Crítica
Ouvimos: Faye Webster, “Underdressed at the symphony”

- Underdressed at the symphony é o quinto álbum da cantora norte-americna Faye Webster. Ela gravou o disco com sua banda costumeira, que inclui músicos como Nels Cline (guitarra) e Nick Rosen (piano). Faye e Drew Vandenberg produziram o disco.
- Praticamente tudo do disco foi composto apenas por Faye. O título do álbum é uma brincadeira com as ocasiões em que ela arrumou em cima do laço ingressos para ver a Orquestra Sinfônica de Atlanta (em Atlanta, Geórgia), e viu que não teria tempo para se vestir adequadamente.
- “Ir à sinfonia era quase como uma terapia para mim”, ela diz. “Eu estava literalmente malvestida na sinfonia porque eu simplesmente decidia no último momento que era isso que eu queria fazer. Eu pude deixar o que eu sentia, que era um momento meio ruim na minha vida, e estive neste mundo diferente por um minuto. Eu gostava de não sentir que pertencia àquele mundo”.
Faltou enumerar na nossa humilde matéria de tendências musicais para 2025. Mas a julgar por 2024, a música pop vai continuar sendo marcada por renovações do soft rock setentista. Reformulações alternativas do bittersweet (o canto agridoce, em letras e vocais, de Joni Mitchell, James Taylor, Carole King, e em especial, de Christine McVie e Stevie Nicks, do Fleetwood Mac) surgiram de cantos inimagináveis nos últimos tempos. Tem dado certo, vem gerando grandes discos – por enquanto mais no pop-rock feminino – e deve continuar assim.
Logo em março de 2024, quem se assumiu de vez como parte dessa tendência foi Faye Webster. Não que já fosse algo estranho para ela, a julgar por discos anteriores – mas o clima agridoce voltou filtrado por referências a nomes como PJ Harvey em Underdressed at the symphony, seu (até agora) novo disco. O álbum de Faye usa argamassa soft-rock para falar, quase sempre de maneira bem irônica, sobre um relacionamento que antes de ser, já era.
As letras de Underdressed parecem românticas à primeira vista, mas o que vai surgindo depois é aquele tipo de namoro que a pessoa depois faz facepalm e pensa: “como eu pude?”. He loves me yeah!, por exemplo, fala sobre um amor que até parece perfeito, mas sobre o qual a personagem da canção já deve ter sido alertada mil vezes (“ele me deve dinheiro/mas eu deixo isso pra lá”). Tem também a autoexplicativa Wanna quit all the time, um curioso soul abolerado, com batidinha latina e slide guitar.
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Faye voltou disposta a unir a acidez do som alternativo a um banho de loja setentista. O som do álbum dá destaque não apenas a sua voz e composições, como também aos músicos – em especial à guitarra pedal steel de Matt Stoessel e ao piano Rhodes de Nick Rosen. Influências de soul setentista surgem em Lifetime, na zoeira eBay purchase history e na faixa-título. O rapper Lil Yatchy, com quem Faye estudou na escola, solta vocais autotunados no indie rock Lego ring.
Uma faceta mais bubblegum, demarcada por riffs fortes de guitarra e baixo distorcido, comparecem em He loves me yeah!, no indie rock Lego ring e no single But not kiss, uma canção em que a personagem não consegue decidir se o melhor é aproveitar o amor ou ficar livre dele – por acaso, algumas faixas, como a curtinha Feeling good today, apontam para uma visão quase infantil da vida adulta. Para causar bastante estranhamento no/na ouvinte, o disco começa logo com uma música bem longa (mais de seis minutos) e repetitiva, Thinking about you. É o tipo de faixa que qualquer produtor jogaria logo para o fim do disco, mas a letra, falando sobre um relacionamento pra lá de duvidoso, parece abrir um ciclo em Underdressed.
Nota: 8
Gravadora: Secretly Canadian.
Lançamento: 1 de março de 2024.
Crítica
Ouvimos: Davido – “5ive”

