Crítica
Ouvimos: Peter Gabriel – “Live at WOMAD 1982” / “In the Big Room” (ambos ao vivo)

RESENHA: Peter Gabriel recorda em lançamentos dois shows históricos: a apresentação na estreia do festival WOMAD, em 1982, e o show que deu em seu próprio estúdio, em 2003.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 10 pra ambos os discos
Gravadora: Real World
Lançamento: 8 de agosto de 2025 (WOMAD) e 27 de junho de 2025 (Big Room)
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A primeira edição do WOMAD (World of Music, Arts and Dance), festival criado por Peter Gabriel, rolou em 16 de julho de 1982, no Bath & West Showground, em Somerset. Artisticamente, o evento foi uma maravilha, com um elenco que unia rock e world music (rótulo então dado a artistas de países fora do eixo Inglaterra-EUA). Entre outros, tocaram por lá Echo and the Bunnymen, Royal Drummers of Burundi e o próprio Peter, que se concentrou no material de seu ainda inédito quarto disco solo – aquele que tem Shock the monkey, conhecido como Peter Gabriel 4, lançado só em 10 de setembro daquele ano.
Já em termos de grana… Bom, o primeiro WOMAD honrou a velha tradição dos festivais que marcam época, mas deixam um baita rombo no orçamento dos realizadores. Gabriel descobriu que o montante arrecadado não dava para pagar todos os envolvidos, viu-se às voltas com um monte de dívidas, e mesmo tendo mais seis sócios, foi quem mais ouviu pragas e xingamentos dos funcionários (“as pessoas me viam como o único rico que valia a pena espremer”, contou ao jornal The Guardian certa vez).
Na época, não faltou quem comentasse que Gabriel tinha abusado da autoconfiança, que ele deveria ter consultado empresários mais experientes, etc etc. Surgiu a hipótese de sair um disco do festival para saldar dívidas, coisa que nunca aconteceu. Gabriel pediu a ajuda de seus ex-companheiros do Genesis, e eles toparam interromper uma turnê de 40 datas para fazer uma série de shows ao lado do seu ex-vocalista. Ninguém entendeu nada, já que o Genesis estava firme no prog de FM e estava cada vez mais distante musicalmente de Peter – mas os shows aconteceram, foram um sucesso, Peter pagou os atrasados e a vida seguiu.
Seja como for, o show de Peter no festival acabou sendo um dos mais importantes de sua história – e agora, finalmente, sai na íntegra no pacote Live at WOMAD 1982. Por sinal, quase ao mesmo tempo em que Peter disponibiliza outro ao vivo, In the Big Room, gravado em 2003 no seu estúdio Real World. Os dois álbuns são marcados por valores iguais: viagens sonoras que misturam estilos, e uma noção de música como política, algo que pode mudar vidas.
- Ouvimos: The Who – Live at The Oval 1971
No WOMAD, acompanhado por David Rhodes (guitarra), Peter Hammill (vocais), John Giblin (baixo), Larry Fast (teclados) e Jerry Marotta (bateria), além das percussões do grupo afro-caribenho Ekomé, Gabriel apesentou o material de seu quarto disco fora da ordem, começando com a maravilhosa San Jacinto. Shock the monkey surge numa versão ainda rascunhada, em que os teclados soam meio repetitivos e tudo parece meio experimental.
Mais: I have the touch surge bem menos robótica que na gravação em estúdio, e soa como um posto avançado do próprio Genesis, mas com a vibe meditativa de Gabriel. Kiss of life e I go swimming ganham poder ao vivo com as percussões. No final, aplausos e animação na plateia quando surge o hit anti-apartheid Biko. Gabriel ainda se apresentou no último dia do primeiro WOMAD, mas o show ainda permanece inédito, pelo menos oficialmente – lançamentos piratas sempre circularam por aí.
