipe, cenas cotidianas traduzem a mesma introspecção e tensão presentes na música.
Crítica
Ouvimos: Sparks – “MADDER!” (EP)

RESENHA: Sparks lançam MADDER!, EP que expande o disco MAD! com humor ácido, synthpop barroco e clima psicodélico-circense.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8
Gravadora: Trangressive Records
Lançamento: 3 de outubro de 2025
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Nunca, jamais, em tempo algum, os Sparks vão lançar um disco e eu vou ficar sem conferir de alguma forma – um pouco por ser muito fã da banda, um pouco pela noção de que o pop e o rock atual devem muito aos Sparks. Aliás, a dívida com eles, em relação a certos artistas (Erasure, Pet Shop Boys, Franz Ferdinand) é impagável. Quem faz música com ironia e storytelling, e nunca nem sequer chegou perto de álbuns como Kimono my house (1974), tem que voltar três casas e ficar uma partida sem jogar.
Os irmãos Ron e Russell Mael também têm andado com vontade de experimentar novidades. Entre as mais recentes, estão o documentário Sparks Brothers, de Edgar Wright – que aqui no Brasil passou de sapato alto pela Netflix e já se mandou da plataforma. Tem também este MADDER!, um EP-continuação do álbum mais recente do grupo, MAD!, que foi lançado há alguns meses (e resenhado pela gente aqui). Os Sparks nunca haviam lançado um EP e agora lançam um spin-off de quatro faixas, com um resultado mais maluco e variado que no álbum.
- Temos episódio do nosso podcast sobre Sparks. Ouça aqui.
Dessa vez os Sparks retornam com um clima psicodélico-circense de araque que poucas vezes foi visto na obra deles. É o que surge no single Porcupine – uma música que fala sobre pessoas espinhosas e nada fofas – e no ambient de brincadeira Fantasize, que fala sobre um masturbador contumaz que começa a desenvolver uma estranha loucura solitária (“como posso fazer você entender / o mundo que construí onde estamos de mãos dadas?”).
No restante de MADDER!, os Sparks fazem uma espécie de circo dos horrores em Mess up, música em que um sujeito mais estranho ainda que o onanista de Fantasize parece confundir tela e realidade. E, em They, desenvolvem um synthpop barroco em cuja letra fãs se transformam em clientes dos artistas (“eles / vieram para ver um pouco de puro entretenimento / mas não ficaram felizes / e eles não estavam satisfeitos”).
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Crítica
Ouvimos: Saint Etienne – “International”

RESENHA: International, provável último disco do Saint Etienne, mistura pop, melancolia e dance music, soando mais como um até logo do que despedida.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8,5
Gravadora: Heavenly
Lançamento: 5 de setembro de 2025
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Ao que parecia pelos singles, essa despedida não seria das mais fáceis – International, até prova em contrário, é o último álbum da banda britânica Saint Etienne, e um disco pautado pela emoção. O Saint Etienne, por sinal, é um grupo que chegou a um patamar bastante particular no rock e na música pop: após 35 anos de carreira, ainda é “a banda” de muitos fãs, e é uma espécie de modelo secreto para muita gente que conseguiu até bem mais sucesso que eles. Também são uma banda que trabalha no terreno estranho da indefinição: o som é pop, é sofisticado, mas não é “sophistipop” da mesma forma que Style Council ou Prefab Sprout – só para citar dois exemplos.
O compromisso de Sarah Cracknell, Bob Stanley e Pete Wiggs, os três do grupo, é com sentimentos, lembranças, sensações e outras coisas que pairam no ar, e que nunca são perceptíveis à primeira vista. Se uma banda decidisse lançar um disco chamado Música para os bons momentos da vida, com um casal namorando na capa em meio a um jardim florido, pareceria uma brincadeira com os álbuns orquestrais temáticos dos anos 1960. O Saint Etienne é essa coisa da “música para os bons momentos” sem precisar colocar essa frase na capa para vender discos. E sem nenhum tipo de apelo fácil ou sofisticação de ostentação.
E vai daí que International traz essa coisa que paira no ar quase encapsulada, talvez até mais que em diversos discos mais recentes do trio. Rola em faixas de pop clássico e dançante como a belíssima Glad e Save it for a rainy day (esta, parece o Erasure em clima de pop francês), no convite para dançar até amanhecer da bela Dancing heart, no rock oitentista gostosinho de The go betweens, no ambient feliz e pop de Take me to the pilot e na vibe quase cinematográfica de Sweet melodies – um pop que parece vir lá de longe, lembrando o Stereolab.
O Saint Etienne também manda bala num pop “futurista”, só que futurista de 1991/1992 – é a dance music He’s gone. A triste-pra-burro Fade é uma balada com cordas, soando como um clássico dos Carpenters levado para a pista, com Sarah dizendo que está “sentindo o nosso amor desaparecer”. Do lado pop-chique do grupo, os melhores exemplos são a melancolia de pista de Two lovers e a nostalgia de Brand new me – esta, com participação da banda australiana de electro pop Confidence Man, ganhou um clipe de desenho animado vintage. Com exceção do refrão, a letra é sensualmente narrada por Sarah Cracknell, encarnando uma mulher que largou um relacionamento cagado (“meu amor, meus lábios nunca disseram que meu coração era puro / talvez o tempo seja a cura”).
Chegando mais próximo do fim do álbum, o Saint Etienne embica na tarefa de dizer aos fãs que o fim está próximo. A já citada He’s gone, penúltima do álbum, fala em não olhar mais para trás. Já The last time, que encerra tudo, é uma dance music doce, tranquila e espacial em que (aí sim!) o grupo olha pra si próprio. Sarah, Bob e Pete lembram de quando entraram no Facebook e se assustaram ao ver a vidinha besta de seus ex-colegas de escola, todos sem muito assunto na vida a não ser as férias com a família.
Ainda em The last time, o “valeu a pena” do Saint Etienne é cheio de auto-ironia: “Parecemos suaves e refinados / mas não somos os elegantes homens da estrada / que você esperaria encontrar”. Não parece ser realmente um fim – aliás International parece mais um até logo, do começo ao fim. Mas aí só vendo.
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Crítica
Ouvimos: Ivy – “Traces of you”