RESENHA: Com clima de verão, 5ive mostra Davido misturando tendências do afropop em um disco ambicioso e cheio de possíveis hits – mas precisava mesmo fazer um feat com Chris Brown?
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Aquele clima de praia, azaração (ainda se diz isso?), gente bonita e você, portando um drinque com guarda-chuvinha e usando uma camisa de botão no estilo do Magnum. Provavelmente é o que vai ficar na sua mente enquanto você ouve 5ive, quinto disco do popstar norte-americano de ascendência nigeriana David Adedeji Adeleke, ou simplesmente Davido.
Com um número enorme de convidados e um passeio por uma gama de estilos que pode ser definida como afropop (mas abarca reggaeton, trap, kuduro, pop latino, o africano highlife, etc), Davido é um cara cascudo e autoconfiante – a ponto de abrir seu álbum novo com uma vinheta orquestrada e narrada na qual se compara ao Davi da batalha bíblica com o gigante Golias. O repertório de 5ive mistura gastação de onda típica do trap, vibes afrolatinas e, volta e meia, temas de amor, sexo e territórios dominados.
É o que rola em faixas como Anything, Offa me (com Victoria Monet), R&B (que une o estilo ao trap) e Awuke – essa última, uma parceria com YG Marley, o filho de Lauryn Hill e Rohan Marley, e neto de Bob Marley, e uma das músicas em que Davido mostra influências do amapiano, um combinado de estilos e misturas musicais vindo da África do Sul. Essas mesclas dominam também faixas como Lover boy (com os franceses Tayc e Dadju) e With you (com Omah Lay), duas músicas que surgem no finalzinho do disco, e que dariam bons hits no Brasil.
Isso porque algumas coisas de 5ive são, digamos, análogas a muita coisa já testada e aprovada por aqui – só que vêm com uma cara bem diferente. A ótima Lately poderia ser gravada pela Shakira, e Tek (com Becky G), ganha um ar de lambada, e é aberta por um riff de sax que parece um corte feito a gilete no saxofone de Careless whispers, de George Michael. Indica que Davido, provavelmente, em algum momento, pode acabar estourando por aqui. E esse número enorme de convidados, claro, já é um esforço para chegar nos fandoms mais variados, o que também indica que, em algum momento, pode rolar um feat com algum nome brasileiro (Ivete Sangalo, não, pelo amor de deus).
A vontade de variar os feats acabou fazendo alguém da produção de 5ive, talvez o próprio Davido, viajar feio na maionese. O canceladaço Chris Brown surge soltando (mal) a voz em Titanium, uma música nota 2 do disco, e faz vir à mente a pergunta: “quem pediu isso?”. Em compensação, no animado afropop Funds, Davido dá espaço a dois nomes do pop nigeriano, Odumodublvck e Chike, e ele mesmo acaba servindo de ponte para que o afropop surja no mercado norte-americano diretíssimo da fonte. Mesmo com a irregularidade típica dos enormes discos pop de hoje em dia, 5ive vem com cara de território dominado.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 7,5
Gravadora: DMW/Columbia
Lançamento: 18 de abril de 2025.
Crítica
Ouvimos: 43duo – “Sã verdade” (EP)

RESENHA: O 43duo mistura pós-punk e psicodelia com naturalidade no EP Sã verdade, unindo grooves, ecos 60s/80s e letras poéticas e instintivas.
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O 43duo é uma dupla-banda de Paranavaí (PR) que toca de maneira bem peculiar: enquanto Hugo Ubaldo faz guitarras circulares, assemelhadas a loops de fita, Luana Santana toca teclados – inclusive synth bass – e bateria ao mesmo tempo (haja coordenação motora!). E os dois dividem os vocais. Com influências assumidas de Tame Impala, Boogarins, The White Stripes e Pink Floyd, mostram no EP Sã verdade uma mescla quase natural de pós-punk e psicodelia, buscando climas e timbres que aludam tanto a The Who, Kinks e Beatles quanto a Echo and The Bunnymen.
A faixa-título abre com um ataque de guitarra e bateria bastante sessentista, mas que logo vai buscando lugar no lado mais garageiro e profundo do rock britânico oitentista – com psicodelia vaporosa e delicada, algum peso, uma guitarra meio The Edge, meio blues-rock e final viajante. Sal e sina tem base forte, som que ocupa espaços e união de sons cavalares e brasilidades. Navio de sonhos une mod rock e vibrações sombrias num espaço repleto de eco e trevas – muito embora as letras do 43duo sejam poéticas e até naturalistas.
Essa sonoridade ganha contornos mágicos na voadora Guabiruba pt. II, um dream pop sobre as mutações do mundo e a força da natureza, unindo punk garageiro e ritmos nacionais. A balançada Cabeça vazia (Chuva cinza) lembra uma versão groovada dos Mutantes e do Som Imaginário. Concreto, aberta por clima desértico, soa quase stoner, lascada, lisérgica no arranjo, punk na execução, enquanto Lispector é um pós-punk com discreta cara beatle.
Uma das principais características do 43duo é que o som deles não parece vir de uma enorme esquentação de mufa. A sonoridade e o clima das letras parecem vir de uma mistura natural, e de uma voz pessoal como compositores e músicos adquirida em ensaios e reuniões de criação. Sã verdade – uma brincadeira poética com a “pós-verdade”, como se fosse o oposto dela – consegue parecer confortável e desafiador ao mesmo tempo, e conquista os ouvidos por causa disso.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 9
Gravadora: Independente
Lançamento: 12 de junho de 2025
Crítica
Ouvimos: Beto – “Matriz infinita do sonho”

RESENHA: Em Matriz infinita do sonho, Beto cria uma MPB psicodélica e cinematográfica, misturando rock, ritmos afro-brasileiros e espiritualidade vivida.
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Beto, músico e cantor pernambucano, impressiona pelas texturas e pelo clima quase cinematográfico que imprime às faixas de Matriz infinita do sonho – sempre apontando para os lados da negritude, da espiritualidade e dos conhecimentos que só aparecem com a vivência pessoal. Coração preto, na abertura, é um rock abolerado com metais, guitarra com várias distorções no solo, e melodia com certo ar beatle – uma MPB com clima de rock que evoca Lanny Gordin. Pedra verde traz cordas rangendo, dando um som mágico e forte a uma música cujo violão tem emanações de Gilberto Gil.
Beto também apresenta em Matriz canções marítimas (Never die, Yara do mar), pequenos ritos musicados (Peixa), um tema jazzístico, experimental e percussivo (Marx Mellow, com Vitor Araújo no piano) e um reggae com células rítmicas alteradas pelo piano, que vai se aproximando de um dub (Brinquedo). Dandara é som com cara de Gal Costa e João Donato, e Valsinha, surpresa no disco, é uma valsa selvagem, com bastante percussão no começo e psicodelia injetada pela guitarra.
Texto: Ricardo Schott.
Nota: 8
Gravadora: YB Music
Lançamento: 6 de junho de 2025.
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