O Peter Gabriel de 2003, por sua vez, já estava cada vez mais estabelecido como artista solo, e já tinha ate lançado discos hoje clássicos como So (1986) e Us (1992). Above, seu álbum de 2002, acabou rendendo sua primeira turnê em dez anos – rendeu também algumas críticas meio negativas, já que muita gente achou o disco mais pretensioso do que o normal de Gabriel. Seja como for, em meio ao circuito de Above, cem fãs fiéis do cantor puderam assistir a uma apresentação especial de Peter no Big Room de seu estúdio Real World, em 23 de novembro de 2003.
Foi desse show que vieram as gravações de In the Big Room, que por sinal não são inéditas – o material saiu em 2004 numa plataforma de downloads chamada OD2, criada pelo próprio Peter, e anos depois foi disponibilizado temporariamente no Bandcamp. O site Genesis-news conta que o repertório é um meio-de-campo entre o começo da Growing Up Tour, que divulgava Above, e a segunda parte do giro, Still Growing Up Tour. Canções explosivas e boas de público como Shock the monkey e San Jacinto reaparecem com uma vibe levemente (mas só levemente!) intimista, lado a lado com clássicos mais recentes como Secret world, Father, son e Mercy street.
Ao contrário da vibe de arena de Live at WOMAD 1982, In the Big Room é como aqueles shows para assistir sentado, na calma – ate porque, de fato, era assim que a plateia havia assistido a apresentação. Duas explosões sonoras diferentes, cada uma com seus hits e sua época. Na dúvida, ouça as duas.
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Crítica
Ouvimos: Parcels – “Loved”

RESENHA: Em Loved, o Parcels refina seu sophisti-pop com vibes eletrônicas apresentando clima casual, grooves disco relaxados e vocais vintage em faixas leves e dançantes.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 9
Gravadora: Because
Lançamento: 12 de setembro de 2025
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Banda formada na Austrália em 2014, o Parcels é uma banda de poucos discos de estúdio – Loved é o terceiro. Em compensação, honrando a tradição de grupo bom de festival, já sairam dois álbuns ao vivo, e também um número considerável de EPs e singles.
Com referências que vão de Marvin Gaye a Beatles e Beach Boys, e uma vocação enorme para juntar tudo isso com uma vibração electropop, o quinteto pode ser definido basicamente como sophisti-pop – pu qualquer uma dessas definições que apaziguam o lado roqueiro e o lado pop em vez de botar tudo para brigar. Traduzindo: o Parcels é “dançante” e “eletrônico” quase na mesma medida em que é clássico e voltado para o pop das antigas. Uma espécie de linha do tempo musical.
Loved é o famoso “se você gostou dos outros discos vai adorar esse”. A receita de Parcels (2018) e Day/Night (2021) volta melhorada, orgânica e relaxada, com a alegria quase disco music de Tobeloved e Ifyoucall, o soft rock-britpp de Safeandsound e a UK garage humanzada de Yougotmefeeling. Sorry tem algo do lado mais pop e pós-disco do Daft Punk diluído, num clima tecno e pop, que não necessariamente é tecnopop. Leaves tem algo de jazzístico tanto quanto tem algo de soul e disco.
Um detalhe de Loved é que as músicas, mesmo as mais trabalhadas, seguem um clima de total casualidade – às vezes parece que invadimos o estúdio onde os Parcels ensaiam e compõem, e não deve ser por acaso que os títulos surgem sem espaços, como em working titles de canções. Esse despojamento rola no balanço tranquilo de Everybodyelse e no clima contemplativo e romântico de Iwanttobeyourlightagain, que fecha o disco deixando a impressão de um ensaio estendido que valeu e virou música.
Além disso, vocais lembrando Bee Gees, Earth, Wind & Fire e até Beatles surgem na onda disco de Summerinlove, Leaveyourlove, Thinkaboutit e Finallyover – essa, com um andamento que lembra Let’s get it on, sucesso de Marvin Gaye. Pop bem feito, sofisticado, vintage e (muito) desencanado.
