Crítica
Ouvimos: Pup – “Who will look after the dogs?”

RESENHA: No disco Who will look after the dogs?, o Pup mistura punk pop e dor real pós-separação em faixas intensas, sarcásticas e sem autopiedade.
O punk pop começa a ficar mais interessante quando deixa a vibração de trintão-quarentão-que-não-quis-crescer e invade a área dos sentimentos bem profundos – mesmo que isso signifique chegar perto da depressão, ou da sensação de que algo foi desperdiçado com o passar do tempo.
No caso do novo disco do grupo canadense Pup, a separação do vocalista Stefan Babcock parece ter dado o tom das doze faixas de Who will look after the dogs?. Na verdade, diante do atual cenário de bandas influenciadas por estilos como shoegaze e emo, esse tipo de postura é, digamos, moderníssima – aquela coisa que sofrer com cada ano que passa, com cada pancada que a “vida de adulto” dá, em vez de bancar o palhaço diante das agruras da vida.
Who will look after the dogs? investe numa sonoridade que pode ser chamada de (vá lá) art emo, com distorções e vocais gritados, power pop mais par “power” do que para “pop”, e sons que lembram o Replacements ou o Soul Asylum de 1992 – como em No hope, Olive garden, Get dumber (com participação de uma lenda recente do punk novaiorquino, Jeff Rosenstock).
Needed to hear it soa como o Blink-182 sem a boboalegrice deles, e sons entre os anos 1960 e 1970 dão as caras na quase glam Cruel (cuja letra é um pedido de desculpas e uma ponte para diálogo) e na desolada Hallways, cujos versos são a expressão da dor pós-separação: “Na primeira noite sem você, eu desabei no chão / porque quando uma porta se fecha / ela pode nunca mais abrir / pode não haver outras portas”.
Já as letras de faixas como Olive garden, por sua vez, estão mais para zoeira levada a sério do que para qualquer outra coisa (“vamos nos encontrar no Olive Garden / já faz muito tempo / da última vez, sua avó estava em um caixão / foi estranho conversar”, com título fazendo referência a uma franquia de restaurantes).
Mesmo a deprê nossa do dia a dia ganha outra cara em faixas como Best revenge, que une vibe punk-pop e clima beatle – e soa como um momento especial no álbum, com seu tom de quem acordou de bode no dia seguinte à desgraça (“a melhor vingança é viver bem / tenho vivido como um merda, isso tem estragado meu sono”). Shut up é punk sofrido, quase perto do shoegaze.
No geral, Who will look after the dogs? já ganha pontos por ser um “disco de separação” sem autopiedade e sem bodes passivo-agressivos – mas o Pup ainda por cima vem dando uma boa mudada nos últimos anos.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8
Gravadora: Little Dipper / Rise
Lançamento: 2 de maio de 2025.
Crítica
Ouvimos: Blondshell – “If you asked for a picture”

RESENHA: Blondshell encara amores fracassados e traumas em If you asked for a picture, disco entre o folk e o grunge com letras ácidas e pessoais.
O segundo álbum em que a musicista Sabrina Teitelbaum usa o codinome Blondshell tem um título que parece ironia calculada – “se você pedisse uma foto” soa como zoação com as cantadas internáuticas do tipo “manda uma foto de agora”, mas o nome vem de um poema da norte-americana Mary Oliver. As letras, mesmo quando parecem irônicas, falam sobre planos que não deram certo, relacionamentos cagados, decisões que pareciam ótimas e se revelaram uma baita furada, e coisas do tipo.
Alguns versos de If you asked têm referências bem inesperadas, como quando o Bath For Lashes (codinome da cantora paquistanesa Natasha Khan) surge em Thumbtack, folk-rock indie que abre o álbum. Ou quando o nome do Steely Dan vira verbo na música Toy, soft rock com ascendência grunge que fala sobre o antidepressivo Sertralina, lá pelas tantas. Essa esquina entre o folk e o grunge marca quase todo o disco, que investe em sons anos 1990 sobre relacionamentos casuais (T&A), músicas com guitarras rangendo e letras sobre dependência emocional masculina (Arms, que manda bala: “eu não quero ser sua mãe / mas você não é forte o suficiente”, e ainda tem Sabrina dizendo a si própria: “você não vai salvá-lo”.
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Em alguns (pouquíssimos) momentos, o disco margeia o rock dos anos 1980. Como nas guitarras lembrando The Police de What’s fair – cuja letra é um recado, real ou autoficcional, de Blondshell para sua mãe controladora. “Você gostaria que eu fosse famosa / para que você pudesse viver por procuração / você sempre teve um motivo para comentar sobre meu corpo / você não é uma pessoa perfeita / algo sempre está errado”. Ou na quase power pop 23’s a baby, mais uma das (várias) faixas de If you asked for a picture que enxerga o absurdo e o duvidoso de todas as situações vividas nos 20 e poucos anos.
Event of a fire, outra balada com rangidos grunge, vai além disso: Sabrina/Blondshell fala sobre nuvens sombrias que a acompanham desde os 16 anos, por aí. Uma confusão que bate também em Model rockets, no final. Um baladão de AM cheio de pequenas tragédias pessoais, que encerra um disco repleto de cicatrizes.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8
Gravadora: Partisan Records
Lançamento: 2 de maio de 2025
Crítica
Ouvimos: Lab Rat – “In the walls we wait”