RESENHA: Traces of you, novo do Ivy, revive demos antigas com emoção e leveza pop, marcado pela ausência de Adam Schlesinger.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 9
Gravadora: Bar None Records
Lançamento: 5 de setembro de 2025
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“Todos os dias inocentes em que costumávamos brincar / é estranho quando todos eles começam a desaparecer / eu queria saber que tudo iria embora / ainda assim, eu não saberia o que dizer”. A faixa-título do novo disco do Ivy, Traces of you, é bem o que se esperaria do grupo: algo entre o pop francês e a new bossa, sons relaxantes e hipnotizantes, beat leve, a voz luminosa da cantora Dominique Durand. Mas a faixa tem versos que soam marcados pela morte de Adam Schlesinger, colega de banda de Dominique e seu marido Andy Chase.
Adam saiu de cena em abril de 2020 devido a complicações da covid-19. Já era uma época em que o Ivy estava há bastante tempo sem lançamentos – All hours, o disco anterior, saíra em 2011, seis anos depois de In the clear, de 2005. A sonoridade alternativa e pop do grupo, que já era indie-pop antes que essa combinação virasse um projeto de estilo, conquistou muitos fãs sem que o Ivy se tornasse necessariamente um grande sucesso. Mas com a ausência de Adam, não parecia que o grupo seria reativado. Traces of you é essa reativação, ainda que em parte: o material é todo composto de demos e gravações de arquivo feitas entre 1995 e 2012, e retrabalhadas por Dominique e Adam.
Por serem demos antigas, as músicas de Traces of you têm rastros (traços, como diz o título) de Adam espalhados aqui e ali – mas todas elas acabaram ganhando outras colaborações durante sua elaboração. Uma das mais importantes foi a de Bruce Driscoll, tecladista e guitarrista de turnê, que ajudou a restaurar as músicas e contribuiu com letras. O repertório abre com a simplicidade pop de Midnight hour, soando como um New Order introvertido e etéreo, e com a beleza de Fragile people, que poderia passar por uma canção das Shangri-Las, só que com mellotron, beat eletrônico e vapor sonoro. Sons classudos na linha de Prefab Sprout e Swing Out Sister surgem em faixas como Mystery girl, Say you will e Heartbreak.
Apostando na emoção e na saudade como combustíveis, Traces of you também investe na mistura musical, às vezes em uma mesma faixa. The great unknown tem clima misterioso, beat e teclados que lembram um krautrock doce, ou um baile funk comandado pelo Can. Lose it all tem clima lento, celestial e meio lo-fi ao começar – depois vai se tornando uma música cada vez mais percussiva, e tem um pandeiro que parece samba. O arco existencial aberto pela morte de Adam também paira sobre o disco, em faixas como Fragile people e Hate that it’s true – essa última, uma balada celestial, de alegria triste, em que Dominique canta que “não há adeus / se eu ainda continuo amando você”. Traces of you, enfim, é um disco surpreendentemente fácil de ouvir, mesmo que lide de perto com o peso da ausência.
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