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Crítica
Ouvimos: Sorry – “Cosplay”

RESENHA: Sorry faz de Cosplay um jogo pop de citações, referências e ruídos, misturando pós-punk, baladas tensas e homenagens irônicas ao passado.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8,5
Gravadora: Domino
Lançamento: 7 de novembro de 2025
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O Sorry, banda londrina liderada pela dupla Asha Lorenz e Louis O’Bryen, recentemente soltou uma frase lapidar a respeito de como rola a transa entre as pessoas e a cultura pop nos dias de hoje: “Nós simplesmente usamos coisas do passado porque são a única coisa à qual nos agarramos. Estamos todos fazendo cosplay de algo que não existe”, afirmam.
Traduzindo: há alguns anos, o saudoso Isaac Hayes criticava o rap dizendo que de tanto samplear, os artistas iriam acabar sampleando os próprios samplers. É exatamente isso que rola hoje com a febre de IA, ou com o reenvelopamento de coisas antigas (já existe newsletter há trocentos anos e só agora virou mania). Rola também com a febre de remakes. Afinal, se “novela é tudo igual”, como dizem os detratores, nada melhor do que pegar uma história que já deu certo e criar em cima – mesmo com o risco de estragar o original.
Vai daí que o Sorry decidiu brincar com isso em seu terceiro álbum, Cosplay – a dupla diz ter “morrido” ao começar a compor para o disco, e o release zoa a possibilidade de uma turma nova ter ocupado os lugares deles, tipo o sósia que ficou no lugar do “falecido” Paul McCartney nos Beatles. As referências que vão surgindo em letras e músicas são enfiadas nas canções da mesma forma que o Oasis fazia com as músicas dos Beatles – tipo Noel Gallagher (Oasis) fazendo uma música chamada Wonderwall sem admitir que a inspiração veio do álbum Wonderwall music, de George Harrison (1968) ou sapecando uma outra canção chamada It’s getting better now.
- Ouvimos: Piri & Tommy – Magic (EP)
Algumas dessas referências ganham crédito: a balada introvertida e explosiva Antelope, candidamente cantada por Asha, fala que “existe uma arte em te amar / aprendo algo novo a cada um ou dois anos / agora que se espalha mais rápido do que a velocidade com que falamos / como a bala de canhão na música do Dylan“. A não ser que você tenha todo o repertório de Bob Dylan na ponta da língua, provavelmente vai se sentir tentado/tentada a procurar no Google. Provavelmente é a bala de canhão que voa em Blowin’ in the wind, embora tenha também a gravação que ele fez do tema tradicional Dink’s song, que fala de alguém que “movia seu corpo como uma bala de canhão”.
Bom, vale dizer que a letra fala também que existe “uma lua assassina” (“killing moon”, no original). A balada Candle, que consegue ter algo ao mesmo tempo de Garbage e de Cranberries – margeando o clima tenso das duas bandas – evoca fragilidade falando em “sou apenas uma vela ao vento” (epa, Elton John passou aqui?). Jetplane, punk sombrio herdado de The Cure e das guitarras em desalinho da no wave, tem um sample de Hot freaks, do Guided By Voices. Mais: para fazer o refrão do ótimo trip hop Waxwing, o Sorry achou que seria uma excelente ideia homenagear o hit único da coreógrafa Toni Basil, Mickey, de 1982. Ficou… pitoresco, vamos dizer.
Na maior parte do tempo, Cosplay mostra o Sorry não muito irmanamente dividido entre canções sombrias e sons com herança pós-punk. Estes últimos governam músicas como Echoes (som lindo e gélido, com algo de Garbage e vocal despedaçado), Jetplane, o alt pop fantasmagórico de Love posture. Today might be the hit é um rock com cara punk, guitarras distorcidas e clima ligeiramente beatle – na real, tem tanto de Beatles quanto de Siouxsie and The Banshees – e cuja letra é uma espécie de mantra irônico das (im) possibilidades: “hoje pode ser o dia do sucesso / ou pode ser um dia péssimo / Yada-yada-yada-ya / nada vai me incomodar mais”.