RESENHA: Em In the walls we wait, o Lab Rat mistura punk, metal, rap e shoegaze em um disco intenso e variado, com letras marcadas por dor, desespero e vivências reais.
Banda australiana que grava por um selo espanhol, o Lab Rat vem da cabeça de Dylan James, um sujeito cuja vida é cheia de histórias bem estranhas: depressão, drogas, traumas, vivência punk desde a adolescência. In the walls we wait, segundo álbum do projeto, tem uma musicalidade incomum: partindo de uma receita conhecida (a mescla de punk e metal que nos Estados Unidos ganha ares de “rock alternativo”), Dylan acrescenta psicodelia, musicalidade anos 1990, rap e até toques de shoegaze e slowcore.
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O resultado é uma sonoridade poderosa, em que as variações estilísticas vão colidindo, e em que a revolta e o desespero soam reais, em faixas como a sombria e quase eletrônica Around my neck, a quase grunge Rolling loud, a dolorida Medicate me e a esparsa Car crash. Músicas como Exit path, houvessem sido lançadas nos anos 1990, virariam chiclete de ouvido imediato, bem como Drunk, que mexe na receita do rock dançante, eletrônico e quase industrial – uma soma que, à primeira vista, parece desgastada, mas é abordada com estilo.
Faixas como Lost in SoHo mostram que o Lab Rat segue uma direção musical apontada dos anos 1990 para cá, lembrando até bandas como Libertines. Já You are not alone, apesar da boa maré do título, soa enevoada, tristonha e quase fúnebre – com cordas e coral no final. Som e vivência, dores e música, espalhados em 12 faixas.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8,5
Gravadora: Mushroom Pillow
Lançamento: 9 de maio de 2025.
Crítica
Ouvimos: Kali Uchis – “Sincerely,”

Kali Uchis se tornou mãe no ano passado. E perdeu sua mãe neste ano. Duas situações que normalmente colocam qualquer pessoa para refletir sobre sua própria vida, sobre o tempo que vai passando, sobre o que deixamos para trás, sobre o amor, e todo tipo de assunto parecido. Para artistas em geral, uma boa hora para pensar, repensar e entrar numa vibe mais introspectiva.
O resultado das matutações de Kali veio em forma de disco pop, e de um disco pop bem forte: Sincerely, (assim mesmo, como no encerramento de uma carta) invade a área de cantoras como Billie Eilish e Lana Del Rey e vai fundo numa sonoridade que mistura trilhas antigas de filmes, soul dos anos 1960 e 1970, soft rock, oitentismos, pop de quarto, músicas com dois ou três segmentos – por sinal, algo análogo ao que Billie fez em Hit me hard and soft, seu disco novo (resenhamos aqui).
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- Resenhamos Orquideas, disco anterior de Kali Uchis, aqui.
A capa do álbum, com Kali mortalmente triste, em dupla exposição, sentada num sofá brilhante, tem viés duplo: remete tanto a um lance meio vaporwave, de recordação de futurismo passado, quanto a antigas capas de romances de banca (lembra daquelas edições de livros como Os insaciáveis, de Harold Robbins, em papel jornal, que saíam antigamente?).
Essa mescla de flashback com museu de novidades acaba combinando com um momento em que passado, presente e futuro parecem se confundir na vida de Kali, que faz balada de rádio AM anos 1970 em Heaven is a home… (com final tristonho e vocal estiloso na onda de Billie e Lana), rock baladeiro com mumunhas eletrônicas em Sugar! Honey! Love! (com andamento parecido com o de Calling all angels, de Lenny Kravitz, e o agudinho testado e aprovado de Kali) e uma mescla de dream pop e soul progressivo – no estilo de Marvin Gaye e Stevie Wonder – em faixas como Lose my cool e Angels all around me.
Vocais com eco e clima enevoado dão conta de emoldurar quase todo o álbum e envolver o/a ouvinte num clima bem diferente dos álbuns anteriores de Kali. Sincerely, prossegue unindo doo wop e country à moda de Ray Charles (All I can say), voltando aos tempos das baladas da Motown e da disco music (Silk lingerie, – o nome também encerra com uma vírgula – e Territorial), juntando estilos como rock, disco e jazz (It’s just us, com cantos de pássaros á moda de Minnie Ripperton, e For: You) e texturizando sons ehtre o soul antigo e o r&b (Fall apart).
Material para alimentar as rádios adultas não falta em Sincerely,: vai desde uma balada que caberia no repertório do Simply Red (Dagers!) até uma outra que recorda Roberta Flack (Breeze), chegando na sentida ILYSMIH (sigla para “I love you so much it hurts”, ou “amo você tanto que dói”, lembrando uma frase de Twitter), que encerra o disco com a voz do filho de Kali.
Conceitualmente, o principal de Sincerely, é mostrar Kali fazendo as pazes com o passado (ela já declarou ter sido expulsa de casa na adolescência) e vivendo uma situação inédita. Musicalmente, a junção de épocas de suas 14 faixas soa como a melhor maneira de mandar um recado pessoal aos fãs, ao mundo e ao tempo. Isso porque Sincerely, é uma carta aberta de Kali Uchis para o tempo — aquele que passou, o que ainda virá, e o que a gente só entende quando para pra ouvir.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 10
Gravadora: Universal Music
Lançamento: 9 de maio de 2025.
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