Crítica
Ouvimos: Weatherday, “Hornet disaster”

Definir esse disco do Weatherday (que passa de uma hora!) não é tarefa fácil. O projeto do compositor sueco Sputnik mistura emo, shoegaze, lo-fi e, acima de tudo, um slacker rock bem detonado. Dá para imaginar algo na linha do Pavement, só que mais angustiado — um primo nerd, cheio de piercings, viciado em videogames e computadores, e fã de climas sombrios. O som tem uma vibe caseira, propositalmente ruidosa, como se as caixas de som estivessem prestes a estourar. Se você ouvir de fone ou no volume máximo, pode até sair com um bom zumbido no ouvido.
A revista Flood chamou atenção para um fenômeno curioso: a velocidade dos tempos atuais pode fazer com que certos estilos musicais surjam e desapareçam sem nem serem catalogados. No texto que Mike Lesuer escreveu para a publicação, há até uma menção ao shitgaze — uma suposta versão ainda mais bagunçada e caótica do shoegaze, que talvez nem passe de uma piada.
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Enquanto isso, Hornet disaster soa como uma banda iniciante tentando manter a calma ou como um produtor juntando beats e solos de guitarra. Algumas faixas chamam atenção: a música-título é um eletropunk perturbador; Meanie mistura emo com solos de heavy metal; Angel traz riffs que lembram trilhas de videogame; Hug é sombria, com um vocal quase fantasmagórico; e Radar ballet é um caos total, um emo cru reduzido a um som de quarto, gritaria total. Já músicas como Take care of yourself (Paper-like nests) e Green tea seaweed sea estão mais para um slacker-rock emocore.
De diferente, inovador ou mais estranho ainda, Hornet disaster tem as guitarras apitando de Blood online, a balada gótica Chopland sedans e os oito minutos de Nostalgia drive avatar, alternando passagens próximas do punk e climas mais eletrônicos. Já Aldehydes é mais sonhadora que o resto do disco – tem cordas (ou algo parecido), mas só para tornar a música mais sombria e duvidosa. No fim, Heaven smile é o mais próximo de um batidão no disco – uma música “psicodélica”, a seu modo, e mais eletrônica que o restante do álbum.
No geral, quem não for muito fã do estilo (seja lá qual for), do Weatherday ou dos projetos de Sputnik, pode achar Hornet disaster cansativo, duvidoso ou até inaudível—ou só uma piada levada a sério, como o tal shitgaze. Mas a estética crua e cheia de interferências do Weatherday soa como um novo meio de comunicação, uma nova música ou um novo barulho. Um disco que, de certa forma, já começa desconvidando o ouvinte. Tenta aí.
Nota: 7
Gravadora: Topshelf Records
Lançamento: 19 de março de 2025.
Crítica
Ouvimos: Benefits, “Constant noise”