Por outro lado, tem a elegância ruidosa de Magic, as estranhas sombras de Into the dark (cuja letra faz uma referência pra lá de “que porra é essa?” ao dramaturgo japonês Yukio Mishima) e a balada violeira Life in this body, música em que o amor e os relacionamentos se transformam numa perigosa despersonalização. No final, Jive, música que abre tão sussurrada que até as guitarras e a bateria parecem sussurrar junto – e ganha depois um clima ruidoso e sexy. Cosplay parece um jogo de tabuleiro em formato de disco, cheio de pedrinhas, labirintos e “volte três casas”.
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Crítica
Ouvimos: Guided By Voices – “Thick rich and delicious”

RESENHA: Guided By Voices revisita demos antigas e aposta em algo próximo do power pop em Thick rich and delicious, disco de 15 faixas que destaca o talento melódico de Robert Pollard.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 9
Gravadora: Guided By Voices Inc
Lançamento: 31 de outubro de 2025
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O que você mais vai achar na internet, provavelmente, são definições para o som do Guided By Voices, grupo criado há heroicos 42 anos pelo músico norte-americano Robert Pollard. A Wikipedia arrisca quatro: lo-fi, indie rock, slacker rock e garage rock, e todas fazem sentido. Power pop, heartland rock e até grunge e guitar rock também já foram citadas por aí – algumas dessas definições foram usadas até mesmo por este crítico musical que vos fala.
Pode ser que – e isso por culpa da própria crítica musical e do mercado fonográfico – muita gente tenha desaprendido a ouvir rock sem rotular o que está ouvindo. Aquela coisa de “isso é rock” sem que imediamente a música tenha que fazer parte de algum nicho ou ramificação, tipo shoegaze, guitar rock, punk, pós-hardcore, pós-punk ou coisas do tipo. Isso porque, no geral, o Guided By Voices, mesmo sendo na prática uma banda punk, indie-rock, independentaça, talvez seja um raro caso de grupo que segue cada vez mais próximo da nomenclatura “rock”, puramente falando.
No geral, o GBV faz som de guitarras, bastante referenciado em The Who, e com a mesma noção pé-fincado-na-terra, de heroi do rock, que dá sentido à existência de Bruce Springsteen. Com uma média de três discos lançados por ano, e basicamente centrados na figura de Pollard como compositor, tinham tudo para ser uma banda repetitiva – o diabo é que até quando eles se repetem, conseguem fazer discos excelentes, porque é uma repetição que você vai querer ouvir de novo.
Thick rich and delicious, que já é o 42º (!) álbum do grupo – e o segundo lançado em 2025 – explora o passado do Guided By Voices, com músicas novas misturando-se a canções que estavam perdidas em demos havia vários anos. Por acaso, é um dos discos recentes mais associáveis com os momentos mais power pop do grupo, como na fase em que gravaram dois discos pelo selo TVT (e deram uma estourada na maconhística Glad girls).
Babies and gentlemen, (You can’t go back to) Oxford Talawanda, Our man Syracuse, A. Glum Swoboda (canção de clima mod e sixties) e Phantasmagoric upstarts unem melodias bacanas com peso e agilidade que lembra bandas como The Who, The Cars e Replacements. Robert ainda impõe clima mágico ao punk de ataque Lucy’s world e à tristeza selvagem de Mother John – esta, soando como alguém tentando recobrar a sanidade sozinho no quarto. Há também um lado beatle em A tribute to beatle Bob e na punk e épica Captain Kangaroo won the war.
Com 15 músicas, algumas delas bem curtas, Thick rich and delicious pode parecer um disco esquisito e até pouco comercial. O irônico é que, dos álbuns mais recentes do GBV, é o disco em que mais dá para enxergar Pollard como um grande criador de melodias.
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