O maior benefício (sim, é um trocadilho idiota) do Benefits é mostrar que ainda é possível inovar no pós-punk. Mesmo que à custa da popularização do seu som, já que o que se ouve em Constant noise, segundo disco da dupla (Kingsley Hall e Robbie Major, os nomes dos sujeitos), é uma mistura de ambient, punk, eletrorock, metal e krautrock com vocais falados.
Não, não são raps. A música da dupla é uma onda constante de spoken word, com vocais cuspidos e frases raivosas como “estou olhando para uma montanha de merda”, “promessas se transformam em mentiras, que se transformam em promessas / e aí eles morrem”, “um homem na TV diz que mísseis estão disparando / e interrompe minha thread social”. Quase sempre o alvo é o ser humano perdido em meio a redes sociais, notícias a todo momento, burnout e cérebro apodrecendo.
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Constant noise é um disco que Kingsley definiu à Rolling Stone britânica como sendo “muito mais raivoso que o anterior” (a estreia Nails, de 2023). Ele também contou que sua voz saiu “fodida” da gravação do disco, ainda que os gritos se resumam à faixa Lies and fear, punk-metal pesado, batido intermitentemente na bateria e nas guitarras, com torrente de ruídos no final. A faixa-título, que abre o álbum, traz um coral perturbador de uma nota só ao fundo, até que a música se transforma numa faixa sintetizada e introspectiva. Land of the tyrants, com Zera Tonin nos vocais sussurrados, fala sobre o fim de todo tipo de virtude (“salve o ladrão / nesta terra dos tiranos”) em meio a um clima dançante e estranho. The victory lap é quase um drum’n bass.
Já a guerrilheira Missiles, estranhamente, é uma das primeiras vezes em que a narração do disco se torna calma – ainda que seja uma canção anti-guerra de seis minutos, com teclados em tom apocalíptico. Outra mudança rola em Blame, única faixa do disco a ter vibe de rap, com batidão dance cavernoso e teclados que parecem sonorizar a imagem de várias luzes se digladiando. Prosseguindo, tem o clima espacial e sombrio de Continual, uma espécie de samba-jazz ambient em Divide, um aceno à fantasmagoria do Radiohead em Everything is going to be alright e um jazz experimental e fúnebre em Terror forever.
Constant noise tem também duas canções que caminham do pop oitentista ao eletrônico lúgubre, Relentless e Dancing on the tables. Além da tempestade sonora (anunciada por um coral fantasmagórico e por uma letra que fala em cidades-quase-fantasma) em The brambles, e de uma rara música cantada, a destrutiva Burnt out family home. O Benefits não faz concessões, mas pode se tornar uma obsessão para quem busca música densa, perturbadora e implacável.
Nota: 9
Gravadora: Invada Records UK
Lançamento: 21 de março de 2025.
Crítica
Ouvimos: Nova Materia, “Current mutations”

Duo trevoso, meio francês, meio chileno, o Nova Materia descende do Panico, uma banda chilena de pós-punk que promovia uniões sonoras com ritmos latino-americanos. No EP Current mutations, Caroline Chaspoul e Eduardo Henriquez parecem mais interessados em promover mutações sonoras que passam pela experimentação synthpop. Lo que no entiendes, na abertura, está mais para um krautrock torto, com vocais falados e teclados distorcidos. Fictions of myself abre com um batidão que lembra um baile funk (alguns trechos vocais lembram alguém testando o som), descambando num eletrorock furioso.
Invisible flows tem tom tranquilo, mesmo com a batida constante e as vozes distorcidas – um som que começa como uma viagem etérea e aos poucos ganha contornos mais sombrios. Change mutate transformation, no final, traz o Nova Materia em um rock eletrônico de pegada quase industrial, guiado por ruídos de guitarra e teclado. O resultado é uma mistura intrigante: dançante e gótica, como um relaxamento imerso nas sombras.
Nota: 8
Gravadora: Beta Pictoris Music/Modulor
Lançamento: 7 de março de 2025.
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Crítica
Ouvimos: T. Greguol, “Coisa”

Seguindo a onda de Bum, disco anterior do músico paulista T. Greguol (resenhado aqui), Coisa é uma experiência, mais do que um álbum de música comum. Bum partiu de um teorema matemático, que chegou a ser a transcrito no encarte do álbum pelo matemático especialista em ciências de dados David Cecchini. Dessa vez, a ideia foi quebrar algumas regras e não seguir o manual tão à risca.
Greguol chamou 14 músicos, distribuiu tarefas e separou as performances deles em blocos. Coisa, tema de 11:30 que abre o disco, traz todo mundo junto, fazendo um som que vai do afro jazz ao som de grupos como Captain Beefheart & His Magic Band e Pink Floyd (o final tem algo de Interestellar overdrive). Guitarras distorcidas tomam conta da faixa, enquanto metais e uma bateria quase metálica chegam na sequência – e vozes percussivas unem-se aos batidões de tambor, como numa selva sonora. Nas gravações, Greguol gravou percussão tocando pela casa e “no saxofone, tentei errar tudo”, como conta.
Trazendo as performances separadas de blocos de músicos, as outras faixas praticamente recriam a música, como no batuque afro de Apeieio amimí aiôio, o jazz punk sabbathiano de Iva subiva caíva, a quase psicodelia de Malólia e a selvageria de Pexô mimí, com metais soando como animais levantando da hibernação.
Nota: 8
Gravadora: Independente.
Lançamento: 1 de fevereiro de 2025
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